Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | VIRGÍLIO MATEUS | ||
Descritores: | ALIMENTOS MENORES FUNDO DE GARANTIA CESSAÇÃO DE PAGAMENTOS | ||
Data do Acordão: | 10/09/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
Legislação Nacional: | LEI Nº 75/98 DE 19/11, DL Nº~164/99 DE 13/5, ART.189 OTM | ||
Sumário: | 1. Estando o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menor ( FGADM ) a prestar alimentos a favor do menor residente em Portugal, em substituição do progenitor obrigado a prestá-los, não deve o juiz ordenar a cessação da prestação de alimentos pelo dito Fundo quando se apure que tal progenitor trabalha em país estrangeiro auferindo determinado salário. 2. Ainda que houvesse lugar à cessação das prestações a cargo do Fundo, tal cessação só poderia ocorrer a partir do efectivo cumprimento da obrigação pelo progenitor devedor. | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM O SEGUINTE NESTA RELAÇÃO DE COIMBRA: I - Relatório:
No âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor R (…), filho de G (…) e de M (…), foi proferida decisão em 06/12/2008 a fls. 148 a 150, determinando que o Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, em substituição do pai do menor, suportasse o pagamento de uma prestação mensal no valor de 125,OO€ em benefício do menor, mais se decidindo que o montante fixado pelo tribunal manter-se-ia enquanto se verificassem as circunstâncias subjacentes à concessão da garantia e até que cesse a obrigação a que o devedor está vinculado. O despacho proferido em 20-05-2011, a fls. 281 a 282, manteve a decisão de atribuição da prestação de 125,00€ a favor do menor a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores (FGADM). «Resulta do disposto no artigo 1º nº 1 da Lei nº 75/98, de 19-11, que um dos requisitos para que o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, assegure o pagamento da pensão de alimentos que seja omitido pela pessoa obrigada a prestar alimentos a menores, será o de que este não se encontre em condições de satisfazer os mesmos nos termos do artigo 189º do DL nº 314/78, de 27-10, ou seja da OTM. Consequentemente, aquele Fundo apenas garantirá o pagamento da pensão de alimentos, caso não seja possível obter o mesmo através da penhora dos bens do obrigado. Designadamente, tal ocorrerá quando não seja possível proceder aos descontos no vencimento do executado, nos termos daquele artigo 189º, Ora, resulta da informação agora prestada pelas autoridades Luxemburguesas, que se encontra junta a fls. 292, verso, que o obrigado a prestar alimentos ao menor R (…), ou seja, o requerido M (…), encontra-se actualmente a trabalhar no Luxemburgo, para a empresa indicada naquela informação, auferindo um vencimento mensal de 1.900 euros. Consequentemente, existem condições para obter o pagamento pelo requerido do valor da pensão de alimentos que ele está obrigado a pagar ao menor Ruben, seu filho, através do desconto no vencimento pelo trabalho que ele presta para aquela empresa. Conclui-se assim que desapareceu assim o requisito referido supra, de impossibilidade de obter o cumprimento pelo obrigado à prestação de alimentos através da penhora de algum dos seus bens, designadamente de parte do seu vencimento, e que, por estar preenchido, tinha permitido a prolação da decisão junta a fls. 148 a 150, que havia determinado a obrigação por parte do instituto de Gestão financeira da segurança Social em garantir o pagamento do valor da pensão de alimentos a favor do menor. Tendo em conta o desaparecimento desse requisito essencial, não se poderá renovar a decisão que determinou que aquele instituto de Gestão Financeira procedesse ao pagamento da prestação de alimentos a favor dos menores, nos termos do nº 4 do artigo 9º do DL nº 164/99, de 13-5. Consequentemente, deverá ordenar-se a cessação desta prestação pelo Instituto. ( .. ) Em conformidade, determina-se a cessação da prestação pelo Instituto de Gestão Financeira e Social do valor da pensão de alimentos a que está obrigado o requerido M (…) em relação ao seu filho R (…). Determina-se assim a cessação desta prestação». Inconformado, o Ministério Público recorre desta decisão, concluindo a sua alegação: 1º Por despacho proferido em 12-10-2011 (…). 2.° Tal decisão teve como fundamento (…). 3.° Tal decisão é porém contrária à lei, violando o disposto no artigo 1º da Lei nº 75/98 de 19-11 e no artigo 3.°, nº 1, alínea a) do DL 164/99, de 13- 05, bem como o disposto no artigo 189.° da O.T.M. e 69.° da Constituição. 4º Na verdade a Lei estabelece que o Estado assegura os alimentos, quando o obrigado não os satisfizer pelas formas previstas no artigo 189º da O.T.M. (DL 314/78, de 27-10). 5º O Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores visa garantir, como se pode ler no próprio preâmbulo do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, o "(..) acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado, as prestações essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna.". 6º O escopo prático que os vários preceitos sobre esta matéria visam atingir é o da garantia, por parte do Estado, de que todas as crianças tenham acesso a condições mínimas de subsistência, cumprindo-se desse modo, não só os imperativos constitucionais (artigo 69º da CRP), mas também as normas vinculativas do direito internacional. 7.0 O artigo 189.0 da O.T.M. visa a cobrança coerciva da prestação de alimentos através de um procedimento especial pré-executivo, por não implicar a instauração de uma acção executiva autónoma, e por ser célere, simples e linear, permitindo a cobrança de prestações vencidas e vincendas, no próprio processo de regulação do poder paternal. 8.0 "Considerando a finalidade dos (…) diplomas - Lei nº 75/98 e DL 164/99 - assegurar o direito aos menores de condições de subsistência mínimas - tem de concluir-se ser apenas elevante para a intervenção do Fundo que não seja possível a satisfação pelo devedor das quantias em divida através dos meios previstos no art. 1890 da OTM, único meio que assegura a celeridade necessária para que a cobrança dos alimentos devidos ao menor garanta a sua sobrevivência» - cf. o Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 20-01-2011 in www.dgsi.pt. 9.0 Não é requisito da lei (Lei 75/98 e DL 164/99) - para que o Estado pague através do F.G.A.D.M. a prestação devida pelo requerido - que seja impossível a cobrança coerciva mediante recurso a uma acção executiva, quer em sede de execução especial por alimentos, quer em sede de cobrança de alimentos de estrangeiro, ao abrigo de Convenção Internacional - v. g. do Convenção de Nova Iorque de 20-06-1956 ou do Regulamento CE 4/2009 que entrou recentemente em vigor. 10º Pelo que, não sendo possível/admissível notificar a entidade empregadora do requerido, com sede no Luxemburgo, para "descontar" no respectivo salário as prestações de alimentos devidas ao menor, por tal atentar contra o princípio da soberania do respectivo Estado, não se mostra no caso concreto afastado o requisito de impossibilidade de cobrança dos alimentos pelos meios previstos pelo artigo 189.0 da O.T.M. 11º Consequentemente, deverá a decisão recorrida ser revogada, e ser proferida decisão a manter a obrigação de o Fundo de Garantia de Alimentos a Menores continuar a suportar a prestação de alimentos de 125,00€ fixada anteriormente em benefício do menor. 12.° Ainda que assim não se entenda, sempre se deveria ter mantido a prestação a suportar pelo F.G.A.D.M. «...até ao início do efectivo cumprimento da obrigação» pelo requerido, nos termos previstos pelo artigo 3.°, nº 1, do DL 164/99 de 13-05 e não determinar a imediata cessação de tal pagamento. 13.0 Pelo que, ao determinar a imediata cessação do pagamento pelo Fundo de Garantia da prestação de alimentos fixada anteriormente, sem que, no mínimo, o devedor (pai do menor) iniciasse o pagamento coercivo de tal prestação com recurso ao procedimento executivo previsto no Regulamento (CE) nº 4/2009, violou o Mmo juiz a quo o preceituado no citado artigo 3.°, nº 1, do DL 164/99 de 13-05 e os preceitos constitucionais que vigoram nesta matéria, a saber, o art. 69.° da Constituição. 14º Deverão assim V. Exas. conceder provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, determinado que se mantenha a obrigação de o Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores pagar em benefício do menor Ruben a prestação de alimentos fixada em 125,00€. Foi proferido despacho tabelar, que manteve a decisão. Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II- Fundamentos: Os factos provados relevantes são os que constam dos primeiros dois parágrafos do relatório e ainda os seguintes: o pai do menor R (…) encontra-se actualmente a trabalhar no Luxemburgo como estucador, para uma identificada empresa sedeada nesse país, auferindo um vencimento mensal de 1.900 euros (fl. 292 e 321 e seg). A questão essencial de direito consiste em saber se, estando o dito Fundo a prestar alimentos a favor do menor residente em Portugal em substituição do progenitor obrigado a prestá-los, se deve o juiz ordenar a cessação imediata da prestação de alimentos pelo dito Fundo quando se apure que tal progenitor trabalha em país estrangeiro (no caso o Luxemburgo) auferindo determinado salário, no caso 1900 euros. A Lei nº 75/98, de 19-11, regulamentada pelo Decreto-Lei nº 164/99, de 15-05, criou o Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores (gerido pelo Instituto de Gestão Financeira e Social) e preceitua no seu artigo 1º que: «Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda de encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação». É através do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores que o Estado assegura essas prestações. E assegura-as quando – essa é uma das condições – o obrigado, no caso o progenitor, não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º da OTM. Este artigo 189º estatui no seu nº 1, al. a) e b), que: «Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida dentro de dez dias depois do vencimento, observar-se-á o seguinte: a) Se for funcionário público, ser-Ihe-ão deduzidas as respectivas quantias no vencimento, sob requisição do tribunal dirigida à entidade competente; b) Se for empregado ou assalariado, ser-Ihe-ão deduzidas no ordenado ou salário, sendo para o efeito notificada a respectiva entidade patronal, que ficará na situação de fiel depositária». Trata-se do chamado “incidente de descontos”, incidente que, por razões de celeridade e simplicidade processual, atendendo à premência na obtenção dos alimentos, corre termos no próprio processo, em vez do recurso a uma acção executiva autónoma ([1]). Ora, estando o originário devedor da prestação de alimentos a residir no Luxemburgo, onde trabalha por conta de uma empresa aí sedeada, não é possível recorrer ao preceituado no artigo 189.°, nº 1, aI. b) da O.T.M. para tornar efectiva a prestação de alimentos devida ao menor. Como muito bem defende o Ministério Público, não é legalmente possível ordenar nesta acção à entidade patronal sediada no Luxemburgo que desconte nos salários as quantias necessárias para garantir o pagamento das prestações alimentares vencidas ou vincendas. Tal como acrescenta o Ministério Público recorrente, mesmo com o recurso ao Regulamento (CE) nº 4/2009 de 18-12-2008 que entrou em vigor em 18/06/2011, apenas um tribunal luxemburguês pode decidir adjudicar os rendimentos ou bens do devedor de alimentos auferidos naquele país ao menor, por via de um requerimento executivo dirigido às respectivas autoridades. O que, além de estar nos antípodas da celeridade e simplicidade processual visadas pelo dito artigo 189º, mostra a impossibilidade de cobrança dos alimentos pelos meios previstos pelo artigo 189.° da OTM. Consequentemente, no caso concreto não se mostra afastado o requisito de impossibilidade de cobrança dos alimentos pelos meios previstos pelo artigo 189.° da OTM. E, por essa razão, o M.mo Juiz não devia ter ordenado a cessação das prestações a cargo do Fundo. Ainda que, porventura – e não é o caso –, houvesse lugar à cessação das prestações a cargo do Fundo, não devia ter sido ordenada a cessação imediata, como bem nota o Ministério Público. É que, como expressamente consta do artigo 1º da citada Lei nº 75/98, (…) «o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação». O que vale por dizer que, a cessação das prestações a cargo do Fundo só poderia ocorrer a partir do efectivo cumprimento da obrigação pelo progenitor devedor.
Em conclusão e síntese final: - Estando o dito Fundo a prestar alimentos a favor do menor residente em Portugal em substituição do progenitor obrigado a prestá-los, não deve o juiz ordenar a cessação da prestação de alimentos pelo dito Fundo quando se apure que tal progenitor trabalha em país estrangeiro auferindo determinado salário. - Ainda que houvesse lugar à cessação das prestações a cargo do Fundo, tal cessação só poderia ocorrer a partir do efectivo cumprimento da obrigação pelo progenitor devedor.
III- Decisão: Pelo exposto, acordam em julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida, pelo que se mantém a obrigação de pagamento através do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores. Sem custas pelo recurso. Coimbra, 2012-10-09
Virgílio Mateus ( Relator ) Carvalho Martins Carlos Moreira
[1] Segundo o Acórdão do S.T.J. de 07/04/2011 (relator: Lopes do Rego), publicado in www.dgsi.pt, este artigo 189º prevê um "procedimento pré-executivo" e tem por finalidade específica a cobrança coerciva de alimentos devidos a menores, processando-se, por razões de celeridade e simplicidade processual, incidentalmente no próprio processo em que foi proferida decisão a fixar os alimentos e em que foi proferida decisão a condenar o devedor ao seu pagamento.
1. Estando Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menor ( FGADM ) a prestar alimentos a favor do menor residente em Portugal, em substituição do progenitor obrigado a prestá-los, não deve o juiz ordenar a cessação da prestação de alimentos pelo dito Fundo quando se apure que tal progenitor trabalha em país estrangeiro auferindo determinado salário. 2. Ainda que houvesse lugar à cessação das prestações a cargo do Fundo, tal cessação só poderia ocorrer a partir do efectivo cumprimento da obrigação pelo progenitor devedor.
|