Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5265/21.1T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: DESPEDIMENTO ILÍCITO
ABANDONO DO TRABALHO
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÃO LEGAL
HORAS DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL
PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
Data do Acordão: 01/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 403.º, 381.º, 389.º A 391.º, 131.º, 132.º E 134.º DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – Conforme resulta do artigo 403.º, do C.T., <<considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar>>; presume-se o abandono do trabalho em caso de ausência do trabalhador durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência.

II – Se a Ré empregadora logrou provar que o A. desde 02/11/2020 não mais compareceu na sua sede para prestar serviço de transporte internacional mas tendo-se apurando também que a mesma, logo em 05/11/2020, ficou a saber os motivos pelos quais o trabalhador continuava a apresentar-se no mercado Abastecedor de Coimbra e não naquela sede, aquela não conseguiu provar, como lhe competia, o <<denominado animus extintivo sem o qual não há abandono do trabalho, ainda que presumido, pois só nesta situação, para voltar a utilizar as sugestivas expressões de Leal Amado, se poderá afirmar terem os trabalhadores “desertado” ou “desaparecido em combate”>>

III – Encontrando-se indemonstrada a invocada situação de abandono do trabalho, o contrato de trabalho do A. não cessou por sua iniciativa mas antes por despedimento por parte da Ré ao comunicar-lhe a denúncia do mesmo, nos termos do n.º 3 do artigo 403.º do CT, despedimento este ilícito porque, desde logo, não foi precedido do respetivo procedimento (artigo 381.º, c), do CT) e com as consequências previstas nos artigos 389.º, 390.º e 391.º, todos do CT.

IV – <<Não obstante a redação do artigo 134.º do CT/2009 permitir, dada a utilização da locução “ou”, mais do que uma leitura, a interpretação que mais se aproxima com o espírito da norma não pode deixar de ser aquela que impõe que, em caso de cessação do contrato de trabalho, em que haja horas de formação profissional que não tenham sido ministradas pelo empregador, este deverá liquidar quer as horas que já se transformaram em crédito (e que não tenha prescrevido), quer também as que se venceram nos últimos dois anos de execução do contrato e que ainda não se converteram em crédito de horas.>>

V – Viola o princípio da irredutibilidade da retribuição o procedimento da Ré empregadora que, ao deparar-se com a obrigação de pagar e discriminar todas as componentes remuneratórias previstas na CCT aplicável, procede à diminuição do vencimento base do Autor com o intuito de manter a retribuição global líquida recebida pelo mesmo em data anterior à da entrada em vigor do mesmo IRCT.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Apelação n.º 5261/21.1T8CBR.C1

Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

AA, residente em ...

intentou a presente ação de processo comum, contra

C... Unipessoal, Ldª, com sede em ..., ...

alegando, em síntese que:

Foi admitido ao serviço da Ré por contrato de trabalho a termo certo com início em 08/05/2017, para desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de motorista de pesados; em 06/11/2017, antes da renovação daquele contrato de seis meses, a Ré declarou que o A. nela exercia a profissão de motorista de pesados desde 08/05/2017, pertencendo ao quadro de pessoal com vínculo efetivo, reconhecendo, assim, que mantinha desde essa data um contrato de trabalho sem termo com a Ré; desempenhava as suas funções no âmbito do serviço de transporte nacional para o qual foi efetiva e exclusivamente contratado e, pontualmente, de transporte internacional; a partir de novembro de 2018 a Ré, unilateralmente, reduziu a retribuição base do A. de € 700,00 para € 630,00 até ao mês de dezembro de 2020, pelo que, deve-lhe as respetivas diferenças salariais no montante total de € 980,00; a Ré deve-lhe também a quantia de € 98,00 a título de subsídio de trabalho noturno; no dia 02/11/2020 apresentou-se ao trabalho no M..., não lhe tendo sido acometida qualquer tarefa pela Ré, o que se manteve nos dias seguintes, pelo que, limitou-se a fazer o registo do início e do termo da prestação de trabalho no sistema de registo do tacógrafo da viatura da Ré que lhe estava destinada; por carta registada de 04/11/2020, a Ré comunicou ao A. que este deveria passar a fazer serviço de transporte internacional pois tinha deixado de ter clientes para o mesmo efetuar transporte nacional, o que não passou de um pretexto pois pretendia despedir o A., sendo que, já antes da remessa daquela carta, o gerente da Ré comunicara ao A. que este deveria ir fazer contas à sede; a Ré nunca lhe comunicou ou deu qualquer instrução para se apresentar num local a fim de iniciar o transporte internacional; opôs-se à referida determinação da Ré, nos termos da carta que lhe enviou em 05/11/2020; por carta de 16/11/2020, a Ré comunicou ao A. a sua afetação ao serviço de transporte internacional, referindo que caso o mesmo continuasse a recusar exercer o mesmo, seria instaurado processo disciplinar; no dia 07/12/2020, a Ré comunicou-lhe que deixara de comparecer ao trabalho desde o dia 02/11, considerando que o A. abandonou o trabalho e, consequentemente, cessado o respetivo contrato de trabalho; inexistindo o invocado abandono do trabalho, o contrato de trabalho cessou por iniciativa da Ré, o que equivale a um despedimento ilícito, porque informal, à margem do seu procedimento, com as inerentes consequências indemnizatórias. 

Termina dizendo que:

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO DECORRENTES DO COSTUMADO PRUDENTE JUÍZO E DOUTO SUPRIMENTO DE V.ª EX.ª, REQUER SEJA A PRESENTE ACÇÃO JULGADA PROCEDENTE, POR PROVADA E, CONSEQUENTEMENTE:

1.º DECLARAR-SE A ILICITUDE DO DESPEDIMENTO DO A. OPERADO PELA R. POR VIA DA CARTA JUNTA SOB DOC.º N.º 35, RECEBIDA PELO A. EM 7-12-2020 E, CONSEQUENTEMENTE, CONDENAR-SE A R. A PAGAR AO A.:

A) A INDEMNIZAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO DA REINTEGRAÇÃO, A CALCULAR À DATA DA DECISÃO FINAL NOS TERMOS DO ARTIGO 391.º, N.º 1, DO CÓDIGO DO TRABALHO E QUE, AO ABRIGO DE TAL NORMATIVO, SE COMPUTA NO MONTANTE MAIS ELEVADO DE 6.911,35 ACRESCIDO DOS JUROS DE MORA À TAXA LEGAL, DESDE DA DATA DA SENTENÇA ATÉ EFECTIVO E INTEGRAL PAGAMENTO;

B) AS RETRIBUIÇÕES RELATIVAS AO MÊS DE NOVEMBRO DE 2020 E AOS 7 DIAS DO MÊS DE DEZEMBRO DE 2020, NO MONTANTE TOTAL DE 1.420,66 ACRESCIDO DOS JUROS DE MORA DESDE O RESPECTIVO VENCIMENTO ATÉ EFECTIVO E INTEGRAL PAGAMENTO;

C) O PROPORCIONAL DO SUBSÍDIO DE NATAL NO ANO DE 2020 EM QUE O CONTATO CESSOU, NO MONTANTE DE 74,98 ACRESCIDO DOS JUROS DE MORA DESDE O RESPECTIVO VENCIMENTO ATÉ EFECTIVO E INTEGRAL PAGAMENTO;

D) A RETRIBUIÇÃO DE FÉRIAS E SUBSÍDIO DE FÉRIAS PROPORCIONAL AO TEMPO DE TRABALHO PRESTADO AO LONGO DO ANO DE 2020, NO MONTANTE DE 2.136,83 ACRESCIDO DOS JUROS DE MORA DESDE O RESPECTIVO VENCIMENTO ATÉ EFECTIVO E INTEGRAL PAGAMENTO;

E) A QUANTIA DE 795,34, A TÍTULO DE CRÉDITOS DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL, ACRESCIDO DOS JUROS DE MORA À TAXA LEGAL, DESDE DA DATA DA SENTENÇA ATÉ EFECTIVO E INTEGRAL PAGAMENTO;

F) OS MONTANTES RELATIVOS ÀS DIFERENÇAS SALARIAIS NÃO PAGAS EM FUNÇÃO DA REDUÇÃO DA RETRIBUIÇÃO BASE UNILATERALMENTE OPERADA PELA R. RELATIVAMENTE À ACORDADA E DO CORRESPONDENTE SUBSÍDIO DE TURNO CALCULADO NOS TERMOS DA CLÁUSULA 48.ª N.º 2 DO IRC APLICÁVEL, ENTRE OS MESES DE NOVEMBRO DE 2018 E DEZEMBRO DE 2019, NO MONTANTE TOTAL DE 1.078,00, ACRESCIDO DOS JUROS DE MORA À TAXA LEGAL DESDE A DATA DE A DATA DE VENCIMENTO DE CADA UM DOS PARCIAIS ATÉ EFECTIVO E INTEGRAL PAGAMENTO;”

                                                   *

A veio contestar alegando, em sinopse, que:

O A. foi contratado para realizar serviços de transporte para uma cliente da Ré que deixou de a contratar para a prestação de tais serviços em abril/maio de 2020, por motivo imputável ao A. que não entregou mercadoria no valor de € 6.500,23 e que a Ré teve de pagar à cliente; teve, por isso, de atribuir outros serviços de transporte ao A. pois não tinha qualquer serviço de transporte nacional para lhe atribuir, razão pela qual reuniu com o mesmo e acordou que teria de passar a exercer funções de transporte internacional; o A. abandonou o trabalho em 02/11/2020 e nunca mais se apresentou ao serviço na sede da Ré, nem no M...; sempre pagou ao A. todas as quantias devidas e não reduziu unilateralmente a remuneração do Autor; o Autor abandonou o trabalho, pelo que, deve indemnizar a Ré no valor de € 1.400,00.

Conclui dizendo que deve: “a presente contestação ser julgada procedente, por provada; a reconvenção admitida e, consequentemente, ser o Reconvindo condenado a pagar à Reconvinte a quantia de € 1.700,00 acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a presente data até integral e efetivo pagamento calculados de acordo com as sucessivas taxas legais aplicáveis.”

                                                             *

O A. apresentou resposta à reconvenção e na qual conclui como na p. i., pela improcedência da reconvenção e pela condenação da Ré como litigante de má fé.

                                                                       *

Foi proferido o despacho saneador e dispensada a enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova.

                                                             *

Procedeu-se a julgamento, conforme resulta das respetivas atas.                                                                        *

Foi, depois, proferida sentença e cujo dispositivo é o seguinte:

Nos termos expostos, julgo a acção parcialmente provada e, nessa medida, procedente, pelo que condeno a ré, C... Unipessoal, Ldª, no pagamento ao autor, AA, das quantia de

a)

€ 43,33, a título de retribuição do mês de Novembro de 2020;

b)

2.158,36, a título de retribuição de férias e de férias não gozadas do ano de 2020;

c)

457,47, a título de crédito por formação profissional não proporcionada;

d)

Juros, à taxa legal, desde o respectivo vencimento e até integral pagamento.

Absolvo a mesma ré de tudo o mais contra ela pedido.

Mais julgo procedente o pedido reconvencional, pelo que condeno o referido autor, AA, no pagamento à mesma ré, C... Unipessoal, Ldª, da quantia de € 1.400,00, a que acrescem juros, à taxa legal, desde o respectivo vencimento e até integral pagamento.”

                                                             *

O Autor, notificado desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

1) Vem o presente recurso impetrado da sentença datada de 13.06.2022, com a referência Citius ...91, pela qual o Tribunal a quo, além do mais, decidiu julgar apenas parcialmente procedente a acção e totalmente procedente a reconvenção.

2) Vem o presente recurso interposto, quer do julgamento da matéria de facto, quer da matéria de direito, constantes da referida sentença, pois,

3) O tribunal a quo faz constar do elenco dos factos provados diversa factualidade que não se verificou do modo que vem dado por provado, impondo as provas produzidas juízo diferente, o mesmo se dizendo, relativamente a diversa factualidade dado por não provada relativamente à qual o tribunal a quo olvidou a prova produzida, impunha que tal factualidade fosse dada por provada.

4) Concretizando, impugna-se a matéria de facto dada por provada na sentença recorrida por provada proveniente da Contestação da recorrida e ali alegada sob os pontos 10.º, 11.º, 12.º, 16.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 31.º, 65.º e 66º, que deveria ser dada por não provada, porquanto assim o impunha as provas produzidas, ou a falta delas, no que tange àquela matéria,

5) excepto quanto ao artigo da 19.º da contestação que deveria resultar provado com a redacção segundo a qual O Autor prestou pontualmente serviços de transporte internacional no mês de junho de 2020, tendo auferido o premio TIR, bem como o complemento salarial de transporte internacional previsto na cláusula 59.º da CCT aplicável.

6) Mais se impugna o julgamento em matéria de facto constante da sentença recorrida ao dar por não provada a matéria alegada sob os artigos 13.º, 15.º, 19.º, 31.º, 32.º, 34.º, 36.º, 38.º, 39.º, 40.º, 43.º, 44.º, 45.º, 46.º, 47.º, 49.º, 51.º e 60.º da Petição Inicial e sob artigos 13.º, 21.º, 31.º, 33.º, 34.º, 37.º, 38.º, 39.º, 46.º, 47.º, 48.º, 52.º, 53.º e 55.º da Resposta à Reconvenção que, em conformidade com a prova produzida, deveria ser dada por provada nos exactos termos alegados pelo recorrente em tais articulados, porquanto

7) Depõem no sentido de tais factos toda a prova documental junta aos autos, devidamente conjugada com as Declarações de Partes e com os depoimentos prestados em audiência, designadamente os prestados pelas testemunhas BB (gravado sob registo 20220602110156_2981034_2870717), CC (gravado sob registos 20220602103218_2981034_2870717 e 20220602105610_2981034_2870717), DD (gravado sob o registo 20220602112544_2981034_2870717) e EE (gravado sob o registo 20220602101642_2981034_2870717).

8) Termos em que se impõe a modificação da decisão em matéria de facto apurada no tribunal recorrido.

9) Em matéria de direito, a questão a decidir é se por via da carta remetida junta sob doc.º n.º 35 com P.I., remetida pela recorrida ao recorrente e recebida por este em 7-12-2020, a recorrida tinha motivos e atendíveis para comunicar ao recorrido a presunção de abandono de trabalho pelo mesmo ou se, ao invés, como defende o recorrido, aquela carta, pela sua falta de fundamento, constitui um despedimento ilícito.

10) Começa a sentença por ponderar qual o contrato que terminou, concluindo que, após a outorga do contrato celebrado por escrito a que aludem os factos da P.I. dados por provados sob os artigos 3, 4, 5, 6 e 7, “as partes outorgaram, de modo unicamente oral, um outro contrato segundo o qual o autor exerceria, para a ré, as funções de motorista”.

11) Tal juízo do Tribunal a quo é absolutamente insustentado, mesmo na matéria da facto apurada na sentença recorrida.

12) Vem inclusivamente provado (sem que se impugne) na sentença recorrida, que “Em 06 de novembro de 2017, ou seja, antes de se renovar o referido contrato a termo junto sob documento n.º ..., a R. declarou que o A. nela exercia a profissão de motorista de pesados “(…) desde 08-05-2017, pertencendo ao quadro de pessoal, com vínculo efectivo.””

13) Pelo que se crê que, ao contrário do que sustenta a sentença recorrida, o contrato que terminou, não pode ter sido outro senão o outorgado por escrito entre recorrente e recorrida e junto aos autos, excepto no que decorre da modificação decorrente do doc.º n.º 3 junto com a P.I., e dada por provada nos termos do art.º 11 da P.I., se manteve nos seus exactos termos e cláusulas.

14) Entre tais cláusulas, constava, além do mais, que as funções do recorrente eram de motorista de pesados nacional e que a retribuição mensal de base acordada era de € 700,00.

15) Nestes termos afigura-se lícita a recusa do A. em recusar a prestação de serviço de transporte internacional, comunicada fundamentadamente, nos termos da carta junta com a P.I. sob doc.º n.º 33.

16) Por outro lado, a R. tinha serviço nacional que poderia destinar ao recorrente, tanto que o continuou a destinar a outros trabalhadores, e inclusivamente chegou ao ponto de admitir um trabalhador especificamente para serviço nacional no mesmo dia 7 de dezembro de 2020 em que ao recorrente era comunicada a presunção de abandono de trabalho!

17) E tendo transporte nacional a que poderia afectar o recorrente, não tinha a recorrida qualquer motivo para comunicar àquele que deveria passar a executar transporte internacional, sem contudo concretizar quando e para onde.

18) Em face da recusa da R. em atribuir qualquer tarefa específica, não se vislumbra que impusesse ao trabalhador outro comportamento que não fosse apresentar-se no local onde, até ao momento em que deixou de receber instruções da R., se vinha apresentando, o que comprovadamente passou a fazer, registando essas presenças inserindo o seu cartão de condutor na máquina de uma viatura que vinha utilizando.

19) Neste quadro, inexistia qualquer fundamento para que a recorrente pudesse lançar mão do expediente a que alude o art.º 403 do Código do Trabalho, comunicando ao recorrente uma presunção de abandono de trabalho.

20) Além do mais o Art.º 403 do Código do Trabalho, exige que para que haja abandono do trabalho se verifique um elemento objetivo - constituído pela ausência do trabalhador ao serviço, ou seja pela sua não comparência voluntária e injustificada no local e tempo de trabalho a que estava obrigado e - um elemento subjetivo - constituído pela intenção de não retomar o trabalho, isto é, a intenção de comparência definitiva do local de trabalho.

21) Ora, na sentença recorrida o tribunal a quo, por um lado entende que o reunia o elemento objectivo preconizado, mas não analisa minimamente a verificação de qualquer elemento subjectivo; De todo o modo,

22) O que nos diz a factualidade efectivamente provada é que, não se verificava qualquer elemento subjectivo, nem qualquer elemento objectivo.

Consequentemente

23) Não estando verificados os requisitos objectivo e subjectivo de que depende a efectivação do mecanismo a que alude o artigo 403.º do Código do Trabalho, a consequência imediata será, a de absolver o recorrido da condenação no pedido reconvencional formulado pela recorrida, e concomitantemente, declarar-se a ilicitude do despedimento do A./recorrente operado pela Recorrida por via da carta junta sob doc.º n.º 35 com P.I,, recebida pelo a. em 7-12-2020 com a consequente consequência indemnizatória nos termos peticionados;

24) Mais acrescendo que, se o contrato apenas cessou em 7 de Dezembro de 2020, as retribuições serão devidas pela recorrida ao recorrente até essa data, pelo que deverá ser a recorrida condenada no pagamento das mesmas nos termos peticionados.

25) Não merece qualquer censura a condenação da recorrida no pagamento a ora recorrente dos créditos reclamados a título de férias não gozadas e pagas no total de € 2.158,36.

26) merece censura - e veemente – a apreciação do pedido do recorrente no que tange à reivindicação do pagamento, pela recorrida, da quantia de € 795,34, a título de crédito por formação profissional, porquanto, desde logo, o tribunal a quo, em tal decisão, ignorou completamente que o A. teria direito a um período de formação anual que corresponde sim a 35 horas anuais até 30/09/2019 e a 40 horas anuais a partir de 01/10/2019 por força do referido art. 131.º n.º 2 do CT, sendo que o aumento para as 40h foi introduzido pela Lei n.º 93/2019 de 04/09, muito concretamente ignorando-se ostensivamente a alteração legislativa por via de tal lei operada no art.º 131.º n.º 2 do Código do Trabalho.

27) E por força de tal alteração, desde a data da admissão do A. – em 8 de maio de 2017 – até 30 de setembro de 2011 o A. teria direito a 84 horas de formação obrigatórias e, a partir de 1 de outubro de 2019, com a entrada em vigor da já referida Lei n.º 93/2019 de 04/09, até ao termo do contrato em 7 de Dezembro de 2020, o A. teria direito a 43,60 horas de formação obrigatórias.

28) Consequentemente, tendo em conta as 12 horas de formação efectivamente prestadas ao A. como resulta dos factos provados – ainda que o MM.º juiz a quo se tenha demitido de levar ao elenco dos factos provados os anos em que tais horas foram prestadas - teria o A. direito a auferir o montante correspondente ao total de 119,60 horas de formação não prestada, e não a 110,5 horas como vem decidido na sentença recorrida.

29) Por outro lado, na remuneração de tai horas, o tribunal a quo limitou-se a ponderar o valor da retribuição do recorrente composto por remuneração de base e diuturnidades, nos termos do n.º 1 do Art.º 262.º do Código do Trabalho, desatendendo ao facto dado por provado sob ponto 53.º da P.I., de que o recorrente auferia um rendimento mensal de € 1.151,89 e, de todo o modo, desatendendo completamente ao disposto na CCT aplicável à relação laboral em causa - publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 34, 15/9/2018 - cujas cláusulas 49.ª (confirmadas na sua intencionalidade pelas cláusulas 50.ª e 51.ª) preveem mecanismo diferente, o que, na própria previsão do Art.º 262 n.º 1 do Cód. do Trabalho, impõe que o mesmo não tenha aplicação.

30) Assim, o valor / hora a considerar para apuramento dos créditos de formação, deveria ascender a € 6,65 (= [€ 1.151,89( ) x 12] : [52 x 40] – Art.º 271.º do CT e cláusulas 49.ª do IRC aplicável) que multiplicado pelo total de 119,60 horas de formação não proporcionadas pela R. ao A., corresponde o crédito total no montante de 795,34, devendo, consequentemente proceder tal pedido.

31) Finalmente, a sentença recorrida debruça-se sobre o pedido do A. na condenação da R. no pagamento da quantia de € 1.078,00, a titulo de diferenças salariais relativas aos meses de Novembro de 2018 a Dezembro de 2019 conclui que “o autor, que sempre trabalhou remunerado por forma legal e contratualmente prevista ou, em alternativa, por outra que o beneficiou.

32) Inegável é que a R., após entrada vigor em 20 de setembro de 2018 da CCT aplicável à relação laboral em causa publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 34, de 15/9/2018, numa primeira linha e à margem de qualquer norma legal, decidiu alterar unilateralmente um cláusula contratual negociada e estabelecida directamente com o Trabalhador, mais concretamente a cláusula segunda n.º 1 do contrato junto sob doc.º n.º 4 com a P.I..

33) Tal comportamento, ainda que fosse permitido em face do disposto no art.º 129.º al.ª d) do Código do Trabalho, por mera interpretação da irredutibilidade da prestação salarial como referida à retribuição global, de todo o modo, sempre teria obstáculo na própria Convenção colectiva aplicável e já referida que sempre salvaguardava que o comportamento que a R. / recorrida veio a adoptar não era lícito, em face do que prevê expressamente na al.ª d) da sua cláusula 14.ª, sob a epígrafe “Direitos dos Trabalhadores” e na sua cláusula 82.ª que impediam a R. de proceder relativamente à retribuição de base do recorrente, como procedeu entre os meses de Novembro de 2018 e Dezembro de 2019, reduzindo-a de € 700,00 para € 630,00.

34) Termos em que s.m.o., se impõe a revogação da Sentença recorrida a substituição por outra que condene a R. / Recorrida, além de tudo o mais, no pagamento ao A. da referida quantia de € 1.078,00, a título de montantes relativos às diferenças salariais não pagas em função da redução da retribuição base unilateralmente operada pela r. relativamente à acordada e do correspondente subsídio de turno calculado nos termos da cláusula 48.ª n.º 2 do IRC aplicável, entre os meses de novembro de 2018 e dezembro de 2019.

35) O Tribunal a quo violou o a al.ª d) do art.º 129.º, o art.º 403.º, o n.º 2 do Art.º 131.º, o art.º 134.º, o art.º 258.º, os n.ºs 1 e 2 do art.º 262.º, o n.º 1 do art.º 271º, todos do Código do Trabalho e a al.ª d) da cláusula 14.ª e as Cláusulas 48.ª e 82.ª, do CCT outorgado entre a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias - ANTRAM e a Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações - FECTRANS - Revisão global -, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 34, 15/9/2018.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE FACTO E DE DIREITO DECORRENTES DO PRUDENTE JUÍZO E SUPERIOR SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE A PRESENTE APELAÇÃO SER JULGADA PROCEDENTE E, POR VIA DA MESMA:

A) SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE JULGUE PROCEDENTE A ACÇÃO NOS EXACTOS TERMOS DO PEDIDO FORMULADO (excepto no que concerne à condenação da recorrida no pagamento a ora recorrente dos créditos reclamados a título de férias não gozadas e pagas no total de 2.158,36, parte essa em que a sentença recorrida não merece censura) E, CONCOMITANTEMENTE,

B) IMPROCEDENTE A RECONVENÇÃO, TUDO COM AS NECESSÁRIAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

UT PAR EST!”

                                                             *

A Ré não apresentou resposta.

                                                                       *

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se nos termos constantes do douto parecer de fls. 297 e segs., concluindo no sentido de que a apelação deverá ser julgada procedente.

                                                             *

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                                                             *

II – Questões a decidir:

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º do CPC), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

Assim, cumpre apreciar as questões suscitadas pelo Autor recorrente, quais sejam:

1ª – Reapreciação da matéria de facto.

2ª – Se não ocorreu o abandono do trabalho por parte do Autor, tendo este sido ilicitamente despedido.

3ª – Se a Ré deve ao Autor as retribuições dos meses de novembro e dezembro de 2020.

4ª – Se a Ré deve ao Autor a quantia de € 795,34 a título de crédito de horas de formação profissional.

5ª – Se a Ré deve ao Autor a quantia de € 1.078,00 a título de diferenças salariais respeitantes aos meses de novembro de 2018 a dezembro de 2019.

                                                             *

                                                             *

III – Fundamentação

a) Factos provados e não provados constantes da decisão recorrida:

petição

1

A Ré é uma sociedade unipessoal por quotas, cujo objeto social consiste no transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem, logística, grupagem, armazenagem e aluguer rent-a-cargo.

2

O Autor é titular da Carta de Condução por força da qual se encontra habilitado para conduzir viaturas das categorias B1, B, C1, C, D1, D, BE, C1E, CE, D1E e DE.

3

Autor e Ré celebraram um contrato de trabalho, intitulado “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, em 08 de maio de 2017.

4

nos termos do qual, e além do mais, o A. foi admitido ao serviço da R. “pelo prazo de 6 (seis) meses, com início no dia 08 de maio de 2017 e termo no dia 07 de Novembro de 2017”.

5

sendo que tal contrato se considerava “automaticamente renovado por igual período caso a primeira contraente não comunique, por escrito, ao segundo contraente, a vontade de não o renovar, até 15 dias antes do termo do prazo inicial ou de qualquer das suas eventuais renovações.

6

Como motivo justificativo do termo aposto ao referido contrato, na cláusula sexta do mesmo, consta que “A celebração do presente contrato de trabalho a termo certo, resulta do facto do primeiro outorgante ter a seu cargo, à data, o transporte de mercadoria para a empresa S..., Lda. Tais trabalhos representam um acréscimo excecional de actividade da empresa – cfr. Al. F) e h do n.º 2 do 140.º do Código do Trabalho.”.

7

O A., pelo referido contrato, foi admitido ao serviço da R. para desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de motorista de pesados.

9

No referido contrato foi acordado entre A. e R. o vencimento mensal de base auferido pelo A. de € 700,00 (setecentos euros) mensais ilíquidos.

10

A. e R. iniciaram a execução do referido contrato de trabalho em 08 de maio de 2017.

11

Em 06 de novembro de 2017, a R. declarou, além do mais, e no contexto do respetivo documento, que o A. nela exercia a profissão de motorista de pesados “(…) desde 08-05-2017, pertencendo ao quadro de pessoal, com vínculo efectivo.”

14

O A. desempenhava ainda também, pontualmente, as suas funções de motorista ao serviço da R. no âmbito do serviço de transporte que esta efetuava para outras suas clientes, a saber, I..., Lda., não obstante pontualmente o A. executar também serviços de transporte internacional.

16

Procedendo ao transporte das mercadorias da clientes da R. S..., Lda., I..., Lda., de e para as instalações e armazéns dessas mesmas clientes da R., todas localizadas no M..., na localidade de ...,

17

Local onde permaneciam as viaturas pesadas da R. e onde o A. iniciava e terminava essas suas jornadas de trabalho.

18

A R., até ao mês de outubro de 2018 (inclusive), pagou ao A. as retribuições em conformidade com o vencimento base mensal de € 700,00.

19

A partir do mês de novembro de 2018 (inclusive), a R. reduziu o valor da retribuição base paga ao A. para o montante de € 630,00.

20

A R. manteve-se a pagar ao A. a retribuição de base de € 630,00 até ao mês de dezembro de 2020.

21

E em janeiro de 2020, voltou a pagar ao A. a remuneração de base de € 700,00.

24

O A. conduzia viaturas com mais de 7,5 ton. e menos de 44 ton.

25

A R. optou pelo subsídio de trabalho noturno nos termos do n.º 2 da cláusula n.º 48.º correspondente a 10 % da remuneração de base.

26

Por força da cláusula 61.º do referido IRC, o montante correspondente a duas horas de trabalho suplementar por dia, deduzido do montante referido no artigo anterior.

29

No dia 2 de novembro de 2020, o A. deslocou-se ao M..., não lhe tendo sido acometida qualquer tarefa pela R.

30

o que se manteve por todos os dias seguintes, sendo que, ao chegar àquele local, o A. constatava que todas as viaturas da R. ali parqueadas, tinham outros colegas escalados para os respetivos serviços,

33

Por carta registada de 4 de novembro de 2020, a R. comunicou ao A. que este deveria passar a fazer serviço de transporte internacional, alegando para o efeito que a respetiva cliente, a já referida S..., Lda., tinha cancelado todos os pedidos de transporte, bem como a circunstância da R. ter deixado de ter outros clientes para efetuar transporte a nível nacional.

35

Já antes da remessa de tal carta o gerente da R. comunicara ao A. que este deveria ir fazer contas à sua sede.

37

Desde que os serviços de transporte para a S..., Lda. terminaram, o A. manteve-se a realizar serviços de transporte, em alguns casos, nacional, designadamente, para as empresas I..., Lda.,

41

O A. opôs-se à referida determinação da R., nos termos da carta registada de 5 de novembro de 2020 que remeteu àquela.

42

Por via da qual, além do mais, alertou para a sua situação familiar, designadamente a nível das responsabilidades parentais.

48

O autor não foi convocado para se apresentar em ação de formação no dia 7 de novembro de 2020, na empresa A... Lda, em ....

50

No dia 07 de dezembro de 2020, o A. recebeu uma carta pelo qual a R. lhe comunicava que o mesmo deixara de comparecer ao trabalho desde o dia 2 de novembro, considerando que o A. abandonou o trabalho e, consequentemente, considerando cessado o respetivo contrato de trabalho.

51

Em data que não foi possível apurar com precisão, mas vizinha do final do ano de 2020, a R. contratou outro motorista de pesados ao qual acometeu as funções de transporte ao serviço da I..., Lda., exclusivamente em território nacional.

53

Na referida data de 07 de dezembro de 2020 o A. auferia uma retribuição mensal no total de € 1.151,89, composta pela retribuição de base no montante de € 700,00, acrescida de uma diuturnidade no valor de € 17,00 e dos montantes devidos por força das cláusulas 59.ª (€14,00), 61.ª (€ 350,89 = 11,6964x30 dias) e 62.ª (€70,00 = 10% da retribuição de base) do IRC aplicável resultante da revisão global publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 45 de 8/12/2019.

55

Após o termo do contrato a R. não pagou ao A. qualquer quantia.

60

Durante o período em que vigorou o contrato de trabalho entre A. e R., o A. cumpriu 12 horas de formação

contestação

5

Para realizar serviços de transporte para a mencionada cliente da Ré foi atribuída ao Autor a viatura com a matrícula ..-VA-...

6

A empresa S..., Lda. deixou de contratar a Ré para a prestação de serviços de transporte em abril/maio de 2020.

10

A partir do momento em que a Ré perdeu a cliente S..., Lda., atribuiu outros serviços de transporte ao Autor, bem como ao então trabalhador FF, dado que ambos estavam afetos à mesma.

11

Nessa altura, a Ré não tinha qualquer serviço de transporte nacional para atribuir aos dois motoristas em causa, razão pela qual reuniu com os mesmos e acordou que teriam de passar a exercer funções de transporte internacional.

12

Tendo sido acordado que caso surgisse algum cliente novo para serviço nacional, ambos os trabalhadores seriam - se assim entendessem - afetos ao mesmo.

16

O Autor aceitou exercer as funções no transporte internacional.

17

Os filhos do Autor passam apenas os fins de semana consigo, de forma alternada, de quinze em quinze dias.

19

Tendo em conta o acordado, o Autor prestou serviços de transporte internacional no mês de junho de 2020, tendo auferido o prémio TIR, bem como o complemento salarial de transporte internacional previsto na cláusula 59.º da CCT aplicável.

20

Em julho de 2020, o Autor sofreu um acidente de trabalho, razão pela qual não exerceu funções no transporte internacional.

21

Em agosto de 2020, o Autor esteve a substituir motoristas da Ré, afetos ao serviço de transporte nacional, pelo facto de estarem a gozar férias.

22

Em setembro de 2020, o Autor retomou o transporte internacional, tendo auferido o prémio TIR, bem como o complemento salarial de transporte internacional previsto na cláusula 59.º da CCT aplicável.

23

Em outubro de 2020, o Autor esteve novamente a substituir motoristas da Ré, afetos ao serviço de transporte nacional, pelo facto de estarem a gozar férias ou de baixa médica.

24

Nesse mês, a Ré reiterou junto do Autor a necessidade de exercer as suas funções no transporte internacional, uma vez que não tinha clientes de transporte nacional.

25

Os serviços de transporte nacional estavam a ser executados por outros motoristas.

26

É o que se verificava com a cliente da Ré “I..., Lda.” cujos serviços de transporte nacional eram executados por quatro trabalhadores, a saber: GG (admitido em 1 de abril de 2017), BB (admitido em 1 de abril de 2017), CC (admitido em 1 de janeiro de 2018) e HH (admitido em 16 de junho de 2018).

27

Apenas os motoristas CC e HH foram admitidos em data posterior à do Autor (que foi admitido em 8 de maio de 2017), sendo que o motivo da sua admissão foi precisamente os serviços de transporte da cliente “I..., Lda.”, à qual estavam afetos desde as datas de admissão.

31

Desde essa data que o Autor nunca mais se apresentou ao serviço.

33

A viatura que estava atribuída ao Autor para o serviço da S..., Lda. tinha a matrícula ..-VA-...

35

O Autor não usava a viatura ..-ZB-.. e não tinha as chaves da mesma.

37

A viatura com a matrícula ..-ZB-.. era conduzida pelos motoristas BB e GG.

61

O Autor sempre auferiu uma remuneração média mensal líquida no valor de cerca de € 1.300,00, à qual acresciam os subsídios de férias e de natal, pagos em duodécimos mensais.

62

Desde a data da admissão até janeiro de 2018, o Autor auferiu a remuneração média mensal líquida de € 1.300,00 correspondendo à soma da quantia de € 700,00, a título de remuneração mensal base, sendo o remanescente pago a título de ajudas de custo.

63

Sendo que o valor médio das ajudas de custo era de € 695,00,

64

O que sempre foi feito por acordo entre as partes.

65

A partir de janeiro de 2018, face à entrada em vigor na nova CCT, que exigia a discriminação de várias remunerações, a Ré, por acordo com os trabalhadores, continuou a pagar a remuneração mensal líquida acima mencionada, cuja discriminação constante do recibo foi alterada.

66

De janeiro a outubro de 2018, consta no início dos recibos de vencimento o valor de € 630,00 como “vencimento base”.

67

Nesses mesmos recibos, na parte dos “abonos” consta a seguinte discriminação: vencimento base, 30 dias, valor unitário de € 23,3333, valor € 700,00.

68

Sendo que o valor médio líquido das remunerações mensais se manteve na ordem dos € 1.300,00.

69

De novembro de 2018 a dezembro de 2019, o recibo, na parte dos “abonos”, passa a conter um vencimento base no valor de € 630,00. Contudo, a partir dessa data, os recibos passam a incluir várias outras remunerações, referentes às cláusulas 48.º, 59.º, 45.º, 61.º da CTT.

70

Mantendo-se a remuneração mensal líquida no valor de € 1.300,00.

réplica

13

A viatura ..-VA-.. estava ao serviço da S..., Lda., e a referida ..-ZB-.. ao serviço da I..., Lda..

33

A R. tem o serviço Internacional organizado do seguinte modo: os motoristas iniciam o transporte à terça-feira, transitando por Espanha, França, Luxemburgo, Holanda, Bélgica, Alemanha, fazendo depois o percurso inverso de regresso.

ii – factos não provados

petição

29

local onde sempre iniciou e terminou a sua prestação.

31

a viatura que até então estava destinada ao A. de matrícula ..-ZB-...

34

Tais circunstâncias invocadas pela R. para que o A. tivesse que passar a fazer serviço de transporte internacional, não se verificavam de todo, sendo meros pretextos criados pelo gerente da R. que, na prática, apenas pretendia despedir o A.

35

sem que no entanto tivesse concretizado que contas pretendia fazer.

51

Na mesma data de 07 de dezembro de 2020

60

apenas

contestação

13

Foi também acordado que, apesar do serviço de transporte ser internacional, a Ré tudo faria para que os trabalhadores, entre os quais o Autor, pudessem estar em Portugal nos fins de semana, para poderem passar os mesmos com a família.

14

Essa é a política em vigor na Ré em relação a todos os seus motoristas.

24

uma vez que não tinha clientes de transporte nacional.

25

há bastante tempo.

28

Os serviços de transporte da cliente da Ré “I..., Lda.”, eram executados pelo motorista II, trabalhador da Ré desde outubro de 2016.

29

No ano de 2020, a Ré não admitiu ao seu serviço um único trabalhador para exercer as funções de motorista no transporte nacional, mas apenas para o transporte internacional.

31

Desde essa data que o Autor nunca mais esteve na sede da Ré, nem no M....

36

Pelo que não poderá ter entrado na viatura e colocado o seu cartão de motorista na mesma.

54

O exercício de funções de transporte internacional não causava qualquer prejuízo ao Autor.

réplica

13

Antes das Viaturas ..-VA-.. e da ..-ZB-.., o A. conduziu diversas viaturas da R.

16

O A. apenas teve conhecimento que teria havido uma palete não entregue, ignorando o valor da respetiva mercadoria, apenas sabendo que essa omissão de entrega fora da responsabilidade de um colega seu, mais concretamente o trabalhador (à data) também referido pela R. FF.

17

O A. não omitiu a entrega de qualquer mercadoria

21

Depois cessação dos serviços de transporte da R. para a S..., Lda., o A. manteve-se primordialmente a realizar serviços de transporte nacional, designadamente para as empresas I..., Lda., sempre em território nacional.

23

com enorme sacrifício pessoal.

31

A R. simplesmente, determinou que o A. iria fazer transporte internacional em Julho de 2020, tendo este, ciente do dever de cumprir com a afetação temporária a outras funções, efetivamente acatado tal determinação.

33

(mais concretamente de terça-feira para quarta-feira), 3 dias não são suficientes em função dos serviços escalados organizados pela R., o que implica que seja absolutamente impossível aos respetivos de estar em Portugal ao fim de semana, ou, na melhor das hipóteses, chegar ao domingo, tendo já por diversas vezes sucedido que os motoristas de serviço internacional apenas conseguem chegar a Portugal à segunda-feira ou mesmo à terça-feira.

34

Das vezes que executou o serviço internacional nos termos já referidos, ao A. era impossível estar em casa durante todo o fim de semana, apenas tendo conseguido chegar na madrugada de Domingo,

38

a baixa do A. apenas se verificou durante 19 dias, sendo que nos demais dias do mês de julho de 2020, regressou às suas funções normais no transporte nacional,

39

Assim tendo continuado durante todo o mês de agosto de 2020

52

O autor apresentou-se para iniciar a sua jornada tendo introduzido o seu cartão pessoal e intransmissível na viatura que vinha usando no inicio e no termo do tempo de trabalho.

53

A R. apenas pretendia que o A. não tivesse registo da sua apresentação ao trabalho para se socorrer do alegado abandono pelo A.

55

É falso que os trabalhadores da R., BB e GG colocassem o cartão do A. na viatura ou permitissem deliberadamente esse acesso: Era o A. quem o fazia quando se apresentava ao trabalho, e quando terminava o seu tempo de trabalho, não sendo a detenção das chaves condição para o efeito uma vez que a viatura, enquanto parqueada no local em que os trabalhadores da R. iniciavam a sua jornada, permanecia aberta.

iii – fundamentação

Os factos fixados foram-no por acordo dos sujeitos processuais decorrente dos articulados, pelo teor dos documentos juntos ao processo, e por virtude de análise e ponderação crítica do conjunto da prova produzida e examinada em audiência, com destaque para os seguintes elementos.

Uma questão de lógica das coisas. Esta ré soube redigir contratos de trabalho a termo, soube, inclusivamente, explicar as razões do invocado acréscimo de serviço, de tal forma que se fica com a noção de que esta ré – excluindo, eventualmente, o serviço internacional – não tem qualquer serviço em concreto, pois que, por cada cliente de transporte nacional que contrata, celebra um contrato de trabalho para esse cliente, que caracteriza como um acréscimo excepcional da actividade da empresa. Neste quadro, é inviável que o contrato inicialmente celebrado pelo autor tenha passado a definitivo por mero lapso ou falta de conhecimento da ré, que não comunicou, atempadamente, a respectiva caducidade, conforme, aliás, previsto numa das suas cláusulas; tudo dá a entender que, ao invés, e como invoca a mesma ré, tal contrato tenha sido alterado, por forma a que o autor deixasse de estar afecto à empresa que havia, alegadamente, motivado a sua contratação, antes passando a ser, unicamente, motorista, passando a desenvolver actividade nacional e internacional, conhecedor de que esta última, inclusivamente, não estava, de momento, disponível, cabendo-lhe unicamente, em território nacional, acorrer – como, efectivamente acorreu – a períodos de baixa e de férias de outros motoristas que, ocupados com serviço nacional, não haviam visto o seu contrato prejudicado, como ocorreu com o autor, por via dos negócios entre a ré e os seus clientes. Assim, e para além do acordo das partes em questões de pormenor, se deu como provado que o autor passou de motorista contratado para serviço nacional, prioritariamente com reporte ao cliente S..., Lda., para motorista em geral, para o serviço disponível; o qual, como quer oralmente quer por escrito lhe foi repetidamente comunicado, era, de momento, prioritariamente, serviço internacional. Estes factos, inclusivamente, foram atestados pela prova carreada para audiência pela ré, mormente pela testemunha JJ, que declarou ter assistido, enquanto desenvolvia o seu trabalho, a uma discussão entre autor e representante da ré, no final do ano de 2020, a propósito do trabalho em serviço internacional, que o autor não queria fazer. O próprio autor, em depoimento de parte, esclareceu que, a dado passo, lhe foi colocada a alternativa de que ou ia para o serviço internacional ou ia “para a rua”, sendo que o autor, como referiu, e porque tinha dois filhos, acedeu.

Relativamente ao assunto das retribuições em falta, a questão é suficientemente esclarecida pelo depoimento, lúcido e com foros de honestidade, da testemunha KK, contabilista certificada que assegura o serviço da ré. Explicou a mesma que, como todos recordam, em 2018, “o país parou por causa da reivindicação destes senhores”. Todos os trabalhadores da casa passaram a ter vencimentos de acordo com o instrumento de regulação colectiva, passando a receber a mesma quantia em termos líquidos, mas com uma componente maior para a Segurança Social. Como explicou, “o sector fazia muito uso de ajudas de custo” e assim “foi feito um ajuste”… por voa do qual, mantendo-se o recebido pelos motoristas, a entrada denominada “vencimento base” nos recibos de vencimento, desceu. Como é conhecido, o movimento reivindicativo, liderado por um dirigente sindical que não é profissional do volante, popularizou que os motoristas auferiam uma quantia irrelevante, obnubilando que, a título de várias outras regalias, ardilosamente subtraídas à acção da segurança social e dos impostos, na realidade, auferiam o dobro do que proclamavam à opinião pública. Como o principal resultado dos confrontos se traduziu numa inflexão no sentido da regularização, à face da lei, destes vencimentos, pontualmente, a pressão continuou, no sentido de que o motorista, em especial o do serviço internacional, continuasse a receber quantias “líquidas”, o que fez com que, por acordo das partes, e no dizer eufemístico da contabilista, tivesse sido feito “um ajuste”; o qual permite que o motorista, como é o caso do autor, invoque que lhe baixaram, “unilateralmente”, a retribuição, olvidando que continua a receber, no mínimo, exactamente o mesmo.

Por fim, a questão da “apresentação” ao serviço. É indiscutível que o autor, na sua proclamação em defesa do exercício de um contrato de trabalho limitado ao serviço nacional, rumou, à hora em que os veículos, conduzidos por outros colegas, a quem incumbia tal serviço, saíam do M..., em ..., mesmo sabendo que, aí, nunca lhe iria ser dado – como antecipadamente havia sido informado, oralmente e por escrito – qualquer tarefa. É igualmente indiscutível que o autor sabia que, se pretendesse aceitar a efectivação de serviço internacional, se deveria dirigir, antes, à sede da empresa ou ao local de saída dos veículos afectos ao serviço internacional; o que não fez. Não se me afigura. Em termos de pura lógica, que lhe devesse ter sido, em concreto, atribuído um veículo, um horário e uma carga para levar para país estrangeiro, pois que o autor, antecipadamente, havia já dito que não o faria. A questão do registo, no cartão, de presença na cabina de determinado veículo, é uma questão lateral e meramente probatória, sendo totalmente irrelevante, para o presente processo, que o tenha feito apoderando-se da chave do veículo quando, para o efeito, não estava autorizado pelo proprietário, ou se o acesso lhe tivesse sido facultado por colega que, naquelas circunstâncias, o não deveria ter feito, pois que sempre estaria a ser, assim, elaborado um documento, relativo ao trabalhador e a uma viatura, quando, na realidade, naquelas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar, tal relação não deveria ter ocorrido. É um comportamento que só traduz a falta de consciência da ilicitude e, até, previamente, da correcção e da verticalidade, por parte seja de quem o praticou, seja de quem o divulgou; nos precisos termos em que jamais se deveria ter lançado – o que tenho por uma atoarda, pois que, sendo verdade, teria que a denunciar ao Magistrada do Ministério Público, pois estariam em causa crimes públicos, de burla à seguradora e ou de falsificação de documentos – que ocorreu, em território alemão, um acidente de trabalho que foi processado como se tivesse tido lugar em espaço nacional. Assim, e creio que com a concordância de todos, que o autor esteve presente no M... abastecedor quando sabia que, se tivesse querido, formalmente, depois de se ter negado a realizar serviço internacional, apresentar-se ao serviço, não era ali, onde não tinha quaisquer tarefas a cumprir, que o deveria ter feito.

Sem dificuldades, e independentemente do articulado a esse respeito na petição, sabe-se que o autor, na visão de todos quantos, independentemente de quem os indicou, conhecedores desses factos, depuseram em audiência, participou em acções de formação, pese embora não tenha tido presença na que decorreu quando já os sujeitos processuais estavam em processo de ruptura.

Os demais factos não provados assim o foram por contradizerem outros, dados como provados, ou por sobre eles não ter sido produzida qualquer prova. Por último, pontos há que não foram levados aos factos provados nem aos não provados, por se ter entendido que, mais do que factos, encerravam unicamente argumentos ou juízos conclusivos.”

                                                                       *

                                           *

b) - Discussão

1ª questão

Reapreciação da matéria de facto

Conforme resulta do disposto no artigo 640.º, do C.P.C.:

<<1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)>>.

Acresce que, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artigo 662.º, do C.P.C..

Lidas as alegações, constatamos que o recorrente indicou os pontos concretos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, os meios probatórios que impunham decisão diversa (salvo no que respeita aos artigos 52.º, 53.º e 55.º da Resposta), ou seja, as declarações de parte, os depoimentos das testemunhas e os documentos que identifica, com indicação das passagens da gravação em que se funda e, ainda, a decisão que, no seu entender devia ter sido proferida.

Assim sendo, o recorrente cumpriu o ónus que sobre si impedia e este Tribunal pode proceder à reapreciação da prova.

Ouvimos as declarações e os depoimentos das testemunhas prestados em audiência de julgamento e analisámos os documentos juntos aos autos.

Vejamos, então, se assiste razão ao recorrente seguindo as suas alegações.

Alega o recorrente que:

- Concretizando, impugna-se a matéria de facto dada por provada na sentença recorrida proveniente da Contestação e ali alegada sob os pontos 10.º, 11.º, 12.º, 16.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 31.º, 65.º e 66º, que deveria ser dada por não provada, porquanto assim o impunha as provas produzidas, ou a falta delas, no que tange àquela matéria,

- excepto quanto ao artigo 19.º da contestação que deveria resultar provado com a redação segundo a qual O Autor prestou pontualmente serviços de transporte internacional no mês de junho de 2020, tendo auferido o premio TIR, bem como o complemento salarial de transporte internacional previsto na cláusula 59.º da CCT aplicável.

É a seguinte a matéria de facto provada descrita nos pontos em análise:

10 -  A partir do momento em que a Ré perdeu a cliente S..., Lda., atribuiu outros serviços de transporte ao Autor, bem como ao então trabalhador FF, dado que ambos estavam afetos à mesma.

11 - Nessa altura, a Ré não tinha qualquer serviço de transporte nacional para atribuir aos dois motoristas em causa, razão pela qual reuniu com os mesmos e acordou que teriam de passar a exercer funções de transporte internacional.

12 - Tendo sido acordado que caso surgisse algum cliente novo para serviço nacional, ambos os trabalhadores seriam - se assim entendessem - afetos ao mesmo.

16 - O Autor aceitou exercer as funções no transporte internacional.

19 - Tendo em conta o acordado, o Autor prestou serviços de transporte internacional no mês de junho de 2020, tendo auferido o prémio TIR, bem como o complemento salarial de transporte internacional previsto na cláusula 59.º da CCT aplicável.

20 - Em julho de 2020, o Autor sofreu um acidente de trabalho, razão pela qual não exerceu funções no transporte internacional.

21 - Em agosto de 2020, o Autor esteve a substituir motoristas da Ré, afetos ao serviço de transporte nacional, pelo facto de estarem a gozar férias.

22 - Em setembro de 2020, o Autor retomou o transporte internacional, tendo auferido o prémio TIR, bem como o complemento salarial de transporte internacional previsto na cláusula 59.º da CCT aplicável.

24 - Nesse mês, a Ré reiterou junto do Autor a necessidade de exercer as suas funções no transporte internacional, uma vez que não tinha clientes de transporte nacional.

25 - Os serviços de transporte nacional estavam a ser executados por outros motoristas.

26 - É o que se verificava com a cliente da Ré “I..., Lda.” cujos serviços de transporte nacional eram executados por quatro trabalhadores, a saber: GG (admitido em 1 de abril de 2017), BB (admitido em 1 de abril de 2017), CC (admitido em 1 de janeiro de 2018) e HH (admitido em 16 de junho de 2018).

27 - Apenas os motoristas CC e HH foram admitidos em data posterior à do Autor (que foi admitido em 8 de maio de 2017), sendo que o motivo da sua admissão foi precisamente os serviços de transporte da cliente “I..., Lda.”, à qual estavam afetos desde as datas de admissão.

31 - Desde essa data que o Autor nunca mais se apresentou ao serviço.

65 - A partir de janeiro de 2018, face à entrada em vigor na nova CCT, que exigia a discriminação de várias remunerações, a Ré, por acordo com os trabalhadores, continuou a pagar a remuneração mensal líquida acima mencionada, cuja discriminação constante do recibo foi alterada.

 66 - De janeiro a outubro de 2018, consta no início dos recibos de vencimento o valor de € 630,00 como “vencimento base”.

Como já referimos o recorrente entende que a matéria descrita nos pontos 10 a 12 e 16 do elenco dos factos provados deve julgar-se como não provada tendo em conta as suas declarações, os recibos de vencimento juntos aos autos e os depoimentos das testemunhas CC, BB e EE.

Pois bem, resulta do depoimento da testemunha CC que a S..., Lda. para quem o A. fazia o transporte deixou de ser cliente da Ré e o A. continuou lá a trabalhar no internacional e no nacional quando havia férias dos outros motoristas; a testemunha BB disse que o A. era do serviço nacional com a S..., Lda., fez internacional também porque a Ré disse que só tinha este serviço e fazia as férias dos outros no nacional; referiu, ainda, que pensa que a Ré disse ao A. que não tinha mais nacional, só internacional e que a passagem do A. para o internacional era para ser temporária até aparecer serviço nacional, o que ouviu da Ré; a testemunha LL referiu que que o A. era da S..., Lda. e fez serviço internacional obrigado, porque a S..., Lda. tinha terminado.

Por sua vez, a testemunha JJ, empresário, disse que ouviu uma conversa entre o gerente da Ré e o A., em outubro/novembro de 2020, dizendo o primeiro que não tinha serviço nacional e a implorar ao A. para fazer internacional, tendo dito este que não fazia, que não tinha sido contratado para isso mas sim para o nacional.

Acresce que, a testemunha EE, companheira do A. referiu que este era do serviço nacional mas a Ré exigiu que ele fosse para o internacional, caso contrário ia para a rua, o que também foi declarado pelo Autor.

Assim sendo, e ponderando ainda o constante do contrato de trabalho junto a fls. 40 a 41 e da carta enviada pela Ré ao A. junta a fls. 44, foi feita prova bastante e credível da matéria descrita nos pontos 10, 11, 1ª parte, 12 (com exceção do acordo) e 16 (quanto ao facto de o A. ter feito transporte internacional), no entanto, já não foi feita prova de qualquer reunião ou acordo entre a Ré e o A., nem da aceitação deste no sentido de ter de passar a exercer funções de transporte internacional.

Desta forma a matéria descrita nos pontos 11, 12 e 16 (contestação) da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redação:

11 - Nessa altura, a Ré não tinha qualquer serviço de transporte nacional para atribuir aos dois motoristas em causa, razão pela qual determinou que o A. teria de exercer serviço de transporte internacional.

12 - Tendo referido que caso surgisse algum cliente novo para o serviço nacional o Autor seria afeto ao mesmo.

16 - O Autor exerceu serviço de transporte internacional que lhe foi determinado pela Ré.

                                                             *

O recorrente alega que o ponto 19 da matéria de facto provada devia ter a seguinte redação: O Autor prestou pontualmente serviços de transporte internacional no mês de junho de 2020, tendo auferido o premio TIR, bem como o complemento salarial de transporte internacional previsto na cláusula 59.º da CCT aplicável.

Não acompanhamos o recorrente no que concerne à expressão pontualmente, na medida em que a mesma tem natureza conclusiva, no entanto, quanto ao mais, tendo em conta o que ficou dito, ou seja, que não foi feita prova da existência de qualquer acordo entre a Ré e o Autor, assiste razão a este.

Na verdade, se os serviços de transporte internacional prestados pelo Autor foram ou não pontuais é conclusão que se há de retirar dos factos julgados provados.

Assim sendo, o ponto 19 (contestação) da matéria de facto passa a ter a seguinte redação:

19 - O Autor prestou serviços de transporte internacional no mês de junho de 2020, tendo auferido o prémio TIR, bem como o complemento salarial de transporte internacional previsto na cláusula 59.º da CCT aplicável.

                                                             *

No que respeita à matéria descrita no ponto 20 (contestação) da matéria de facto provada, o recorrente não põe em causa o facto provado de que em julho de 2020 o Autor sofreu um acidente de trabalho mas apenas a fundamentação da falta de exercício de funções de transporte internacional no referido acidente.

Resulta do recibo de vencimento junto a fls. 67 v.º, de julho de 2020, que o Autor faltou ao trabalho durante 19 dias por acidente de trabalho, pelo que, facilmente se conclui que durante esse período não prestou qualquer serviço de transporte nacional ou internacional, sendo esta a única prova produzida a propósito desta matéria.

Assim sendo, a matéria descrita no ponto 20 (contestação) da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redação:

20 - Em julho de 2020, o Autor sofreu um acidente de trabalho, não tendo prestado qualquer serviço para a Ré durante 19 dias.

                                                             *

No que concerne à matéria provada descrita no ponto 21 (contestação):

21 - Em agosto de 2020, o Autor esteve a substituir motoristas da Ré, afetos ao serviço de transporte nacional, pelo facto de estarem a gozar férias.

Ao contrário do alegado pelo recorrente, tal matéria resulta do depoimento das testemunhas nos termos supra expostos, pelo que, deve manter-se como tal.

                                                             *

No que respeita à matéria provada descrita no ponto 22 (contestação):

22 - Em setembro de 2020, o Autor retomou o transporte internacional, tendo auferido o prémio TIR, bem como o complemento salarial de transporte internacional previsto na cláusula 59.º da CCT aplicável.

O recorrente insurge-se quanto ao facto de ter sido dado como provado que o Autor retomou o transporte internacional, pois tratou-se de uma situação pontual.

Na verdade, apenas resulta do recibo de vencimento de setembro de 2020 que o Autor prestou serviço internacional, sendo certo que da sua conjugação com os factos provados descritos nos pontos 11, 16 e 19 da contestação e 14 da p.i., poder-se-á retirar se retomou, e em que termos, aquele serviço internacional, pelo que, a matéria descrita neste ponto deve passar a ter a seguinte redação:

22 - Em setembro de 2020, o Autor efetuou transporte internacional, tendo auferido o prémio TIR, bem como o complemento salarial de transporte internacional previsto na cláusula 59.º da CCT aplicável.

                                                             *

No que concerne à matéria provada descrita nos pontos 24 a 27 (contestação):

24 - Nesse mês, a Ré reiterou junto do Autor a necessidade de exercer as suas funções no transporte internacional, uma vez que não tinha clientes de transporte nacional.

Tendo em conta o depoimento da testemunha JJ, supra enunciado, conjugado com a matéria provada constante do ponto 33 (p. i.) e 6, 10 e 11 (contestação), ao contrário do alegado pelo recorrente, foi feita prova bastante e credível da matéria descrita no ponto em análise e que, por isso, deve manter-se como tal.

25 - Os serviços de transporte nacional estavam a ser executados por outros motoristas.

26 - É o que se verificava com a cliente da Ré “I..., Lda.” cujos serviços de transporte nacional eram executados por quatro trabalhadores, a saber: GG (admitido em 1 de abril de 2017), BB (admitido em 1 de abril de 2017), CC (admitido em 1 de janeiro de 2018) e HH (admitido em 16 de junho de 2018).

27 - Apenas os motoristas CC e HH foram admitidos em data posterior à do Autor (que foi admitido em 8 de maio de 2017), sendo que o motivo da sua admissão foi precisamente os serviços de transporte da cliente “I..., Lda.”, à qual estavam afetos desde as datas de admissão.

Como já ficou dito, resulta do depoimento da testemunha CC que: trabalhou como motorista da Ré afeto à I..., Lda. e com mais três motoristas, GG, BB e HH; a S..., Lda. para quem o A. fazia o transporte deixou de ser cliente da Ré e o A. continuou lá a trabalhar no internacional e no nacional quando havia férias dos outros motoristas; a testemunha BB, ex motorista da Ré, disse que foi admitido um mês antes do A., tendo estado afeto à I..., Lda.; o A. era do serviço nacional com a S..., Lda., fez internacional também porque a Ré disse que só tinha este serviço e fazia as férias dos outros no nacional e referiu, ainda, que pensa que a Ré disse ao A. que não tinha mais nacional, só internacional; a testemunha LL referiu que que o A. era da S..., Lda., fez serviço internacional obrigado, porque a S..., Lda. tinha terminado e também para a I..., Lda..

Por outro lado, a testemunha MM referiu que foi proposto ao A. fazer internacional porque a ID já tinha os quatro motoristas referidos no ponto 26 e que o A. fez nacional a substituir colegas nas férias.

Acresce que, resulta dos documentos juntos aos autos a fls. 69 a 74, que GG e BB foram admitidos pela Ré em 01/04/2017, CC foi admitido pela Ré em 01/01/2018 e HH em 01/06/2018.

Assim sendo, ao contrário do alegado pelo recorrente, foi feita prova bastante e credível da matéria descrita nos pontos 25 e 26 em análise, com exceção da data de admissão do motorista HH que, conforme resulta do referido contrato junto aos autos, foi admitido em 01/06/2018 e não em 16 de junho de 2018.

No que concerne à matéria constante do ponto 27, a 1ª parte, ou seja, apenas os motoristas CC e HH foram admitidos em data posterior à do Autor (que foi admitido em 8 de maio de 2017), a mesma reveste-se de natureza conclusiva e, como tal, não deve constar do elenco dos factos provados.

E, no mais, o motivo da sua admissão consta da cláusula sexta dos respetivos contratos (“o transporte de produtos hortícolas e outros respeitantes de uma atividade sazonal ou outra (…), tendo sido feita prova bastante e credível de que o motorista CC esteve afeto à I..., Lda. desde a data da sua admissão.

Assim sendo, a matéria provada descrita nos pontos 26 e 27 (contestação) passa a ter a seguinte redação:

26 - É o que se verificava com a cliente da Ré “I..., Lda.” cujos serviços de transporte nacional eram executados por quatro trabalhadores, a saber: GG (admitido em 1 de abril de 2017), BB (admitido em 1 de abril de 2017), CC (admitido em 1 de janeiro de 2018) e HH (admitido em 01 de junho de 2018).

27 - Os motoristas CC e HH foram admitidos com a justificação constante da cláusula sexta dos respetivos contratos juntos a fls. 71 a 74 (“o transporte de produtos hortícolas e outros respeitantes de uma atividade sazonal ou outra (…)) e o primeiro esteve afeto aos serviços de transporte da cliente “I..., Lda.” desde a data da sua admissão.

                                                  *

Ponto 31 (contestação):

31 - Desde essa data que o Autor nunca mais se apresentou ao serviço.

Antes de mais, cumpre dizer que tendo em conta a alegação constante do artigo 30.º da contestação, a data a que se refere este ponto 31 será a alegada naquele, ou seja, 02/11/2020.

Por outro lado, foi alegado no artigo 31.º da contestação o seguinte:

Desde essa data que o Autor nunca mais se apresentou ao serviço na sede da Ré, nem no M....

Acresce que, resulta da matéria de facto provada, não impugnada, que:

29 (p. i.)

No dia 2 de novembro de 2020, o A. deslocou-se ao M..., não lhe tendo sido acometida qualquer tarefa pela R.

30 (p. i.)

O que se manteve por todos os dias seguintes, sendo que, ao chegar àquele local, o A. constatava que todas as viaturas da R. ali parqueadas, tinham outros colegas escalados para os respetivos serviços.

Por outro lado, resulta do depoimento das testemunhas supra identificadas que o local de trabalho do A. (e dos outros motoristas) no serviço nacional era o M..., sendo que, a testemunha BB referiu, ainda, que o A., depois de fazer as férias de outro motorista, continuou a apresentar-se no M... de manhã, local onde o viu todos os dias e que dizia que a Ré não lhe dava serviço.

Assim sendo, facilmente se conclui que não foi feita prova de que o A. nunca mais se apresentou ao serviço, o que, aliás, está até em contradição com a matéria provada descrita nos pontos 29 e 30 (p. i.), tendo-se provado apenas que o A. não se apresentou ao serviço na sede da Ré.

Desta forma a matéria descrita no ponto 31 da matéria de facto provada (contestação) passa a ter a seguinte redação:

31 - Desde 02/11/2020 o Autor nunca se apresentou ao serviço na sede da Ré.

                                                             *

Pontos 65 e 66 da matéria de facto provada (contestação):

65 - A partir de janeiro de 2018, face à entrada em vigor na nova CCT, que exigia a discriminação de várias remunerações, a Ré, por acordo com os trabalhadores, continuou a pagar a remuneração mensal líquida acima mencionada, cuja discriminação constante do recibo foi alterada.

66 - De janeiro a outubro de 2018, consta no início dos recibos de vencimento o valor de € 630,00 como “vencimento base”.

Vejamos:

Não foi feita prova de qualquer acordo.

Por outro lado, encontram-se juntos aos autos os recibos de vencimento do A. respeitantes aos meses de janeiro de 2018 até janeiro de 2020 e cujo conteúdo já se encontra descrito nos pontos 66 a 70 (contestação) do elenco dos factos provados, dos quais se retiram os montantes e as alterações ocorridas na discriminação das várias componentes da retribuição.

Acresce que, conforme resulta de tais recibos juntos a fls. 80 a 89, o vencimento base referido nos mesmos é de € 700,00 e não € 630,00.

Assim sendo, a matéria descrita no ponto 65 deve ser eliminada do elenco dos factos provados e a descrita no ponto 66 (contestação) da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redação:

66 - De janeiro a outubro de 2018, consta no início dos recibos de vencimento o valor de € 700,00 como “vencimento base”.

*

Alega o recorrente que:

- Mais se impugna o julgamento em matéria de facto constante da sentença recorrida ao dar por não provada a matéria alegada sob os artigos 13.º, 15.º, 19.º, 31.º, 32.º, 34.º, 36.º, 38.º, 39.º, 40.º, 43.º, 44.º, 45.º, 46.º, 47.º, 49.º, 51.º e 60.º da Petição Inicial e sob artigos 13.º, 21.º, 31.º, 33.º, 34.º, 37.º, 38.º, 39.º, 46.º, 47.º, 48.º, 52.º, 53.º e 55.º da Resposta à Reconvenção que, em conformidade com a prova produzida, deveria ser dada por provada nos exatos termos alegados pelo recorrente em tais articulados, porquanto

- Depõem no sentido de tais factos toda a prova documental junta aos autos, devidamente conjugada com as Declarações de Partes e com os depoimentos prestados em audiência, designadamente os prestados pelas testemunhas BB, CC, DD e EE.

Apreciando a pretensão do recorrente e o alegado na p. i.:

13.º

Desde o início da execução do contrato que o A. efetivamente, desempenhou as suas funções de motorista ao serviço da R. no âmbito do serviço de transporte que esta efetuava para a respetiva cliente S..., Lda., mas não exclusivamente para esta empresa, pois,

15.º

O A. executava sempre os transportes das mercadorias por conta das referidas clientes da R. apenas em território nacional, para os quais foi efetiva e exclusivamente contratado, circunstância que expressamente estava prevista no número 1 da cláusula quarta do contrato de trabalho e que a R. não deixava de reconhecer expressamente.

A matéria descrita nestes pontos já se encontra no elenco dos factos provados – pontos 7, 14 e 16 (p. i.), com exceção do que consta no contrato de trabalho celebrado entre o A. e a Ré a propósito da atividade contratada.

Na verdade, consta do ponto 1. da cláusula primeira que a Ré contrata o A. para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de motorista de pesados nacional, sendo certo que naquele ponto 7 apenas consta motorista de pesados.

Assim sendo, adita-se ao ponto 7 (p. i.) da matéria de facto provada: de motorista de pesados nacional.

                                                             *

19.º

(...) unilateralmente (...).

Resulta deste ponto da matéria de facto provada que:

19 - A partir do mês de novembro de 2018 (inclusive), a Ré reduziu o valor da retribuição base paga ao A. para o montante de € 630,00.

Acresce que, não se provou que o fez por acordo, conforme resulta da reapreciação e alteração da matéria constante do ponto 65 (contestação) da matéria de facto provada, pelo que, o pretendido aditamento revela-se inútil.

*

31.º

a viatura que até então estava destinada ao A. de matrícula ..-ZB-..,

32.º

pelo que, desde tal data, se limitou o A. a fazer o registo de início e de termo da prestação de trabalho no sistema de registo tacógrafo da viatura da R. que lhe estava destinada de matrícula ..-ZB-...

Vejamos:

Já consta da matéria de facto provada que:

30 (P.I.)

O que se manteve por todos os dias seguintes, sendo que, ao chegar àquele local, o A. constatava que todas as viaturas da Ré ali parqueadas, tinham outos colegas escalados para os respetivos serviços.

E mais nada se provou, ou seja, não foi feita prova bastante e credível de que o veículo ..-ZB-.. estava destinado ao A., mas tão só que o mesmo o conduziu em serviços de transporte (documentos juntos a fls. 136 e segs.), nomeadamente, em substituição de colegas em gozo de férias nos finais de outubro de 2020, não tendo o A. um carro fixo, como referiu a testemunha BB.

Aliás, resulta do elenco dos factos provados – ponto 37 da contestação – que a viatura com a matrícula ..-ZB-.. era conduzida pelos motoristas BB e GG.

Pelo exposto, esta matéria em análise não deve constar do elenco dos factos provados, mantendo-se a descrita no ponto 31 como não provada.

*

34.º

Tais circunstâncias invocadas pela R. para que o A. tivesse que passar a fazer serviço de transporte internacional, não se verificavam de todo, sendo meros pretextos criados pelo gerente da R. que, na prática, apenas pretendia despedir o A.

36.º

Não se verificava qualquer das circunstâncias a que a A. se reportava na sua aqui junta sob doc.º 32 na medida em que, desde logo, à data de tal carta, já há mais de 5/6 meses que não havia qualquer serviço executado pela R. ao serviço da S..., Lda., e

38.º

clientes da R. estes para os quais esta prestava serviços à data 4 de novembro de 2020 e cujos respetivos transportes eram executados em território nacional, o que se manteve nos dias e meses seguintes.

No que respeita a esta matéria apenas se provou a comunicação feita ao A. pela Ré através da carta junta como doc. n.º ...2 – ponto 33 da p.i. - e o que consta dos pontos 37 da p. i. e 6, 21 e 23 da contestação.

Assim sendo, a matéria descrita no ponto 34 deve manter-se como não provada e a constante dos pontos 36 e 38 não deve ser aditada ao elenco dos factos provados.

39.º

Nem na referida carta junta sob doc.º n.º 32, nem posteriormente, a R. alguma vez comunicou ao A. qualquer duração previsível da afetação deste a transporte internacional,

40.

assim como, quer pela referida carta, quer posteriormente, e por qualquer forma, também não foi comunicada pela R. ao A. qualquer instrução para se apresentar em qualquer local a fim de iniciar qualquer transporte internacional.

A este propósito apenas se provou o que consta da carta junta como doc. ...2 – ponto 33 da p. i. -, sendo certo que da mesma se retira o que foi ou não comunicado ao A., pelo que, tal matéria não deve ser aditada ao elenco dos factos provados

                                                             *

43.º

Mais acrescendo que, ao mesmo tempo que a R. determinava ao A. que deveria passar a executar transportes internacionais, tinha ao seu serviço trabalhadores a termo a executar exclusivamente serviços de transporte nacional.

A este propósito apenas se provou o que consta dos pontos 26 e 27 da contestação, pelo que, a matéria descrita neste ponto não deve ser aditada ao elenco dos factos provados.

                                                             *

44.º

Termos em que o A., pela referida carta de 5 de novembro de 2020, comunicou não aceitar a determinação da R. em afetar o A. às funções de transporte internacional.

45.º

Por carta registada de 16 de novembro de 2020 (Cfr. doc.º n.º 34), a R. comunicou ao A. a sua insistência na afetação do mesmo a serviço de transporte internacional, mais referindo que caso o mesmo continuasse a recusar exercer as suas funções, seria instaurado processo disciplinar. Contudo,

46.º

A R., quer em tal missiva de 16 de novembro de 2020, quer posteriormente à mesma, continuou sem comunicar ao A. qualquer específica tarefa de transporte internacional a desempenhar, designadamente,

47.º

não indicou qualquer dia, hora em que o A. se devesse apresentar para executar qualquer transporte internacional, nem o local em concreto em que o A. se deveria apresentar para o efeito.

A matéria descrita no ponto 44 resulta do respetivo documento referido no ponto 41 da matéria de faco provada da p. i..

Já no que respeita à matéria constante dos pontos 45 a 47, apenas resulta dos autos que tal carta de 16/11/2020 foi junta a fls. 25 e, porque o seu conteúdo tem algum interesse para a decisão da causa, adita-se ao elenco dos factos provados o seguinte:

Pontos 45 a 47 da p. i.

A Ré enviou ao A. a carta datada de 16/11/2020 em resposta à carta do A. de 05/11/2020, reiterando a comunicação que oportunamente lhe foi feita, mais referindo que “reiteramos que passará a exercer as funções inerentes à sua categoria profissional de motorista de pesados, no transporte internacional, único que a sociedade tem neste momento por motivos que lhe são alheios e que se prendem com o mercado.

Caso continue a recusar a exercer as suas funções, será instaurado processo disciplinar por desobediência.”

Quanto ao mais, além do que pode retirar-se do conteúdo da mesma carta, não foi feita prova bastante e credível do mesmo.

                                                             *

49.º

O A. permaneceu a aguardar outras instruções da R., continuando a agir nos termos já referidos de 29.º a 32.º,

Apenas se provou o que consta dos pontos 29, 30 e 41 da p. i. e conforme resulta da reapreciação da matéria descrita nos pontos 31 e 32.

Assim, esta matéria em análise não deve ser aditada ao elenco dos factos provados.  

*

51.º

Mais acresce que, na mesma data de 07 de Dezembro de 2020 em que o A. recebeu a predita missiva aqui junta sob doc.º n.º 35, a R. contratou outro motorista de pesados ao qual acometeu as funções de transporte ao serviço da I..., Lda., exclusivamente em território nacional.

Já resulta do elenco dos factos provados sob o ponto 51 da p. i. que:

Em data que não foi possível apurar com precisão, mas vizinha do final do ano de 2020, a R. contratou outro motorista de pesados ao qual acometeu as funções de transporte ao serviço da I..., Lda., exclusivamente em território nacional.

A ré pretende que seja aditado ao mesmo que tal ocorreu em 07/12/2020.

Pois bem, resulta da informação do ISS, IP junta a fls. 134, que o trabalhador DD foi admitido pela Ré com início em 07/12/2020.

Por outro lado, este trabalhador ouvido como testemunha disse que era do serviço nacional para a I..., Lda..

Assim sendo, porque conforme com a prova produzida, o ponto 51 da matéria de facto provada da p. i. passa a ter a seguinte redação:

51 – Em 07/12/2020 a Ré contratou outro motorista de pesados ao qual acometeu as funções de transporte ao serviço da I..., Lda., exclusivamente em território nacional.

                                                             *

60.º

(... ) sendo cerca de 4 horas de formação por cada ano.

Consta da matéria de facto provada que:

60 (p.i.)

Durante o período em que vigorou o contrato de trabalho entre A. e Ré, o A. cumpriu 12 horas de formação.

Alega o recorrente que a matéria alegada no artigo 60.º da p.i. (durante o período em que vigorou o contrato de trabalho entre A. e R., o A. apenas cumpriu 12 horas de formação, sendo cerca de 4 horas de formação por cada ano) não foi impugnada pela Ré.

Lida a contestação constatamos que a Ré alegou ser falso o constante do artigo 60.º da p.i., pelo que, tal matéria não pode considerar-se admitida por acordo nos termos pretendidos pelo recorrente, devendo manter-se tal como consta no elenco dos factos provados.

                                                             *

Apreciando a pretensão do recorrente e o alegado na resposta à contestação:

13.º

Antes das viaturas ..-VA-.. e da ..-ZB-.., o A. conduziu diversas viaturas da R., sendo certo que a viatura ..-VA-.. estava ao serviço da referida S..., Lda., e a referida ..-ZB-.. ao serviço da I..., Lda., sendo esta que o A. conduzia à data em que a R. deixou de lhe determinar o exercício de qualquer função.

A matéria que resulta da prova produzida e com interesse para a decisão da causa já consta do elenco dos factos provados nos pontos 30 (p. i.), 33 e 37 (contestação) e 13 da resposta, tal como consta da reapreciação da matéria alegada nos artigos 31.º e 32.º da p. i..    

*

31.º

A R. simplesmente, determinou que o A. iria fazer transporte internacional em julho de 2020, tendo este, ciente do dever de cumprir com a afetação temporária a outras funções, efetivamente acatado tal determinação.

Apenas resultou provado o que consta dos pontos 33 e 37 (p. i.), 11, 12, 16, 19, 20, 22 e 24 (contestação), tal como consta da reapreciação da matéria alegada nos mesmos.

*

33.º

(...) sendo que 3 dias não são obviamente suficientes em função dos serviços escalados organizados pela R., o que implica que seja absolutamente impossível aos respetivos de estar em Portugal ao fim de semana, ou, na melhor das hipóteses, chegar ao domingo, tendo já por diversas vezes sucedido que os motoristas de serviço internacional apenas conseguem chegar a Portugal à segunda-feira ou mesmo à terça-feira.

34.º

De facto, e das vezes que executou o serviço internacional nos termos já referidos, ao A. era impossível estar em casa durante todo o fim de semana, apenas tendo conseguido chegar na madrugada de Domingo,

Apenas resultou provado o que consta do elenco dos factos provados no ponto 33 da resposta, não tendo sido feita prova bastante e credível da restante matéria alegada, ao contrário do alegado pelo recorrente com base no depoimento das testemunhas CC e EE e que, por isso, deve manter-se como não provada.

37.º

como também decorre do acordo de regulação das responsabilidades parentais junto aos autos (que integra o doc.º n.º 33 junto com a PI), mais concretamente da respectiva cláusula 2.ª, n.º 2, o A. tem a possibilidade de estar semanalmente na companhia dos filhos menores à 4.ª feira, circunstância que em face da organização do transporte internacional feita pela R. nos termos já referidos, nunca seria possível!

Esta matéria não tem interesse para a decisão da causa posto que a questão jurídica que cumpre apreciar é a da ocorrência ou não do abandono do trabalho por parte do A. e não a legalidade ou ilegalidade de uma eventual recusa da prestação do serviço de transporte internacional.

*

38.º

a baixa do A. apenas se verificou durante 19 dias, sendo que nos demais dias do mês de julho de 2020, regressou às suas funções normais no transporte nacional,

Esta matéria já resulta do ponto 20 da matéria de facto provada da contestação como resulta da respetiva reapreciação supra.

*

39.º

Assim tendo continuado durante todo o mês de agosto de 2020, não por quaisquer férias de outros trabalhadores, mas sim por estar, nos termos do contrato, o próprio A. afeto a transporte nacional.

Foi feita prova bastante e credível da matéria descrita no ponto 21 da contestação tal como consta da reapreciação supra, pelo que, a matéria em apreciação não deve constar do elenco dos factos provados.

*

46.º

O serviço da cliente da R. I..., Lda., não era, à data em apreço (outubro de 2020), executado pelos trabalhadores referidos em 25.º, 26.º e ainda 51.º da contestação / reconvenção em regime de afetação exclusiva, sendo que se algum trabalhador desempenhava tarefas com maior predominância para a referida I..., Lda., era precisamente o A.,

47.º

a motivação do termo aposta nos contratos dos trabalhadores CC e HH juntos pela R. sob docs. n.ºs ...0 e ...1 se reportava ao transporte de produtos hortícolas, sendo certo que por conta da I..., Lda. não havia qualquer transporte de produtos hortícolas, mas sim de eletrodomésticos, comida de bebé, rações para animais e café, entre outros, mas nunca de produtos hortícolas,

48.º

O cliente da R. I..., Lda. aludido em 28.º do articulado da R., esse sim, implicando o serviço de transporte de produtos hortícolas, curiosamente, nunca foi cliente a que os referidos trabalhadores CC e HH estivessem afetos, muito embora fossem contratados para tal finalidade…

No que respeita a esta matéria resultou provado apenas o que consta dos pontos 25 a 27 da contestação e conforme reapreciação supra, pelo que, a restante matéria alegada não deve constar do elenco dos factos provados.

Como já referimos, o recorrente alega, ainda, que a matéria descrita nos artigos 52.º, 53.º e 55.º da resposta deve ser dada como provada.

Acontece que, o recorrente não indicou nas conclusões nem no corpo das alegações, as razões pelas quais deve ser alterada esta matéria de facto, ou seja, os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, relativamente a cada um daqueles artigos, apenas o tendo feito de forma genérica nas conclusões 6 e 7 e, consequentemente, por incumprimento, nesta parte, deste ónus supra enunciado e que sobre o mesmo impendia, rejeitamos a sua reapreciação.
Procede, assim, parcialmente a pretendida alteração da matéria de facto.

2ª questão
Se não ocorreu o abandono do trabalho por parte do Autor, tendo este sido ilicitamente despedido.
Alega o recorrente que:
- A carta enviada pelo Ré ao A., em 07/12/2020, a comunicar-lhe o abandono do trabalho pelo mesmo, pela falta de fundamento constitui um despedimento ilícito
- Em face da recusa da R. em atribuir qualquer tarefa específica, não se vislumbra que impusesse ao trabalhador outro comportamento que não fosse apresentar-se no local onde, até ao momento em que deixou de receber instruções da R., se vinha apresentando, o que comprovadamente passou a fazer, registando essas presenças inserindo o seu cartão de condutor na máquina de uma viatura que vinha utilizando.
- Neste quadro, inexistia qualquer fundamento para que a recorrente pudesse lançar mão do expediente a que alude o art.º 403 do Código do Trabalho, comunicando ao recorrente uma presunção de abandono de trabalho.
- Na sentença recorrida o tribunal a quo não analisa minimamente a verificação de qualquer elemento subjetivo;
- O que nos diz a factualidade efetivamente provada é que, não se verificava qualquer elemento subjetivo, nem qualquer elemento objetivo.
- Consequentemente, não estando verificados os requisitos objetivo e subjetivo de que depende a efetivação do mecanismo a que alude o artigo 403.º do Código do Trabalho, a consequência imediata será, a de absolver o recorrido da condenação no pedido reconvencional formulado pela recorrida, e concomitantemente, declarar-se a ilicitude do despedimento do A./recorrente operado pela Recorrida por via da carta junta sob doc.º n.º 35 com P.I,, recebida pelo A. em 7-12-2020 com a consequente consequência indemnizatória nos termos peticionados.
Por outro lado, a este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:
“Primeira questão a tratar é a que se refere ao fim do contrato. Antes do mais, uma explicação. Qual o contrato que terminou? Pretende o autor que seja exactamente aquele que subscreveu, com todas as cláusulas que lhe são favoráveis, e sem as que não correspondem às suas pretensões. Afigura-se-me que não tem toda a razão. De acordo com os factos provados, ocorreu que, no momento em que estava a aproximar-se o termo resolutivo com que havia sido firmado, o contrato escrito outorgado em Maio de 2017 foi substituído. As partes outorgaram, de modo unicamente oral, um outro contrato segundo o qual o autor exerceria, para a ré, as funções de motorista. O trabalho que lhe competiria, em concreto, não foi suficientemente individualizado, pois que se tratava de serviço internacional, apenas lhe cabendo realizar trabalho em território nacional, em duas circunstâncias: em substituição de colegas que estivessem de férias ou de baixa, e no caso de a ré vir a celebrar contrato com outras entidades carentes de transporte em território nacional. Tendo admitido este contrato, fosse por acordo tácito fosse por mero assentimento, derivado da circunstância de o autor ter responsabilidades familiares, o contrato foi firmado. De outro modo, é incompreensível que o autor invoque, no ponto 11 da petição que, em Novembro de 2017, “exercia a profissão de motorista de pesados”, sem especificar a restrição “nacional”, e “pertencendo ao quadro de pessoal, com vínculo efectivo”. É, assim, este o contrato cujo terminus devemos caracterizar, não aquele que o precedeu, a saber, o contrato escrito, celebrado a termo, e com expressa referência ao serviço em território nacional.
Aferindo o comportamento da ré, temos que os factos provados dão mostra de uma conversa em que o autor se recusou a realizar mais serviço internacional, enquanto que o representante da empresa afirmava que, quando tal fosse possível, lho proporcionaria, mas que, de momento, apenas tinha para lhe dar trabalho internacional. Não entendo que esta postura possa ser caracterizada como um despedimento. O trabalho que lhe estava a ser proporcionado – e que o autor recusou – cabia, indiscutivelmente, na genérica função de motorista; igualmente caberia – se quisermos aferir como o contrato segundo o qual o empregador lhe deveria proporcionar trabalho em território nacional quando o pudesse fazer – nesse enquadramento mais específico. Logo, é impossível, a meu ver – se bem que sempre ressalvando o respeito devido por distinta perspectiva – que o empregador não deixou o trabalhador de parte, sem lhe proporcionar trabalho.
Ponderando, de seguida, o comportamento do autor, entendo que devemos extrair conclusão algo distinta. O trabalhador encontrava-se a cumprir trabalho como motorista; sabia que, naquele momento, conforme determinação do empregador, apenas havia, para lhe ser entregue, serviço internacional; igualmente sabia que os veículos para serviço internacional saíam da localidade de F..., a mesma, aliás, onde a empresa empregadora tem sede. Todavia, entendeu por bem dirigir-se ao M..., em ..., e aí marcar posição, alegando que não lhe estava a ser dado trabalho. Ressalvando, uma vez mais, o devido respeito, o trabalhador estava como que em luta por uma cláusula contratual que não integrava o seu contrato, a saber, a exigência de unicamente realizar serviço dentro do país. Tem, assim, todo o sentido que a ré tenha considerado essa postura como abandono do trabalho, e que lhe tenha enviado a correspondente missiva. De acordo com o nº 1 do art.º 403º do código do trabalho, “considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar“. Primeiro, a presença do aqui autor no M... – local onde, quando realizava serviço nacional, lhe competia iniciá-lo, mas onde, como sabe, não ocorre o serviço internacional que lhe poderia ser destinado – não pode deixar de ser tida como uma ausência, certo como é que ele não compareceu na empresa. Segundo, quando, na presença física do representante da empregadora, e avisado de que deveria realizar serviço internacional, o autor verbalizou que o não aceitaria, essa ausência deve ser considerada como enquadrada intencionalmente. Ocorreu, portanto, abandono do trabalho. Aqui chegados, importa considerar que, e apesar de verificado o instituto, tal quadro, em harmonia com o disposto no nº 3 do citado art.º 403º, “vale como denúncia do contrato”. Todavia, continua o preceito, tal denúncia não é automática, “só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono (…), por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida deste“. Assim procedeu a empregadora, pelo que, em consonância com a lei, assiste-lhe a faculdade de invocar que o contrato terminou, denunciado pelo trabalhador. Efectivamente, verificado o abandono, e prolongando-se a ausência por mais de dez dias, o trabalhador não invocou ter ocorrido “motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência“. Antes esgrimiu argumentação jurídica que, como visto, não procede.
Acresce que, em meu entender, nada impediria que o contrato se não tivesse anteriormente considerado denunciado. Tendo empregador e trabalhador acordado em que este último realizaria serviço internacional, a declaração de recusa, ademais, poderia ter esse efeito. Ouçamos os especialistas: “A denúncia (…) é uma figura privativa dos contratos de prestações duradoras (ou) que foram celebrados por tempo indeterminado. A denúncia é precisamente a declaração feita por um dos contraentes (de que não quer) a continuação do contrato”. Concluindo: “A denúncia extingue a relação obrigacional complexa derivada do contrato cuja (…) continuação ela impede”. E esclarecendo: “Denunciado o contrato de trabalho, consideram-se extintos nos mesmos termos os direitos e obrigações da entidade patronal e do trabalhador” (1). Não estando o autor disponível, sem mais, para a continuação da realização da prestação de trabalho que, por contrato, lhe cumpre efectuar, e que tinha efectuado, não entendo totalmente incorrecto que se entenda que esta declaração unilateral possa ter o efeito global extintivo em causa; em caso negativo, considerar-se-ia a denúncia por abandono, nos termos referidos.
Neste quadro, importa considerar que improcede a pretensão do trabalhador no sentido de ser indemnizado por despedimento ilícito. Importa averiguar se procede, em alternativa, o pedido reconvencional. Para o efeito, e num primeiro momento, deverá atentar-se na estatuição do nº 5 do mesmo art.º 403º do código do trabalho: “Em caso de abandono do trabalho, o trabalhador deve indemnizar o empregador nos termos do artigo 401º“. Esclarecendo esta directiva, ouçamos a Relação de Guimarães: “A indemnização prevista no artigo 401.º do código do trabalho opera automaticamente, pelo facto de ter sido omitido, total ou parcialmente o aviso prévio, ou seja, sem necessidade de alegação e prova de eventuais prejuízos que a falta de cumprimento de tal aviso possa causar ao empregador, cujo valor será, no mínimo e independentemente da ocorrência de danos, igual ao da retribuição base e diuturnidades” (2). O prazo, por seu turno, e como estatui o nº 1 do art.º 400º do mesmo código, é, no caso, de dois meses. Importa, assim, considerando a retribuição base do autor, decidir em conformidade com a pretensão da ré, formulada por via reconvencional.”
Como já referimos, o recorrente não se conforma com esta decisão.
Vejamos, então, se lhe assiste razão.
Resulta da matéria de facto provada que:
- O A., pelo referido contrato, foi admitido ao serviço da R. para desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de motorista de pesados nacional.
- Em 06 de novembro de 2017, a R. declarou, além do mais, e no contexto do respetivo documento, que o A. nela exercia a profissão de motorista de pesados “(…) desde 08-05-2017, pertencendo ao quadro de pessoal, com vínculo efectivo.”
- O A. desempenhava ainda também, pontualmente, as suas funções de motorista ao serviço da R. no âmbito do serviço de transporte que esta efetuava para outras suas clientes, a saber, I..., Lda., não obstante pontualmente o A. executar também serviços de transporte internacional.
- Procedendo ao transporte das mercadorias das clientes da R. S..., Lda., I..., Lda., de e para as instalações e armazéns dessas mesmas clientes da R., todas localizadas no M..., na localidade de ....
- Local onde permaneciam as viaturas pesadas da R. e onde o A. iniciava e terminava essas suas jornadas de trabalho.
- No dia 2 de novembro de 2020, o A. deslocou-se ao M..., não lhe tendo sido acometida qualquer tarefa pela R., o que se manteve por todos os dias seguintes, sendo que, ao chegar àquele local, o A. constatava que todas as viaturas da R. ali parqueadas, tinham outros colegas escalados para os respetivos serviços.
- Por carta registada de 4 de novembro de 2020, a R. comunicou ao A. que este deveria passar a fazer serviço de transporte internacional, alegando para o efeito que a respetiva cliente, a já referida S..., Lda., tinha cancelado todos os pedidos de transporte, bem como a circunstância da R. ter deixado de ter outros clientes para efetuar transporte a nível nacional.
- Já antes da remessa de tal carta o gerente da R. comunicara ao A. que este deveria ir fazer contas à sua sede.
- Desde que os serviços de transporte para a S..., Lda. terminaram, o A. manteve-se a realizar serviços de transporte, em alguns casos, nacional, designadamente, para as empresas I..., Lda.
- O A. opôs-se à referida determinação da R., nos termos da carta registada de 5 de novembro de 2020 que remeteu àquela.
- A Ré enviou ao A. a carta datada de 16/11/2020 em resposta à carta do A. de 05/11/2020, reiterando a comunicação que oportunamente lhe foi feita, mais referindo que “reiteramos que passará a exercer as funções inerentes à sua categoria profissional de motorista de pesados, no transporte internacional, único que a sociedade tem neste momento por motivos que lhe são alheios e que se prendem com o mercado.
Caso continue a recusar a exercer as suas funções, será instaurado processo disciplinar por desobediência.”
- No dia 07 de dezembro de 2020, o A. recebeu uma carta pela qual a R. lhe comunicava que o mesmo deixara de comparecer ao trabalho desde o dia 2 de novembro, considerando que o A. abandonou o trabalho e, consequentemente, considerando cessado o respetivo contrato de trabalho.
- Para realizar serviços de transporte para a mencionada cliente da Ré foi atribuída ao Autor a viatura com a matrícula ..-VA-...
- A empresa S..., Lda. deixou de contratar a Ré para a prestação de serviços de transporte em abril/maio de 2020.
- A partir do momento em que a Ré perdeu a cliente S..., Lda., atribuiu outros serviços de transporte ao Autor, bem como ao então trabalhador FF, dado que ambas estavam afetos à mesma.
- Nessa altura, a Ré não tinha qualquer serviço de transporte nacional para atribuir aos dois motoristas em causa, razão pela qual determinou que o A. teria de exercer serviço de transporte internacional.
- Tendo referido que caso surgisse algum cliente novo para serviço nacional o Autor seria afeto ao mesmo.
- O Autor exerceu serviço de transporte internacional que lhe foi determinado pela Ré.  
- O Autor prestou serviços de transporte internacional no mês de junho de 2020, tendo auferido o prémio TIR, bem como o complemento salarial de transporte internacional previsto na cláusula 59.º da CCT aplicável.
- Em julho de 2020 o Autor sofreu um acidente de trabalho não tendo prestado qualquer serviço para a Ré durante 19 dias.
- Em agosto de 2020, o Autor esteve a substituir motoristas da Ré, afetos ao serviço de transporte nacional, pelo facto de estarem a gozar férias.
- Em setembro de 2020, o Autor efetuou o transporte internacional, tendo auferido o prémio TIR, bem como o complemento salarial de transporte internacional previsto na cláusula 59.º da CCT aplicável.
- Em outubro de 2020, o Autor esteve novamente a substituir motoristas da Ré, afetos ao serviço de transporte nacional, pelo facto de estarem a gozar férias ou de baixa médica.
- Nesse mês, a Ré reiterou junto do Autor a necessidade de exercer as suas funções no transporte internacional, uma vez que não tinha clientes de transporte nacional.
- Os serviços de transporte nacional estavam a ser executados por outros motoristas.
- Desde 02/11/2020 o Autor nunca se apresentou ao serviço na sede da Ré.
Pois bem, tendo em conta a matéria de facto provada, desde já avançamos que não acompanhamos a sentença recorrida.
Na verdade, não resulta desta matéria que tenha havido uma “substituição” do contrato celebrado entre as partes em maio de 2017, por um contrato outorgado “de modo unicamente oral”, sendo certo que tal conclusão não se pode retirar do facto descrito no ponto 11 da p.i. que, aliás, corresponde a uma declaração da Ré, emitida em 06/11/2017, no sentido de que o A. exercia na mesma empresa a profissão de motorista de veículos pesados de mercadorias, pertencendo ao quadro de pessoal, com vínculo efetivo, sendo certo que não se apurou para que efeitos foi tal declaração emitida.
Por outro lado, também não se extrai da matéria de facto apurada a existência de uma conversa na qual “o A. se recusou a realizar mais serviço internacional”. O que se provou foi apenas que: em outubro de 2020 a Ré reiterou junto do A. a necessidade de exercer as suas funções no transporte internacional, uma vez que não tinha clientes de transporte nacional, sendo que, desde 02/11/2020 o Autor nunca se apresentou ao serviço na sede da Ré, tendo-se apresentado no M..., local de trabalho no serviço nacional.
Acresce que, conforme se apurou, o A. foi admitido ao serviço da Ré para desempenhar as funções de motorista de pesados nacional na cliente da Ré S..., Lda., procedendo, ainda, ao transporte das mercadorias das clientes da Ré I..., Lda., executando pontualmente serviço de transporte internacional, empresas clientes da Ré todas localizadas no M..., local onde permaneciam as viaturas pesadas da Ré e onde o A. iniciava e terminava as suas jornadas de trabalho.
A referida empresa S..., Lda. deixou de contratar a Ré para os serviços de transporte em abril/maio de 2020 e a partir deste momento a Ré atribuiu outros serviços de transporte ao Autor, nomeadamente, serviço de transporte internacional, referindo que caso surgisse algum cliente novo para o serviço nacional o A. seria afeto ao mesmo, tendo o A. prestado serviço de transporte internacional no mês de junho de 2020, em julho do mesmo ano sofreu um acidente de trabalho e não prestou qualquer serviço para a Ré durante 19 dias, em agosto de 2020 esteve a substituir motoristas da Ré afetos ao serviço nacional e que se encontravam a gozar férias, em setembro de 2020 efetuou transporte internacional e em outubro do mesmo ano esteve novamente a substituir motoristas da Ré afetos ao serviço nacional e que se encontravam a gozar férias ou de baixa médica.
Resultou, ainda, provado que no dia 02/11/2020 o A. deslocou-se ao M..., não lhe tendo sido acometida qualquer tarefa pela Ré, o que se manteve por todos os dias seguintes, sendo que, desde aquela data o A. nunca se apresentou ao serviço na sede da Ré.
E no dia 04/11/2020 a Ré comunicou ao A. que deveria passar a fazer serviço de transporte internacional, alegando que a cliente S..., Lda. tinha cancelado todos os pedidos de transporte e a circunstância de ter deixado de ter outros clientes para efetuar transporte a nível nacional, ao que o A. se opôs por carta de 05/11/2020 e a Ré respondeu por carta datada de 16/11/2020, reiterando a comunicação anterior e que passará a exercer as funções inerentes à sua categoria profissional de motorista de pesados, no transporte internacional, único que a sociedade tem neste momento por motivos que lhe são alheios e que se prendem com o mercado.
E, por fim, no dia 07/12/2020, a Ré comunicou ao A. que o mesmo deixara de comparecer ao trabalho desde o dia .../.../2020, considerando que o mesmo abandonou o trabalho e, consequentemente, cessado o respetivo contrato de trabalho.
Pois bem, perante este cenário, impõe-se concluir que o Autor não abandonou o trabalho.
Na verdade, conforme resulta do artigo 403.º do CT:
<<1 – Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelem a intenção de o não retomar.
2 – Presume-se o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência.
3 – O abandono do trabalho vale como denúncia do contrato, só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de receção para a última morada conhecida deste.
4 – A presunção estabelecida pelo nº 2 pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência.
5 – Em caso de abandono do trabalho, o trabalhador deve indemnizar o empregador nos termos do artigo 401º.>>
Como se decidiu no acórdão desta Relação de 19/11/2015, disponível em www.dgsi.pt:
“I – Ao empregador que pretenda ver reconhecida a denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador, com fundamento na situação prevista no artº 403º do Código do Trabalho e querendo beneficiar da presunção consagrada no nº 2 deste normativo, compete-lhe alegar e provar a verificação do facto indiciário do abandono do trabalho. II – O facto indiciário em que se baseia o abandono integra dois elementos: i – a não comparência do trabalhador ao serviço durante um período mínimo de dez dias úteis seguidos; ii – a falta de informação do motivo da ausência”.
Ora, da descrita matéria apurada não se extraem factos capazes de integrar na totalidade aquele “facto indiciário” nem que relevem, com toda a probabilidade, a intenção de o trabalhador não retomar o trabalho.
Na verdade, pese embora o A., durante mais de 10 dias, não se tenha apresentado na sede da Ré para prestar serviço internacional na sequência da reiteração da mesma, em outubro de 2020, da necessidade deste exercer as suas funções no transporte internacional, certo é que desde junho e até 02/11/2020 o A., que tinha sido contratado para o serviço nacional, vinha efetuando serviços de transporte internacional mas também nacional, sendo o último imediatamente anterior, ou seja, em outubro, de serviço nacional.
Acresce que, a Ré empregadora, face à resposta (carta de 05/11/2020 junta a fls. 46 a 47) que o A. lhe enviou de oposição à sua comunicação de 04/11/2020, no sentido de que deveria passar a fazer serviço de transporte internacional, sabia necessariamente (porque constante daquela) que o A. estava desde 02/11/2020 a apresentar-se no M..., local de apresentação ao trabalho no serviço nacional, bem como da sua discordância com a alteração para o serviço internacional, pelo que, independentemente de assistir ou não razão ao A., certo é que, perante este conhecimento da Ré do motivo da ausência do mesmo ao serviço na sua sede podemos, sem qualquer dúvida, concluir que não há abandono do trabalho por parte do Autor.
Como se decidiu no acórdão desta Relação relatado pelo aqui 2º adjunto e subscrito pela aqui relatora como 2ª adjunta, disponível em www.dgsi.pt
<<Dispõe o normativo inserto no n.º 1 do artigo 403.º do Código do Trabalho que se considera “abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar”.
Por sua vez, o n.º 2 do preceito dispõe o seguinte: “presume-se o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência”.
Esta presunção pode ser ilidida pelo trabalhador, mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência, nos termos previstos pelo n.º 4 do normativo.
De harmonia com o disposto no n.º 3 do artigo, “o abandono do trabalho vale como denúncia do contrato, só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida deste”.
O abandono do trabalho integra, pois, a modalidade de cessação do contrato de trabalho prevista na alínea h) do artigo 340.º do Código do Trabalho, ainda que, por alguns, seja considerada um caso particular de denúncia irregular (cf. Pedro Furtado Martins, “Cessação do Contrato de Trabalho”, 3ª edição, pág. 553 e seguintes).
Para o empregador que pretenda ver reconhecida a denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador, com fundamento na situação prevista pelo aludido artigo 403.º, e querendo beneficiar da presunção prevista no n.º 2 do normativo, compete-lhe alegar e provar a verificação do facto indiciário do abandono.
Este facto integra dois elementos: (i) a não comparência do trabalhador ao serviço durante um período mínimo de dez dias úteis seguidos; (ii) a falta de informação do motivo da ausência.
Compete ao empregador alegar e provar os factos integradores dos requisitos do abandono do trabalho, o que abrange, no caso da presunção do abandono os factos que suportam a presunção (base da presunção), ou seja, a ausência do trabalhador ao serviço por mais de 10 dias úteis seguidos e a falta de comunicação do motivo da ausência pelo trabalhador (cf. Acórdãos do STJ de 26/3/2008, P. 07S2715, de 29/10/2008, P. 08S2273 e de 28/11/2012, P. 499/10.7TTFUN.L1-S1, entre outros, todos disponíveis em www.dgsi.pt/jstj).
Incumbe ao trabalhador a prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência (nº 4 do artº 403º do CT).
Mas, o que releva verdadeiramente para efeitos extintivos da relação laboral é a vontade do trabalhador em colocar um fim ao vínculo contratual, o seu animus extintivo[3], exteriorizado através de factos concludentes, ou seja, que com toda a probabilidade revelem a vontade do trabalhador dissolver o contrato.
Não há abandono de trabalho quando o empregador conhece ou tem obrigação de conhecer que a ausência, mesmo que prolongada, se deve a outros motivos que não a vontade de o trabalhador pôr termo ao contrato de trabalho; e, havendo este conhecimento tão pouco pode prevalecer ou funcionar a presunção a que alude o nº 2 do artigo 403º do Cód. do Trabalho.
Nas sugestivas palavras de João Leal Amado “in” RLJ, Ano 139º, Março-Abril de 2010, nº 3961, págªs 235 a 241 “para que se verifique o abandono do trabalho, é necessário que o trabalhador “deserte” (ausência de serviço acompanhada de factos que revelem o seu animus extintivo da relação) ou que ele “desapareça em combate” (ausência prolongada do serviço, sem notícias, facto do qual a lei extrai a ilação de abandono) ”.>>
No caso em análise, a Ré empregadora logrou provar que o A. desde 02/11/2020 não mais compareceu na sua sede para prestar serviço de transporte internacional, no entanto, apurou-se que a mesma, logo em 05/11/2020, ficou a saber os motivos pelos quais o trabalhador continuava a apresentar-se no M... e não naquela sede, pelo que, já não conseguiu provar, como lhe competia, o <<denominado animus extintivo sem o qual não há abandono do trabalho, ainda que presumido, pois só nesta situação, para voltar a utilizar as sugestivas expressões de Leal Amado, se poderá afirmar terem os trabalhadores “desertado” ou “desaparecido em combate”>>[2].
Na verdade, como já referimos, resulta da matéria de facto provada (carta de 05/11/2020 enviada pelo A. à Ré) que a empregadora tinha conhecimento da razão pela qual o trabalhador continuava a apresentar-se no M... ao invés de o fazer na sua sede, ou seja, como se refere no acórdão acabado de citar, <<a ré empregadora tinha perfeita consciência de que o autor não tinha “desertado”>>.
Desta forma, não se encontrando demonstrada a invocada situação de abandono do trabalho, o contrato de trabalho do A. não cessou por sua iniciativa[3] mas antes por despedimento por parte da Ré ao comunicar-lhe o abandono do trabalho e sua cessação, nos termos do disposto no artigo 403.º do CT, despedimento este ilícito porque, desde logo, não foi precedido do respetivo procedimento (artigo 381.º, c), do CT) e com as consequências previstas nos artigos 389.º, 390.º e 391.º, todos do CT.
Conforme resulta do disposto no artigo 389.º, do C.T. sob a epígrafe:
Efeitos da ilicitude do despedimento:
<<1. Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:
a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais;
b) Na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo nos casos previstos nos artigos 391.º e 392.º. (…)>>, ou seja, de indemnização em substituição da reintegração a pedido do trabalhador ou do empregador.
Na verdade, o trabalhador pode optar por uma indemnização, cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º, ponderando-se todo o tempo decorrido até ao trânsito em julgado da decisão judicial – n.ºs 1 e 2 do artigo 391.º, do CT, indemnização que não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
O trabalhador tem, ainda, direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento – n.º 1, do artigo 390.º, do CT, deduzindo-se àquelas as importâncias descritas no n.º 2 do mesmo normativo.
Face à declaração da ilicitude do despedimento é como se este nunca tivesse existido e o trabalhador tivesse estado ininterruptamente ao serviço do empregador.
Assim, face à referida ilicitude do despedimento do trabalhador e ao por si peticionado, o trabalhador tem direito:
- a uma indemnização em substituição da reintegração que se fixa em 30 dias (atento o médio grau de ilicitude e o valor baixo da retribuição) de retribuição base no montante de € 700,00 e uma diuturnidade no valor de € 17,00, por cada ano de antiguidade ou fração, a contar desde 08/05/2017 (data do início da relação laboral) até ao trânsito em julgado da presente decisão, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar do trânsito em julgado da presente decisão, até integral e efetivo pagamento.
Procedem, assim, estas conclusões formuladas pelo recorrente, impondo-se a revogação da sentença recorrida em conformidade.

3ª questão
Se a Ré deve ao Autor as retribuições dos meses de novembro e dezembro de 2020.
Alega o A. que se o contrato apenas cessou em 07/12/2020, as retribuições serão devidas pela recorrida até esta data.
A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:
Pede o autor o pagamento de valores correspondentes à retribuição no mês de Novembro e de parte do mês de Dezembro de 2020. A esse respeito, a ré avança que nada lhe deve, pois que o autor abandonou o trabalho a 2 de Novembro desse mesmo ano. Como atrás foi dito, e na mesma senda do que tem considerado a jurisprudência, o abandono ocorre quando o trabalhador, por acto próprio, assim decide e efectua, não quando se mantém por dez ou mais dias, ou quando se lhe envia ou recebe a comunicação. Refere o nosso mais alto Tribunal que “a comunicação prevista no n.º 3, do artigo 403º, do código do trabalho, não se traduz num facto constitutivo da extinção do contrato, tratando-se apenas de um requisito ou condição de atendibilidade ou de invocação da cessação do contrato pelo empregador” (3). Por isso, e concretizando, entendeu, por exemplo, a Relação do Porto que a carta enviada pelo empregador é “uma mera condição de eficácia da extinção do contrato de trabalho por abandono do trabalho invocável pelo empregador, uma vez que a extinção do contrato se verifica na data do início da ausência do trabalhador ao serviço e não desde a data da recepção da carta” (4).
Assim, o autor faz jus à retribuição, unicamente, correspondente ao dia 1 de Novembro – pese embora seja feriado – pois que a denúncia do contrato, por abandono, concretizou-se apenas no dia 2 de Novembro. Considerando, assim, uma retribuição global de € 1.300,00, o autor é credor de € 43,33(3).”
Pois bem, tendo em conta que conforme resulta da apreciação da questão anterior o Autor, através da comunicação da Ré de 07/12/2020, foi ilicitamente despedido, não tendo ocorrido o invocado abandono do trabalho, facilmente se conclui que a Ré deve ao Autor a remuneração respeitante ao mês de novembro de 2020, no valor peticionado de € 1.151,89 e, ainda, a quantia de € 268,75 (1.151,89 x 7 :30) correspondente aos 7 dias do mês de dezembro de 2020, no total de € 1.420,64.
Procede, assim, esta conclusão do recorrente.

4ª questão
Se a Ré deve ao autor a quantia de € 795,34 a título de crédito de horas de formação profissional.
Alega o recorrente que:
- No que respeita ao pedido do recorrente no que tange à quantia de € 795,34, a título de crédito por formação profissional o tribunal a quo, em tal decisão, ignorou completamente que o A. teria direito a um período de formação anual que corresponde sim a 35 horas anuais até 30/09/2019 e a 40 horas anuais a partir de 01/10/2019 por força do referido art. 131.º n.º 2 do CT, sendo que o aumento para as 40h foi introduzido pela Lei n.º 93/2019 de 04/09, muito concretamente ignorando-se ostensivamente a alteração legislativa por via de tal lei operada no art.º 131.º n.º 2 do Código do Trabalho.
- E por força de tal alteração, desde a data da admissão do A. – em 8 de maio de 2017 – até 30 de setembro de 2011 o A. teria direito a 84 horas de formação obrigatórias e, a partir de 1 de outubro de 2019, com a entrada em vigor da já referida Lei n.º 93/2019 de 04/09, até ao termo do contrato em 7 de dezembro de 2020, o A. teria direito a 43,60 horas de formação obrigatórias.
- Consequentemente, tendo em conta as 12 horas de formação efectivamente prestadas ao A. como resulta dos factos provados – ainda que o MM.º juiz a quo se tenha demitido de levar ao elenco dos factos provados os anos em que tais horas foram prestadas - teria o A. direito a auferir o montante correspondente ao total de 119,60 horas de formação não prestada, e não a 110,5 horas como vem decidido na sentença recorrida.
- Por outro lado, na remuneração de tai horas, o tribunal a quo limitou-se a ponderar o valor da retribuição do recorrente composto por remuneração de base e diuturnidades, nos termos do n.º 1 do Art.º 262.º do Código do Trabalho, desatendendo ao facto dado por provado sob ponto 53.º da P.I., de que o recorrente auferia um rendimento mensal de € 1.151,89 e, de todo o modo, desatendendo completamente ao disposto na CCT aplicável à relação laboral em causa - publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 34, 15/9/2018 - cujas cláusulas 49.ª (confirmadas na sua intencionalidade pelas cláusulas 50.ª e 51.ª) preveem mecanismo diferente, o que, na própria previsão do Art.º 262 n.º 1 do Cód. do Trabalho, impõe que o mesmo não tenha aplicação.
- Assim, o valor / hora a considerar para apuramento dos créditos de formação, deveria ascender a € 6,65 (= [€ 1.151,89( ) x 12] : [52 x 40] – Art.º 271.º do CT e cláusulas 49.ª do IRC aplicável) que multiplicado pelo total de 119,60 horas de formação não proporcionadas pela R. ao A., corresponde o crédito total no montante de 795,34, devendo, consequentemente proceder tal pedido.
A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:
“Mais pede o autor a quantia de € 795,34, a título de crédito por formação profissional, para o que alega que estão em falta 119.6 horas de formação não proporcionada. Os parcos factos a esse respeito provados referem que o autor recebeu algumas horas de formação, não tendo recebido outras, designadamente, a última, considerando o período de vigência do contrato. Entre outros, e de acordo com a alínea b) do art.º 130º do código do trabalho, “são objectivos da formação profissional (…) assegurar a formação contínua dos trabalhadores da empresa”. Para o efeito, e agora em harmonia com o nº 2 do art.º 131º do mesmo código, “o trabalhador tem direito em cada ano a um número mínimo de trinta e cinco horas de formação contínua”. Por outro lado, como reza o art.º 134º do mesmo compêndio, “cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado”. Assim, considerando desde Maio do ano de 2017 até Outubro de 2020, o autor faz jus a um total de 122.5 horas de retribuição, rectius, de 110.5, admitindo que ele mesmo diz ter recebido 12, correspondentes a outras tantas horas de formação que lhe não foram proporcionadas. Considerando o disposto nos art.ºs 262º nº 1 e 271º nº 1 do código do trabalho, e atendendo ao que se provou ser a retribuição base do autor, de € 700,00,e de diuturnidades, € 17,00, obtém-se a retribuição horária (arredondada) de € 4,14 e, assim, o valor total de € 457,47. Importa assim condenar a ré no pagamento desta verba.”
Apreciando:
Resulta da matéria de facto provada que durante o período em que vigorou o contrato de trabalho entre o A. e a Ré, o A. cumpriu 12 horas de formação.
Conforme resulta dos artigos 131.º, n.º 2 e 132.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CT, o trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de trinta e cinco horas de formação contínua (40 horas a partir de 01/10/2019, data da entrada em vigor da Lei n.º 93/2019, de 04/09), sendo que, se as horas de formação previstas no n.º 2 do artigo 131.º que não forem asseguradas pelo empregador até ao termo dos dois anos posteriores ou seu vencimento, transformam-se em créditos de horas em igual número para formação por iniciativa do trabalhador.
Acresce que, <<o crédito de horas para formação que não seja utilizado cessa passados três anos sobre a sua constituição>> – n.º 6 do artigo 132.º do CT.
E, <<cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação>> - artigo 134.º do CT.
Por outro lado, como se decidiu no acórdão da RP, de 03/06/2019, disponível em www.dgsi.pt, que acompanhamos:
<<Não obstante a redação do artigo 134.º do CT/2009 permitir, dada a utilização da locução “ou”, mais do que uma leitura, a interpretação que mais se aproxima com o espírito da norma não pode deixar de ser aquela que impõe que, em caso de cessação do contrato de trabalho, em que haja horas de formação profissional que não tenham sido ministradas pelo empregador, este deverá liquidar quer as horas que já se transformaram em crédito (e que não tenha prescrevido), quer também as que se venceram nos últimos dois anos de execução do contrato e que ainda não se converteram em crédito de horas.>>
Assim sendo, tendo em conta que o contrato se iniciou em 08 de maio de 2017 e cessou no dia 07/12/2020, nesta data, o Autor era titular de 23,33 h de formação do ano de 2017, 35 h do ano de 2018, 26,25 do ano de 2019 e 37,37 do ano de 2020, proporcionais ao tempo de duração do contrato em 2017 e 2020, ou seja, de um total de 131,95 horas, no entanto, uma vez que lhe foram ministradas 12 horas de formação, apenas se encontram em falta 119,95 h.
Contudo, uma vez que o A. apenas peticionou 119,60 h, serão estas as consideradas.
Cumpre, então, apurar o valor da retribuição horária, sendo que, nos termos do disposto no artigo 271.º do CT, esta retribuição é calculada segundo a fórmula (Rm x 12) : (52 x n), sendo Rm o valor da retribuição mensal e n o período normal de trabalho semanal.
Dispõe o artigo 262.º do CT que:
<< 1 – Quando disposição legal, convencional ou contratual não disponha em contrário, a base de cálculo de prestação complementar ou acessória é constituída pela retribuição base e diuturnidades.>>
Ora, resulta da cláusula 50.ª da CCT celebrada entre a ANTRAM e a FECTRANS que o cálculo da retribuição horária terá em conta a fórmula: (retribuição base + complementos salariais (cláusula 45.ª) + diuturnidades) : (período normal de trabalho x 52).
Assim, tendo em conta as várias componentes da retribuição do A. descritas no recibo de vencimento de fls. 112, conclui-se que deverão ser tidos em conta no cálculo da retribuição horária os seguintes valores: € 700,00 de vencimento base e € 17,00 de diuturnidades, posto que nenhum outro respeita ao complemento salarial previsto na cláusula 45.ª, o único previsto na citada fórmula.
Pelo exposto, recorrendo à fórmula prevista no artigo 271.º do CT e na cláusula 50.ª do referido CCT, o A. tem direito a receber a quantia total de € 495,14 (€ 4,14 (€ 717,00x12:52x40) x 119,60h), a título de horas de formação não ministrada.
Procedem, assim, parcialmente, as conclusões do recorrente.

5ª questão
Se a Ré deve ao Autor a quantia de € 1.078,00 a título de diferenças salariais respeitantes aos meses de novembro de 2018 a dezembro de 2019.
Alega o recorrente que:
- A R., após entrada vigor em 20 de setembro de 2018 da CCT aplicável à relação laboral em causa publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 34, de 15/9/2018, decidiu alterar unilateralmente uma cláusula contratual negociada e estabelecida diretamente com o trabalhador, mais concretamente a cláusula segunda n.º 1 do contrato junto sob doc.º n.º 4 com a P.I.
- Tal comportamento, ainda que fosse permitido em face do disposto no art.º 129.º al.ª d) do Código do Trabalho, por mera interpretação da irredutibilidade da prestação salarial como referida à retribuição global, de todo o modo, sempre teria obstáculo na própria Convenção Coletiva aplicável e já referida que sempre salvaguardava que o comportamento que a R. / recorrida veio a adotar não era lícito, em face do que prevê expressamente na al.ª d) da sua cláusula 14.ª, sob a epígrafe “Direitos dos Trabalhadores” e na sua cláusula 82.ª que impediam a R. de proceder relativamente à retribuição de base do recorrente, como procedeu entre os meses de Novembro de 2018 e Dezembro de 2019, reduzindo-a de € 700,00 para € 630,00.
- Termos em que se impõe a revogação da Sentença recorridae  a substituição por outra que condene a R. / Recorrida, além de tudo o mais, no pagamento ao A. da referida quantia de € 1.078,00, a título de montantes relativos às diferenças salariais não pagas em função da redução da retribuição base unilateralmente operada pela Ré relativamente à acordada e do correspondente subsídio de turno calculado nos termos da cláusula 48.ª n.º 2 do IRC aplicável, entre os meses de novembro de 2018 e dezembro de 2019.
A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:
Pede ainda o autor a quantia de € 1.078,00, a título de diferenças salariais relativas aos meses de Novembro de 2018 a Dezembro de 2019; alega a ré que nada é devido, pois que, a nível global, a retribuição efectivamente recebida pelo autor não foi diminuída. Esta questão, muito em voga por via dos desvios com que costumam ser retribuídos os motoristas, está, em meu entender, suficientemente consolidada na jurisprudência. Primeiro, importa considerar o conjunto dos valores em causa, não unicamente e em separado uma das componentes. Por outro, o sistema Acordado entre os contraentes é válido se – como aqui se provou – o trabalhador sair beneficiado. Como definiu, entre vários outros casos, a Relação de Guimarães: “É admissível a adopção de um sistema retributivo diferente daquele consagrado no CCT aplicável, se o mesmo for mais vantajoso para o trabalhador. Tal decorre desde logo do preceituado nos arts. 3.º, 129.º, n.º 1 alínea d) e 476.º do código do trabalho” (5). Assim, entendo não ser devido qualquer montante ao autor, que sempre trabalhou remunerado por forma legal e contratualmente prevista ou, em alternativa, por outra que o beneficiou.”.
Apreciando:
Resulta da matéria de facto provada que:
- O Autor sempre auferiu uma remuneração média mensal líquida no valor de cerca de € 1.300,00, à qual acresciam os subsídios de férias e de natal, pagos em duodécimos mensais.
- Desde a data da admissão até janeiro de 2018, o Autor auferiu a remuneração média mensal líquida de € 1.300,00 correspondendo à soma da quantia de € 700,00, a título de remuneração mensal base, sendo o remanescente pago a título de ajudas de custo, sendo que o valor médio das ajudas de custo era de € 695,00, o que sempre foi feito por acordo entre as partes.
- De janeiro a outubro de 2018, consta no início dos recibos de vencimento o valor de € 700,00 como “vencimento base” e na parte dos “abonos” consta a seguinte discriminação: vencimento base, 30 dias, valor unitário de € 23,3333, valor € 700,00, sendo que o valor médio líquido das remunerações mensais se manteve na ordem dos € 1.300,00.
- De novembro de 2018 a dezembro de 2019, o recibo, na parte dos “abonos”, passa a conter um vencimento base no valor de € 630,00. Contudo, a partir dessa data, os recibos passam a incluir várias outras remunerações, referentes às cláusulas 48.º, 59.º, 45.º, 61.º da CTT, mantendo-se a remuneração mensal líquida no valor de € 1.300,00.
Vejamos:
Por força do disposto no artigo 129.º, n.º 1, d), do CT e na cláusula 14.ª, d), da CCT aplicável, é proibido ao empregador diminuir a retribuição (consagração do princípio da irredutibilidade da retribuição).
Acresce que, constitui jurisprudência uniforme, acompanhada pela doutrina, que este princípio apenas se aplica à retribuição considerada em sentido estrito, ou seja, não abrange todas as componentes da retribuição, excluindo-se as parcelas da retribuição habitualmente designadas de complementares ou acessórias, relacionadas com um maior esforço, risco ou penosidade do trabalho (subsídio de risco; subsídio de compensação por penosidade do trabalho), com situações de desempenho específicas (isenção de horário de trabalho), ou situações de maior trabalho (trabalho prestado para além do período normal de trabalho).
Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/1/2008 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 18/6/2008, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Na verdade, conforme se decidiu no acórdão desta Relação, de 26/03/2015, disponível em www.dgsi.pt
<<I – Ocorrem situações de retribuição mista, composta pelo salário base e por determinadas prestações retributivas complementares determinadas por contingências especiais de prestação de trabalho (penosidade, perigo, isolamento, toxicidade, ...), pelo rendimento, mérito, produtividade ou mesmo por certas situações pessoais dos trabalhadores (antiguidade, diuturnidades, ...).
II – No que toca ao princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado nos artºs 21º, nº 1, al. c) da LCT e 122º, al. d) do CT/2003, o mesmo só incide sobre a retribuição estrita, não abrangendo as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho ou a situações de desempenho específicas (como é o caso da isenção de horário de trabalho), ou a maior trabalho (como ocorre quando se verifica a prestação de trabalho para além do período normal de trabalho), ou à prestação de trabalho em condições mais onerosas, em quantidade ou esforço (como é o caso do trabalho por turnos), o mesmo sucedendo com as prestações decorrentes de factos relacionados com a assiduidade ou desempenho do trabalhador, cujo pagamento não esteja antecipadamente garantido.
III – Embora integrem o conceito de retribuição, tais prestações complementares não se encontram sujeitas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, podendo a entidade patronal suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.>>[4]
E como se refere no acórdão do STJ, de 24/09/2008, disponível em www.dgsi.pt, que acompanhamos:
<<A propósito do princípio da irredutibilidade da retribuição contido no art.º 21.º, n.º 1, al. c), da LCT (transposto para o art.º 122.º, n.º 1, al. d), do actual Código do Trabalho), a doutrina e a jurisprudência têm vindo a admitir que a estrutura salarial possa ser, em princípio, unilateralmente alterada pelo empregador, mediante a supressão de algum componente, a mudança da frequência de outro, ou, ainda, a criação de um terceiro, desde que o valor total da retribuição não seja diminuído (vide Ac. STJ de 20.11.2003, Proc. n.º 2170/03, da 4.ª Secção, e Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, I, 9.ª edição, p. 414).
Entendemos, porém, que dessa alteração não pode resultar a diminuição da retribuição base, por ser o componente essencial da retribuição e pelas consequências negativas que daí poderiam resultar para o trabalhador, no que toca ao cálculo de outras prestações salariais e indemnizatórias. Pelo contrário, e como os dois autores citados referem, a modificação da estrutura da retribuição traduzir-se-á, em regra, no acréscimo da parte pecuniária fixa, ou seja, no acréscimo da remuneração de base.
Com efeito, não contendo a lei, nomeadamente a LCT, qualquer disposição que permita a diminuição da retribuição base, tem aqui plena aplicação o disposto art.º 406.º, n.º 1, do C.C., nos termos do qual “[o] contrato dever ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei”. (…)
Da alteração unilateral por parte da entidade empregadora da estrutura remuneratória do trabalhador não pode resultar a diminuição da sua retribuição base, ainda que o valor da retribuição global se mantenha inalterado.>>
Ora, o que está em causa nos presentes autos é precisamente a retribuição considerada em sentido estrito, na medida em que a Ré alterou o vencimento base do Autor diminuindo-o de € 700,00 para € 630,00 (pontos 18 a 20 (p.i.) da matéria de facto provada).
Não estamos perante qualquer prestação suplementar passível de ser alterada desde que a retribuição global do trabalhador não sofra uma diminuição.
Na verdade, viola o citado princípio da irredutibilidade da retribuição o procedimento da Ré empregadora que, ao deparar-se com a obrigação de pagar e discriminar todas as componentes remuneratórias previstas na CCT aplicável, procede à diminuição do vencimento base do Autor com o intuito de manter a retribuição global líquida recebida pelo mesmo em data anterior à da entrada em vigor do mesmo IRCT.
Aliás, conforme resulta da cláusula 82.ª da mesma CCT:
<<1 – Da aplicação da presente convenção não poderão resultar quaisquer prejuízos para os trabalhadores, designadamente baixa ou mudança de categoria ou classe, bem como diminuição da retribuição (…).>>
Assim sendo, uma vez que o A. devia ter recebido a quantia mensal de € 700,00 nos meses de novembro de 2018 a dezembro de 2019 e apenas recebeu a quantia mensal de € 630,00, tem direito a receber a quantia total de € 980,00 (€ 70,00 x 14 meses).
No que respeita ao subsídio de turno previsto na cláusula 48.ª da CCT aplicável, correspondente a 10% da remuneração base e pelo qual a Ré optou (ponto 25 (p. i.) da matéria de facto provada), uma vez que a Ré pagou ao A. nos meses de novembro de 2018 a dezembro de 2019, a quantia mensal de € 63,00 mas devia ter pago € 70,00 mensais, encontra-se devedora da quantia total de € 98,00 (€ 7,00 x 14 meses).
Desta forma, a Ré deve ao Autor a quantia global peticionada de € 1.078,00 a título de diferenças salariais.
Pelo exposto, procede a pretensão do recorrente.       

                                                             *

                                                             *

IV – Sumário[5]

(…).

                                                               *

                                                             *

V - DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se, na parcial procedência do recurso, em revogar a sentença recorrida em conformidade e, em consequência:

1 – declara-se que o Autor foi alvo de um despedimento ilícito por parte da Ré;

2 – condena-se a Ré C... Unipessoal, Ldª a pagar ao Autor AA uma indemnização em substituição da reintegração que se fixa em 30 dias (atento o médio grau de ilicitude e o valor baixo da retribuição) de retribuição base no montante de € 700,00 (setecentos euros) e uma diuturnidade no valor de € 17,00 (dezassete euros), por cada ano de antiguidade ou fração, a contar desde 08/05/2017 (data do início da relação laboral) até ao trânsito em julgado da presente decisão, quantia esta acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar do trânsito em julgado da presente decisão, até integral e efetivo pagamento;

3 – condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia total de € 1.420,64 (mil quatrocentos e vinte euros e sessenta e quatro cêntimos) a título de retribuição do mês de novembro de 2020 e sete dias do mês de dezembro de 2020, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a data dos respetivos vencimentos e até integral e efetivo pagamento.

4 – condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia total de € 495,14 (quatrocentos e noventa e cinco euros e catorze cêntimos) a título de horas de formação não ministrada.

5 – condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia total de € 1.078,00 (mil e setenta e oito euros) a título de diferenças salariais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a data dos respetivos vencimentos e até integral e efetivo pagamento.

6 – absolve-se o A. do pedido reconvencional contra si deduzido pela Ré e

7 – no mais, em manter a sentença recorrida.

                                                             *

                                                             *

Custas a cargo do recorrente e da recorrida na proporção de 1/5 e 4/5, respetivamente.

                                                             *

                                                             *

Coimbra, 2023/01/13


(Paula Maria Roberto)

(Azevedo Mendes)

(Felizardo Paiva)


    



[1] Relator – Paula Maria Roberto
 Adjuntos – Azevedo Mendes
 – Felizardo Paiva

[2] Acórdão desta Relação que vínhamos citando.
[3] Cfr., a este propósito, o acórdão desta RC, de 23/01/2014, disponível em www.dgsi.pt.
[4] No mesmo sentido, cfr. o Acórdão do STJ, de 09/01/2008, disponível em www.dgsi.pt..
[5] O sumário é da exclusiva responsabilidade da relatora.