Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
216881/08.4YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: INSOLVÊNCIA
MANDATÁRIO JUDICIAL
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
ACÇÃO
DEVEDOR
Data do Acordão: 03/22/2011
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: LEIRIA – 2ºJUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1º E 110º, Nº 2, AL. A), E 128º DO CIRE; 287º, AL. E) DO CPC
Sumário: I – Mantém-se, nos termos do artº 110º, nº 2, al. a) do CIRE, até à audiência em que o advogado leva ao conhecimento do tribunal a declaração da insolvência, o mandato judicial que lhe foi conferido pelo devedor declarado insolvente, se entre a declaração de insolvência e a audiência mediou apenas cerca de um mês e o administrador da insolvência não tomou qualquer providência a esse respeito.

II – O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência – artº 1º do CIRE.

III – Extingue-se a instância, por inutilidade superveniente da lide, na acção declarativa em que é pedido o reconhecimento de um crédito e a condenação do devedor no respectivo pagamento, se entretanto foi declarada, com trânsito em julgado, a insolvência deste, com abertura do incidente de qualificação com carácter pleno e fixação de prazo para a reclamação de créditos.

Decisão Texto Integral:          Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

         1. RELATÓRIO

         A..., S. A., com sede na ...., requereu, em 05/09/2008, providência de injunção contra B..., LDA, com sede na ...., exigindo o pagamento da quantia de € 8.964,82 (€ 8.760,07 de capital, € 156,75 de juros de mora e € 48,00 de taxa de justiça), invocando como causa de pedir um contrato de compra e venda de mercadorias que a requerida, compradora, não cumpriu integralmente.

         A requerida, em 12/12/2008, deduziu oposição, impugnando, motivadamente, a factualidade alegada pela requerente.

         Distribuído o processo, realizou-se, em 15/09/2009, a audiência de discussão e julgamento, em cujo início foi pelo ilustre mandatário da requerida levado ao conhecimento do tribunal que esta fora declarada insolvente por sentença proferida em 19/08/2009 nos autos nº 849/09.9TBVNO, a correr termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ourém.

         Suspensa a audiência e junta aos autos certidão, com nota de trânsito em julgado, da sentença que declarou a insolvência da requerida (cfr. fls. 19 a 28)[1], foi proferido, em 23/11/2009, o despacho de fls. 29 declarando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

         Irresignada, a requerente interpôs recurso e apresentou alegação que encerrou com as conclusões seguintes:

[…]

         Não foi apresentada resposta.

         Nada obstando a tal, cumpre apreciar e decidir.


         ***

         Tendo em consideração que:

         - O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil);

         - Nos recursos se apreciam questões e não razões;

         - Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

         as duas questões a decidir são as de saber se (1) havia consequências processuais a extrair da eventual caducidade, por força da declaração de insolvência, do mandato conferido pela insolvente ao ilustre advogado que a representa nos autos e (2) se devia ou não ter sido extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.


***

         2. FUNDAMENTAÇÃO

         2.1. De facto

         Os elementos de facto e incidências processuais relevantes para a decisão são os constantes do antecedente relatório que aqui se dá por reproduzido.


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         2.2. De direito

         2.2.1. Caducidade do mandato judicial

         Sustenta a recorrente nas conclusões 4ª a 7ª que, nos termos dos artºs 110º, nº 1 e 112º do CIRE, o mandato judicial caducou com a declaração de insolvência do mandante e, não tendo o Administrador da insolvência sido notificado, de acordo com o estabelecido no artº 40º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, para suprir a falta de mandato daí decorrente, nem tendo efectivamente sido constituído novo mandatário no prazo de 20 dias, o processo deveria ter seguido os seus termos e, conforme disposto no artº 33º do mesmo diploma legal, ter ficado sem efeito a defesa apresentada, sendo a R. condenada no pedido.

         É manifesto que a recorrente não tem razão.

         Com efeito, nos termos do artº 110º, nº 2, al. a) do CIRE, considera-se que o mandato se mantém, apesar da declaração de insolvência, “caso seja necessária a prática de actos pelo mandatário para evitar prejuízos previsíveis para a massa insolvente, até que o administrador da insolvência tome as devidas providências”.

         No caso que nos ocupa, a oposição à injunção foi apresentada em 12/12/2008, a declaração de insolvência tem a data de 19/08/2009 e a audiência de discussão e julgamento estava marcada – e realizou-se – no dia 15/09/2009.

         Ou seja, trata-se de uma situação perfeitamente enquadrável na previsão da al. a) do nº 2 do artº 110º do CIRE, em que não pode deixar de se considerar que o mandato do ilustre advogado da insolvente se manteve até à audiência, após cuja abertura, como lhe competia no correcto desempenho das suas funções, deu conhecimento ao tribunal de que a sua mandante fora declarada insolvente, fornecendo todos os elementos para a situação ser confirmada e para serem tomadas as providências adequadas.

         A partir desse momento, atendendo ao disposto no artº 663º do Cód. Proc. Civil, não podia o Tribunal ignorar a declaração de insolvência e dela extrair todas as consequências processuais.

         Nega-se, portanto, razão à recorrente quanto à questão referida.


***

         2.2.2. Inutilidade

         No que respeita aos efeitos processuais da declaração de insolvência sobre as acções pendentes contra o insolvente há que ter em conta o disposto nos artºs 85º e 88º do CIRE[2].

         Estabelece o artº 85º:

         1 – Declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo.

         2 – O juiz requisita ao tribunal ou entidade competente a remessa, para efeitos de apensação aos autos da insolvência, de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente.

         3 – O administrador da insolvência substitui o insolvente em todas as acções referidas nos números anteriores, independentemente da apensação ao processo de insolvência e do acordo da parte contrária.

         Preceitua, por sua vez, o artº 88º:

         1 – A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.

         2 – Tratando-se de execuções que prossigam contra outros executados e não hajam de ser apensadas ao processo nos termos do nº 2 do artigo 85º, é apenas extraído, e remetido para apensação, traslado do processado relativo ao insolvente.

         No caso que nos ocupa, estamos perante uma acção especial destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, acção essa que teve a sua origem num requerimento de uma providência de injunção que foi objecto de oposição (Decreto-Lei nº 269/98, de 01/09).

         Trata-se, pois, de uma acção declarativa de condenação [artº 4º, nº 2, al. b) do CPC], intentada contra o devedor (insolvente), inequivocamente fora da previsão do artº 88º acima transcrito.

         E não se apreciando nela questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, nem nela se tendo efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de tais bens, a acção em apreciação não se enquadra igualmente na previsão do artº 85º[3].

         Então, pergunta-se, a declaração de insolvência não tem qualquer efeito processual nesta acção, apesar da sua natureza exclusivamente patrimonial, já que o seu escopo se restringe à condenação do devedor no pagamento duma quantia pecuniária?

        

Como é referido no Ac. do STJ de 25/03/2010[4], “tem havido divergência de entendimentos na jurisprudência dos tribunais da Relação sobre a questão em apreciação, desenhando-se duas vias de solução, cuja dissonância se reconduz à determinação do momento a partir do qual se pode afirmar, com segurança, a inutilidade superveniente da acção declarativa.

Uma das posições defende que, transitada em julgado a sentença que declara a insolvência da ré, verifica-se a inutilidade superveniente da lide laboral (cf., neste sentido, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18 de Outubro de 2006, Processo n.º 6544/2006-4, do Tribunal da Relação do Porto, de 27 de Outubro de 2008, Processo n.º 0852812, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de Novembro de 2008, Processo n.º 9836/2008-6, do Tribunal da Relação do Porto, de 8 de Junho de 2009, Processo n.º 116/08.5TUMTS.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

A outra posição, aceitando que o trabalhador/credor sempre terá de reclamar o respectivo crédito no âmbito do processo de insolvência, pois só aí poderá obter pagamento, defende, contudo, que a inutilidade da acção declarativa apenas ocorrerá a partir do momento em que, no processo de insolvência, é proferida sentença de verificação de créditos, uma vez que, a partir desse momento, é essa sentença que reconhece e define os direitos dos credores, conservando, antes desse momento, a acção declarativa a sua utilidade na medida em que a sentença a proferir nessa acção poderá ser invocada para efeitos de verificação do crédito na insolvência e na medida em que tal sentença sempre poderá vir a produzir efeitos nas situações em que o processo de insolvência é encerrado antes do rateio e sem que chegue a ser proferida sentença de verificação de créditos (cf., neste sentido, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15 de Fevereiro de 2007, Processo n.º 168/06.2TTCBR.C1, do Tribunal da Relação do Porto, de 29 de Outubro de 2007, Processo n.º 0714018, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de Abril de 2008, Processo n.º 10486/2007-4, do Tribunal da Relação do Porto, de 17 de Dezembro de 2008, Processo n.º 0836085, todos disponíveis em www.dgsi.pt)”.

Ambas as posições jurisprudenciais referidas reconhecem a especificidade da situação prevista no artigo 39.º do CIRE, em que o juiz, concluindo que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e não estando essa satisfação por outra forma garantida, dá apenas cumprimento ao disposto nas alíneas a) a d) e h) do artigo 36.º do CIRE e declara aberto o incidente de qualificação com carácter limitado, e não seja requerido que a sentença seja complementada com as restantes menções daquele artigo 36.º, caso em que o processo de insolvência é declarado findo logo que a sentença transite em julgado [artigo 39.º, n.º 7, alínea b)], não conduzindo tal declaração de insolvência à inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil (cf., neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de Março de 2009, Processo n.º 2113/04.0YXLSB.L1-2, disponível em www.dgsi.pt).

 No caso, não se aplica tal restrição, pois foi declarado aberto incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno e fixado prazo para a reclamação de créditos.

Sem escamotear a dificuldade da questão, e seguindo, por nos ter convencido, a argumentação do aresto referido, inclinamo-nos para a primeira das posições indicadas.

É sabido que o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente – artº 1º do CIRE.

         Para que o objectivo do processo de insolvência possa ser atingido é indispensável, pois, por um lado, a completa identificação, para eventual liquidação, de todo o património do devedor e, por outro, a determinação do seu passivo, consistente, basicamente, na identificação dos credores e montantes e características dos créditos.

         A matéria relativa à referida determinação do passivo está regulamentada nos artºs 128º e seguintes do CIRE. Estatui a disposição legal referida:

         1 – Dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público da defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, (…).

         2 – (…).

         3 – A verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.

         Mesmo que já estivesse munido de uma sentença definitiva que reconhecesse o seu crédito, o recorrente, se quisesse obter pagamento no processo de insolvência, teria de ali reclamá-lo. Por maioria de razão, diremos nós, terá de reclamá-lo no processo de insolvência, se quiser ali obter pagamento, quando, estando pendente acção declarativa, nesta ainda não foi proferida decisão final.

         A presente acção tem natureza declarativa e fim condenatório, já que com ela a requerente visa o reconhecimento de um crédito e a condenação do devedor no pagamento da dívida correspondente.

         A utilidade de tal acção estaria na obtenção de um título executivo que – afastada que está a hipótese de pagamento voluntário – permitisse à requerente instaurar a competente acção executiva, nela requerendo as providências adequadas à reparação efectiva do direito violado (artº 4º, nº 3 do CPC).

         Contudo, como se referiu, a detenção desse título, ou seja, da sentença transitada em julgado, não dispensaria a recorrente de reclamar o seu crédito no processo de insolvência, estando-lhe vedada a instauração de execução singular, o que redunda na inutilidade da sentença que nesta acção obtivesse e, por via disso, na inutilidade do prosseguimento dos autos de acção declarativa que à mesma conduziriam[5].

        

A outra posição acima referida defensora de que a inutilidade da acção declarativa apenas ocorrerá a partir do momento em que, no processo de insolvência, é proferida sentença de verificação de créditos, depara com alguns obstáculos, a nosso ver intransponíveis.

         Por um lado, o artº 47º, nº 1 estatui que “declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio”.

         Ou seja, declarada a insolvência, os titulares dos créditos referidos deixam de ser credores do devedor insolvente, passando a ser credores da insolvência.

         E, de acordo com o artº 90º, “os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência”.

         Em anotação ao preceito citado dizem Carvalho Fernandes e João Labareda[6]: “Na verdade, o artigo 90º limita-se a determinar que, durante a pendência do processo de insolvência, os credores só podem exercer os seus direitos «em conformidade com os preceitos do presente Código». Daqui resulta que têm de os exercer no processo de insolvência e segundo os meios processuais regulados no CIRE”.

         E, um parágrafo abaixo, prosseguem: “Um corolário fundamental do que fica determinado é o de que, para poderem beneficiar do processo de insolvência e aí obterem, na medida do possível, a satisfação dos seus interesses, os credores têm de neles exercer os direitos que lhes assistem, procedendo, nomeadamente, à reclamação dos créditos de que sejam titulares, ainda que eles se encontrem já reconhecidos em outro processo (…).”

         “Por conseguinte, a estatuição deste artº 90º enquadra um verdadeiro ónus posto a cargo dos credores”.

         E no acórdão do STJ de 25/03/2010, já referido, insiste-se nesta ideia nos seguintes termos: “Com efeito, o artº 90º determina, com carácter imperativo, que durante a pendência do processo de insolvência, os credores da insolvência só poderão exercer os seus direitos de acordo com os meios processuais do CIRE. Trata-se de um verdadeiro ónus posto a cargo dos credores”.

         Se, declarada a insolvência as acções declarativas pendentes contra o devedor insolvente, em que se discutissem direitos patrimoniais, prosseguissem estaria a desrespeitar-se o comando dos preceitos legais atrás indicados, com particular relevo para o artº 90º, pois que aqueles credores da insolvência estariam, na pendência desta, a exercer os seus direitos por meios processuais alheios ao CIRE.

        

Como também se refere no aresto do STJ de 25/03/2010, “a inutilidade superveniente da lide verifica-se quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio (cf., sobre esta temática, JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1946, pp. 367-373, JOSÉ LEBRE DE FREITAS e OUTROS, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pp. 510-512, e ainda CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 280-282)”.

No caso presente, como decorre de quanto atrás ficou dito, a decisão a proferir na acção declarativa de condenação já não pode ter qualquer efeito útil, razão pela qual surgiu supervenientemente inutilidade da lide, motivadora da extinção da instância.

         Nega-se, portanto, também quanto a esta questão, razão à recorrente.

         Soçobram, pois, as conclusões da alegação da recorrente, o que conduz à improcedência da apelação e à manutenção da decisão recorrida.

         Nos termos do artº 713º, nº 7 do Cód. Proc. Civil, elabora-se o seguinte sumário:

         I – Mantém-se, nos termos do artº 110º, nº 2, al. a) do CIRE, até à audiência em que o advogado leva ao conhecimento do tribunal a declaração da insolvência, o mandato judicial que lhe foi conferido pelo devedor declarado insolvente, se entre a declaração de insolvência e a audiência mediou apenas cerca de um mês e o administrador da insolvência não tomou qualquer providência a esse respeito.

         II – Extingue-se a instância, por inutilidade superveniente da lide, na acção declarativa em que é pedido o reconhecimento de um crédito e a condenação do devedor no respectivo pagamento, se entretanto foi declarada, com trânsito em julgado, a insolvência deste, com abertura do incidente de qualificação com carácter pleno e fixação de prazo para a reclamação de créditos.


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         3. DECISÃO

         Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, em manter a decisão recorrida.

         As custas são a cargo da apelante.


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Artur Dias (Relator)
Jaime Ferreira
Declaração de voto

Voto vencido porque, não obstante o brilho da argumentação exposta, me parece mais razoável a tese de que a inutilidade superveniente da lide das acções declarativas pendentes ocorre, não com a sentença declaratória de insolvência, mas com a sentença de verificação de créditos, pois só esta, assumindo a função de certificação de direitos individuais, legitima os credores ao pagamento no processo de insolvência.
Antes deste momento, a acção declarativa mantém utilidade na medida em que a sentença a proferir pode ser invocada como prova para efeitos da verificação do crédito na insolvência. Por outro lado, a sentença pode produzir efeitos fora do processo de insolvência, designadamente nas situações ( arts.230 e segs. CIRE ) em que o processo de insolvência é encerrado sem que chegue a ser proferida sentença de verificação de créditos.


Jorge Arcanjo

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[1] Realce-se que nessa sentença foi declarado aberto o incidente de qualificação com carácter pleno e fixado prazo para a reclamação de créditos (cfr. artºs 36º e seguintes do CIRE).
[2] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas aprovado pelo Dec. Lei nº 53/2004, de 18/03 e alterado pelo Dec. Lei nº 200/2004, de 18/08. A este diploma pertencem todas as disposições legais adiante citadas sem menção da origem.
[3] Também não tem aplicação o disposto no artº 89º do CIRE porque a dívida em causa nesta acção é uma dívida da insolvência e não uma dívida da massa insolvente (cfr. artº 51º do CIRE).
[4] Proc. nº 2532/05.5TTLSB.L1.S1, relatado pelo Cons. Pinto Hespanhol – www.dgsi.pr/jstj.
[5] Cfr. , para além do já acima indicado e da jurisprudência nele citada, o Acórdão do STJ de 13/01/2011 (Proc. 2209/06.4TBFUN-L1.S1), in ww.dgsi.pt/jstj; Acórdãos da Relação do Porto de 07/02/2002 (Proc. 0132123, relatado pelo Des. Pinto de Almeida, in www.dgsi.pt/jtrp); da Relação de Évora de 18/12/2007 (Proc. 2473/07-2, relatado pelo Des. Pires Robalo, in www.dgsi.pt/jtre); e da Rel. de Lisboa de 18/10/2006 (Proc. 6544/2006-4, relatado pelo Des. Ramalho Pinto, in www.dgsi.pt/jtrl).
[6] CIRE Anotado, Quid Juris, 2008, pág. 364.