Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
215/2001.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
CADUCIDADE
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
Data do Acordão: 12/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SEIA - 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 390º CPC
Sumário: I. O n.º 1 do artigo 390.º do CPC, exige como pressuposto da obrigação de indemnizar, duas condutas em alternativa: que a providência venha a ser considerado injustificada, ou que venha a caducar por facto imputável ao requerente.

II. Comum a ambas as situações, é a exigência legal de culpa do requerente, traduzida nas expressões: «danos culposamente causados ao requerido» e «quando não tenha agido com a prudência normal».

III. O momento a considerar para a aferição da existência ou não de “prudência normal” do requerente é aquele em que foi intentado o procedimento cautelar, averiguando-se se ocultou intencionalmente factos, se os deturpou conscientemente, ou se agiu de forma imprudente, ou com erro grosseiro, ou mesmo com culpa ofensiva da prudência exigível ao bom pai de família.

IV. Tendo entretanto sido intentada a acção principal, na qual, com trânsito em julgado, se declarou que os requerentes da providência ‘exerceram o seu direito, sem nada que o pudesse considerar de abusivo’, e se condenou o requerido no pagamento de uma indemnização, deixa de ser viável o juízo de culpa exigido pelo citado artigo 390.º, na acção de indemnização intentada pelo requerido, com fundamento na caducidade da providência.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

R (…) intentou a presente acção declarativa com processo ordinário, contra A (…) e mulher, M (…), e J (…) e mulher, E (…), pedindo a condenação dos Réus a pagar-lhe, a título de indemnização por danos não patrimoniais, o montante de 20.000.000$00, e a título de danos patrimoniais, o montante de 20.000.000$00, sem prejuízo do que se vier a liquidar em execução de sentença, tudo acrescido de juros legais.
Como fundamento da sua pretensão, alegou o Autor em síntese: os RR. deduziram uma providência cautelar de embargo de obra nova contra o A., para retirada de uma chaminé de exaustão de fumos do restaurante e churrasqueira do autor, que se encontrava em início de actividade; em virtude do decretamento da providência, a actividade de restauração não aguentou, pelo facto de ter ficado sem o seu sistema de exaustão de fumos, deixando assim a clientela de aparecer perante a fumarada que havia no interior do mesmo, encerrando decorridos 6 meses; porém, os RR. não interpuseram a acção dependente da providência cautelar em prazo, e isso porque não quiseram, uma vez que apenas pretendiam prejudicar o autor e causar o resultado que se verificou; o A. incorreu em várias despesas para abrir a sua churrasqueira, e teve de recorrer a empréstimo bancária, para além de arcar com as despesas correntes do seu funcionamento; o referido comércio era o sustento da sua família, e o A. não mais trabalhou desde o seu encerramento; o A. vive com o sentimento de diminuição pessoal, achando-se incapaz de voltar a fazer qualquer coisa com êxito, tem imensa vergonha de encarar a família, sentindo-se vítima de um complot, injustiçado, discriminado, deprimido e sem capacidade de reacção, estimando em 20.000.000$00 os danos não patrimoniais sofridos em consequência da situação causada pelos RR..
Citados, contestaram os Réus A (…), J (…) e mulher, E (…), alegando em síntese: interpuseram a acção na convicção de que o faziam no prazo legal, mas tal não serve para fundamentar minimamente os pedidos deduzidos pelo A., só existindo obrigação de indemnizar se a acção principal não viesse a ser proposta (mesmo que intempestivamente), ou se não viesse nela a ser reconhecida razão aos requerentes da providência – o que não sucedeu, uma vez que tanto o tribunal de 1ª instância, como o da Relação, deram razão aos Réus, pelo que não decorre, por parte destes, qualquer obrigação de indemnizar; impugnam alguns dos factos alegados, bem como os montantes invocados; pugnam pela improcedência da acção; pedem ainda a condenação do A., como litigante de má fé, em “multa exemplar” e em indemnização a favor dos RR., de montante não inferior a 500.000$00.
Contestou também a Ré M (…), alegando em síntese: é parte ilegítima e só por lapso o A. instaurou a presente acção contra si, não tendo alegado qualquer facto que permita implicar a contestante, tendo em conta que se encontra divorciada do Réu A (...) desde 07/02/1996; verifica-se a ilegitimidade activa do A., por este estar desacompanhado da mulher; impugna toda a matéria factual alegada pelo A.
Na resposta à contestação da Ré M (…), o A. pugna pela improcedência das invocadas excepções, concluindo como na petição inicial, e requer a intervenção espontânea do seu cônjuge A (…), o que veio a ser admitido, por despacho proferido a fls. 137 dos autos.
Foi proferido despacho saneador, a fls. 165 dos autos, no qual se julgaram improcedentes as excepções de ilegitimidade deduzidas, e se fixou o valor da causa em € 199.519,15.
No mesmo despacho, foram definidos os factos assentes e organizada a base instrutória, sem reclamações.
A R. M (…) interpôs recurso de agravo do despacho saneador (fls. 195), admitido com subida deferida, em separado, e com efeito meramente devolutivo (fls. 219), tendo apresentado alegações a fls. 229, onde formula as seguintes conclusões:

1.ª - Nenhum facto é imputado à recorrente a título de responsabilidade extracontratual. Nenhuma acção nenhuma omissão.

2.ª - Os efeitos patrimoniais do Divórcio não se confundem com os efeitos patrimoniais do casamento.

3.ª - Tendo ocorrido a primeira conferência de Divórcio, em processo que veio a culminar, cerca de três meses depois, em Divórcio definitivo, não pode a recorrente ser responsabilizada por quaisquer actos geradores de responsabilidade civil extracontratual praticados pelo cônjuge.

Acham-se assim violadas as normas ínsitas nos artigos 193 e 26 do Código de Processo Civil.
Sofreram os autos várias vicissitudes processuais, com sucessivos pedidos de suspensão da instância formulados pelo Autor (fls. 396, 398, 543, 559).
O Autor protestou juntar documentos, na primeira sessão de em audiência de julgamento, requerendo um prazo de dez dias, vindo no entanto a fazê-lo já depois desse prazo.
Notificado para liquidar a multa devida (artigo 145.º n.º 5 e 6 do CPC), requereu a isenção do seu pagamento, invocando dificuldades económicas e arrolando testemunhas.
Designada data para inquirição, foi a mesma adiada a requerimento do autor. Designada nova data, ninguém compareceu.
Na sequência de tais omissões não justificadas nos autos, o M.º Juiz, no despacho de fls. 1144, determinou o desentranhamento dos documentos.
O Autor interpôs recurso de agravo (fls. 1150), admitido por despacho de fls. 1151, apresentou as alegações de fls. 1145, não pagou a taxa de justiça no prazo legal e, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 145.º do CPC, também não pagou a multa devida, pelo que, no despacho de fls. 1260, foi determinado o desentranhamento das alegações.
Realizou-se a audiência de julgamento, com inquirição das testemunhas (fls. 1340), após o que foi decidida a matéria de facto (fls. 1343), e proferida sentença (fls. 1350), na qual se julgou a acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se os Réus dos pedidos contra eles formulados pelo Autor.
Inconformado, apelou o Autor, apresentando alegações, onde formula as seguintes conclusões:

1. O tribunal recorrido limitou-se a emitir meras interrogações que em nada contribuem para a boa decisão da causa.

2. Além disso, a solução dada ao pleito não assenta em factos concretos.

3. Mas sim, em meras especulações como se alcança do trecho acabado de transcrever.

4. Esquece o tribunal “a quo” o alcance dos factos dados como provados (7 e 8).

5. Com efeito, a emissão de fumos ficou a dever-se à retirada da chaminé por parte do Autor em cumprimento da providência que fora decretada, e que posteriormente foi declarada a sua caducidade, por incúria dos Réus.

6. Não se percebe a invocação do art. 387.º, n.º1 do CPC porquanto, está fora de contexto.

7. Produzindo-se emissões que resultem do exercício anormal de poderes de gozo sobre um prédio, o vizinho atingido pode sempre opor-se às mesmas independentemente da gravidade do prejuízo (mas não independentemente da sua existência);

8. Ao invés, se a emissão causa um prejuízo substancial ao prédio vizinho, pode ser proibida independentemente de a mesma resultar de um uso normal ou anormal do prédio do autor da emissão.

9. Este prejuízo deverá ser aferido pelo fim a que esteja afectado o imóvel e não pelas condições especiais em que porventura se encontre o respectivo proprietário.

10. Finalmente, o tribunal recorrido podia e devia retirar do depoimento de (…)de que o A. fechou o restaurante devido à não colocação da chaminé por força do embargo, que passamos a transcrever:

(…)

11.Sendo certo que, não faz sentido afirmar-se, como faz o tribunal recorrido que o A. poderia colocar outro tipo de chaminé.

12. Quando é certo, que a mesma não chegou a ser colocada por imposição dos RR.

13. De resto, o Acórdão da Relação de Coimbra referenciado na sentença (a fls. 73, pág. 8), não refere que a colocação da chaminé incomodaria os RR.

14. Face ao depoimento da Testemunha (…) e ao cima referido, impunha-se a condenação dos RR. no pedido, o que desde já se requer.
Os Réus contra-alegaram, preconizando a manutenção do julgado.

II. Do mérito dos recursos
1. Definição do objecto dos recursos
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões:
1.1. No que respeita ao recurso de agravo interposto pela Ré M (…) – apreciação da invocada ineptidão da petição, e dos pressupostos da sua legitimidade processual
1.2. No que respeita ao recurso de apelação, interposto pelo Autor: i) apreciação do recurso da matéria de facto; ii) averiguação sobre se estão provados os pressupostos das indemnizações peticionadas pelo autor.

2. Apreciação do recurso de agravo
A Ré M (…) deduziu as excepções dilatórias de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade passiva, alegando que não há causa de pedir e que é parte ilegítima por se ter divorciado do Réu A (…).
No despacho saneador (fls. 165) foram julgadas improcedentes as excepções.
Não se conformando, a Ré interpôs recurso e apresentou alegações a fls. 229, onde formula as seguintes conclusões:

1.ª - Nenhum facto é imputado à recorrente a título de responsabilidade extracontratual. Nenhuma acção nenhuma omissão.

2.ª - Os efeitos patrimoniais do Divórcio não se confundem com os efeitos patrimoniais do casamento.

3.ª - Tendo ocorrido a primeira conferência de Divórcio, em processo que veio a culminar, cerca de três meses depois, em Divórcio definitivo, não pode a recorrente ser responsabilizada por quaisquer actos geradores de responsabilidade civil extracontratual praticados pelo cônjuge.

Acham-se assim violadas as normas ínsitas nos artigos 193 e 26 do Código de Processo Civil.
Factualidade relevante provada:
1. Os RR. A (…) e J (…) requereram, em 27 de Dezembro 1995, ratificação de embargo judicial de obra nova contra o ora A., então embargado, tendo sido decretada a ratificação judicial do embargo, em 12 de Janeiro de 1996.
2. É com fundamento no referido embargo de obra nova, que o autor alega prejuízos na presente acção, peticionando a condenação dos réus em indemnização.
3. A Ré M (…) e o Réu A (…) casaram um com o outro em 12 de Dezembro de 1981 (certidões juntas a fls. 94 a 99).
3. A primeira conferência de divórcio, entre os RR. M (…) e A (…) foi realizada em 26 de Outubro de 1995.
4. A sentença que decretou o divórcio foi proferida a 7 de Fevereiro de 1996.
5. Não consta da sentença de divórcio, a retroacção dos seus efeitos à data da separação (art. 1789.º/2 do CC).
Integração jurídica dos factos:
No que respeita à invocada ineptidão da petição inicial, limita-se a Agravante a alegar que nenhum facto lhe é imputado.
Como se decidiu no despacho recorrido, o pedido consubstancia-se na pretensão de condenação dos Réus no pagamento de indemnização, traduzindo-se a causa de pedir - facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido – no facto de não terem tempestivamente proposto a acção principal, da qual estava dependente a manutenção do embargo.
Vem alegado na petição, que os Réus requereram a providência cautelar e permitiram que ocorresse a sua caducidade, daí decorrendo os prejuízos invocados, pelo que se considera existente a causa de pedir.
Ora, sendo um dos requerentes o marido da Agravante, esta não poderia deixar de ser demandada, para garantir a legitimidade litisconsorcial passiva.
Afigura-se assim manifestamente improcedente o recurso nesta parte.
Apreciando a questão da legitimidade passiva:
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 26.º do Código de Processo Civil, o autor e o réu são partes legítimas quando têm interesse respectivamente em demandar e em contradizer.
Decorre do disposto no n.º 2 da norma em apreço, que tal interesse se exprime pela utilidade e prejuízos derivados da procedência da acção.
Nos termos do n.º 3 da mesma norma, na falta de indicação da lei em contrário, a existência de interesse em demandar e em contradizer afere-se pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor.
A expressão “tal como é configurada pelo autor” foi introduzida na última reforma do processo civil (DL 180/96 de 25.09).
Antes e na vigência da redacção anterior, ensinava o Professor Manuel de Andrade (in Noções Elementares de Processo Civil, ed. de 1979, pág. 83), que a averiguação da legitimidade se traduzia «… em ser o demandante (legitimação activa) o titular do direito e o demandado (legitimação passiva), o sujeito da obrigação, suposto que o direito e a obrigação na verdade existam», concluindo que, para tal averiguação «não se atende só aos termos em que o demandante configura a relação, mas - em princípio, ou pelo menos até certo ponto - à sua entidade ou fisionomia real».
Ou seja: com a nova redacção, resultante das últimas alterações ao Código de Processo Civil, o legislador optou por uma concepção mais formal da legitimidade processual, aproximando-se da tese tradicionalmente defendida por Barbosa de Magalhães em oposição a José Alberto dos Reis.
Conforme escreve Rui Pinto[1]: «a excepção de ilegitimidade só procederá quando, nomeadamente, houver divergência entre quem o autor identifica como devedor da pretensão e quem ele demanda na petição».
No caso sub judice, perante o critério formal previsto no n.º 3 do artigo 26.º do Código de Processo Civil - «titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor», concluímos que o Ré tem necessariamente legitimidade processual passiva.
Mas também de acordo com o critério substancial – interesse em contradizer, traduzido nos eventuais prejuízos derivados da procedência da acção – assistirá legitimidade à Ré.
Vejamos.
Prescreve o n.º 1 do artigo 1789.º do Código Civil: «Os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges.».
Determina o n.º 2 do citado normativo: «Se a separação de facto entre os cônjuges estiver provada no processo, qualquer deles pode requerer que os efeitos do divórcio retroajam à data, que a sentença fixará, em que a separação tenha começado
Ora, no caso dos autos, muito embora a primeira conferência de divórcio tenha ocorrido ainda em 6.10.1995, não consta da sentença, a retroacção dos seus efeitos à data da separação (as partes não usaram a faculdade prevista no art. 1789.º/2 do CC).
Prescreve o n.º 3 do citado artigo 1789.º: «Os efeitos patrimoniais do divórcio só podem ser opostos a terceiros a partir da data do registo da sentença.»
A sentença que decretou o divórcio foi proferida a 7 de Fevereiro de 1996, pelo que só a partir dessa data efeitos patrimoniais do divórcio poderiam ser opostos a terceiros, nomeadamente ao Autor.
Considerando que o alegado facto gerador dos danos invocados (embargo de obra), ocorreu em 27.12.1995, e que os efeitos patrimoniais da sentença de divórcio apenas são oponíveis a terceiros em momento posterior, salvo o devido respeito, afigura-se manifesta a legitimidade passiva da Ré.
Deverá, em consequência, improceder na íntegra o recurso de agravo.

3. Apreciação do recurso de apelação
3.1. Apreciação do recurso da matéria de facto.

(…)
Perante o exposto, salvo o devido respeito, revela-se manifestamente improcedente o recurso da decisão da matéria de facto, devendo em consequência naufragar a pretensão do recorrente.

3.2. Fundamentos de facto
Face à improcedência da impugnação da matéria de facto, é a seguinte a factualidade provada nos autos:
1 - Na posição processual de embargantes, os RR. A (…) e J (…) requereram, em 27 de Dezembro 1995, junto do Tribunal da Comarca de Seia, ratificação de embargo judicial de obra nova contra o ora A., então embargado – Providência Cautelar 235/95, 2º Juízo – (Al. A).
2 - A requerida ratificação de embargo de obra nova fora antecedida no dia 19 de Dezembro de 1995, pelas 15.45 horas, de embargo extrajudicial – (Al. B).
3 - Em 12 de Janeiro de 1996 o Tribunal Judicial da Comarca de Seia decidiu decretar a ratificação judicial do embargo extra-judicial de obra nova requerido pelos referidos RR. – (Al. C).
3 - Em 15 de Janeiro de 1996 foi lavrado auto de ratificação do embargo de obra nova, e na mesma data foi notificado aos agora RR. o despacho que ratificou o embargo – (Al. D).
4 - Os RR. intentaram a acção principal em 19/02/96, sendo que a petição inicial foi recusada pela Secretaria por faltar indicação do valor da causa – (Al. E).
5 - E vieram a remeter de novo a petição a juízo em 22/02/96 – (Al. F).
6 - Por Acórdão de 30 de Maio de 2000, pelo Tribunal da Relação de Coimbra foi dado provimento ao recurso de agravo interposto pelo agora A., considerando intempestiva a propositura da acção principal – (Al. G).
7 - Em conformidade com a providência decretada, o A. retirou a chaminé do exaustor de fumos do restaurante e churrascaria que explorava – (Al. H).
8 - O restaurante/churrascaria ficou com fumarada no seu interior depois do facto referido em 7., e a clientela deixou de aparecer – (Quesitos 2º e 3º).
9 – O A. suportava diariamente despesas, pelo menos com comida, água, luz, carvão, manutenção, limpeza, funcionários e consumíveis – (Quesito 4º).
10 – O A., em obras de adaptação do espaço a restaurante/churrascaria, e na aquisição de material, como arcas, balcão frigorífico, churrasqueira, mesas cadeiras, loiças, talheres, panelas, máquina de café e moinho de café, despendeu pelo menos 2.674.138$00 – (Quesitos 5º e 6º).
11 – Na aquisição de uma viatura para transporte de mercadorias o A. despendeu 2.674.138$00 – (Quesito 7º).
12 - O A. recorreu ao crédito bancário para suportar as despesas do arranque do restaurante/churrascaria, cujo valor ascendeu a pelo menos 3.000.000$00 – (Quesitos 8º e 9º).
13 - O A. encerrou o restaurante/churrascaria alguns meses após o referido em 7., acima – (Quesito 10º).
14 - O restaurante/churrascaria era o sustento da família do A. – (Quesito11º).
15 - Desde o encerramento do restaurante que o A. penas esporadicamente trabalhou, contando com a ajuda de familiares para a sua subsistência e da sua família – (Quesitos 14º e 15º).
16 - Não liquidou os seus compromissos com as empresas de leasing e ALD – (Quesito 16º).
17 - Vive com sentimento de diminuição pessoal, acha-se incapaz de voltar a fazer qualquer coisa com êxito, tem vergonha em encarar a família e sente-se revoltado, injustiçado e discriminado – (Quesitos 18º, 19º, 20º e 21º).
Encontram-se ainda provados, na acção ordinária n.º 37/96, do 2ª Juízo do Tribunal de Seia:
18 – Na acção referida em 4., os agora RR. J (…) e R (…) pediam a condenação do A. a tapar o buraco da parede por onde são expelidos os fumos, e a pagar-lhes uma indemnização por danos morais e patrimoniais.
19 – Nessa acção ordinária, ficou provado, designadamente, o seguinte:
19.5 – O réu iniciou as obras de implantação de uma chaminé para um exaustor que ligou à rede de esgotos do prédio, afectando o acesso às garagens.
19.6 – No dia 19/12/1995, pelas 15,45 horas, o A. J (…)fez embargar extrajudicialmente as ditas obras.
19.7 – Embargo esse ratificado judicialmente em 5.1.1996 em processo que correu termos neste tribunal sob o n.º 233/95, do 2º Juízo.
19.8 – As obras pararam e o Réu mandou retirar a chaminé da sua ligação à rede de esgotos do prédio mas mantém a abertura.
19.9 – Da abertura referida são expelidos fumos para a atmosfera, gorduras e resíduos de combustão de carvão e dos combustíveis utilizados pelo Réu, com saída directa da parede do rés-do-chão, afectando gravemente todos os habitantes do prédio, nomeadamente os Autores.
19.10 – Pelo buraco referido em 8 são também expelidos cheiros, sem nenhum tratamento, que incomodam permanentemente os Autores.
19.11 – A abertura referida em 8 altera significativamente o arranjo estético do edifício, já que onde antes existia uma simples parede revestida a pedra até meia altura, encontra-se hoje um orifício de dimensões razoáveis, donde surge uma chaminé.
19.12 – Devido aos factos referidos em 9 e 10, os Autores não podem abrir janelas e estender a roupa para enxugar.
19.13 – Com os factos aludidos em 9 a 12 os Autores sofreram vários prejuízos cujo montante não é possível determinar.”
20 - Nessa sentença do Círculo Judicial de Seia, proferida e 17.11.2000, foi a acção declarada procedente, e o aqui Autor condenado a tapar o buraco feito na parede por onde são expelidos fumos e ainda a pagar aos Autores a indemnização que vier a apurar-se em liquidação de execução de sentença, por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência da emissão de fumos e maus cheiros.
21 – Na sequência de recurso interposto dessa decisão pelo Autor, por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 19.6.2001 decidiu-se:

«3.1. Condenar o R. a cessar a emissão de fumos que, através da abertura feita na parede exterior, saem do seu estabelecimento sito na fracção A;

3.2. Manter a condenação do R. no pagamento da indemnização a liquidar em execução de sentença por danos não patrimoniais imputáveis à emissão dos fumos e aos maus cheiros que têm vindo do estabelecimento referido através da mencionada abertura;

3.3. Julgar improcedente o pedido de indemnização na parte referente ao danos de natureza patrimonial derivados dessa emissão;

3.4. Julgar parcialmente procedente a reconvenção e reconhecer ao R. o direito de implantar uma chaminé de extracção de fumos, nos moldes referidos.»
22 – Consta do referido aresto:
 «Tendo o A. (o que será lapso, querendo dizer R. – aqui A.) formulado uma pretensão no sentido de ser autorizado a colocar uma chaminé externa, com uma descrição suficientemente pormenorizada, designadamente quanto à sua colocação e altura, os AA. reconvindos nada disseram, nem sequer questionaram as repercussões de ordem estética que dessa colocação poderiam eventualmente advir … mais não resta do que reconhecer o direito de o R. canalizar os fumos e gorduras através de uma chaminé exterior, respeitados que sejam os condicionalismos de ordem geral.
Assim, essa chaminé não deverá interferir no acesso às garagens, facto que despoletou o surgimento do litígio.
Depois, como qualquer outro interessado, não poderão ser descurados os trâmites legais de que dependa a respectiva implantação, designadamente os que resultam do Regime de Licenciamento de Obras Particulares…».
23 – O A. recorreu desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por acórdão datado de 29.1.2002, manteve na íntegra o decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

3.3. Fundamentos de direito
Salvo o devido respeito, a presente acção suporta-se num equívoco, e podia ter sido julgada improcedente logo na fase do saneador, face ao acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 29 de Janeiro de 2002[2], no Processo n.º 4045/01, junto aos autos a fls. 177.
Vejamos porquê.
É a seguinte a redacção do n.º 1 do artigo 390.º do CPC: «Se a providência for considerada injustificada ou vier a caducar por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal
Decorre do normativo citado, que o requerente da providência responde pelos danos causados, em duas situações alternativas: i) se a providência for considerada injustificada[3]; ii) se a providência caducar por facto imputável ao requerente.
Comum a ambas as situações, é a exigência legal de culpa do requerente, traduzida nas expressões: «danos culposamente causados ao requerido» e «quando não tenha agido com a prudência normal».
Os mesmos requisitos eram exigidos na redacção anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12/12, sendo então o artigo 387.º, a sede legal deste dispositivo[4].
Como se refere no acórdão do STJ de 6.01.2000[5], o requerente não age com a prudência normal quando não tenha procurado informar-se da verdadeira situação, com prudência ou cuidado do homem normalmente prudente ou cuidadoso, sendo pacífica na jurisprudência do Supremo, a exigência da culpa, incidindo sobre o requerido o ónus probatório, como pressuposto da obrigação de indemnizar por parte do requerente da providência[6].
O conceito vago de “prudência normal”, reconduz-se a um juízo de censura ético jurídica, como se refere no acórdão do STJ, de 16.02.1995[7]: «Saber se o requerente da providência actuou ou não com ‘uma prudência normal’ vem a significar saber se actuou ou não com culpa, aferindo-se esta pela diligência de um bom pai de família.».
Como se conclui no acórdão do Supremo, de 26.09.2002[8]: «O momento a atender para se julgar acerca da falta de normal prudência do requerente é, essencialmente, aquele em que o requerente intenta o procedimento cautelar, assim se determinando se ocultou intencionalmente factos, ou os deturpou conscientemente, ou agiu imprudentemente, ou com erro grosseiro ou, até, com culpa ofensiva da prudência exigível do bom pai de família».
A aferição da existência ou não de culpa por parte do requerente da providência, pode ser feita na acção definitiva, impondo-se, então, ao procedimento cautelar, dada a instrumentalidade e dependência deste, relativamente aquela.
Ora, no caso a que se reportam os autos, na acção definitiva foi emitido pelo Supremo Tribunal de Justiça, um juízo de aprovação e de legitimação da conduta dos Réus (recorridos), incompatível com a verificação do pressuposto da culpa, enunciado no n.º 1 do artigo 390.º do CPC (ou no artigo 387.º, na versão anterior ao DL 329-A/95).
Vejamos. 
Na situação sub judice, o Autor (ora recorrente) imputa aos Réus a caducidade da providência por intempestividade da acção definitiva.
Acontece, no entanto, que os aqui Réus intentaram a acção definitiva, que correu termos no 2.ª Juízo do Tribunal de Seia, com o n.º 37/96, na qual foi proferida sentença em 17.11.2000, que a julgou procedente, condenando o Réu (aqui Autor) a tapar o buraco feito na parede por onde são expelidos fumos e ainda a pagar aos Autores a indemnização que vier a apurar-se em liquidação de execução de sentença, por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência da emissão de fumos e maus cheiros.
Não se conformou o ora Autor, e interpôs recurso para esta Relação, onde se decidiu, em acórdão de 19.6.2001: «… 3.1. Condenar o R. (aqui autor) a cessar a emissão de fumos que, através da abertura feita na parede exterior, saem do seu estabelecimento sito na fracção A; 3.2. Manter a condenação do R. no pagamento da indemnização a liquidar em execução de sentença por danos não patrimoniais imputáveis à emissão dos fumos e aos maus cheiros que têm vindo do estabelecimento referido através da mencionada abertura;…».
Não se conformou novamente o ora autor e recorreu para o STJ, onde foi proferido o já referido acórdão[9], de 29 de Janeiro de 2002, no Processo n.º 4045/01, junto aos autos a fls. 177, do qual se transcreve a parte final:

[…] O que os AA. pretendem nesta acção é que o R. cesse com as danosas emanações de fumos, e cheiros através de um buraco que fez na parede do prédio e que os incomodam.

A propósito do direito que assistiu aos AA. para requererem o referido embargo de obra nova, o acórdão recorrido[10] lembrou que a primeira implantação da chaminé, feita pelo R., afectava o acesso às garagens. Assim, com toda a lógica e naturalidade, o mesmo acórdão extraiu a ilação, de facto, que essa circunstância impedia a normal utilização de uma parte comum do prédio, com os inerentes prejuízos que daí poderiam advir. O que, de modo algum, constitui um excesso de pronúncia, nos termos da 2.ª parte da al. d) do n.º l do art.º 668.º do CPC. Aliás, no seguimento desta infundada arguição, o R. absteve-se de esclarecer e requerer o que pretendia fosse anulado. Talvez por manifesta impossibilidade jurídica. É, pois, inexistente a alegada nulidade de excesso de pronúncia que o recorrente imputa ao acórdão recorrido.

Também é inaceitável que exista um abuso de direito por parte dos AA. derivado de um ‘venire contra factum próprio’. Mas porquê? Por terem reagido contra obras que prejudicavam o seu direito de acesso às garagens do prédio? Afastado este obstáculo, que comprovada ligação tem essa actuação dos AA., com o facto de o R., posteriormente, sem consideração pelos direitos de personalidade dos AA., os tivesse afectado com emanações por si produzidas no local que lhe foi arrendado? E sem tentar usar da solução que propôs (chaminé exterior) que não foi afastada pelos AA.?

Deste modo, é por demais evidente que os AA na presente acção exerceram o seu direito, sem nada que o pudesse considerar de abusivo[11].
Ou seja: na decisão final, proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, considerou-se que os aqui réus, requerentes da providência, ao utilizarem o meio processual em causa, fizeram-no exercendo «o seu direito, sem nada que o pudesse considerar abusivo», afastando em definitivo a possibilidade de, na presente acção, contra tal entendimento, se poder afirmar a existência de culpa dos mesmos Réus.
Perante a avalização da conduta dos requerentes da providência, com expressa proclamação, por parte do STJ, de que se limitaram a exercer de forma não abusiva, um direito que lhes foi reconhecido na acção definitiva, mal se compreenderia que o tribunal de primeira instância, ao arrepio dessa decisão, viesse a imputar-lhes um juízo de culpa, pelos mesmos factos.
Acresce, como se refere na douta sentença recorrida, que o Autor não logrou provar esse pressuposto essencial para o êxito da sua pretensão: a culpa dos Réus.
Por estas razões, terá que naufragar o recurso.

III. Decisão
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação:
a) Em julgar totalmente improcedente o recurso de agravo, ao qual se nega provimento, confirmando assim o despacho saneador recorrido;
b) Em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação, ao qual se nega provimento, confirmando assim a douta sentença recorrida.
Custas do Agravo pela Agravante, e da Apelação pelo Apelante.
                                                         *

Carlos Querido ( Relator )
Pedro Martins
Emídio Costa


[1] Aspectos do Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1977, pág. 168.
[2] O despacho saneador tem data posterior à do acórdão do STJ: 15 de Julho de 2003.
[3] Como refere Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, pág. 264, o fundamento legal da injustificada obtenção da providência será encontrado através do incidente da oposição ou do recurso de agravo, como ainda na própria acção principal, se se chegar à conclusão de que a medida cautelar se fundou em factos inverídicos ou deturpados.
No mesmo sentido, veja-se o acórdão do STJ, de 26.09.2002, proferido no Proc. 04B4497, em cujo sumário se lê: «A obrigação de indemnizar fundada no disposto no art. 390º, n. 1, do CPC pressupõe que a providência chegue a ser decretada pelo tribunal e que, posteriormente, venha a ser julgada injustificada, seja em virtude de procedência de oposição nos termos do art. 388º, ns. 1, al. b) e 2, do CPC, seja de procedência de recurso, nos termos gerais.»

[4] Dispõe-se no artigo 16º do Decreto-Lei  nº  329-A/95,  de  12  de  Dezembro,   com as   alterações  introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro: «Sem prejuízo do disposto no artigo 17°, o Decreto-Lei n° 329-A/35, de 12 de Dezembro, com as modificações decorrentes do presente diploma, entra em vigor em l de Janeiro de 1997 e só se aplica aos processos iniciados após esta data…». A acção principal deu entrada em Fevereiro de 2006, mas, face à data de entrada da providência – 27/12/1995, revela-se aplicável o artigo 387.º, na redacção anterior.
[5] Proferido no Processo n.º 99B878, acessível em http://www.dgsi.pt
[6] O acórdão do STJ de 30.11.1994, BMJ, 441, pág. 243, fala em «conduta censurável, por falta de cuidado normalmente exigível». No mesmo sentido, vejam-se os seguintes arestos do Supremo, todos acessíveis em http://www.dgsi.pt: acórdão de 24.02.2005, Proc. 04B4497; acórdão de 3.12.1998, Proc. 98B968; acórdão de 26.05.1998, Proc. 94A458; e acórdão de 26.09.2002, Proc. 02B1938. Vide também Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. II, pág. 61.
[7] Proferido no Processo n.º 085023, acessível em http://www.dgsi.pt.
[8] Proferido no Processo n.º 02B1938, acessível em http://www.dgsi.pt.
[9] Relatado pelo Conselheiro Pais de Sousa.
[10] Proferido no Processo n.º 996/2001, neste Tribunal, relatado por António Abrantes Geraldes – encontra-se junto a estes autos a fls. 231 e seguintes.
[11] Sublinhado nosso.