Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1796/10.7T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
IMPUGNAÇÃO
DESTITUIÇÃO
GERENTE
JUSTA CAUSA
FALTA
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 01/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE GRANDE INSTÂNCIA CÍVEL DE AVEIRO.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 257º, Nº 7 DO C. SOCIEDADES COMERCIAIS; 685º-B DO CPC
Sumário: I – Nos termos do art.º 685º-B, n.º 1 e 2 do C. P. Civil, o recorrente que impugne a decisão da matéria de facto em processos onde foi efectuado o seu registo, tem o ónus de nas alegações especificar os pontos de facto concretos que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios constantes dos autos ou do registo da prova que considera determinantes da alteração pretendida, sob pena de rejeição do mesmo.

II - A especificação dos concretos meios probatórios constantes da gravação deve ser acompanhada da indicação do local onde na gravação constam aqueles, com referência ao assinalado na acta, nos termos do art. 522º-C, n.º 2 do C. P. Civil,

III - Deste modo, não basta ao recorrente atacar a convicção que o julgador formou sobre cada uma ou sobre a globalidade das provas para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, mostrando-se necessário que cumpra os ónus de especificação impostos pelos n.º 1 e 2 do art.º 685º-B do C. P. Civil, devendo ainda proceder a uma análise critica da prova de molde a demonstrar que a decisão proferida sobre cada um dos concretos pontos de facto, que pretende ver alterados, não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável.

IV - Da leitura do artº 257º, nº 7 do Código das Sociedades Comerciais resulta inequívoco que o gerente destituído sem justa causa tem direito a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos, entendimento que é unânime na doutrina e jurisprudência.

V - No seguimento desse entendimento tem vindo a ser decidido que essa indemnização não é uma consequência automática da destituição, exigindo-se que para a mesma ter lugar seja provada a existência de danos, não bastando para a sua atribuição a perda da remuneração que se auferia enquanto gerente, sendo necessário demonstrar que o gerente em causa, na sequência da destituição não teve a oportunidade de exercer outra actividade remunerada de idêntico nível económico, social e profissional.

VI - Embora a destituição unilateral dos gerentes seja um acto lícito, não é um acto isento de responsabilidade civil, fazendo antes nascer o direito de indemnização para os destituídos pelos danos que tiverem sofrido.

VII - Para o cômputo dessa indemnização deve atender-se àquilo que houver sido convencionado e, na ausência de convenção, o seu cálculo será feito nos termos gerais de direito, considerando-se, no entanto, o disposto no n.º 7 do art.º 257º do C. S. C., impendendo ao gerente destituído a prova de todos os pressupostos da responsabilidade civil, designadamente, a qualidade de gerentes, a destituição, os prejuízos e o nexo de causalidade, conforme a regra geral do ónus da prova prevista no art.º 342º, n.º 2 do Cód. Civil.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

O Autor intentou a presente acção declarativa com forma ordinária, pedindo a condenação da Ré a indemnizá-lo em virtude de destituição de gerência sem justa causa, em quantia não inferior a € 98.821,52, bem como a pagar-lhe créditos anteriores correspondentes a remunerações no montante de € 51.084,25, como juros vencidos e vincendos até integral pagamento.
Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese:
Ø        Foi gerente da Ré até 28.2.09, altura em que foi destituído sem justa causa, embora sempre tenha exercido de forma diligente tal cargo.
Ø        Pretende, por isso, o valor correspondente a quatro anos de remuneração (considerando uma remuneração mensal de € 1.764,67, durante 14 meses).
Ø        Em 2005, aceitou a redução do seu salário o qual deveria ser reposto logo que a situação financeira da sociedade o permitisse, pelo que pretende obter as diferenças salariais dos anos de 2005 a 2008, no montante de € 44.693, 77.
Ø        Pretende, ainda, o valor da remuneração de Fevereiro de 2009 (€ 1.764,67); o subsídio de férias vencidas em 1.1.09 (€ 1.764,67), as férias vencidas e não gozadas em 1.1.09 (em igual montante), o proporcional de subsídio de natal, férias e subsidio de férias de 2009 (€ 294, 12 x 3), e despesas de representação de Dezembro/08, no montante de € 214,11.

Na contestação, a Ré, formulando pedido reconvencional de condenação do Autor a pagar-lhe a quantia de € 42.129,37, acrescida de juros, valor que compreende uma parcela de € 10.129,37, correspondente ao valor do automóvel que o Autor transferiu para sua propriedade, bem como aquela parcela de € 32.000,00 que levantou de conta bancária da Ré, alegou, em síntese:
Ø        O sócio maioritário da Ré que é o pai do Autor decidiu reassumir as funções de gerente após interregno motivado pelo falecimento de outro filho.
Ø        A gestão do Autor foi ruinosa para a Ré.
Ø        Foi o Autor quem, unilateralmente, fixou o seu próprio salário, pois os estatutos da empresa nada referem a tal respeito.
Ø        O Autor também decidiu unilateralmente a aquisição pela Ré de um veículo automóvel para seu uso pessoal, quando a empresa apresentava prejuízos, e levantou de contas bancárias da Ré a quantia de € 32.000,00, valor que fez seu.
Ø        O Autor cobrou à Ré juros à taxa de 6% de empréstimo que alegadamente lhe efectuou.
Ø        Fez desaparecer da contabilidade os créditos de que era titular o sócio maioritário desta.

O Autor apresentou réplica, afirmando que o valor de salários de gerência foi fixado em assembleia-geral da Ré e impugnando que tenha exercido uma gestão ruinosa. Quanto ao veículo automóvel alegou que foi adquirido pela Ré antes de o Autor ser seu gerente, tendo a propriedade de tal veículo sido para si transferida por decisão dos dois gerentes da Ré, debitando-se nas contas da Ré a quantia de € 10.129,37 (€ 8.441,14, mais IVA), valor que deve ser abatido ao pedido, por compensação, assim como os referidos € 32.000,00, correspondentes a saldos bancários da Ré dos quais admite ter-se apropriado.

Na tréplica a Ré opôs-se a que o crédito reconvencional seja extinto por compensação, por o Autor não ser titular de qualquer crédito sobre a Ré, além de que o crédito desta é proveniente de factos dolosos praticados pelo Autor (art.º 853º, nº 1, al. a) do Código Civil).

Veio a ser proferida sentença que julgou a acção nos seguintes termos:
Pelo exposto, julga-se a acção improcedente, absolvendo-se a Ré do pedido.
Julga-se parcialmente procedente o pedido reconvencional e, em consequência, condena-se o A. a pagar à Ré a quantia de € 38.146,32, com juros legais, actualmente à taxa de 4%, desde a notificação da reconvenção e até integral pagamento, sobre a quantia de € 6.146,32, e desde 4.2.09 até integral pagamento, sobre a quantia de € 32.000,00.

O Autor inconformado interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
...
A Ré apresentou resposta, pugnando pela confirmação da decisão proferida.
1. Do objecto do recurso
Da leitura das alegações apresentadas pelo Autor resulta que foi sua intenção impugnar a decisão da matéria facto, pretendendo, com a reapreciação dos depoimentos de testemunhas e análise de documentos juntos aos autos, a modificação das respostas dadas aos quesitos formulados na base instrutória sob os n.º 5º e 9º.
Justifica o Recorrente esta pretensão, invocando, quanto ao quesito 5º, a conjugação dos depoimentos das testemunhas … com a prova documental junta aos autos.
No decurso das alegações o Recorrente transcreve excertos dos depoimentos de algumas das testemunhas sem os situar no suporte áudio onde se encontram registados; relata parte dos depoimentos das testemunhas, sem igualmente os situar e colocando em crise a valoração que o tribunal fez do depoimento da testemunha …, bem como dos documentos juntos aos autos – individualizando apenas um de entre os múltiplos que integram o processo –, conclui pela alteração pretendida.
Conclui do seguinte modo a parte das suas alegações referente à impugnação da resposta dada ao quesito 5º:
Assim, conjugada toda a prova produzida, documental e testemunhal, é patente que o presente quesito teria de ser respondido de forma afirmativa.
No que se refere ao quesito 9º, o Recorrente para sustentar a alteração pretendida, socorre-se de documentos juntos aos autos e depoimentos de várias testemunhas, individualizando os prestados por ...
Nos termos do art.º 685º-B, n.º 1 e 2, do C. P. Civil, o recorrente que impugne a decisão da matéria de facto em processos onde foi efectuado o seu registo, tem o ónus de nas alegações especificar os pontos de facto concretos que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios constantes dos autos ou do registo da prova que considera determinantes da alteração pretendida, sob pena de rejeição do mesmo.
A especificação dos concretos meios probatórios constantes da gravação deve ser acompanhada da indicação do local onde na gravação constam aqueles, com referência ao assinalado na acta, nos termos do art. 522º-C, n.º 2 do C. P. Civil, menção que o recorrente não fez nos autos.
As alegações apresentadas não fazem uma análise crítica das provas que em seu entender provocariam a alteração das respostas aos quesitos, limitando-se a discordar, no que se refere ao quesito 5º, da valoração de um depoimento e invocando documentos que não identifica.
Deste modo, não basta ao recorrente atacar a convicção que o julgador formou sobre cada uma ou sobre a globalidade das provas para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, mostrando-se necessário que cumpra os ónus de especificação impostos pelos n.º 1 e 2 do art.º 685º-B do C. P. Civil, devendo ainda proceder a uma análise critica da prova de molde a demonstrar que a decisão proferida sobre cada um dos concretos pontos de facto, que pretende ver alterados, não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável.
Assim, considerando que as alegações do recorrente não dão satisfação às mencionadas exigências legais, nos termos expostos, rejeita-se o recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto.
Por este motivo e, considerando que o objecto presente recurso é delimi­tado pelas conclusões, fica o mesmo restringido às seguintes questões colocadas pelo Recorrente:
a) O Autor tem direito a ser indemnizado por ter sido destituído sem justa causa em montante equivalente ao quadruplo da sua remuneração anual?
b) O Autor tem direito à reposição das diferenças remuneratórias que estiveram suspensas durante os anos de 2005 a 2008?
c) O Autor tem direito a diversas prestações remuneratórias relativas ao ano de 2009, tendo em consideração o valor da sua remuneração sem qualquer redução?
d) A Ré deve ser condenada a pagar juros de mora desde a data de vencimento de cada uma das prestações devidas ao Autor?
f) Os valores já recebidos pelo Autor devem ser descontados no valor dos créditos do Autor sobre a Ré?
g) Não são devidos juros de mora pelo Autor desde as datas fixadas na sentença recorrida?
                        2. Dos factos
Os factos provados são os seguintes:
...
3. O Direito Aplicável
3.1 Direito à indemnização pela destituição sem justa causa
Pretende o Autor que a sentença proferida seja revogada, condenando-se a Ré a pagar-lhe a indemnização prevista no art.º 257º, n.º 7 do C. S. Comerciais, pela sua destituição da gerência sem justa causa. Para fundamentar o seu direito a esta indemnização defende que sobre si só impende o ónus da prova da destituição sem justa causa, enquanto que a Ré, para impedir esse seu direito teria de provar a inexistência de danos decorrentes da destituição.
Dos factos apurados resulta inequívoco que o Autor foi destituído do cargo de gerente da Ré, sem qualquer motivo que integre a justa causa, importando aferir se da mesma resulta, sem mais, o direito do Autor à indemnização pretendida.
 A este respeito dispõe o art.º 257º, n.º 7 do C. das Sociedades Comerciais:
7 - Não havendo indemnização contratual estipulada, o gerente destituído sem justa causa tem direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos, entendendo-se, porém, que ele não se manteria no cargo ainda por mais de quatro anos ou do tempo que faltar para perfazer o prazo por que fora designado.
Da leitura deste preceito resulta inequívoco que o gerente destituído sem justa causa tem direito a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos, entendimento que é unânime na doutrina e jurisprudência.
No seguimento desse entendimento tem vindo a ser decidido que essa indemnização não é uma consequência automática da destituição, exigindo-se que para a mesma ter lugar seja provada a existência de danos, não bastando para a sua atribuição a perda da remuneração que se auferia enquanto gerente, sendo necessário demonstrar que o gerente em causa, na sequência da destituição não teve a oportunidade de exercer outra actividade remunerada de idêntico nível económico, social e profissional[1].
Embora a destituição unilateral dos gerentes seja um acto lícito, não é um acto isento de responsabilidade civil, fazendo antes nascer o direito de indemnização para os destituídos pelos danos que tiverem sofrido.
Para o cômputo dessa indemnização deve atender-se àquilo que houver sido convencionado e, na ausência de convenção, o seu cálculo será feito nos termos gerais de direito, considerando-se, no entanto, o disposto no n.º 7 do art.º 257º do C. S. C., impendendo ao gerente destituído a prova de todos os pressupostos da responsabilidade civil, designadamente, a qualidade de gerentes, a destituição, os prejuízos e o nexo de causalidade, conforme a regra geral do ónus da prova prevista no art.º 342º, n.º2 do Cód. Civil [2].
O Autor discorda deste entendimento, invocando o decidido no Ac. do T. R. C., de 30.11.2010, defendendo que o direito à indemnização nasce com a destituição sem justa causa, incumbindo à sociedade para o mesmo não ser atribuído a prova de que da mesma não ocorreram danos.
Este acórdão, após exaustiva citação de jurisprudência e doutrina, propende para sufragar o entendimento defendido por Pinto Furtado[3] de que não se tem de aplicar os princípios gerais da responsabilidade civil, uma vez que a norma que estabelece o direito à indemnização tem cariz especial que prevalece sobre as demais, ressalvando que mesmo que não se entenda assim, as regras sobre a repartição do ónus da prova que oneram o autor não impedem que ele não possa beneficiar de uma presunção, natural, de prejuízo, decorrente do facto de ter um direito a uma remuneração e depois da destituição ter deixado de o ter (e não se diga que também deixou de ter o dever correspectivo, pois que não foi por sua vontade que o deixou de ter). Não é isto o suficiente para se concluir, face à normalidade das coisas, de que o titular do direito sofreu um lucro cessante, que perdeu uma fonte de rendimentos?
Não acompanhamos este entendimento, quer quanto à inaplicabilidade das regras gerais da responsabilidade civil, quer quanto à existência da aludida presunção.
Assim, como acima dissemos, a lei ao conferir ao gerente destituído o direito à indemnização por destituição sem justa causa não atribui automaticamente um direito a uma indemnização, fixando apenas um limite máximo da sua quantificação na ausência de convenção, limite esse que balizará o montante indemnizatório máximo a atribuir após ponderação dos danos sofridos, prejuízos esses que se aferirão segundo as regras gerais. É essa e só essa a especialidade constante do n.º 7 do art.º 257º do C.S.C..
No que respeita à existência de uma presunção judicial, derivada da simples verificação de um lucro cessante ocorrido com a destituição sem justa causa diremos que a sua existência não se pode afirmar sem mais, tendo, de acordo com o funcionamento das presunções judiciais, que decorrer de um facto conhecido – art.º 349º, n.º 2 do C. Civil – e esse facto não será o da destituição sem justa causa, mas outro que provado permita a conclusão da ocorrência dos danos, nomeadamente, a falta de colocação no mercado de trabalho na sequência daquela destituição.
Assim, não tendo o Autor provado que da sua destituição lhe sobrevieram danos, não tem direito à indemnização peticionada, improcedendo este fundamento do recurso.
3.2. Retroactivos relativos a diferenças remuneratórias entre 2005 e 2008.
O Autor peticionou a condenação da Ré a pagar-lhe € 44.693,77 referente a diferenças salariais devidas desde o ano 2005 a 2008. Para sustentar este pedido o Autor alegou que o salário que auferia foi reduzido por deliberação tomada em assembleia-geral realizada em Agosto de 2005, tendo sido decidido que os créditos emergentes dessa redução seriam repostos logo que a situação financeira da Ré o permitisse.
A decisão recorrida julgou improcedente este pedido com fundamento no facto do Autor não ter demonstrado que a condição de que dependia a reposição salarial se verificava, ou seja a de que a Ré já está em condições de proceder a essa reposição.
Provou-se que “em reunião de Assembleia-geral extraordinária da Ré, datada de 8.8.05, foi decidido o seguinte:
“Depois de terem debatido a situação económico-financeira da empresa, que neste momento atravessa uma enorme crise (…). Uma das medidas que a Gerência se propõe desde já tomar prende-se com o salário dos gerentes.
Assim:
– O gerente M… passa a ser um gerente não remunerado (…).
– O gerente R… reduz uma vez mais o seu vencimento. Passará a auferir um salário de 640 € mensal, reflectindo-se já no subsídio de férias a receber durante o mês de Agosto. Fica ainda estipulado que a situação salarial do gerente remunerado será revista todos os meses pelo sócio R… o qual tomará a decisão de assim que o entender poder repor o seu salário para o valor de 1.500 € mensal. E, ainda, quando a situação financeira da empresa o permita, o sócio gerente remunerado agora privado dos seus direitos pode vir a receber, a título de retroactivos ou de qualquer outra forma que vier a ser estipulada, o valor de que agora está a ser privado”
Desta deliberação resulta uma suspensão parcial do pagamento do valor da remuneração do Autor pela sua prestação de serviços enquanto gerente da Ré.
Tal deliberação não seria, em princípio, eficaz, porquanto não é lícito que um dos contraentes modifique unilateralmente os termos de um contrato. No entanto, neste caso, foi a própria Gerência, que o Autor integrava, que teve a iniciativa de efectuar esta proposta, e o Autor, enquanto sócio, participou nessa deliberação e votou-a favoravelmente, pelo que tem que concluir-se que, sendo ele o gerente que seria afectado por tal deliberação, concordou com tal suspensão parcial do pagamento das suas remunerações, tendo-se verificado, por isso, um acordo entre ambas as partes numa alteração do inicialmente acordado quanto à remuneração da gerência consubstanciada na referida deliberação.
Contudo, a deliberação de suspensão de pagamento de parte da remuneração do Autor tem necessariamente como pressuposto a sua manutenção no exercício da gerência, pelo que a condição que daquela deliberação resulta só pode ser entendida para vigorar enquanto se mantivesse o respectivo vínculo contratual com a sociedade. Deixando o Autor de ser gerente nada justifica que o mesmo não possa exigir os créditos salariais resultantes da aludida suspensão, deixando de se mostrar necessária a demonstração da melhoria da situação financeira da sociedade.
Assim, tem o Autor direito ao montante respeitante que deixou de receber desde a deliberação em causa e até à sua destituição, referente à sua remuneração entre Agosto de 2005 e Dezembro de 2008, montante esse que será o apurado da conjugação daquilo que era a sua remuneração e do que efectivamente passou a receber em cada um dos momentos.
A este respeito o Autor alegou ser credor em:
- 2005 do montante de € 6.020,00;
- 2006 do montante de € 12.460,00;
- 2007 do montante de € 12.880,40, e em
- 2008 do montante de €13.325,37, num total de € 44.693,77.
Estas diferenças remuneratórias foram objecto de quesitação e não resultaram provadas, não constando dos factos provados qual a remuneração que o Autor auferia no momentos da deliberação e não se sabendo em que medida foi executada ao longo do tempo a deliberação que suspendeu o pagamento de parte dessa remuneração, sendo certo que essa medida, nos termos deliberados dependia da avaliação que o próprio Autor fizesse da situação financeira da Ré. Deste modo, não é possível, com os dados que o processo por ora fornece, fixar o montante que constituirá o crédito do Autor a título de reposições salariais, pelo que o seu apuramento só poderá ser determinado ulteriormente em incidente de liquidação.
3.3. Das remunerações devidas em 2009
  O Autor pediu, também, a condenação da Ré a pagar-lhe as remunerações devidas em 2009 assim descriminadas:
            - remuneração do mês de Fevereiro 2009 - € 1.764,67
            - subsídio de férias vencido a 1.1.09 - € 1.764,67
            - férias vencidas em 1.1.09 e não gozadas - € 1.764,67
            - proporcional do subsídio de Natal - € 294,12
            - proporcional de férias não gozadas - € 294,12,
            - proporcional de subsídio de férias - € 294,12,  num total de € 6.176,37.
Na sentença sob recurso foi reconhecido que a Ré devia estas prestações ao Autor, mas apenas se condenou aquela a pagar ao Autor o montante de € 3.751,97, acrescido de juros desde a citação, uma vez que se teve em consideração a remuneração efectivamente auferida pelo Autor durante o ano de 2008, a qual correspondeu apenas a parte da remuneração devida, por força da deliberação tomada em Agosto de 2005.
Ora, pelas razões referidas no ponto anterior deste acórdão, o Autor tem direito a reclamar o pagamento destas prestações, tendo em consideração o valor da sua remuneração sem as referidas reduções que ocorreram nos anos de 2005 a 2008.
Não se tendo apurado nesta acção o valor dessa remuneração, o apuramento do montante destes créditos também só poderá ser fixado ulteriormente em incidente de liquidação.
3.4. Dos juros de mora
Insurge-se o Autor quanto ao momento fixado na sentença para o inicio da contagem dos juros de mora, relativos aos seus créditos, defendendo que a contagem dos mesmos se deve iniciar desde a data de vencimento de cada uma das prestações em falta.
Ora, o Autor não formulou durante o processo qualquer pedido de condenação em juros a não ser na resposta à reconvenção que concluiu pela seguinte forma:
TERMOS EM QUE deverá assim operar-se a compensação entre o crédito do A. e os montantes recebidos, devendo a A., em consequência, ser condenada no pagamento da quantia de € 107.776,40 (€ 149.905,77 – 42.129,37), quantia que se peticiona e a R. reconhece porquanto não impugna qualquer crédito invocado pelo autor, acrescida de juros legais vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
Ora, interpretando este pedido, o mesmo só pode considerar-se relativo ao montante que se vier a apurar como crédito do Autor em virtude da compensação de créditos, e não sobre qualquer uma das parcelas que integram o seu pedido inicial, onde não peticiona juros.
O pedido de juros, ainda que decorrente do reconhecimento do crédito, tem autonomia face ao mesmo, pelo que tem que ser formulado para ser apreciado pelo tribunal.
Não tendo o Autor formulado esse pedido quanto às parcelas integrantes do montante indemnizatório que pretende que a Ré lhe pague, não pode o tribunal, por a isso se opor o art.º 661º do C. P. Civil, apreciar em sede de recurso esta pretensão, pelo que apenas deve ser reconhecido o direito a juros após a declaração de compensação (31-1-2011) e relativa ao crédito eventualmente resultante dessa operação.
O Autor também discorda da sua condenação em juros.
Na verdade, a Ré nunca formulou qualquer pedido de condenação em juros, pelo que não podia a sentença recorrida ter procedido a essa condenação por a isso se opor o disposto no art.º 661º do C. P. Civil, pelo que deve a mesma também ser revogada nessa parte.
3.5. Da compensação
No que respeita ao pedido reconvencional formulado pela Ré e em consequência do qual o Autor foi condenado a pagar àquela a quantia de € 38.146,32, vem este alegar que nunca admitiu dever os € 32.000,00, que transferiu da conta da Ré para a sua conta bancária, uma vez que detinha créditos sobre a mesma. Conclui, pedindo que sendo ele credor da Ré no montante de € 144.102,51, sejam a este valor deduzidos os valores por si efectivamente recebidos no total de € 42.129,37.
O facto de se revelar que o Autor é titular de créditos sobre a Ré não é suficiente para que se possa considerar que a referida quantia de € 32.000,00 corresponda a valores entregues pela Ré ao Autor para pagar esses créditos. Não resultando da matéria de facto provada uma justificação para a transferência operada pelo próprio Autor, tem a Ré direito à respectiva devolução.
Contudo, existindo créditos recíprocos e tendo o Autor, na réplica, emitido uma declaração de compensação admissível nos termos do art.º 847º e seg. do C. Civil, deve proceder-se a essa compensação pelo presente acórdão.
Decisão
Nestes termos decide-se o seguinte:
a) julga-se o recurso parcialmente procedente;
e, em consequência,
b) altera-se a decisão recorrida,
passando-se:
c) a julgar a acção e a reconvenção parcialmente procedentes;
d) a condenar o Autor ou o Réu a pagar o saldo que resultar da compensação dos seguintes créditos:
- do Autor sobre a Ré:
   valor das reduções verificadas na remuneração do Autor nos anos de 2005 a 2008, a liquidar posteriormente;
   valor da remuneração do mês de Fevereiro 2009, a liquidar posteriormente;
                        valor do subsídio de férias vencido a 1.1.09, a liquidar posteriormente;
                        valor das férias vencidas em 1.1.09 e não gozadas, a liquidar posteriormente;
  valor proporcional do subsídio de Natal de 2009, a liquidar posteriormente; valor proporcional de férias não gozadas de 2009, a liquidar posteriormente;
 valor proporcional de subsídio de férias de 2009, a liquidar posteriormente;
   € 214,11, de despesas de representação;
- da Ré sobre o Autor no valor de € 42.129,37
e) condena-se a Ré a pagar ao Autor, caso o saldo acima referido seja favorável a este, juros de mora sobre esse saldo, desde 31 de Janeiro de 2011 até integral pagamento dessa quantia, calculados sobre ela, à taxa definida por lei.
f) absolve-se a Ré do pedido indemnizatório formulado pela Autora.
Custas da acção da reconvenção e do recurso provisoriamente em igual proporção pelo Autor e pela Ré, definindo-se a responsabilidade definitiva após a decisão do incidente de liquidação e consoante o seu desfecho.                           

                                 
Relatora: Sílvia Pires
Adjuntos: Henrique Antunes
  José Avelino



[1] Neste sentido, vide Coutinho de Abreu, em Destituição de administradores de sociedades, no B.F.D.U.C., LXXXIII, 2007, pág. 87 decidiram os seguintes acórdãos:
  do S.T.J., de 27.10.1994, relatado por Sousa Macedo, na C.J. (Ac. do S.T.J.), Ano II, tomo 3, pág. 112.
  do S.T.J., de 12.6.1996, relatado por Nascimento Costa, na C.J. (Ac. do S.T.J.), Ano IV, tomo 2, pág. 130.
  do S.T.J., de 20.5.2004, relatado por Neves Ribeiro, na C.J. (Ac. do S.T.J.), Ano XII, tomo 2, pág. 65.
  do S.T.J., de 11.7.2006, relatado por Pereira da Silva, acessível em www.dgsi.pt.
  do S.T.J., de 14.12.2006, relatado por Azevedo Ramos, acessível em www.dgsi.pt.
  do S. T. J., de 7.7.10, relatado por Nuno Cameira, acessível em www.dgsi.pt.
  da Relação de Lisboa, de 12.6.2007, relatado por Rijo Ferreira, acessível em www.dgsi.pt.
  da Relação de Lisboa, de 7.4.2011, relatado por Maria José Mouro, acessível em www.dgsi.pt.
  da Relação do Porto de 16.3.2004, relatado por Fernando Samões, acessível em www.dgsi.pt.

[2] Azevedo Ramos, Ac. S. T. J., de 14.12.06, cit. na nota anterior.

[3] Curso do Direito das Sociedades, 5ª ed. pág. 369.