Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA JOSÉ MATOS | ||
Descritores: | AMNISTIA ÂMBITO DE APLICAÇÃO IDADE | ||
Data do Acordão: | 04/10/2024 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Tribunal Recurso: | VISEU (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE VISEU – J1) | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ART. 2º, N.º 1, DA LEI N.º 38-A/2023, DE 2.8 | ||
Sumário: | O regime de perdão de penas e de amnistia estabelecido pela Lei n.º 38-A/2023 é aplicável aos jovens a partir da maioridade penal e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ. | ||
Decisão Texto Integral: | * Acordam os Juízes, em Conferência, na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
. RELATÓRIO
Nos presentes autos de Processo Comum Singular que seguem termos sob o nº 1644/15.... no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu/Juízo Local Criminal .../Juiz ..., na sequência de requerimento apresentado pelo arguido AA veio a ser proferido o despacho judicial que indeferiu a aplicabilidade do perdão previsto na Lei nº 38-A/2023 de 02/08, em razão da sua idade, à data da prática dos factos.
Inconformado com tal despacho, o arguido AA veio interpor recurso, que se apresenta motivado e com as seguintes conclusões:
i. Interpretou e aplicou erroneamente o artigo 2º, nº 1 da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, o Doutro Tribunal “ad quo”, indeferindo o Requerimento interposto pelo arguido condenado, aqui Recorrente, para beneficiar do perdão de 1 (um) ano à pena aplicada, nos termos do artigo 3º da mesma Lei. ii. Sendo que, a correcta interpretação da norma em causa, seria no sentido de aplicar o artigo 2º, nº 1 à situação em concreto, beneficiando o arguido condenado da dita norma. iii. Ainda que assim não se entenda, a mesma norma deve ser aplicada ao arguido condenado, porquanto a sua não aplicação em razão da idade, seria uma clara violação do Princípio da Igualdade, plasmado no artigo 13º da Lei Fundamental. iv. Fazendo assim a mais elementar justiça, relembrando que esta é a guardiã da liberdade e não do inverso. Por tudo o acima exposto deverá a Douta Decisão recorrida ser revogada, declarando-se aplicável ao caso concreto, o artigo 2º, nº 1 da referida Lei e em conformidade, aplicar o perdão de 1 ano de prisão ao arguido condenado AA, aqui recorrente.
Notificado o Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 411º do Código do Processo, veio o mesmo pronunciar-se, no uso da faculdade a que alude o artigo 413º do mesmo diploma legal, no sentido da improcedência do recurso interposto apresentando as seguintes conclusões:
1. No caso dos autos os factos ocorreram em 27 de dezembro de 2015 e integram o crime de furto qualificado, pelo qual foi o arguido recorrente condenado na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova e plano a elaborar pela DGRSP, tendo, através de decisão proferida na data de 04.12.2021, sido revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido. 2. O arguido recorrente AA nasceu em ../../1985 e os factos pelos quais veio a ser condenado ocorreram em ../../2015, pelo que, à data da prática dos factos, tinha, 30 (trinta) anos, 3 (três) meses e 21 (vinte e um dias). 3. Pelo que não se verifica o preenchimento da delimitação subjetiva, previsto no art. 2.º, n.º 1 da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto. 4. Tendo em conta o caso em apreço e tendo em conta o teor literal das normas, a sua inserção sistemática e a exposição de motivos, somos de entender que, em matéria criminal, o perdão de penas e a amnistia, previstos na Lei 38-A/2023, de 02/08, só se aplicam aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19/06/2023, por pessoas que tivessem entre 16 e 30 anos de idade, à data da prática dos factos. 5. “Entre” significa isso mesmo, entre duas datas, entre dois momentos delimitados temporalmente, não sendo licito ao julgador entender que o legislador não se expressou como devia e que pretendia abarcar até aos 30 anos 11 meses e 29 dias de idade na data da pratica dos factos. 6. Se o quisesse dizer, tê-lo-ia dito de forma clara, e não o fez. 7. A expressão usada na lei 38º-A/2023, é idêntica à utilizada, por exemplo, na Lei Tutelar Educativa, onde se estatui, no seu artigo 1º que “A prática, por menor com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos, de facto qualificado pela lei como crime dá lugar à aplicação de medida tutelar educativa”, não sendo defendido que a LTE se aplique a quem tenha 16 anos 10 meses e 12 dias de idade na data da prática dos factos. 8. Cremos, pois, que o perdão e a amnistia previstos neste diploma apenas se aplicam a quem tenha entre 16 e 30 anos de idade à data dos factos, considerando-se com ultimo dia abrangido pelo perdão, aquele em que o agente completa 30 anos (as 23h59m e 59ss desse dia), e não inclusive, como pretende o arguido recorrente. 9. Na medida em que o arguido recorrente tinha, na data da prática dos factos, 30 anos, 3 meses e 21 dias, ou seja, tinha mais de 30 anos, pelo que não se verifica o preenchimento da delimitação subjetiva, previsto no art. 2.º, n.º 1 da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto. 10. A amnistia é uma medida por natureza discricionária, pelo que não faz sentido defender que coloca em causa o princípio da igualdade por abranger apenas jovens, como defende o constitucionalista Vitalino Canas. 11. Olhando ao histórico das amnistias em Portugal, a verdade é que tem havido amnistia de grupos específicos de pessoas e o Tribunal Constitucional nunca levantou problemas em relação a isso. 12. A amnistia não é um direito, é uma medida de clemência que pode ser assumida pela Assembleia da República. 13. A questão da inconstitucionalidade que a Lei da amnistia suscita foi já amplamente debatida no processo legislativo que a antecedeu, sendo que apesar de algumas reservas, até ao momento ainda não foi declarada a inconstitucionalidade da referida norma. 14. O princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP, a par com o princípio da universalidade, integra um dos primeiros direitos, liberdades e garantias reconhecidos pela CRP. 15. Questionado o Tribunal Constitucional sobre a observância do princípio da igualdade a propósito das anteriores Leis de Amnistia adotou como regra uma interpretação bastante flexível, que encontra limite no arbítrio - vide argumentação no Acórdão n.º 42/95 proferido no Processo nº 372/943 e no Acórdão nº 152/95, proferido no Processo nº 519/944, de 15 de março de 1995. 16. A lei aqui em causa reveste carácter geral e abstracto, pois ela aplica-se a todos os arguidos que se encontrem na situação por si descrita, que, assim, são em número indeterminado. 17. Por outro lado, a delimitação do âmbito de aplicação da lei está devidamente justificado e não se mostra arbitrária, nem irrazoável. 18. Pelo que, não padece, por isso, da apontada inconstitucionalidade. 19. Pelo que deverá o presente recurso ser julgado não provido e improcedente, mantendo-se a validade dos despachos exarados.
O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação de Coimbra emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2 do Código do Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir do recurso apresentado.
Com relevância para a decisão da matéria recursal foi feito constar o seguinte despacho:
Pelos motivos expostos na promoção que antecede, que aqui se dão por reproduzidos, tendo em conta o disposto no artigo 2º, nº 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto quanto ao âmbito de aplicação em razão da idade, e considerando que o arguido à data da prática dos factos tinha mais de 30 anos (concretamente, 30 anos, 3 meses e 21 dias), conclui-se não poder beneficiar do perdão, pelo que se indefere o requerido (refª. 6229123, de 10.11.2023). Notifique.
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. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Fazendo presente a norma do artigo 412º, nº 1 do Código do Processo Penal o objecto da lide recursal é fixado na motivação, onde são ancorados os seus fundamentos específicos e delimitado pelas conclusões, como síntese da respectiva fundamentação, sem prejuízo das questões que ao Tribunal ad quem incumba conhecer oficiosamente (como sejam os vícios enunciados no nº 2 do artigo 410º do Código do Processo Penal, as nulidades da sentença gizadas no artigo 379º, nº 1 e 2 do Código do Processo Penal e as nulidades que não devam ser consideradas sanadas face aos consignado nas disposições conjugadas dos artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1 do Código do Processo Penal)[1] [2]
Descendo ao caso dos autos, analisadas que sejam as conclusões apresentadas pelo recorrente AA, a questão que se apresenta a decidir é, pois, a seguinte:
. Impugnação do despacho recorrido, por erro de interpretação e aplicação da norma do artigo 2º, nº 1 da Lei nº 38-A/2023 de 02/08.
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. DECISÃO
Considerando o que é disposto no artigo 428º do Código de Processo Penal aos Tribunais da Relação estão conferidos poderes de cognição de facto e de direito.
Apreciando a lide recursiva apresentada pelo recorrente AA verificamos que o mesmo começa por alegar a existência de erro na interpretação e aplicação da norma do artigo 2º, nº 1 da Lei nº 38-A/2023 de 02/08, porquanto entende que do texto legislativo se retira ser aplicável aos jovens entre os 16 e os 30 anos inclusive, sendo, por isso, merecedor da aplicação do perdão ali consignado visto que, aquando da prática dos factos pelos quais foi condenado, tinha 30 anos, 3 meses e 21 dias. Adianta, num segundo passo que, a não ser acolhido tal entendimento é forçoso concluir que a dita norma contende frontalmente com o principio da igualdade, plasmado no nº 1 do artigo 13º da Constituição da Republica Portuguesa, porquanto ao beneficiar cidadãos condenados a penas de prisão, que à data da prática dos factos tinham até 30 anos e prejudicando aqueles que tinham mais de 30 anos, ao não beneficiarem da mesma norma, em razão da idade.
Cumpre decidir.
Estipula o artigo 2º da Lei nº 38-A/2023 de 02 de Agosto, sob a epígrafe “Âmbito”, que:
1 - Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º 2 - Estão igualmente abrangidas pela presente lei as: a) Sanções acessórias relativas a contraordenações praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 5.º; b) Sanções relativas a infrações disciplinares e infrações disciplinares militares praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6.º
Tendo em vista a cabal interpretação desta norma face aos ditames do artigo 9º do Código Civil – não obstante sabermos ser fruto de um acto individual de graça[3] e, assim, de natureza excepcional[4] - havemos de socorremo-nos da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 97/XV/1 onde consta que:
“A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) é um evento marcante a nível mundial, instituído pelo Papa João Paulo II, em 20 de dezembro de 1985, que congrega católicos de todo o mundo. Com enfoque na vertente cultural, na presença e na unidade entre inúmeras nações e culturas diferentes, a JMJ tem como principais protagonistas os jovens. Considerando a realização em Portugal da JMJ em agosto de 2023, que conta com a presença de Sua Santidade o Papa Francisco, cujo testemunho de vida e de pontificado está fortemente marcado pela exortação da reinserção social das pessoas em conflito com a lei penal, tomando a experiência pretérita de concessão de perdão e amnistia aquando da visita a Portugal do representante máximo da Igreja Católica Apostólica Romana justifica-se adotar medidas de clemência focadas na faixa etária dos destinatários centrais do evento. Uma vez que a JMJ abarca jovens até aos 30 anos, propõe-se um regime de perdão de penas e de amnistia que tenha como principais protagonistas os jovens. Especificamente, jovens a partir da maioridade penal, e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ. Assim, tal como em leis anteriores de perdão e amnistia em que os jovens foram destinatários de especiais benefícios, e porque o âmbito da JMJ é circunscrito, justifica-se moldar as medidas de clemência a adotar à realidade humana a que a mesma se destina. Nestes termos, a presente lei estabelece um perdão de um ano de prisão a todas as penas de prisão até oito anos, excluindo a criminalidade muito grave do seu âmbito de aplicação.”
Contemplando o texto legal tanto quanto a mencionada Exposição de Motivos importa concluir que a interpretação vertida no despacho recorrido é a única conforme ao texto plasmado na norma constante do nº 1 do artigo 2º da Lei nº 38-A/2023 de 02/08, na mira dos parâmetros gizados no artigo 9º do Código Civil. Por um lado, o texto legal é claro ao estabelecer os destinatários da norma, isto é, as pessoas que tenham entre 16 e 30 anos à data da prática dos factos. Além disso por se tratar de direito de natureza excepcional está, naturalmente, vedada a sua interpretação extensiva. Outrossim é concludente da leitura da Exposição de Motivos qual foi a intenção legislativa, a de dirigir a medida de clemência aos jovens, as pessoas entre 16 e 30 anos.
Prenhes, são a este propósito, as palavras de Américo Taipa de Carvalho[5] quando ensina que “No sentido de evitar interpretações judiciais discriminatórias ou mesmo arbitrárias, o nosso Código Civil, art. 9º, indica os critérios ou factores de interpretação. De acordo com este artigo, cujas disposições são válidas não apenas para o direito civil, mas para todos os ramos do direito, incluindo o penal, o interprete-aplicador deve procurar qual é «o pensamento legislativo», isto é, qual a finalidade e o âmbito normativo da lei: as situações fácticas ou os casos concretos abrangidos pela norma jurídica. Para conseguir este objectivo, o interprete deve atender quer às circunstancias históricas em que a lei foi elaborada quer às circunstancias actuais em que a lei é chamada a ser aplicada, bem como à ratio ou teleologia da norma. Mas há um outro factor da interpretação que não pode ser esquecido: o texto legal ou enunciado linguístico, pois que é este o meio de comunicação entre o legislador e os destinatários da norma jurídica, é este o mediador da normatividade jurídica sobre a realidade fáctica. Ora, o Código Civil, art. 9º, atribui, correctamente, ao texto legal ou teor literal duas funções essenciais: por um lado, e logicamente, o texto legal é o ponto de partida da interpretação (art. 9º-1); por outro lado, e também correctamente, o texto legal impede uma interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (art. 9º-2).”
Destarte nenhuma censura merece o despacho recorrido, razão por que será de manter integralmente.
Num segundo momento da sua lide recursal o recorrente AA vem aludir à inconstitucionalidade daquela versada norma, a do nº 1 do artigo 2º da Lei nº 38-A/2023 de 02/08 por contender com o principio da igualdade consignado no nº 1 do artigo 13º da Constituição da Republica Portuguesa, caso não venha a ser aplicada a quem tenha mais de 30 anos, à data da prática dos factos.
Vejamos. Analisado que seja todo o processo legislativo que desembocou com a promulgação da Lei nº 38º-A/2023 de 02/08 é forçoso concluir que foi amplo o debate relativo à respectiva constitucionalidade, no que concerne aos seus destinatários. Não sendo, também, a primeira das Leis de Perdão e Amnistia publicadas a propósito de visitas papais já, anteriormente, se debateram-se questões a esta conexa.[6] Outrossim muitos têm sido os arestos prolatados nas instâncias superiores a tomarem conhecimento desta matéria. Neste mesmo Tribunal[7] foi já decidido que “Esta lei reveste carácter geral e abstracto, pois aplica-se a todos os arguidos que se encontrem na situação por si descrita, portanto em número indeterminado, a delimitação do seu âmbito de aplicação está devidamente justificado e não se mostra arbitrária, nem irrazoável, pelo que não padece de inconstitucionalidade a limitação constante do n.º 1 do artigo 2.º.” Entendimento jurisprudencial que acolhemos, também, porquanto é capaz da melhor leitura do versado principio constitucional. É que o legislador que elaborou a versada lei, por ser de “direito de graça”, não estava vinculado a dirigi-la a todos os cidadãos e, por outro lado, soube apresentar com mérito e justificação plausível, a razão dos critérios que elegeu para a sua aplicabilidade aos jovens dos 16 aos 30 anos. Isto posto, ainda por se tratar de uma verdadeira norma jurídica, pois é geral e abstracta, não obnubila tal principio.
Terá, nestes termos, de improceder a lide recursal do recorrente AA.
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. DISPOSITIVO
Por todo o exposto, e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes da 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em:
- Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, mantêm integralmente o despacho recorrido. Custas a cargo do recorrente que se fixam em 4 UC (quatro unidades de conta), sem prejuízo do gozo de eventual benefício de apoio judiciário.
Coimbra, 10 de Abril de 2024
Declaração de voto Votei vencida por não concordar com a interpretação que foi dada ao artigo 2º, nº 1, da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, no que respeita à expressão “por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto”. Neste particular acompanho a jurisprudência da Relação de Évora, mormente a do Ac. de 6.2.2024, in www.dgsi.pt, onde se afirma que: “A referência constante do nº 1 do artigo 2º da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, “por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto”, considerando todo o elemento literal da normação em causa e, bem assim, o pensamento legislativo que lhe é inerente, não afasta o patamar dos 30 anos de idade, antes o inclui. Com efeito, enquanto a idade do agente se mantiver nos 30 anos, ao que se entende, está dentro desse limite/marco, pois, ao que se pensa, o legislador não usou a preposição “até” - que, efetivamente, fixaria o limite/espaço para além do qual se não pode ir -, nem afastou quem tivesse já 30 anos de idade (usando uma forma excludente, como cristalinamente o fez no D.L. nº 401/82, de 23 de setembro - Regime Penal Aplicável a Jovens Delinquentes -, no seu artigo 1º, nº 2, onde se plasma que “é considerado jovem para efeitos deste diploma o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos”). Tem-se 30/40/50 anos de idade no espaço temporal de 12 meses, desde a data que os atinge, até perfazer 31/41/51, sendo que é isto que parece advir da normalidade da vida quotidiana. Há, assim, que considerar que, no campo de abrangência do dispositivo em ponderação, cabe o universo de condenados que tenham 30 anos e enquanto os tiverem, medidos em tempo de 365 dias nesse estatuto/marco, à data da prática dos factos”. Como se refere no artigo 9º, nº 1, do Código Civil, “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”. Na Exposição de motivos da Proposta de Lei nº 97/XV/1.ª refere-se que: “Uma vez que a JMJ abarca jovens até aos 30 anos, propõe-se um regime de perdão de penas e de amnistia que tenha como principais protagonistas os jovens. Especificamente, jovens a partir da maioridade penal, e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ”. Se é certo que a redacção deste parágrafo não é clara e pode dar aso a várias interpretações, a verdade é que do mesmo ressalta que a idade limite das JMJ é a dos 30 anos. Não o momento em que se perfaz os 30 anos, mas enquanto se mantiver essa idade, o que acontece até se perfazer 31 anos. Do mesmo modo, o regime de perdão de penas e de amnistia terá o mesmo limite temporal. Tanto pelo elemento literal mas principalmente pelo histórico, pelo pensamento legislativo, discorda-se da posição tomada no presente acórdão.
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