Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
318/2000.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERREIRA DE BARROS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO PARCIAL
VALOR
APTIDÃO CONSTRUTIVA
Data do Acordão: 06/24/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 25º E 28º DO DL N.º 438/91, DE 09.11
Sumário: 1. Autorizando o Regulamento do PDM um índice de construção líquida máxima, no cálculo do valor do solo apto para a construção importa optar por um índice de construção que atenda à área de e configuração da parcela, que seja adequado urbanisticamente à caracterização da zona envolvente, designadamente tipologia e cércea predominantes.
2. Assim, autorizando o Regulamento do PDM um índice de construção líquida máxima de 0,8, é correcta a adopção de um índice de 0,4 perfilhado no laudo maioritário, permitindo tal índice construir uma casa de área semelhante à moradia dos expropriados implantada na parte sobrante.
3. Não é indemnizável a depreciação ambiental da parte sobrante que não é consequência directa e necessária da expropriação, derivando antes de factos posteriores ou estranhos à expropriação, como acontece com a poluição causada pela construção de uma AE ou IC.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

                           I)- RELATÓRIO

Por despacho do Senhor Secretário de Estado das Obras Públicas, de 20 de Outubro de 1998, publicado no D.R. n.º 255, II Série, de 4 de Novembro de 1998, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação da parcela de terreno n.º 059, com vista à construção da obra “IC 3-Variante de Tomar”, com a área de 1.645 m2, a destacar do prédio inscrito na matriz cadastral da freguesia de Casais sob o n.º 173, Secção Q e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o n.º 09994/070261- Casais.

É Expropriante E.P.- ESTRADAS DE PORTUGAL[1], S.A. e Expropriados A.....e mulher B....., sendo ainda interessados C.....e mulher D....., na qualidade de usufrutuários.

Antes da investidura na posse administrativa, a Expropriante promoveu a realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam, como se vê de fls. 12 a 13, respondendo o senhor perito aos quesitos formulados pelos Expropriados.

 

Foi realizada arbitragem, tendo sido fixada uma indemnização no montante de 14.687.000$00, por acórdão unânime de 10.07.2000.

Posteriormente a Expropriante desistiu parcialmente da expropriação, requerendo que lhe fosse adjudicada uma parcela de terreno com a área de 1.382 m2, abdicando da área restante expropriada, ou seja, da área de 263 m2 (= 1.645 m2- 1.382 m2). Foi tal desistência homologada,  como resulta de fls. 87.

Foi adjudicada à Expropriante a propriedade da parcela com a área de 1.382 m2.

Não se conformando com o acórdão arbitral, recorreu a Expropriante, defendendo a fixação da indemnização no montante de 2.322.376$00  ou € 11.583.96.

Admitido o recurso, foram os Expropriados notificados para responder, tendo apresentado alegações, aderindo integralmente ao acórdão arbitral.

Os senhores peritos da Expropriante e do Tribunal apresentaram relatório de avaliação uniforme, no qual propõem uma indemnização total de € 38.040,00.

O senhor perito dos Expropriados apresentou relatório de avaliação em separado, no qual concluiu pela indicação de um valor global indemnizatório de € 67.126,18.

 Por iniciativa do Tribunal foram solicitados vários esclarecimentos aos senhores peritos.

As partes, notificadas ao abrigo do art. 64º do C.E., apresentaram alegações.

Seguidamente foi proferida sentença a julgar o recurso interposto pela Expropriante parcialmente procedente e a fixar a indemnização no montante de € 71.775,31, já actualizada em conformidade com a evolução dos índices de preços ao consumidor com exclusão da habitação, publicados pelo Instituto Nacional de Estatística.

A Expropriante não se conformou com tal decisão, dela apelando a pugnar por indemnização inferior, tendo extraído da sua alegação de recurso as seguintes conclusões:

1ª-A parcela expropriada não era à data da DUP uma parcela constituída como lote de terreno para construção nem uma parcela resultante de destaque, que já garantisse aos expropriados a possibilidade de aí edificarem uma nova construção, mas antes terreno em bruto, sem autonomia, que fazia parte do prédio dos expropriados.

2ª-Não estando garantido que a câmara municipal viesse a autorizar um destaque, para o que seria ainda necessário que o particular dispusesse de um projecto de construção aprovado para o local.

3ª-Carecendo, por isso, de fundamento legal a atribuição do índice máximo admitido pelo PDM,  apenas aplicável a parcelas já constituídas como lotes para construção.

4ª-A interpretação dada na sentença ao disposto no art. 33º, alínea b) do PDM de Tomar no sentido de que o índice 0,80 é aplicável a toda a área dos terrenos situados em espaço urbano de nível III mesmo que não constituam parcelas constituídas ou parcelas resultantes de destaque, resulta em manifesto tratamento desigual e mais favorável aos expropriados relativamente aos outros proprietários de terrenos não expropriados e que tenham as mesmas características.

5ª-Efectivamente, a adopção para terreno não constituído em parcelas urbanas já possuidoras de projectos de construção aprovados do índice máximo de 0,80 admitido pelo PDM apenas para lotes com essas características constitui errada aplicação do disposto no art. 33º, alínea b) do PDM de Tomar, ofensiva do princípio constitucional da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição.

6ª-Sendo inconstitucional a aplicação desta norma quando, conjugada com a do artigo 25º, n.º1 do C.E. de 1991, seja interpretada no sentido de que o índice máximo de construção de 0,80 tanto se aplica a parcelas já constituídas como a qualquer terreno não constituído em parcelas especificamente afectas a um concreto projecto de construção, porquanto tal interpretação além de ofender o princípio da igualdade conduz a indemnização excessiva que ofende também a norma do art. 62º, n.º2 da Cosntituição.

7ª-A sentença ignorou, em matéria estritamente técnica, a posição devidamente fundamentada dos peritos maioritários, designadamente dos 3 peritos avaliadores da lista oficial que o próprio tribunal nomeara, no que constitui uma imprudência que contradiz toda a orientação jurisprudencial relativa à prevalência do laudo maioritário.

8ª-Esta matéria fora devidamente explicada e demonstrada pelos peritos maioritários, que afirmaram no seu relatório de 10.10.2003 que adoptavam o índice 0,40 que permitiria edificar uma construção de área semelhante à dos expropriados; no esclarecimento de 21.12.2005 que, ao fazer-se o destaque criava-se um lote de construção; e que num lote de construção apenas pode ser feita uma construção.

9ª-Pelo que no ponto referente ao índice de construção foi produzida prova suficiente para afastar o critério constante de decisão arbitral que, sem outros fundamentos explicativos, o fixara mecanicamente no máximo de 80% permitido pelo PDM, não obstante este exigir para o efeito que se trate de parcelas (lotes) de terreno para construção, já constituídas ou resultantes de destaque.

10ª-A decisão arbitral atribuiu ao solo da parcela expropriada o índice fundiário de 16,5% (incidência do valor do terreno sobre o valor da construção), índice este que a expropriante questionou no recurso.

11ª-Os senhores peritos vieram no entanto a aplicar o índice de 19%, que nas suas alegações para o tribunal de comarca a expropriante sustentou só ser aceitável por razões de coerência intrínseca da análise dos senhores peritos que propõem este índice se ao mesmo tempo for aplicado o índice de construção de 0,40.

12ª-De outra forma seria violado o caso julgado na medida em que os expropriados veriam aumentada a indemnização por efeito da alteração do índice fundiário de 16,5% para 19% depois de se terem conformado com a decisão arbitral em tudo o que lhes fosse desfavorável.

13ª-Se as questões não suscitadas no recurso não podem vir a ser alteradas, muito menos se aceita que o possam ser se redundarem em benefício da parte que nem sequer recorreu, manifestando a concordância com a decisão e seus fundamentos.

14ª-O caso julgado estende-se às decisões preliminares que sejam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do julgado, como é o caso do índice fundiário na hipótese de não serem alterados concomitantemente outros parâmetros de avaliação, designadamente o índice de construção.

15ª-A decisão arbitral atribuiu a indemnização de 1.197.000$00 por desvalorização da parte sobrante do prédio com fundamento na redução do respectivo índice fundiário de 16,5% para 16%.

16ª-A douta sentença consignou expressamente não existir desvalorização para a parte sobrante do prédio.

17ª-Não obstante a sentença veio a atribuir indemnização a este título, indemnização no montante de € 5.683,44 com base na proposta pericial fundada na alegada desvalorização em 4% da moradia existente na parte não expropriada, o que constitui fundamento totalmente novo, inesperado e questão não suscitada por qualquer das partes.

18ª-Além de ofensiva do caso julgado por ter desaparecido na sentença o fundamento lógico que na decisão arbitral tinha justificado tal indemnização, a atribuição da mesma por desvalorização da casa carece ainda de fundamento legal que constitua fonte de obrigação de indemnizar à luz do disposto no Código das Expropriações.

19ª-Efectivamente, tal desvalorização não resulta da expropriação mas sim da obra a construir e atinge indistintamente prédios que foram objecto de expropriação (parcial) e prédios não expropriados, não tendo cabimento no processo de expropriação.

20ª-Assim, também nesta parte a douta sentença deverá ser revogada, por carecer de fundamento legal e ofender o disposto no art. 23º, n.º1 do CEXP de 1991.

21ª-Em síntese, deverá ser revogada a douta sentença na parte em que adoptou o índice de construção de 0,80 que deverá ser corrigido para 0,40, só nesta hipótese se admitindo que subsista a aplicação do índice fundiário de 19%, proposto pelos senhores peritos o qual, de outra forma, teria de ser reduzido para 16,5%.

22ª-Devendo também a sentença ser revogada - e por consequência também a decisão arbitral - na matéria respeitante à atribuição de indemnização por hipotética desvalorização da casa de habitação na parte não expropriada.

23ª-Fixando-se definitivamente a indemnização no máximo de € 32.352,97 proposto no laudo maioritário (com exclusão da verba de € 5.83,44 a título de desvalorização da casa).

Os Expropriados contra-alegaram em defesa do julgado, dando por reproduzidas as alegações e conclusões apresentadas ao abrigo do art. 64º do CE.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                         II)- FUNDAMENTOS DE FACTO

Na sentença impugnada, e com interesse ao julgamento do recurso, foi dada por assente a seguinte factualidade que este Tribunal aceita sem alteração:   

                    

a) A parcela é parte a destacar do prédio misto sito na localidade de Torre, freguesia de Casais, concelho de Tomar, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2.370 e rústica sob o artigo 4.437, descrito na Conservatória de Registo Predial de Tomar sob o nº 00994/070261, na qual é descrito “Torre”, com casa de habitação de r/chão e 1º andar – 236,81 m2 – terra de semeadura com rocha, oliveiras e figueiras – 6.050 m2 – a confrontar de norte com Artur Duarte de Sousa, nascente, sul e poente, com caminho;

b) Na matriz predial, o prédio referido em a) encontra-se inscrito com a área total de 6.800 m2, sendo 6.440 m2 inscritos na matriz urbana e 360 m2 na matriz rústica;

c) A parcela expropriada tem a área de 1.382 m2;

d) A parcela em causa tem forma irregular e é um terreno de textura franco-arenosa;

e) À data da realização da “vistoria ad perpetuam rei memoriam”, a parcela dispunha de um muro de pedra com 180 metros de comprimento com 1,10 metros de altura e 0,5 metros de largura; pavimento de betonilha e mármore com 18 m2; 2 pilares de betão armado cada um com 0.55 x 0.30 x 2.5 m; 15 oliveiras médias; 18 pereiras médias; 8 pessegueiros médios e 1 damasqueiro médio;

f) A parcela é marginada por uma estrada municipal dotada de pavimento betuminoso e equipada com rede de abastecimento domiciliário de água; rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão e rede telefónica;

g) O IC 3 passa sensivelmente perpendicular à estrada municipal, existente em frente à casa de habitação referida em a);

h) A parte poente da área sobrante do prédio fica dentro da zona non aedificandi do IC 3, numa faixa com mais de 12 metros de largura ao longo da estrada;

i) No logradouro da casa de habitação referida em a) é possível edificar uma construção de apoio à moradia;

j) O IC 3 é uma via de tráfego intenso;

k) O IC 3 situa-se a uma cota inferior à moradia, em cerca de 4 metros;

l) A expropriação incidiu sobre uma faixa ao longo da frente da moradia, que teve a ver essencialmente com a correcção do traçado da estrada municipal para a construção da passagem superior sobre o IC 3, e ainda uma área lateral na parte poente do prédio para implantação do IC 3;

m) Nas proximidades do prédio referente em a), há diversas edificações ao longo da estrada municipal;

n) O prédio referido em a) situa-se na localidade de Torre, entre o IC 3 e a parte central da povoação, que se trata de uma zona com algumas características rurais;

o) Da parcela expropriada, 1.077 m2 localizam-se em “Espaço urbano de nível III” e 305 m2 em Reserva Agrícola Nacional, de acordo com o teor do PDM de Tomar.

                          III)- FUNDAMENTOS DE DIREITO

Delimitado que é o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, mas sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 690º, n.º1, 684º, n.º3 e 660º, n.º2, parte final, todos do CPC), coloca a Expropriante a julgamento deste Tribunal a questão da determinação do montante indemnizatório aferido pelos seguintes parâmetros:

1º-Índice de construção aplicável na avaliação da parcela.

2º-Índice fundiário aplicável na avaliação da parcela.

3º-Desvalorização da parte sobrante.

III-1)- Vejamos a questão atinente ao índice de construção.

Está fora de causa a classificação do solo da parcela expropriada, com a área de 1.382 m2, localizando-se 1.077 m2 em “Espaço Urbano de nível III” e 305 m2 em RAN, de acordo com o teor do PDM de Tomar, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/94, de 21. 07, publicada no DR n.º 233, I Série-B, de 08.10.1994.

Apenas vem impugnada a avaliação do solo apto para a construção, preconizando a Expropriante um índice de construção de 0,40 em vez do índice de 0,80  que foi acolhido  na sentença sob exame.

Que dizer a este respeito?

Como acertadamente salienta o Tribunal a quo, a lei aplicável à determinação do valor da indemnização na expropriação por utilidade pública é a que vigorar à data da DUP, considerada a sua publicação no DR.[2]  Sendo assim, tendo em conta que a DUP foi publicada no dia 04.11.1998, é aplicável o Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, que foi revogado pelo art. 3º da Lei  n.º 168/99, de 18 de Setembro, diploma que entrou em vigor no dia 19.11.1999.

Ora, segundo o n.º1 do art. 25º do CE aplicável, “o valor do solo apto para a construção calcula-se em função do valor da construção nele existente ou, quando for caso disso, do valor provável daquela que nele seja possível efectuar de acordo com as leis e regulamentos em vigor, num aproveitamento economicamente normal, à data da declaração de utilidade pública, devendo ter-se em conta a localização e a qualidade ambiental”. 

No caso dos autos, para se determinar a potencialidade construtiva da parcela importa ter em consideração o Regulamento do PDM acima mencionado, em vigor à data da DUP, que a classifica em parte, na área de 1.077 m2, como espaço urbano de nível III, e dispondo o art. 33º que “os espaços urbanos de nível III ficam sujeitos às seguintes regras:

a)….

b) É permitida a construção em parcelas constituídas ou em parcelas resultantes de destaque, nos termos  da legislação em vigor, desde que respeitem as seguintes regras:

A área mínima da parcela 500 m2;

Frente mínima da parcela-15 metros;

Número máximo de pisos- dois:

Índice de construção líquida máxima - 0,8

….”.

E de acordo com a definição constante da alínea cc) do art. 4º, o índice de construção líquida corresponde “ao quociente entre o somatório das superfícies totais dos pavimentos a construir acima e abaixo da cota da soleira e a área do lote”.

No laudo da arbitragem, sem qualquer explicação, perfilhou-se o índice de construção líquida máxima de 0,80, mas no laudo pericial maioritário, subscrito pelos senhores peritos do Tribunal e da Expropriante, consignou-se que “a parcela expropriada poderia ser objecto de um destaque, para constituir um lote de construção. Como, neste caso, o destaque só iria permitir edificar uma construção, não adoptaremos o índice de construção líquida máxima, previsto na alínea b) do art. 33º do Regulamento do PDM de Tomar, que é de 0,80, mas apenas o índice de construção de 0,40, o que permitia edificar uma construção de área semelhante à dos expropriados”.

Ora, tendo em conta a área da parcela apta para construção, ou seja, área de 1.077 m2, a adopção do índice de construção líquida máxima implicaria a construção de uma moradia com a área de construção de 861,60 m2 ( = 1.077 m2 x 0,80), ou seja, de uma moradia com a área de 430,80 m2 por cada um dos dois pisos permitidos. Moradia, pois, com uma área muito superior à moradia dos Expropriados existente na parte sobrante com a área de 236,81 m2, e constituída por rés-do-chão e 1º andar, como se vê da certidão de fls. 39 a 42 e da fotografia de fls. 34. E como também observa a Expropriante, a parcela expropriada nem sequer era, à data da DUP, uma “parcela constituída nem uma parcela resultante de destaque”, mas antes um terreno em bruto, sem qualquer autonomia, que fazia parte do prédio dos Expropriados, e tão-pouco estava garantido que a Câmara Municipal viesse a autorizar o destaque ao abrigo do disposto no n.º1 do art. 5º do DL n.º 448/91, de 29 de Novembro.

As razões alinhadas pelos senhores peritos que subscreveram o laudo maioritário merecem, pois, ser perfilhadas por este Tribunal no que concerne ao índice de construção líquida ou área de construção que seria possível edificar na parcela expropriada, se não tivesse sido sujeita a expropriação. E, como é frequentemente sublinhado na jurisprudência, a indemnização por expropriação deve fundamentalmente basear-se nos valores dados nos laudos e relatórios dos peritos do tribunal, quando haja disparidade entre eles e quaisquer outros, tendo em conta as garantias de imparcialidade, independência e competência que oferecem. No caso dos autos, o perito dos Expropriados adoptou o índice de construção líquida máxima, tal como os senhores árbitros, não tendo estes, porém, como já se referiu, apresentado qualquer justificação no seu laudo da arbitragem. Sendo certo que a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal (art. 389º do CC), não estando, por isso, o Julgador necessariamente vinculado aos valores indicados pelos peritos, a verdade é que não resultam dos autos elementos probatórios que justifiquem a adopção do índice de construção líquida máxima previsto no PDM de Tomar para o espaço urbano de nível III. Com efeito, autorizando o PDM um índice de construção líquida máxima, no cálculo do valor do solo apto para construção importa optar por um índice de construção que atenda à área e configuração da parcela, que se adeque urbanisticamente às características da zona envolvente, designadamente à tipologia e cércea predominante. Nessa óptica mostra-se sensata e equilibrada a adopção do índice médio de 0,40, por comparação com a área da moradia próxima dos Expropriados.

Assiste, pois, razão à Expropriante quanto a esta matéria.

III-2)- Analisemos, agora, a questão relativa ao índice fundiário.

Como resulta do transcrito n.º1 do art. 25º do CE, no cálculo do valor do solo apto para a construção, é mister também atender a “um aproveitamento económico normal, à data da declaração de utilidade pública, devendo ter-se em conta a localização e qualidade ambiental”. Determinando o n.º2 daquele normativo que “num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para construção deverá corresponder a 10% do valor da construção, no caso de dispor apenas de acesso rodoviário, sem pavimento em calçada, betuminoso ou equivalente”.  E segundo o n.º 3, tal percentagem será acrescida de outras percentagens como resulta das suas várias alíneas.

No laudo da arbitragem foi fixada em 16,5% a incidência do valor do terreno sobre o valor da construção legalmente possível na parcela. Tal percentagem foi elevada pelos senhores peritos para 19%.

Tendo embora a Expropriante impugnado a incidência de 16,5% fixada no laudo da arbitragem, nas alegações apresentadas ao abrigo do art. 64º do CE, concorda com o índice fundiário de 19%, “por razões de coerência intrínseca da análise dos referidos técnicos”, uma vez que adoptaram o índice de construção de 40%, afastando-se assim do índice de construção líquida máxima previsto no Regulamento do PDM e seguido no laudo da arbitragem. Isto é, a discordância da Expropriante relativamente ao índice fundiário, apenas se mantém e subsiste caso seja perfilhado o índice de construção líquida máxima de 80%. Perfilhando-se o índice de construção líquida de 40%, pelas razões acima aduzidas, concorda, pois, a Expropriante com o índice fundiário de 19%, não se justificando tomar em consideração tal divergência exposta a título subsidiário (vide conclusão 21ª). Anote-se que a adopção, na sentença impugnada, do índice de construção de 80% em conjugação com o índice fundiário de 19% até implicaria uma ilegal reformatio in pejus, uma vez que no laudo da arbitragem a avaliação da parte da parcela apta da construção figura com a área de 1.340 m2 e no laudo pericial figura com a área de 1.077 m2, e tal resultou da desistência parcial da expropriação, ou seja, da área de 263 m2, subsequentemente à avaliação dos árbitros. 

III-3)- Atentemos, por fim, na 3ª questão concernente à desvalorização da parte sobrante.

 Diverge a Expropriante da indemnização no montante de € 5.683,44, arbitrada com fundamento na desvalorização da casa de habitação dos Expropriados localizada na parte sobrante. 

Neste âmbito, a sentença impugnada acolheu o parecer dos senhores peritos que subscreveram o laudo maioritário e foram de opinião que a moradia dos Expropriados, avaliada em € 142.086,00, ficou desvalorizada em 4%. Já no laudo da arbitragem julgou-se depreciada, no valor de 1.197.00000, a parte sobrante da parcela, tendo a Expropriante impugnado tal desvalorização no recurso da decisão arbitral.

A este respeito exarou-se na sentença impugnada “consideram os peritos, também por unanimidade, que a mesma (casa de habitação dos Expropriados) sofre uma desvalorização que fixam em 4%, atendendo a que o IC 3 afecta a qualidade ambiental da habitação; o IC 3 é uma via de tráfego intenso, mas situa-se a uma cota inferior à moradia em cerca de 4 metros, sendo que a expropriação incidiu sobre uma faixa ao longo da frente, que teve a ver com a correcção do traçado da estrada municipal para construção de uma passagem superior sobre o IC 3, bem como uma área lateral na parte poente do prédio para implantação do IC 3, considerando os peritos que a correcção da estrada municipal não desvaloriza a moradia, mas apenas o IC 3”.  Explicitou-se também que “relativamente à desvalorização do solo da área sobrante, entendem os peritos, por unanimidade, que a mesma não se verifica, na medida em que com a redução da zona expropriada, o logradouro não ficou afectado; o IC 3 passa perpendicularmente à estrada municipal existente em frente à moradia; o IC 3 terá uma faixa non aedificandi de 35 metros para cada lado do eixo da via; a parte poente da área sobrante fica dentro dessa zona, numa faixa com mais de 12 metros de largura e no logradouro da moradia é possível edificar construção”.

Afinal, é de atribuir indemnização aos Expropriados em virtude da diminuição da qualidade ambiental da sua casa de habitação sobrevinda à expropriação?

Como vem escrito no acórdão desta Relação, publicado na CJ 2006, tomo 2º, p. 10, “a depreciação ambiental ou o ruído que se deseja combater, para merecerem expressão indemnizatória ou obterem a concessão da tutela judiciária, na presente acção, têm de resultar do acto de declaração pública de expropriação, porquanto se aquelas situações derivam, causalmente, da abertura da via de trânsito e da obra realizada (…), não são susceptíveis de fazer parte do conteúdo da obrigação de indemnização por expropriação. A não ser assim, violar-se-ia o princípio constitucional da igualdade, uma vez que os vizinhos não expropriados não teriam direito ao mesmo ressarcimento ou a idêntica tutela judiciária”.

No caso ajuizado, a verificada diminuição da qualidade ambiental da moradia dos Expropriados não é uma consequência directa e necessária do acto da expropriação parcial do prédio, tendo com esta apenas uma relação indirecta. Tal depreciação resultante do tráfego da nova via encontra a sua causa directa nas obras de construção do IC 3 –Variante de Tomar, ou seja, em factos posteriores à expropriação parcial. Esse é também o entendimento de Fernando Alves Correia, conforme se vê da RLJ, Ano 134º, n.ºs 3924 e 3925, a fls. 99/100, ao escrever que “esta norma (art. 28º, n.º2 do Código das Exp. de 1991, com redacção similar no art. 29º, n.º2 do Cód. de 1999) relativa ao cálculo das expropriações parciais, prevê a indemnização de um conjunto de danos patrimoniais subsequentes derivados (…) ou laterais, que acrescem à indemnização correspondentes à perda do direito (…) ou à perda da substância (…) do bem expropriado (a parte expropriada do prédio). Todavia, exige-se que tais prejuízos patrimoniais, subsequentes, derivados ou laterais sejam uma consequência directa e necessária da expropriação parcial do prédio. Só eles é que podem ser incluídos na indemnização e não também aqueles que têm com a expropriação parcial do prédio apenas uma relação indirecta, porque encontram a sua causa em factos posteriores ou estranhos à expropriação”. Este mesmo ilustre Mestre de Direito cita como exemplos de danos não resultantes directa e necessariamente do acto expropriativo, aqueles que são causados pela construção de uma auto-estrada, pela sua abertura à circulação e pelo ruído e tráfego de veículos automóveis[3]

Na previsão do n.º2 do art. 28º do CE, apenas é de considerar, pois, como depreciação da parte sobrante os prejuízos que resultem directamente da divisão do prédio ou sejam consequência directa da expropriação parcial, incluindo o custo de novas vedações. Arredada fica a indemnização por depreciação da qualidade ambiental na parte sobrante da parcela expropriada, prejuízo que tem a sua causa imediata na construção das obras do IC 3-Variante de Tomar e que atinge indistintamente os prédios que foram objecto de expropriação parcial e prédios não expropriados. A não se entender assim, estaria a ser violado o princípio constitucional da igualdade (art. 13º da CRP).

Procede, por conseguinte, a tese sufragada pela Expropriante no sentido de exclusão de indemnização com base na desvalorização da moradia dos Expropriados por depreciação da sua qualidade ambiental resultante do tráfego no IC3.

Em suma, a indemnização a atribuir aos Expropriados será a constante do laudo maioritário subscrito pelos senhores peritos do Tribunal e Expropriante, com exclusão do item “desvalorização”, isto é, uma indemnização no montante global de € 32.352,97 (= € 38.036,41- € 5.683,44). Indemnização essa a actualizar nos termos do n.º1 do art. 23º do CE, e tendo ainda em conta a jurisprudência fixada no AUJ n.º 7/2001, do STJ, com a data de 12.07.2001 e publicado no DR n.º 248, I- A Série, de 25.10.2001, uma vez que foi autorizado o levantamento de uma parcela (2.322.376$00) do depósito efectuado pela Expropriante ao abrigo do n.º1 do art. 51º do CE. 

                                    IV)- DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em conceder total provimento ao recurso interposto pela Expropriante e revogar em parte a sentença impugnada, arbitrando-se aos Expropriados uma indemnização no montante global de € 32.352,97, a actualizar nos termos sobreditos.

As custas do recurso ficam a cargo dos Expropriados (art. 446º, n.º1 do CPC).

COIMBRA,

(Relator- Ferreira de Barros)

(1º Adj.- Des. Helder Rqoue)

(2º Adj.- Des. Távora Victor)


[1] Ao tempo designada por ICOR-INSTITUTO PARA A CONSTRUÇÃO RODOVIÁRIA.
[2] No que toca à tramitação processual, a lei nova, em princípio, é aplicável imediatamente aos processos pendentes, segundo a regra geral da aplicação imediata das leis de processo, no silêncio dos textos. 
[3] Sobre danos indemnizáveis por depreciação ambiental da parte sobrante,  discorreram os  acórdãos desta Relação disponíveis em www.trc.pt, de 26.06.2007 (relatado por Dr. Jaime Ferreira ),  de 10.01.2005 (relatado por Dr. Isaías Pádua) e de 01.03.2005 (relatado por Dr. Jorge Arcanjo)  bem como o acórdão publicado na CJ 1998, tomo 3º, p. 31. E ainda acórdão da Relação de Guimarães, disponível em www.dgsi.pt, Proc. 2333/04.  No sentido da tese perfilhada também se pronunciou Pedro Cansado Paes e outros, in Código das Expropriações, 2ª edição, p. 144).