Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2184/09.3TALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: DOCUMENTAÇÃO DAS DECLARAÇÕES ORAIS NA AUDIÊNCIA
DEFICIÊNCIA
CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO
Data do Acordão: 11/09/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - 3º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 363º, 105º, N.º 1, 120º, N.º 1 E 121º, DO C. PROC. PENAL E 291º, DO C. PENAL
Sumário: I - A omissão ou deficiência da documentação das declarações orais na audiência (gravação) constitui nulidade sanável, face à actual redacção do artigo 363º, do C. Proc. Penal, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29/08, nulidade esta sujeita ao regime de arguição e de sanação dos art.ºs 105º, n.º 1, 120º, n.º 1 e 121º, do C. Proc. Penal.
Tal nulidade deve ser invocada, em 10 dias, perante o tribunal de 1ª instância, a contar do dia em que se entregaram as cópias das gravações à parte requerente;
Pode ainda ser arguida em sede de recurso, se os 10 dias em causa ainda se contiverem dentro do prazo normal de recurso, contado a partir dos momentos temporais do artigo 411º, n.º 1, do C. Proc. Penal.
E pode a Relação conhecer de tal nulidade, não a devendo remeter à 1ª instância para conhecimento da mesma.
II - O art.º 291º, do C. Penal, que prevê e pune o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, no n.º 1, prevê dolo de acção e dolo de perigo, admitindo-se aqui - e nos dois segmentos - qualquer uma das modalidades de dolo (directo, necessário e eventual) - ou seja, a acção do agente e a criação de perigo são intencionais.
No n.º 3, prevê dolo de acção e negligência - consciente ou inconsciente - quanto ao evento do perigo (ou seja, o dolo do agente não compreende o perigo concreto criado, afirmando-se, quanto a este, negligência do condutor) - neste n.º 3, o agente sabe e tem plena consciência da sua desenfreada condução, mas não representa (negligência inconsciente) ou representa e afasta a possibilidade (negligência consciente) da criação de um perigo para os bens jurídicos em apreço.
E, no n.º 4, prevê a actuação do agente com negligência de acção e de criação de perigo.
Decisão Texto Integral: 1. No processo comum singular n.º 2184/09.3TALRA do 3º Juízo Criminal de Leiria, o arguido A...[1], devidamente identificado nos autos, por sentença datada de 4 de Fevereiro de 2011, conheceu o seguinte veredicto:
· Foi condenado pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo artigo 291º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de € 10 e na «sanção acessória de inibição de conduzir» pelo período de 5 meses.

            2. Inconformado, o arguido recorreu da sentença.
Finalizou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«1. O Tribunal a quo decidiu julgar a acusação procedente por provada e, consequentemente condenar o arguido A... pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. p. pelo artigo 291°, n.° 1 b) do C. Penal, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 10€, no valor total de 1.500,00€ e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 5 meses.
2. Pretende o arguido interpor o presente recurso nos termos dos artigos 411º, n.º 4, e 410° n.s° 1 e 2, alíneas a) e c) do CPP (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova).
3. Ao arguido foi entrega CD a 14/2/2011 (referência 5904390)
referente à gravação das audiências de julgamento dos dias 4/1/2011 e
24/1/2001.

4. Acontece que, os depoimentos das testemunhas, arguidos e demais sujeitos processuais não se conseguem ouvir cabalmente (pelo menos no Cd entregue ao arguido).
5. Ora, tal impossibilita que o ora arguido possa aceder à audição de tais declarações e depoimentos, a fim de elaborar recurso nos termos do artigo 412° n.°s 1, 2 e 3 do CPP, e, consequentemente, impossibilita o tribunal de recurso de proceder à audição nos termos do n.° 4 do mesmo artigo.
6. Tais declarações e depoimentos incidem em aspectos que são decisivos para a reapreciação das provas que se pretende levar a cabo, impedindo o arguido de poder recorrer invocando a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova.
7. A inaudibilidade de um ou mais depoimentos terá sempre de ser constatado pela 2ª instância e se a inaudibilidade for influente no exame da causa, ela é impeditiva da real concretização do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto.
8. Se a Relação não tiver procedido à audição dos depoimentos gravados, violando os normativos legais previstos no CPC e CPP, há lugar à anulação da sentença recorrida e ao reenvio do processo ao tribunal para novo julgamento — no mesmo sentido o Ac. do STJ de 16/12/2010, processo n.° l70/06.4TCGMR.Gl, 6 secção (cifra www.dgsi.pt).
9. Assim, deve-se proceder à anulação da douta sentença recorrida, devendo-se repetir o julgamento, seguindo-se os demais termos da lei até final.
10. Ainda assim, o arguido do que se recorda e caso se consiga ouvir cabalmente as declarações e depoimentos de todos os intervenientes processuais quanto às audiências que ocorreram a 4/1/2011 e 24/1/20011, sempre se dirá, por mera cautela e sem conceder, que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo decidiu mal, pois não está preenchido nem o seu elemento objectivo nem o seu elemento subjectivo do tipo legal de crime.
11. Foi dado como provado erradamente os factos constantes nos pontos
7, 8, 9, 10, 11, 12, 15 e 16 dos factos provados.

12. Face a alguns factos provados e tomando em consideração aquilo que o tribunal a quo refere quanto à testemunha C..., ou seja, face ao facto de considerar o seu testemunho como perfeitamente isento e credível, parece, salvo o devido respeito, que este tribunal não considerou outros factos que deveriam constar como provados e não o foram, bem como considerou factos dados como provados que não foram descritos da forma como o tribunal a quo o faz nos seus factos provados.
13. Já que do depoimento da testemunha C..., e daquilo que o arguido se lembra quanto ao seu depoimento realizado a 24/1/2011 (acta de audiência de 24/1/2011, referência 5843606, deveriam constar nos factos provados outros para além daqueles que lá constam relevantes para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
14. O único objectivo e propósito do arguido A... ao direccionar a sua viatura para a esquerda momentaneamente, com o pisca pisca desse lado ligado, foi para que o arguido não efectuasse uma ultrapassagem perigosa como acabou por o fazer — cifra suas declarações na audiência de julgamento realizada a 4/1/2001 (acta de audiência de julgamento com a referência 57889397).
15. Justificação essa que, segundo as regras da experiência (“bom pai de família”) faz todo o sentido, dado o clima de desentendimento que os mesmos vivem no seu dia a dia e face às ameaças de que o arguido A... tem vindo a ser alvo (bem como a sua família) por parte do arguido B..., sendo certo que algumas já culminaram em condenações penais — cifra registo criminal junto aos autos do arguido B....
16. Face até à “espera feita” pelo arguido B... ao ora arguido logo de madrugada e minutos antes — cifra depoimentos de D... e F... na audiência de julgamento realizada a 4/1/2001 (acta de audiência de julgamento com a referência 57889397).
17. O arguido B... ao efectuar a manobra de ultrapassagem, fá-lo na berma, fora da estrada, violando o disposto nos artigos 17° e 38° do
C. Estrada.

18. Ao apitar, viola também o disposto no artigo 22° do C. Estrada, pois a prática dos factos ocorreu numa localidade.
19. O arguido inicia a manobra de ultrapassagem quando se aproximava de um troço da estrada constituído por uma curva e contracurva, cifra ponto 5 dos factos provados (onde é do senso comum que são locais de visibilidade reduzida), violando claramente o disposto no artigo 41 do C. da Estrada.
20. Se a largura da faixa de rodagem fosse suficiente, o arguido B... não necessitava de realizar a manobra pela berma composta por terra e pedras.
21. E porque assim é, não se pode dar como provado o ponto 8 dos factos provados, pois o arguido A... não invadiu qualquer faixa de rodagem ao arguido B..., como é óbvio.
22. Com tamanhas e claras violações das regras estradais do arguido B..., que consubstanciariam, essas sim, de crime de condução perigosa de veículo rodoviário, o tribunal a quo, decidiu, mal diga-se, sempre salvo o devido respeito, condenar o arguido A....
23. Bem como decidiu mal, diga—se, sempre salvo o devido respeito, o Ministério Público não ter acusado o arguido B... de tal crime, ele sim e não o ora arguido.
24. Pois, só a atitude dele ao imobilizar a moto 4 em frente ao carro do arguido A... é motivo de preenchimento deste tipo legal de crime (aquele que o arguido A... acabou por ser condenado pelo tribunal a quo) — cifra Ac. TRP de 26/2/2003, cifra Colectânea de Jurisprudência, tomo 1, página 221.
25. Acresce que aquando da inquirição do militar da GNR  . (na audiência de julgamento realizada a 4/1/2001 — acta de audiência de julgamento com a referência 57889397), o mesmo esclareceu que quando foi ao local não foi participado qualquer acidente de viação.
26. Ora, se não foi participado é porque, de facto nenhum acidente e/ou indícios de acidente ocorreram no dia 14/9/20098 pelas 7h50m.
27. Por muitas voltas que se dê, estes factos deveriam ter sido valorados pelo Tribunal a quo, o que não fez e não se compreende.
28. Não podem, face à prova produzida, constarem nos factos provados
os pontos 7, 8, 9, 10, 11, 12, 15 e 16, mas os seguintes, que alteram
o conteúdo destes pontos:

· que o arguido A... (ora arguido) tinha o pisca pisca para a esquerda
ligado quando o arguido B... iniciou a manobra de ultrapassagem;

· que o arguido B... efectuou a manobra de ultrapassagem na parte
de terra e pedras existente no lado esquerdo da estrada (portanto na
berma, ou seja, fora da faixa de rodagem) e encostado ao passeio que
ali existe, tomando em consideração o sentido da marcha dos arguidos;

· que o arguido A... não invadiu a faixa de rodagem do arguido B..., por este ter utilizado a berma composta de terra e pedras que ali existia;
· que o tal movimento para a esquerda da viatura conduzida pelo
arguido A... foi efectuada no início da manobra de ultrapassagem do
arguido B...;

· que o arguido B... ainda assim conseguiu manter e concluir a
manobra de ultrapassagem e de imediato imobilizou a moto 4 à frente do veículo do arguido A... que teve que parar;

· que a moto 4 não teve quaisquer danos em virtude de tais actos;
· que a testemunha C...conhecia o filho do arguido B... e são
amigos.

29. Se o depoimento da testemunha C...foi assim tão relevante para
o tribunal a quo, então deveria considerar também tais factos como
provados, o que não o fez, sempre salvo o devido respeito.

30. Aliás, tal depoimento vai no sentido das declarações do arguido
A..., não sendo nem contraditórios nem distantes, ao contrário das
declarações do arguido B....

31. Assim, salvo o devido respeito, a douta decisão em crise viola claramente os normativos legais acima referidos, contradizendo todas as regras da experiência comum.
32. Para além de faltarem factos que deveriam ter sido dados como provados, o tribunal a quo, deu como provados factos para os quais não existe suporte testemunhal e/ou documental, sempre salvo o devido respeito.
33. Razão pela qual se propugna pela falta do preenchimento do elemento objectivo e subjectivo do tipo legal de crime, que não ficou demonstrada nos depoimentos das testemunhas e nas declarações dos arguidos.
34. Violação grosseira das regras estradais foi a atitude do arguido B... e não a do arguido A..., conforma acima se explanou, criando um perigo concreto com a circulação na berma e manobra de ultrapassagem por essa mesma berma, portanto fora da faixa de rodagem (facto que o tribunal a quo não considerou erradamente).
35. Bem como imobilizou a moto 4 no meio da faixa de rodagem,
obrigando o arguido A... e a testemunha C...a parar (facto que o
tribunal a quo não considerou também erradamente).

36. Quem colocou alguém em perigo (o ora arguido e os demais utentes)
foi o arguido B... ao circular e ultrapassar na berma e imobilizar
a sua moto 4 da forma acima descrita, tudo confirmado pela testemunha
C...que foi, na óptima do tribunal a quo, séria.

37. O arguido A... justificou a sua conduta perante o tribunal, pois receava aquilo que o arguido B... pudesse fazer, o que, erradamente, não foi valorado pelo tribunal a quo.
38. No mesmo sentido, cifra Ac. TRP de 6/10/2010, cifra Colectânea de Jurisprudência, tomo IV, página 216.
39. É aqui que, salvo o devido respeito, erradamente a douta decisão violou o normativo legal, pois não ficou demonstrado que o arguido A... representou e previu como possível que tal manobra poderia causar qualquer lesão.
40. Aliás, ele efectuou aquela manobra para tentar evitar a circulação pela berma e ultrapassagem nesse mesmo local proibidas por lei que o arguido B... efectuou, pois era notório que tal ultrapassagem e circulação eram perigosas face às características do local.
41. Erro grosseiro nunca poderá ser imputado ao arguido A..., antes ao arguido B..., que se colocou voluntariamente naquela situação de perigosidade ao circular na berma (fora da estrada) e efectuar uma manobra de ultrapassagem por esse mesmo local.
42. Conforme refere Maia Gonçalves, em anotação a tal preceito (artigo
291º
do C. Penal, cifra Ac. TRP de 26/2/2003, cifra Colectânea de Jurisprudência, tomo 1, página 220: “(...) para a qualificação de violação como grosseira, deverá sempre atender—se às circunstâncias concretas da circulação rodoviária com o perigo previsível. (...) Trata- se de uma desatenção pelas normas mais elementares de cuidado exigíveis no tráfego automobilismo, um comportamento temerário, correspondendo-lhe um dolo de perigo - de uma condução perigosa.”
43. Ora, no caso dos autos, o arguido B... criou uma condução perigosa da forma acima descrita, condução que o arguido A... tentou evitar com a tal direcção para a esquerda com a sua viatura e com o sinal de pisca pisca desse lado ligado.
44. Salvo o devido respeito, no caso concreto e face à prova produzida e circunstâncias do local (face às circunstâncias concretas da circulação dos autos), não são suficiente, por mais voltas que se dê, para a condenação do arguido.
45. A execução das manobras do arguido B... de circulação e ultrapassagem em berma (fora da estrada e faixa de rodagem), anteriores à manobra do arguido A..., é que se traduzem numa execução de manobras que violam de forma grosseira as regras de circulação, bem como a imobilização da moto 4 em frente à viatura conduzida pelo ora arguido.
46. No mesmo sentido Ac. TRG de 5/5/2003, cifra Colectânea de Jurisprudência, tomo III, página 297.
47. Face à prova produzida e face às manobras prévias e perigosas do arguido B..., nunca se poderá criar um qualquer juízo crítico para com o arguido A..., ou sejam, não se lhe pode imputar uma qualquer situação critica.
48. Razão pela qual se propugna pela absolvição do ora arguido, sempre salvo o devido respeito.
49. Em sentido similar os doutos Ac. do TRL de 1/4/2004, cifra Colectânea de Jurisprudência, tomo II, página 140, e Ac. do TRE de 20/12/2005, cifra Colectânea de Jurisprudência, tomo V, página 280.
50. Nunca ao ora arguido poderá se imputada qualquer violação grosseira das regras de circulação, razão pela qual se entende que o elemento objectivo do tipo legal de crime não se mostra preenchido.
51. Tal não se mostra preenchido o elementos subjectivo do tipo legal de crime.
52. Já que, o perigo concreto tem que ser percebidos em termos predominantemente fácticos, segundo as circunstâncias particulares do caso.
53. É necessário que da análise das circunstâncias do caso concreto, se deduza a ocorrência desse mesmo perigo concreto — cifra Conimbricense, tomo II, página 1087 (no mesmo sentido Ac. TRG, processo 2248/OBTABRG.G1, de 18/10/2010, cifra www.dgsi.pt).
54. Em sentido similar o Ac. TRL, processo n.° 5794/2006—5, de
31/10/2006 (cifra www.dgsi.pt)
“(...) A situação descrita nos autos demonstra uma manobra que constitui violação das regras de circulação rodoviária mas não é qualquer violação dessas regras, mesmo que grosseira, que permite concluir pelo preenchimento do crime de condução perigosa. Para que se preencha o tipo legal de crime e se verifique o perigo concreto nele enunciado, deve a condução em concreto reflectir um elemento qualitativo adicional relativamente à mera violação de uma regra da estrada e a matéria de facto em apreço não fornece tal elemento” (sublinhado nosso).
55. É exactamente neste sentido que se alega o presente recurso, pois jamais se poderá concluir com o preenchimento do tipo legal de crime face à prova produzida, local da ocorrência dos factos e documentação junta.
56. Verifica-se, pois, vício de insuficiência de matéria de facto para
a decisão, por tal factualidade ser determinante para apurar o elemento subjectivo, bem como o objectivo, do tipo de crime que lhe era imputado.

57. Devendo, por isso, o ora arguido ser absolvido.
58. Existe, pois, um vício da sentença quanto à sua fundamentação, pois foi o que aconteceu na sentença recorrida.
59. Existe insuficiência da matéria de facto já que, por um lado não foram dados factos como provados e que o deveriam ter sido e, por outro lado, foram dados como provados factos que não o deveriam.
60. Acresce que, face às regras de experiência e vivência comum, nunca
o tribunal a quo deveria ter concluído pela condenação do ora arguido,
sempre salvo o devido respeito.

61. Consubstancia um erro notório na apreciação da prova por parte do Tribunal a quo.
62. Contudo, sempre se dirá que, pelo menos e com base no princípio in dubio pro reo pois dúvidas existem sobre a verificação dos factos (pelo menos, repita-se), deve o arguido ser absolvido considerando as declarações do ora arguido, militar da GNR e testemunha C..., que se complementam face às regras da experiência comum, bem como a prova documental constantes nos autos (fotos).
63. Também violou, por isso, a douta sentença, salvo o devido
respeito, tal princípio ao não o ter aplicado ao caso dos autos, face
à prova produzida (face à verdade material).

64. É esta a verdade (a material) que o tribunal está vinculado a decidir, o que não fez, sempre salvo o devido respeito.
65. O Tribunal recorrido na dúvida em relação a qualquer facto, deveria sempre ter decidido a favor do arguido e não contra ele.
66. A dúvida sob análise é razoável, positiva e racional — no mesmo sentido o douto Ao. do TRE, processo n.° 2497/07—1, de 6/3/2007 (cifra www.dgsi.pt).
67. Assim e face ao exposto, nunca o arguido poderia ter sido condenado como foi, devendo ser absolvido do crime que vem acusado, bem como da sanção acessória de inibição de conduzir, revogando—se a sentença recorrida, sempre salvo o devido respeito.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgada procedente por ter provimento, conforme se propugna nas conclusões, absolvendo-se o arguido da prática do crime que vem acusado e, consequentemente, da sanção acessória de inibição de conduzir, tudo com as devidas consequências legais, sendo que assim se fará a costumada JUSTIÇA».

            3. A Magistrada do Ministério Público RESPONDEU ao recurso, concluindo:
            «1. Embora o arguido refira que não é possível proceder à audição dos depoimentos dos intervenientes processuais, não interpõe recurso da matéria de facto, nem arguiu a impossibilidade de o fazer.
2. Estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.° 2 do referido artigo 410.°, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.
3. Não há fundamento válido para discordar do juízo valorativo que resulta da decisão recorrida ao fundamentar a convicção do Tribunal, que fundamentou a sua convicção de forma a que se adere, na íntegra, tendo retirado a única consequência lógica que a prova impunha: a condenação do arguido».

            4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto deu o seu parecer, defendendo a improcedência do recurso.

            5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.ºs 1e 2 do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que se seguiu a legal conferência.

            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
             Assim, balizados pelos termos das conclusões[2] formuladas em sede de recurso, as questões a decidir consistem em conhecer:
· da nulidade da produção de prova e da prova gravada, produzida em audiência (face à imperceptibilidade das declarações do arguido e dos depoimentos das testemunhas), com a consequente necessidade de repetição do julgamento;
· da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto (factos 7 a 12, 15  e 16), considerando o recorrente ter sido efectuada errada apreciação da prova produzida em julgamento e, pugnando pela sua absolvição, invoca a violação do princípio in dubio pro reo;
· da verificação dos vícios de erro notório na apreciação da prova e de insuficiência de matéria de facto para a decisão;
· da falta de preenchimento dos elementos objectivo e subjectivo do tipo legal de crime do artigo 291º do CP.

            2. DA SENTENÇA RECORRIDA
2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição):
1. No dia 14 de Setembro de 2009, cerca das 07H50, o arguido A... circulava conduzindo a viatura marca Renault Scénic, ligeiro de passageiros, matrícula …, seguindo desde a Rua do Paraíso até à Rua das Acácias e depois na Rua Principal, tudo na zona de Porto Longo, Monte Redondo, Leiria.
2. Durante este trajecto, o arguido B... circulava atrás do veículo mencionado em 1), a conduzir uma moto de quatro rodas.
3. Por razões não apuradas, os arguidos estão desentendidos entre si.
4. Ao circularem daquele modo na Rua Principal, Monte Redondo, Leiria, os arguidos circulavam a um ritmo muito lento, seguindo na frente o arguido A... ..
5. Ao se aproximarem de um troço da estrada constituído por uma curva e contracurva, o arguido B..., iniciou uma ultrapassagem à viatura daquele.
6. Antes de iniciar esta manobra, o arguido B... deu uma buzinadela de aviso.
7. No momento em que o arguido B... se encontrava a ultrapassar o veículo conduzido pelo arguido A..., este, de forma repentina, inesperada e incauta, direccionou-se para a sua esquerda.
8. Invadiu a faixa de rodagem mais à sua esquerda, inviabilizando a manutenção e conclusão da manobra de ultrapassagem.
9. Em virtude de tal manobra, B... . viu-se obrigado a travar repentinamente e a deslocar-se para a sua esquerda, assim evitando a colisão com o veículo do arguido.
10. Caso não reduzisse a velocidade, obliquasse para a sua esquerda, e se encostasse ao lado esquerdo, B... . teria sido atingido pela parte lateral da viatura do arguido.
11. Os arguidos, após os factos, não imobilizaram as suas viaturas.
12. O arguido B... . seguiu no encalço do arguido A... ., ultrapassando-o e imobilizando a sua moto à frente daquele veículo.
13. Aí, dirigiu-se ao veículo do arguido A... . e desferiu um pontapé na porta lateral frente esquerda amolgando a chapa e danificando a pintura.
14. Os danos na porta do veículo ascendem a € 303,99.
15. Atenta a significativa velocidade a que seguia B... . em plena manobra de ultrapassagem e considerando o imprevisto da manobra do arguido A... ., este criou a possibilidade de ocorrer um acidente com possíveis consequências físicas para a pessoa daquele ao, de forma incauta, invadir a faixa de ultrapassagem onde seguia a viatura de B... ..
16. Ao arguido A... . era possível e exigível a adopção de outro tipo de condução, assim se abstendo de criar a situação de perigo acima descrita.
17. O arguido B... . quis agir como agiu, com intenção de danificar a porta lateral frente esquerda do veículo, como conseguiu, e que sabia pertencer a A... . e que actuava contra a sua vontade.
18. Agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo ser o seu comportamento proibido por lei penal.
19. O arguido A... não tem quaisquer antecedentes criminais.
20. O arguido B... da . foi condenado pela prática de um crime de dano, injúria e de ameaça, na pena única de 200 dias de multa à taxa diária de € 10, por factos praticados no ano de 2009.
21. O arguido B... . trabalhou até Dezembro de 2000 como gerente de uma companhia inglesa, reside com a sua esposa e uma filha maior de idade em casa própria, tem um jeep isuzu, matriculado no ano de 93 e uma autocaravana de 2008, vivendo das poupanças que acumulou na sua vida activa.
22. O arguido A... é empresário na área da construção civil, sendo gerente de uma empresa nesta área, a esposa trabalha na mesma empresa, auferindo cerca de € 800 e o arguido € 1 900.
23. O arguido A... reside com a sua esposa e dois filhos, um estudante e o outro a trabalhar com os pais, em casa própria, pagando de empréstimo à habitação o montante de €1000 mensais.
24. A empresa onde o arguido, esposa e filho do casal trabalham é titulada por duas quotas dos filhos de ambos».

            2.2. Foi a seguinte a factualidade dada como NÂO PROVADA (transcrição):
«Não se mostraram provados quaisquer outros factos com interesse para a causa, designadamente que:
- os danos provocados pelo arguido B... . na viatura do arguido A... tenham feito com que este tenha estado nervoso, ansioso e angustiado, não tendo conseguido dormir a pensar no que aconteceu durante alguns dias».

            2.3. Motivou, assim, a sua decisão de facto o tribunal «a quo»: (transcrição):
«Quanto ao circunstancialismo e forma de ocorrência dos factos dados como provados, a convicção do Tribunal fundou-se na ponderação e análise crítica da prova produzida em audiência, sendo de primacial relevância o testemunho de C..., a qual presenciou todas as manobras efectuadas, bem como o pontapé desferido pelo arguido B... . na porta do veículo conduzido pelo arguido A....
Esta testemunha, com razão de ciência devidamente controlada, teve uma percepção global dos factos, já que circulava imediatamente atrás dos dois veículos, tendo-se apercebido da totalidade dos factos descritos na acusação, relatando-os ao Tribunal de uma forma segura, serena, desapaixonada e com claro conhecimento de causa, tendo o Tribunal reputado o seu testemunho como perfeitamente isento e credível, tanto mais que não conhecia, à data dos factos, nenhum dos arguidos, nada tendo contra ou a favor de qualquer deles.
Cada um dos arguido se limitou a descrever com credibilidade os factos de que foram vítimas, tendo negado a prática dos factos de que vinham acusados, não tendo no entanto a versão dos mesmos sido minimamente convincente, valorando-se o depoimento da testemunha mencionada, nos termos assinalados, a qual corrobora a versão de cada um dos arguidos, na parte em que estes se apresentam como vítimas e não como agressores.
Foi ainda valorado o do militar da GNR, chamado ao local e que lavrou o auto de ocorrência de fls. 2, tendo tido a percepção da existência de danos na porta do condutor do veículo com a matrícula …, estando ambos os arguidos no local, bem como os veículos por ambos conduzidos.
Relativamente aos danos verificados no Renault Scenic teve-se em consideração os fotogramas de fls. 19 e orçamento de fls. 20, bem como o testemunho de Z..., o qual corroborou a informação por si elaborada e que verteu no documento apresentado nos autos a fls. 20.
No que concerne ao traçado da via, características dos veículos e local das manobras realizadas teve-se em consideração os fotogramas juntos aos autos, donde resulta inequivocamente que apesar da estrada ser relativamente estreita, usando dos devidos cuidados, permite que se efectue uma manobra de ultrapassagem, confira-se por exemplo, o fotograma de fls. 202.
No que concerne aos factos relativos à situação socio-económica dos arguidos, o Tribunal atendeu às declarações prestadas pelos próprios, que o Tribunal reputou de fidedignas e quanto à consideração social que merece no meio social em que se insere foi valorado o testemunho de José Manuel Marques Sorra, amigo do arguido, conhecedor da sua reputação e forma de estar há já vários anos.
Por fim, no que concerne aos antecedentes criminais do arguido, baseou-se o Tribunal no C.R.C. junto aos autos, a fls. 52.
*
         Relativamente à factualidade dada como não provada, tal ficou a dever-se à total ausência de prova de que os danos provocados na porta da viatura tenham tido a repercussão emocional na vida do demandante A... alegada a fls. 82, já que da prova produzida nada se infere a esse respeito, mais não restando ao Tribunal do que desconsiderá-los».

 
3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1. Vejamos os argumentos do recurso.
O recorrente RECORRE de FACTO e de DIREITO.

3.2. Começa por invocar uma deficiente gravação da audiência, o que o impediu de  ouvir decentemente as declarações aí proferidas e de recorrer nos exactos termos do artigo 412º/1 a 3 do CPP (e daí apenas poder invocar os vícios oficiosos do artigo 410º/2 do CPP).
Procedemos à audição do CD.
Ouvimos tudo claramente.
Absolutamente perceptível o depoimento do arguido A... e das testemunhas D… e C..., as visadas no seu recurso.
É certo que por vezes é difícil perceber – com esforço ouve-se - as questões colocadas pelo Exmº Juiz « a quo», mas as respostas do arguido e das testemunhas são claras e límpidas, sem interferência alguma.
Como tal, só há que fazer improceder esta arguição de nulidade (conclusões 1ª a 9ª).[3]
3.3. IMPUGNAÇÃO DE FACTO
3.3.1. Invoca o arguido os vícios do artigo 410º/2 do CPP e, indirectamente – por referência à sua memória - , um erro de julgamento consubstanciado na errada prova dos factos 7, 8, 9, 10, 11, 12, 15 e 16.

3.3.2. É sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto sob dois prismas:
· o da impugnação alargada, se tiver sido suscitada;
· e dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do C.P.Penal.
Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a). b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP.
Em matéria de vícios previstos no art. 410.º n.º 2 do CPP, cumprirá dizer que, apesar de tudo o que tem sido dito e redito pacificamente na jurisprudência e na doutrina, continua a ignorar-se o melhor desses ensinamentos e a trazer aos recursos sempre o mesmo tipo de argumentação quanto à tipificação desses vícios.
Confunde-se sistematicamente o da al. a) (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada) com problemas de insuficiência de prova; confunde-se o da al. b) - (contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão) - com o da errada convicção do tribunal ou com a insuficiente convicção ou mesmo com a insuficiente fundamentação; e o da al. c) - (erro notório da apreciação da prova) - com o problema da livre convicção do tribunal na apreciação das provas a tal sujeitas ou com o da errada ou insuficiente apreciação do valor delas.
E, para cúmulo dos cúmulos, só raramente se não faz tábua rasa da invocação de vícios fora do quadro resultante do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência.
Analisemos o normativo.
Estabelece o art. 410.º, n.º 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
· A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
· A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
· Erro notório na apreciação da prova.
            Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
No fundo, por aqui não se pode recorrer à prova documentada.
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cf. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo n.º 1509/97).
Ora, analisando a letra da sentença recorrida, em lado algum vislumbramos os vícios invocados (erro notório na apreciação da prova e insuficiência da matéria de facto), querendo, tão-somente, o recorrente alertar para um erro de julgamento, ou seja, uma convicção mal criada pelo tribunal « a quo».

3.3.3. Mas esse já é outro tipo de vício.
O erro de julgamento – ínsito no artigo 412º/3 do CPP e no fundo o realmente invocado pelo recorrente - ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do CPP.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Como bem acentua Jorge Gonçalves nos seus acórdãos desta Relação, «o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, cfr. os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt)».
E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, já aqui aludida, prevista no artigo 412.º, n.º 3, do CPP.
A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Conforme jurisprudência constante, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, antes constituindo um remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados[4].
            A delimitação dos pontos de facto constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso relativo à matéria de facto. Ao tribunal de recurso incumbe confrontar o juízo sobre os factos que foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifique nas conclusões da motivação.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt).
Nos termos do artº 428º do CPP, as relações conhecem de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do artº 412º, nº 3 do mesmo diploma – tal não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, mas apenas um remédio jurídico votado a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelo recorrente.
Já o deixámos escrito - o recurso, no que tange ao conhecimento da questão de facto, não é um segundo julgamento, em que a Relação, agora com base na audição de gravações, e anteriormente com base na leitura de transcrições, reaprecie a totalidade da prova.
E se é certo que perante um recurso sobre a matéria de facto, a Relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, não é menos verdade que deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso como remédio e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo.
           
3.3.4. O artigo 127.º do C.P.P. consagra o princípio da livre apreciação da prova, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais.
Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Os poderes do tribunal na procura da verdade material estão limitados pelo objecto do processo definido na acusação ou na pronúncia, guiado pelo princípio das garantias de defesa do artigo 32º da CRP.
Sobre o tribunal recai o dever de ordenar a produção da prova necessária à descoberta da verdade material, tanto relativamente aos factos narrados na acusação ou na pronúncia, como aos alegados pela defesa na contestação e aos que surgirem no decurso da audiência de julgamento em benefício do arguido.
Quanto à fundamentação da PROVA, há que atentar em certos princípios:
os dos artigos 124º, 125º e 126º do CPP (princípio geral da legalidade das provas);
A convicção sobre a realidade de certo facto existirá quando, e só quando, o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável;
Não se procura uma verdade ontológica e absoluta mas apenas a verdade judicial e prática – não pode ser uma verdade obtida a qualquer preço mas apenas a que assenta em meios de prova que sejam legais;
A livre apreciação da prova (ou do livre convencimento motivado) não se pode confundir com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação arbitrária da prova, impondo-lhes a lei que extraia delas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso;
Não satisfaz a exigência de fundamentação da decisão sobre Matéria de Facto a mera referência genérica aos meios de prova produzidos, importando fazer a indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos que dos meios de prova relevaram ou que obtiveram credibilidade no espírito do julgador – não basta indicar o concreto meio de prova gerador do convencimento, urgindo expressar a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, o julgador adquiriu, de forma não temerária, a convicção sobre a realidade de um determinado facto.
A liberdade das provas não é, pois, absoluta, estando condicionada pela prudente convicção do julgador e temperada pelas regras da lógica e da experiência
            Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
            A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância certos meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe.
É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc.
As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
            Assim, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade, que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum (cf. Acórdão da Relação do Porto, de 21 de Abril de 2004, Processo: 0314013, www.dgsi.pt).
            Quer isto dizer que a ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º] – neste sentido, o Ac. da Relação de Lisboa, de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
A operação intelectual em que se traduz a formação da convicção não é, assim, uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente – aqui relevando, de forma muito especial, os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” (cf. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss. e Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Ed., 1974, Reimpressão, 205).

3.3.5. Vejamos, então, se houve ou não erro de julgamento nestes autos.
Ouvimos TODO o julgamento e a resposta só pode ser negativa.
O arguido dá a sua versão, dizendo que a estrada tem 4 m de largura e o seu veículo 2,10m, negando ter dado um «guinão para a esquerda» perante a ultrapassagem do B..., esclarecendo que a moto 4 deste, ao ultrapassar foi para a berma.
Decisivo foi mesmo o depoimento de C..., testemunha insuspeita e que depôs de forma segura e inequívoca (não obstante a tentativa de a desacreditar, alegando que tinha primeiro sido convidada para testemunhar do arguido – note-se que ela não «é» testemunha de nenhum dos intervenientes mas arrolada pela acusação, sendo, portanto, testemunha «do» ocorrido).
E o que disse ela?
Naquele dia, seguia atrás dos dois veículos em acusa (1º seguia a Scenic do arguido A... e depois a moto 4 do B...), tendo saído de casa entre as 7h30 e as 8h.
Chegada à zona de Porto Longo, junto de um cruzamento, viu parados os dois veículos.
Viu-os reiniciar a marcha um atrás do outro.
Num determinado local, próximo de uma curva e de contra-curva, ouviu o B... buzinar, accionar o pisca-pisca para a esquerda e iniciar a ultrapassagem ao veículo do arguido.
Foi então que viu o arguido A... guinar o seu veículo para a esquerda, fazendo também um pisca-pisca à esquerda, quando os dois veículos seguiam já a par.
A moto, por isso, foi obrigada a ir à berma - ou mais à berma, sendo tal absolutamente indiferente para a perfectibilização desta manobra perigosa - , tendo andado o seu condutor algo desorientado a fim de evitar um acidente.
Desde já se diga que nunca esteve em causa nos autos a existência de um acidente de viação (por isso não vale dizer que o guarda da GNR foi ao local chamado por uma ocorrência hostil entre duas pessoas e não para tomar conta da ocorrência de um acidente de viação – a questão é que não chegou a existir um despiste e um acidente, não obstante a manobra impetuosa do arguido A... que, mesmo que não se tenha consumado o acidente, pode ter infringido grosseiramente uma norma estradal).
O depoimento sério e convincente desta testemunha C...é demolidor para defesa – e não temos razões para duvidar da sua autenticidade e veracidade.
Como tal, só há que validar o acervo de factos provados, não se vislumbrando que tenha existido uma análise da prova em clara violação das regras da experiência e do normal acontecer, tendo sido apenas guiada pela livre convicção do julgador que, em boa hora, acreditou no depoimento da testemunha C....

3.3.6. Nem sequer se pode invocar o princípio do «in dubio pro reo», tido por violado pelo arguido na sentença recorrida.
No fundo, o que o recorrente A... pretende, nos termos em que formula a sua impugnação, é ver a convicção formada pelo tribunal substituída pela convicção que ele próprio entende que deveria ter sido a retirada da prova produzida.
O recorrente limita-se a divulgar a sua interpretação e valoração pessoal das declarações e depoimentos prestados e da credibilidade que devem merecer uns e outros, exercício que no entanto é irrelevante para a sindicância da forma como o tribunal recorrido valorou a prova.
Não se evidencia qualquer violação das regras da experiência comum, sendo certo que fora dos casos de renovação da prova em 2ª instância, nos termos previstos no art. 430º do CPP - o que, manifestamente, não é o caso - o recurso relativo à matéria de facto visa apenas apreciar e, porventura, suprir, eventuais vícios da sua apreciação em primeira instância, não se procurando encontrar uma nova convicção, mas apenas e tão-só verificar se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do tribunal de recurso.
Decidiu-se, no douto Acórdão da Relação de Coimbra de 9/9/2009 (Pº 564/07.8PAVCD.P1) o seguinte:
«Acresce que vigorando no âmbito do processo penal o princípio da livre apreciação da prova, com expressa previsão no art. 127º, a impor, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação, tanto mais que sendo a apreciação da prova em primeira instância enriquecida pela oralidade e pela imediação, o tribunal de 1ª instância está obviamente mais bem apetrechado para aquilatar da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos em audiência, pois que teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também e sobretudo o modo como estes foram prestados, já que no processo de formação da convicção do juiz “desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um determinado meio de prova) e mesmo puramente emocionais”, razão pela qual quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum».
 Na realidade, ao tribunal de recurso cabe apenas verificar se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar.
«Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração” (Paulo Saragoça da Matta, “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, texto incluído na colectânea “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 253).
Portanto, a prova produzida foi coerentemente valorada.
Se há duas versões dos factos (mesmo que uma delas tenha dois veículos), não é uma maioria matemática que faz escolher a versão verdadeira.
O facto de haver duas afirmações opostas, não conduz necessariamente a uma “dúvida inequívoca”, por força do princípio in dubio pro reo.
Não está em causa a igual valoração de declarações ou depoimentos, mas a valoração de cada um dos meios de prova em função da especial credibilidade que mereçam.
As declarações e depoimentos produzidos em audiência são livremente valoráveis pelo tribunal, não tendo outra limitação, em sede de prova, que não seja a credibilidade que mereçam.
Voltamos ao Acórdão de 9/9/2009:
«Uma vez verificado que o tribunal recorrido formulou a sua convicção relativamente à matéria de facto com respeito pelos princípios que disciplinam a prova e sem que tenham subsistido dúvidas quanto à autoria dos factos submetidos à sua apreciação, não tem cabimento a invocação do princípio in dubio pro reo, que como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste. O princípio em questão afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal. Contudo no caso dos autos, o tribunal a quo não invocou, na fundamentação da sentença, qualquer dúvida insanável. Bem pelo contrário, a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, indicando clara e coerentemente as razões que fundaram a convicção do tribunal.».
Sabemos que o julgador deve manter-se atento à comunicação verbal mas também à comunicação não verbal.
Se a primeira ainda é susceptível de ser escrutinada pelo tribunal de recurso mediante a audição do gravado (e foi o que se fez nesta sede de recurso), fica impossibilitado de aceder à segunda para complementar e interpretar aquela.
Deste modo, quando a opção do julgador se centra em prova oral, o tribunal de recurso só estará em condições de a sindicar se esta for contrária às regras da experiência, da lógica, dos conhecimentos científicos, ou não tiver qualquer suporte directo ou indirecto nas declarações ou depoimentos prestados.
E repetimos: o juiz pode formar a sua convicção com base em apenas um testemunho (ou numa só declaração), desde que se convença que nele reside a verdade do ocorrido.
Não basta que o recorrente diga que determinados factos estão mal julgados.
É necessário constatar-se esse mal julgado face às provas que especifica e a que o julgador injustificadamente retirou credibilidade.
Atente-se que o art.º 412/3 alínea b) do CPP fala em provas que imponham decisão diversa.
Por isso entendemos que a decisão recorrida só é de alterar quando for evidente que as provas não conduzam àquela, não devendo ser alterada quando perante duas versões, o juiz optou por uma, fundamentando-a devida e racionalmente.
Ao reapreciar-se a prova por declarações, o tribunal de recurso deve, salvo casos de excepção, adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido desde que o seu juízo seja compatível com os critérios de apreciação devidos.
Quer isto significar que não vemos que deva ser alterada a decisão de facto.
Decorre do princípio «in dubio pro reo» que todos os factos relevantes para a decisão desfavoráveis ao arguido que face à prova não possam ser subtraídos à dúvida razoável do julgador não podem dar-se como provados.
Tal princípio tem aplicação no domínio probatório, consequentemente no domínio da decisão de facto, e significa que, em caso de falta de prova sobre um facto, a dúvida se resolve a favor do arguido. Ou seja, «será dado como não provado se desfavorável ao arguido, mas por provado se justificar o facto ou for excludente da culpa».
O princípio só é desrespeitado quando o tribunal colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação dos factos decidir por uma apreciação desfavorável à posição do arguido.
Não ficou o Tribunal de Leiria em estado de dúvida.
E este tribunal de recurso também não, assente que o tribunal recorrido valorou os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objectivos que permitem estabelecer um “substrato racional de fundamentação e convicção”, com o apoio de presunções naturais, “juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido“ – v. g. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 07-01-2004 (Proc. 03P3213 - Rel. Cons. Henriques Gaspar - SJ200401070032133).
Por tal razão, não faz sentido fazer aqui valer e funcionar o princípio constitucional in dubio pro reo.

3.3.7. EM CONCLUSÃO:
O tribunal de recurso não tem a imediação da prova oral nas mesmas condições em que esta ocorre no tribunal recorrido.
É por isso que a decisão só deva ser alterada quando seja evidente que a prova oral referida na fundamentação não conduz à decisão obtida; mas não quando, havendo duas versões sobre os factos, o juiz na 1ª instância optou por uma, fundamentando-a racionalmente em detrimento da outra.
Não basta, pois, ao recorrente dizer que determinados factos estão incorrectamente julgados. Seria necessário demonstrá-lo, nomeadamente face às regras da experiência comum, o que não logrou fazer, apesar do seu heróico e prolixo esforço.
Como tal, nenhuma censura nos merece a forma como é dada como provada e não provada a matéria constante da sentença recorrida.
Portanto, nunca ficou, pois, o tribunal, em situação de fazer funcionar o alegado princípio «in dubio pro reo», na medida em que não se gerou, no seio do julgador, qualquer dúvida «séria e honesta» com força suficiente para se tornar um obstáculo intelectual à aceitação de versão dos factos prejudiciais ao arguido[5].
Aqui chegados, parece-nos, sem sombra de qualquer dúvida, que o tribunal recorrido analisou bem a matéria factual, decidindo acertadamente.
Como já se disse, em matéria de apreciação da prova, o artigo 127.º do C.P.P. dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
            Na expressão regras da experiência incluem-se as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, devendo as inferências basear-se na correcção do raciocínio, nas regras da lógica, nos princípios da experiência e nos conhecimentos científicos a partir dos quais o raciocínio deve ser orientado e formulado (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2.ª edição, p. 127, citando F. Gómez de Liaño, La Prueba en el Proceso Penal, 184).
            Atentas as naturais dificuldades de reconstituição do facto delituoso, há que recorrer, por vezes, à prova indirecta para basear a convicção da entidade decidente sobre a existência ou não da situação de facto.
            Ao decidir como decidiu, não se alcança que o tribunal a quo tenha valorado contra o arguido qualquer estado de dúvida em que tenha ficado sobre a existência dos factos, do mesmo modo que também não se infere que o tribunal recorrido, que não teve dúvidas, devesse efectivamente ter ficado num estado de dúvida insuperável, a valorar nos termos do princípio in dubio pro reo.
Não se verificou, por conseguinte, qualquer violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio e dos artigos 340.º, 355.º e 356.º, do CPP.
            Razão pela qual não há que alterar a matéria de facto quanto aos pontos sindicados no recurso, assente que não se vislumbra qualquer fundamento para tal.
Pelo exposto, da análise da prova produzida, através dos documentos juntos aos autos e da audição dos depoimentos gravados, tudo confrontado com a motivação da decisão de facto, sem esquecer que o recurso é um remédio e não um segundo julgamento, conclui-se que inexistem quaisquer razões para alterar o juízo probatório constante da sentença recorrida, mantendo-se, em consequência, toda a matéria de facto dada como provada na decisão «a quo» (não se validando os novos factos narrados na Conclusão 28ª).           
Não merece, por conseguinte, qualquer censura a decisão – poderíamos dizer, a CONVICÇÃO[6] - proferida pelo tribunal recorrido quanto ao rol dos factos provados, já que o mesmo se mostra conforme a prova produzida e tomada com plena observância do disposto no art. 127º, do C. Processo Penal.     
Improcedem, assim, as conclusões 10ª a 32ª.

3.4. IMPUGNAÇÃO DE DIREITO
DO CRIME DE CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO
Se os factos são estes, qual o crime praticado pelo arguido?
Vem o arguido condenado pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291º, nº 1, al. b) e 69º, nº 1, al. a) do Código Penal.
Estatui este artigo que,
«1.Quem, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada:
a) – (…)
b) violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto-estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita,
e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”.
Já o sabemos - o bem jurídico protegido com esta incriminação radica na protecção de bens jurídicos individuais, pois com esta disposição pretendeu-se evitar, ou pelo menos, manter dentro de certos limites, a sinistralidade rodoviária, que tem vindo a aumentar vertiginosamente no nosso país, punindo todas aquelas condutas que se mostrem susceptíveis de lesar a segurança deste tipo de circulação, e que, ao mesmo tempo, coloquem em perigo a vida, a integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado.
No que diz respeito ao tipo objectivo de ilícito pretendem-se descrever aqui aqueles comportamentos que no âmbito da circulação rodoviária se mostram mais susceptíveis de colocar em perigo os bens jurídicos protegidos, incluindo em duas categorias o tipo de condutas capazes de determinar insegurança na condução em que se traduzem na falta de condições para a condução e na violação grosseira das regras de circulação rodoviária.
No nosso caso, estamos na 2ª situação, o que não é posto em causa pelo recorrente.
Ouçamos a sentença recorrida:
«Primeira conclusão a que chegamos é a de que os factos vertidos na acusação pública e considerados provados são susceptíveis de preencher o tipo legal de crime em análise, quer na redacção originária quer na redacção introduzida pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho, que o passou a tipificar através de um elenco de manobras que podem constituir violações grosseiras das regras de condução, nomeadamente, as relativas à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita.
De facto, é possível concluirmos que o arguido violou de forma grosseira, as regras de circulação rodoviária atinentes à circulação na sua faixa de rodagem, olvidando os mais rudimentares e elementares deveres de precaução e prudência, atenta a factualidade dada como provada, uma vez que se apurou que o arguido A... . durante o seu trajecto e numa altura em que estava a ser ultrapassado pelo arguido B... ., que tinha assinalado convenientemente a sua manobra, de forma repentina, inesperada e incauta direccionou-se para a sua esquerda, invadindo a faixa de rodagem mais à sua esquerda, inviabilizando a manutenção e conclusão da ultrapassagem, o que fez com que o condutor da moto-quatro tivesse que travar repentinamente e a deslocar-se para a sua esquerda, evitando a colisão com o veículo do arguido.
Mais se provou que caso não reduzisse a velocidade e se encostasse ao lado esquerdo, B... . teria sido atingido pela parte lateral da viatura do arguido A....
E assim sendo, encontra-se preenchido o elemento objectivo inerente ao tipo legal.
No que concerne à subsunção dos factos ao tipo de ilícito subjectivo haverá que dizer que o arguido agiu com dolo directo na forma como actuou, sendo possível e exigível a adopção de outro tipo de condução, abstendo-se de criar a situação de perigo descrita, agindo pois de forma livre, voluntária e consciente
Preencheu assim com a sua conduta, o crime previsto e punido pelo art. 291º/1 b) do Código Penal».
Mais palavras para quê?
Violou o arguido as regras estradais ínsitas nos artigos 11º/2, 13º/1, 38º/1 e 39º do Código da Estrada (violando grosseiramente as regras relativas à ultrapassagem de veículos).
Diga-se apenas que a possível impertinência ou o igualmente comportamento anti-estradal do outro condutor – que o MP não quis sancionar, já que não o acusa de quaisquer infracções estradais ou criminais, para além do crime de dano - ou o anterior desentendimento entre os dois condutores não justifica o acontecido (é absolutamente inconcebível que se defenda que «o único objectivo e propósito do arguido A... ao direccionar a sua viatura para a esquerda momentaneamente, com o pisca pisca desse lado ligado, foi para que o arguido não efectuasse uma ultrapassagem perigosa como acabou por o fazer», ou seja, que para evitar que alguém prevarique na estrada, um outro alguém acaba também por prevaricar, colocando em perigo o primeiro).
Note-se ainda que o guarda da GNR foi claro em afirmar que o local dá para a circulação de dois, mesmo que possam ir um pouco à berma…
De facto, com a sua condução, devidamente narrada nos factos 1º a 10º (não havendo dúvida que invadiu a faixa de rodagem que estava a ser ocupada pela Moto 4, mesmo que esta tenha parte dos seus rodados na berma), o arguido A..., ao volante da sua Scenic, criou perigo, em concreto, para o co-arguido B... (factos 15 e 16).
Como tal, chega-se à conclusão inequívoca que nesta condução, o arguido actuou livre, voluntária e conscientemente, visando e logrando conduzir o veículo da forma supra descrita, violando deste modo as regras de circulação rodoviária, e admitindo como possível que viesse a embater no veículo do B... e assim pudesse lesar a integridade física e até a vida daquele outro condutor, conformando-se com tal possibilidade.
Tem-se considerado que constitui violação grosseira das regras de circulação rodoviária a violação objectiva de elementares deveres de condução no âmbito dessa circulação.
De acordo com Paula Ribeiro Faria, para que se encontre violação grosseira de regras de condução é necessário que se esteja perante «uma violação de elementares deveres de condução, susceptível de traduzir o carácter particularmente perigoso do comportamento para a segurança do tráfego, e para os bens jurídicos pessoais envolvidos. Em suma, exige-se um grau especial de violação de deveres».
Igualmente, Germano Marques da Silva, perante a formulação da norma anterior à Lei 77/01, de 01, refere que «não se trata de violação das regras de trânsito, nem da violação que ocasione um perigo concreto, porque este é o evento da acção e a violação grosseira é a causa desse evento, mas de temeridade, de ousadia perante o perigo quase certo, previsto ou previsível atentas as circunstâncias. O condutor devia prever que naquelas circunstâncias a violação daquelas regras de trânsito era especialmente adequada a causar um perigo concreto para determinados bens jurídicos e, por isso, era mais forte o dever de evitar aquele comportamento»
Assim, este elenco[7] de manobras consubstancia as mais graves violações das condições de segurança rodoviária, que são susceptíveis – elas mesmas só por si - de constituir violações grosseiras das regras de condução.
Como escreve Maia Gonçalves (Código Penal Português, 16ª ed., pág. 894), “não se refere somente este artigo às condições de segurança, mas adianta em que consiste essa violação; e elencou as mais graves violações das condições de segurança da condução rodoviária; e sendo certo que todas elas são para prevenir perigos, há no entanto algumas que têm conexão directa com alguns perigos”.
Trata-se de um crime doloso de perigo concreto[8], bastando-se com esse perigo.
Por isso, qualquer acto que se inclua nos exemplos descritos no tipo legal constitui uma violação grosseira dessa circulação (a violação grosseira das regras de condução implica um comportamento de desrespeito por um conjunto de regras de trânsito especificadas no tipo).
E o nosso arguido preencheu um acto violador das normas estradais.
Como tal, incorreu na prática do crime p. e p. pelo artigo 291º, n.º 1, alínea b).
Mas terá apenas criado o dito perigo por mera negligência que possa justificar a subsunção da sua conduta à norma do n.º 3 de tal normativo?
A resposta é negativa.
No n.º 3 temos dolo de acção e negligência – consciente ou inconsciente - quanto ao evento do perigo (ou seja, o dolo do agente não compreende o perigo concreto criado, afirmando-se, quanto a este, negligência do condutor) – neste n.º 3, o agente sabe e tem plena consciência da sua desenfreada condução, mas não representa (negligência inconsciente) ou representa e afasta a possibilidade (negligência consciente) da criação de um perigo para os bens jurídicos em apreço.
O n.º 1 prevê dolo de acção e dolo de perigo, admitindo-se aqui – E NOS DOIS SEGMENTOS - qualquer uma das modalidades de dolo (directo, necessário e eventual) – ou seja, o acção do agente e a criação de perigo são intencionais.
Note-se que ainda existe um n.º 4 do artigo – aqui o agente age com negligência de acção e de criação de perigo.
A sentença recorrida não mexeu nos factos narrados na acusação.
O Ministério Público acusou apenas pelo artigo 291º, n.º 1 e não pelo n.º 3.
E a sentença recorrida validou tal acusação, consubstanciando a prova do elemento subjectivo nas regras da experiência comum e na análise crítica do evento (como podia ignorar o arguido que, ao guinar para a esquerda, não estaria a interceptar a manobra de ultrapassagem da Moto 4, podendo colocar em perigo o seu condutor?).
Ora, os factos 15º e 16º não deixam margem para dúvidas – o arguido agiu como dolo de acção e com dolo – eventual - de perigo.
Equivale a dizer que quis conduzir de forma desenfreada e violadora das regras estradais, admitindo também a forte possibilidade de criar perigo para terceiros.
Nesta parte, improcede o recurso do arguido (conclusões 33º a 67ª, estando correctamente e na justa medida  - note-se que o recurso não mexe na medida da pena mas apenas no pedido de absolvição - condenado pelo n.º 1 de tal normativo.

3.5. Termos em que se conclui que o recurso do arguido improcede na sua totalidade.

3.6. Urge, contudo, fazer uma correcção na sentença, emendando-se um lapso material cometido no DISPOSITIVO CÍVEL [artigo 380º/1 b) e n.º 2 do CPP], não importando ele qualquer modificação estrutural ou essencial no sentenciado.
Assim, onde se lê, no DISPOSITIVO,
«Nestes termos, julgando o pedido de indemnização civil parcialmente procedente:
a) Condeno o demandado B... a pagar ao demandante cível A..., a título de indemnização por danos patrimoniais, o montante de € 303 (quarenta e cinco euros)»;
Dever-se-á ler:
«Nestes termos, julgando o pedido de indemnização civil parcialmente procedente:
a) Condeno o demandado B... a pagar ao demandante cível A..., a título de indemnização por danos patrimoniais, o montante de € 303 (trezentos e três euros);»


III – DISPOSITIVO
            Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - desta Relação em:

1. Proceder à seguinte correcção do texto da sentença recorrida:
Assim, onde se lê, no DISPOSITIVO,
«Nestes termos, julgando o pedido de indemnização civil parcialmente procedente:
b) Condeno o demandado B... a pagar ao demandante cível A..., a título de indemnização por danos patrimoniais, o montante de € 303 (quarenta e cinco euros)»;
Dever-se-á ler:
«Nestes termos, julgando o pedido de indemnização civil parcialmente procedente:
b) Condeno o demandado B... a pagar ao demandante cível A..., a título de indemnização por danos patrimoniais, o montante de € 303 (trezentos e três euros);»

2. Negar provimento ao recurso intentado pelo arguido A..., confirmando-se a sentença nos seus exactos termos.

3. Condenar em custas o arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs [artigos 513º/1 do CPP revisto pelo DL 34/2008 de 26/2 e 8º/5 do RCP, já aplicável a este autos, este remetendo para a Tabela III).
           




                        Coimbra, _______________________________________
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado pelo 1º signatário e integralmente revisto pelos dois signatários – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)

_______________________________________
(Paulo Guerra)
                                ________________________________________
(Alberto Mira)


[1] Nos mesmos autos, foi ainda condenado o arguido B... pela prática de um crime de dano p. e p. pelo artigo 212º, n.º 1 do CP, em igual pena, não tendo este arguido recorrido deste sentenciado.
[2] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»).

[3] Lembro, contudo, a nossa posição sobre o assunto - no domínio do CPP vigente, o aplicável neste particular, a omissão ou deficiência da documentação das declarações orais na audiência (gravação) constitui nulidade sanável, não se suscitando quaisquer dúvidas face à actual redacção do já citado artigo 363º do CPP, introduzida pela mencionada Lei n.º 48/2007 de 29/08, nulidade esta sujeita ao regime de arguição e de sanação dos art.º 105º n.º 1, 120º, n.º1 e 121º do CPP.
                Já decidimos (Acórdão de 9/12/2009 in Pº 64/08.9GAPNC.C1) que:
  • tal nulidade deve ser invocada em 10 dias perante o tribunal de 1ª instância, a contar do dia em que se entregaram as cópias das gravações à parte requerente;
  • pode ainda ser arguida em sede de recurso se os 10 dias em causa ainda se contiverem dentro do prazo normal de recurso, contado a partir dos momentos temporais do artigo 411º/1 do CPP;
  • pode a Relação conhecer de tal nulidade, não a devendo remeter à 1ª instância para conhecimento da nulidade.
Dito de outro modo:
1. A documentação deficiente das declarações prestadas oralmente constitui hoje uma nulidade sanável – artigo 363º do CPP, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto –, ficando prejudicada a jurisprudência fixada no acórdão do STJ n.º 5/2002, que entendia existir irregularidade neste caso e cuja não inconstitucionalidade foi confirmada pelo acórdão do TC n.º 208/2003.
2. No domínio do CPP vigente a omissão ou deficiência da documentação das declarações orais na audiência (gravação) constitui nulidade, sanável, sujeita ao regime de arguição e de sanação dos art.º 105º n.º 1, 120º, n.º1 e 121º do CPP.
3. O termo inicial do prazo de 10 dias do art.º 153º do CPC ocorre no dia em que os suportes técnicos com o registo das gravações ficam à disposição dos sujeitos processuais, visto que só nesta data poderão os interessados tomar conhecimento da omissão ou deficiência da gravação do registo da prova, estando a partir desta data habilitados a arguir o respectivo vício.
4. Esta nulidade sana-se se não for tempestivamente arguida, contando-se o prazo de dez dias (artº 105º, n.º 1 do CPP) a partir da audiência, acrescido do tempo que mediou entre a entrega do suporte técnico pelo sujeito processual interessado ao funcionário e a entrega da cópia do suporte técnico ao sujeito processual que a tenha requerido.
5. Pode ainda ser arguida em sede de recurso se os 10 dias em causa ainda se contiverem dentro do prazo normal de recurso, contado a partir dos momentos temporais do artigo 411º/1 do CPP.
Ora, no nosso caso, tal nulidade não foi suscitada em tempo perante a 1ª instância, nem sequer aqui.

[4] Cf. Acórdão da Relação do Porto de 11/7/2001, processo n.º 01110407, lido em www.dgsi.pt/trp.
[5]Extremamente expressivo, neste particular, o teor do Acórdão da Relação de Coimbra de 26/11/2008 atrás citado.
[6] Assinale-se que a prova necessária para a convicção do julgador não reside tanto na quantidade como na qualidade dos meios de prova produzidos.
Refere Paulo Saragoça da Matta que se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Note-se ainda que a alínea b) do n.º 3 do art.º 412º do Código de Processo Penal fala de provas que imponham decisão diversa.
[7] Importa notar que essa conformação do normativo, designadamente com a indicação de um elenco de manobras perigosas, resulta da Lei 77/01, de 13/07, obedecendo, como acontece com disposição similar do Código Penal alemão, à necessidade de tornar mais segura a interpretação do tipo de crime.
[8] Estabelecido como um crime de perigo concreto, decorrente da «forte probabilidade de ocorrência de dano ou do resultado desvalioso que a norma pretende evitar se desencadeie», nas palavras de Faria Costa, (O Perigo em Direito Penal, Coimbra, 1992, p. 580 e ss), deve entender-se que nas situações tipificadas no crime em causa haverá, assim, uma situação de perigo sempre que a produção do resultado desvalioso, mediante a formulação de um juízo de experiência comum, é mais provável que a sua não produção; ou pelo menos ocorre uma forte probabilidade de o resultado desvalioso se vir a desencadear ou a acontecer - cfr. neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação Coimbra, de 24.11.2004, in www.dgsi.pt.