Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
264/22.9T8OHP.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
ADMISSÃO DE DOCUMENTO
ESBULHO VIOLENTO
INVERSÃO DO CONTENCIOSO
Data do Acordão: 01/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE OLIVEIRA DO HOSPITAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 352.º; 1251.º; 1253.º; 1255.º; 1257.º, 2; 1276.º E 1279.º, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 155.º, 3 E 4; 364.º; 368.º, 1; 371.º, N.º 1; 376.º, 4; 377.º; 378; 425.º; 465.º, 1 E 2; 607.º, 5; 639.º, 2 E 3; 640.º; 651.º, 1 E 652.º, 1, A), DO CPC
Sumário:
I- Para integrar o conceito de violência não basta que a actuação do esbulhador seja feita sem o consentimento ou contra a vontade do possuidor ou que este tenha ficado prejudicado com a actuação daquele, é também necessário alegar e provar a existência de coação física ou moral.

II - Será de considerar violento o esbulho, quando o esbulhado fica impedido de contactar com a coisa face aos meios (ou à natureza dos meios) usados pelo esbulhador.

III - A inversão do contencioso (art.º 369.º e segs, do C.P.C.) não converte a decisão do procedimento cautelar em decisão definitiva da causa de que aquele constituiria preliminar, antes tem por efeito dispensar o requerente do ónus de intentar tal ação declarativa, transferindo tal ónus para o requerido.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra   

                                                      Proc.º n.º 264/22.9T8OHP.C1                                                                                                        1.- Relatório

1.1.- Determinada que foi a restituição provisória aos requerentes AA, viúva, BB, e mulher CC, na qualidade de únicos e universais herdeiros da Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de DD e EE – da parte do terreno constituído por umas escadas com dois patamares e 10 degraus e o Anexo onde se encontra a caldeira para aquecimento; e ordenada aos requeridos FF e GG, do portão de cor branca e chapa que colocaram no topo das escadas de acesso ao Anexo dos requerentes, e a recolocação do portão que anteriormente existia, fixado na parede da casa de habitação dos requerentes; ordenado aos requeridos o fechamento das aberturas descritas nos artigos 29.º e 36.º da p.i., que fizeram no muro, ficando impedidos de por aí acederem ao prédio dos requerentes; e que respeitassem os limites da propriedade dos requerentes, tal como esta se encontrava antes da sua atuação, sob pena de incorrerem na prática de um crime de desobediência qualificada no previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código Penal, por força do disposto no artigo 375.º Código de Processo Civil; tendo sido decretada a inversão do contencioso, dispensando os requerentes do ónus de propositura da ação principal – vieram os requeridos DEDUZIR OPOSIÇÃO À PROVIDÊNCIA CAUTELAR alegando, em síntese:

i) Por exceção: a sua ilegitimidade passiva por preterição do litisconsórcio necessário, porquanto consideram que estando o prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial ... com o n.º ...62 e inscrito na matriz da Freguesia ... ...82, constituído em regime de propriedade horizontal composto por quatro frações autónomas (letras A, B, C e D) mas em que apenas as frações A, B e D pertencem aos requeridos, sendo a fração C, propriedade da Junta de Freguesia ..., contra esta não ter sido deduzida a presente providência cautelar, e não poder esta prosseguir apenas contra os ora requeridos, uma vez que é indispensável a intervenção do proprietário da fração C, face à natureza da relação jurídica, e necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal;

ii) Por impugnação:

A) dizem, que os requerentes alegam, ter o prédio referido nos pontos 2 e 3 da p.i, advindo à sua posse por sucessão hereditária após o óbito dos pais, mas que em simultâneo afirmam exercer a posse com animus de proprietários desde do óbito de seus pais (11 e 12 da p.i.), o que entendem os requeridos, encerrar em si uma contradição insanável, que consideram inviabilizar a presente providência, uma vez que não lograram os requerentes demonstrar quando é que deixaram de ser eventualmente possuidores precários, para passarem a exercer uma posse em nome próprio, ficando-lhes vedada a possibilidade de usucapir e nessa medida inexiste posse por parte dos requerentes;

B) alegam que da informação registral junto aos autos, em concreto, caderneta predial e registo da conservatória, nada consta relativamente ao alegado Anexo ou escada de acesso ao mesmo (nem como arrumos), salientando-se que os Requerentes se limitam a alegar que o dito Anexo faz parte do seu prédio, tal como as escadas de acesso, sem invocarem qualquer exercício efetivo de posse e de forma reiterada e com o respetivo animus; que o Anexo constitui uma construção ilegal e não licenciada, abusivamente implantada no prédio (logradouro) dos Requeridos, tendo sido efetuada a correspondente denúncia junto da Câmara Municipal ..., e que deu origem ao processo de Contraordenação n.º ...22 (Processo n.º 2022/50...); e que nunca existiu no tempo dos pais dos requerentes;

C) afirmam que os requerentes confessam no ponto 30 da p.i, que nunca fizeram uso de qualquer abertura de acesso e que assumem que as escadas se situam no logradouro do prédio dos requeridos;

D) alegam que as escadas em referência, se estendem desde a confrontação a norte (estrada – largo) para sul (rio ...) em toda extensão da lateral esquerda do prédio dos requeridos, fazendo parte do seu logradouro e do prédio dos mesmos, prédio que foi adquirido pela requerida e seu falecido marido em 1978 e constituído em propriedade horizontal, e que se verifica de acordo com as plantas que juntaram, que as escadas são parte integrante do prédio e pertencem ao logradouro do mesmo, cfr. doc.5, 6, 7, e 8.

E) alegam que no cimo das escadas, sempre existiu um portão pertencente ao prédio dos requeridos e que o pai e marido dos requeridos tinha uma chave do mesmo, e facilitou a sua abertura aquando da existência da fábrica de confeções, para entrada e saída de funcionários (cfr. doc. 9). E impugnaram a inversão do contencioso, em virtude do resultado da providência cautelar não se poder traduzir na composição definitiva do litígio.

Pugnam os requeridos, pela improcedência da providência cautelar e improcedência e revogação da inversão do contencioso.

***

1.2. - Foi proferido despacho apreciar a exceção de ilegitimidade passiva dos requeridos, julgando-a improcedente julgada improcedente.

Realizou-se a repetição da produção da prova indicada na Oposição, conforme decisão do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra.

Foi efetuada a inspeção ao local, conforme consta do auto, sublinhando-se que esta foi realizada na sequência da ordenada repetição da produção da prova da Oposição, em momento em que já tinha sido executada a providência cautelar de restituição provisória da posse aos Requerentes.

Mantêm-se as condições de validade e de regularidade da instância, nada obstando ao conhecimento do mérito desta ação.

Foi proferida decisão, onde se decidiu:

a) revogar na decisão proferida em 11.07.2022 de restituição provisória da posse, a parte onde se ordenou que os requeridos FF e GG, efetuassem o fechamento das aberturas descritas nos artigos 29.º e 36.º da p.i., que fizeram no muro;

b) em tudo o mais, manter a decisão proferida de restituição provisória da posse aos Requerentes;

c) manter e determinar, nos termos dos artigos 369.º, n.º 1, e 376.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, a inversão do contencioso, dispensando os requerentes do ónus de propositura da ação principal.

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Custas processuais a repartir entre Requeridos e Requerentes, na proporção de 90% e 10%, respetivamente.

Notifique.

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Registe e notifique.

                                                           ***

1.3. – Inconformado com tal decisão dela recorreram os requeridos - GG e FF, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

“Violação do Princípio da Complementaridade da Decisão – Nulidade da Sentença

I - Dispõe o artigo 372º n.º 3 “que no caso a que se refere a alínea b) do n.º 1, o juiz decide da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, cabendo recurso desta decisão, e, se for o caso, da manutenção ou revogação da inversão do contencioso; qualquer das decisões constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida.”

II- O que implica, que a decisão final tem de conter a parte integrante da decisão inicial provisória que decretou a providência, pois só assim, é que é possível o confronto e escamoteamento dos factos indiciariamente provados na decisão provisória de decretamento e os factos não provados e provados da oposição, que possam manter, alterar ou revogar a referida providência.

III- Evitar-se-á, assim, que possam surgir dúvidas quanto à manutenção dos factos que se mostrem em momento subsequente contraditórios, ou incompatíveis, com os novos apurados e dados como assentes (após o julgamento da oposição). Frisa-se, porém, que estas contradição ou incompatibilidade serão meramente aparentes, já que, não se tendo chegado a formar qualquer caso julgado sobre aqueles primeiros factos, terão estes segundos que prevalecer necessariamente sobre eles, por resultarem da ponderação global de toda a prova indiciária produzida (e não apenas de parte dela, a apresentada inicialmente). (Ac. R.Guimarães 2522/16.2T8BRG-B.G1)

IV- Nessa medida, na esteira do acórdão referido, na decisão de mérito proferida após o julgamento da oposição a providência cautelar, decretada sem prévia audição do requerido, deverá o julgador, não só elencar quais os factos da oposição que foram dados como provados e como não provados (e indicar, relativamente a uns e a outros, os fundamentos que serviram de base à formação da sua convicção), com ainda especificar quais os factos respeitantes à decisão que decretou a providência que se mantêm provados, e quais aqueles outros que resultaram modificados ou não provados (contrapondo, em sede de apreciação crítica das provas, às novas provas produzidas aquelas outras em que se tenha baseado a primitiva decisão cautelar).

V- Acontece que, na presente decisão, não só, não consta a decisão provisória do decretamento da providência, da qual esta é parte integrante, como também, não foi dado cumprimento ao supra indicado, designadamente, não foram elencados quais os factos da oposição que foram dados como provados e como não provados (e indicar, relativamente a uns e a outros, os fundamentos que serviram de base à formação da sua convicção), com ainda especificar quais os factos respeitantes à decisão que decretou a providência que se mantêm provados, e quais aqueles outros que resultaram modificados ou não provados.

O que no entender dos Recorrentes, fere a presente decisão de nulidade por violação dos artigos 372º n.º 3, 607º n.º 3 e 4 e 615º do C.P.C. Nulidade essa que se deixa expressamente invocada.

Sem prescindir,

Da Reapreciação e Impugnação da Matéria de Facto

(decisão provisória de decretamento da providência)

VI- Não contendo a presente decisão, os factos provados elencados na decisão de datada de 11-07-2022 (cf. ref.ª 88779146) que decretou a providência cautelar de restituição provisória da posse, e sem prejuízo da nulidade supra invocada, impugnam-se infra, a matéria de facto dada como provada na decisão de 22/07/2022, conforme se expõe seguidamente:

Na perspectiva dos Recorrentes, da prova produzida nos autos, especialmente testemunhal, não podia, nem devia o tribunal a quo, ter dado como provado a matéria elencada nos factos dados como provados na decisão provisória de decretamento da providência e que infra se indica.

VII- Conforme os Recorrentes pretendem demonstrar, não só houve na decisão em crise erro na apreciação e valoração da prova, como a prova dada como provada não o poderia ter sido, mais que não seja, com a aquela extensão.

VIII- Desta forma, e passando à análise da matéria de facto dada como provada (sempre com referência à decisão de decretamento da providência), impugnam-se expressamente os factos dados como provados em:

o) 5. A divisória entre os referidos prédios é feita de norte para sul, por um muro que se encontra implantado no prédio dos Requeridos, pela parede do Anexo a poente, que se encontra implantado no prédio dos Requerentes e pelo muro de suporte de terras do quintal que faz também parte do prédio destes

p) 6. O prédio dos Requerentes, tomando por referência estarmos de frente para o mesmo, possui do lado direito, a poente, um Anexo fora da casa de habitação e ao nível da cave da mesma, que é fechado, coberto com telha e dotado de uma porta de acesso ao mesmo.

q) 7. O referido anexo destinava-se a arrecadação da lenha para uso na casa de habitação descrita no artigo 1.º da petição inicial.

r) 8. Há já alguns anos que os Requerentes alteraram o sistema de aquecimento geral e de águas quentes para banhos, na mesma casa, por uma caldeira a gasóleo, caldeira que foi depositada e hoje em dia se mantém, no dito Anexo.

s) 9. Para acederem ao Anexo, os Requerentes (e antes deles os seus ante possuidores) sempre entraram a partir da Av. ..., abrindo um portão e percorrendo uma escada em alvenaria dotada no início por um patamar, seguida de 10 degraus e que termina num outro patamar que acede à porta de entrada do Anexo.

t) 10. O referido portão estava suspenso na parede da casa de habitação descrita no artigo 1.º da P.I., do lado esquerdo (na perspectiva, de frente para a casa).

u) 11. O dito portão, sem fechadura, permitia o acesso ao Anexo, pelos Requerentes.

v) 12. Passando pelo portão, alguns fornecedores da Farmácia depositavam nas escadas, as encomendas, em horário em que a Farmácia se encontrava encerrada (à hora de almoço ou de manhã, antes da hora de abertura).

w) 13. Os Requerentes nunca tiveram, outra forma de aceder ao referido Anexo, sendo através das escadas, a única forma de acederem à caldeira a gasóleo, de fornecimento de águas quentes e de aquecimento, que naquele se encontra.

x) 16. As escadas de acesso ao Anexo, fazem parte integrante do prédio dos Requerentes, bem como o Anexo, sendo os únicos que o utilizavam.

y) 19. Desde 01 de Maio de 2022, os Requeridos impediram os Requerentes de acederem ao Anexo, impedindo-os de ligarem a caldeira e terem uso de águas quentes e do aquecimento.

z) 24. Os Requerentes foram avisados por pessoas residentes em ..., de que os Requeridos tinham mandado retirar o portão de acesso à sua propriedade (Anexo) e que o tinham substituído por outro.

aa) 26. O espaço onde se encontram as escadas de acesso ao Anexo, e este Anexo, fazem parte integrante do prédio dos Requerentes descrito no artigo 1.º da P.I.

bb) 27. A cimalha do telhado da casa de habitação (a poente), a caleira das águas pluviais que provêm do telhado (a poente), sobrevoam o referido espaço, janelas e parapeitos estão virados para o referido espaço, e dois aparelhos de ar condicionado também.

IX - Com efeito, resulta da motivação da matéria de facto dada como provada, que o Tribunal a quo, alicerçou fundamentalmente a sustentação para dar como provada os factos acima enunciados, na prova testemunhal arrolada e oferecida pelos Recorridos, cujos depoimentos não foram sujeitos a contraditório como deviam.

X- Dos depoimentos analisados em 14 do corpo da motivação e referenciados e com as passagens devidamente identificadas, resulta que, objectivamente nenhuma das testemunhas soube identificar as linhas divisórias dos prédios dos Requerentes e Requeridos, e muito menos explicar porque é que achavam que era assim.

XII- Isto porque, decorre da forma como responderam, que presumiram que era assim, não explicando o porquê. Nem identificaram devidamente, se os pais dos Requerentes já por lá passavam. Desde quando? E com que “animus”, isto é, se consideravam que eram legítimos proprietários, ou se, pelo contrário, haveria algum entendimento entre vizinhos, ou se eram actos de mera tolerância entre outros.

XIII- O mesmo se diga, quanto aos Requerentes. Já que é diferente de afirmar que acediam por aquele local ao anexo, do que, saber, se o faziam com a convicção de serem proprietários do referido acesso, desde do portão até ao mesmo com inclusão das escadas.

A verdade é que ninguém respondeu ou afirmou a mencionada convicção, nem essa questão foi colocada sequer pelo tribunal.

XIV- Aliás, como decorre do princípio do inquisitório, impõe-se ao Juiz, um poder-dever, restringindo-se, em matéria probatória, na busca pelas provas dentro dos factos alegados pelas partes (factos essenciais), com vista à justa composição do litígio e ao apuramento da verdade. Ou seja, exercício do dever de diligenciar pelo apuramento da verdade e justa composição do litígio.

XV- O artigo 411.º do CPC estabelece um “poder-dever” do juiz que não se limita à prova de iniciativa oficiosa, como se conclui do segmento “mesmo oficiosamente”, incumbindo-lhe realizar ou ordenar as diligências relativos aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, preservando sempre o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objetividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade.

XVI- No caso dos autos, o referido princípio assume especial relevância uma vez que a providência foi decretada sem audição prévia dos Recorrentes, significando que, lhes foi vedada a possibilidade de contraditar os depoimentos efectuados pelas testemunhas arroladas pelos Recorridos.

XVII- Pelo que, face à falta e deficiente produção de prova e investigação pelo tribunal, tendo em conta os testemunhos apontados e respectivas fraquezas, não podia ter sido dado como provados os factos acima elencados em 14 destas alegações, com particular relevância para os factos descritos em a), b), c), h), i), j), n) (correspondentes aos factos dados como provados em 5, 6, 7, 12, 13, e 16 do decretamento). Sendo que tais factos, deviam ter sido dados como não provados.

XVIII- E mesmo que o tribunal assim não concluísse, in totum, a referida matéria de facto deveria ter apenas o seguinte alcance:

o) 5. A divisória entre os referidos prédios é feita de norte para sul, por um muro que se encontra implantado no prédio dos Requeridos, pela parede do Anexo a poente, que se encontra implantado no prédio dos Requerentes e pelo muro de suporte de terras do quintal que faz também parte do prédio destes. Não Provado.

p) 6. O prédio dos Requerentes, tomando por referência estarmos de frente para o mesmo, possui do lado direito, a poente, um Anexo fora da casa de habitação e ao nível da cave da mesma, que é fechado, coberto com telha e dotado de uma porta de acesso ao mesmo. Provado apenas que existe um anexo junto à casa de habitação dos Requerentes.

q) 7. O referido anexo destinava-se a arrecadação da lenha para uso na casa de habitação descrita no artigo 1.º da petição inicial. Provado apenas que o anexo chegou a ter lenha no seu interior.

r) 8. Há já alguns anos que os Requerentes alteraram o sistema de aquecimento geral e de águas quentes para banhos, na mesma casa, por uma caldeira a gasóleo, caldeira que foi depositada e hoje em dia se mantém, no dito Anexo. Provado apenas que em data não determinada, foi instalada uma caldeira de aquecimento no referido anexo.

s) 9. Para acederem ao Anexo, os Requerentes (e antes deles os seus ante possuidores) sempre entraram a partir da Av. ..., abrindo um portão e percorrendo uma escada em alvenaria dotada no início por um patamar, seguida de 10 degraus e que termina num outro patamar que acede à porta de entrada do Anexo. Provado apenas que os Requerentes acediam ao anexo por aquele portão (mas não que tenha sido sempre assim).

t) 10. O referido portão estava suspenso na parede da casa de habitação descrita no artigo 1.º da P.I., do lado esquerdo (na perspectiva, de frente para a casa). Irrelevante

u) 11. O dito portão, sem fechadura, permitia o acesso ao Anexo, pelos Requerentes. Provado apenas, que permitia o acesso, quanta à fechadura, pouco ou nada se apurou.

v) 12. Passando pelo portão, alguns fornecedores da Farmácia depositavam nas escadas, as encomendas, em horário em que a Farmácia se encontrava encerrada (à hora de almoço ou de manhã, antes da hora de abertura). Não Provado – ainda irrelevante.

w) 13. Os Requerentes nunca tiveram, outra forma de aceder ao referido Anexo, sendo através das escadas, a única forma de acederem à caldeira a gasóleo, de fornecimento de águas quentes e de aquecimento, que naquele se encontra. Não Provado, para além de ser parcialmente repetição do e).

x) 16. As escadas de acesso ao Anexo, fazem parte integrante do prédio dos Requerentes, bem como o Anexo, sendo os únicos que o utilizavam. Não Provado.

y) 19. Desde 01 de Maio de 2022, os Requeridos impediram os Requerentes de acederem ao Anexo, impedindo-os de ligarem a caldeira e terem uso de águas quentes e do aquecimento. Não Provado.

z) 24. Os Requerentes foram avisados por pessoas residentes em ..., de que os Requeridos tinham mandado retirar o portão de acesso à sua propriedade (Anexo) e que o tinham substituído por outro. Não Provado. Irrelevante.

aa) 26. O espaço onde se encontram as escadas de acesso ao Anexo, e este Anexo, fazem parte integrante do prédio dos Requerentes descrito no artigo 1.º da P.I. Não Provado.

bb) 27. A cimalha do telhado da casa de habitação (a poente), a caleira das águas pluviais que provêm do telhado (a poente), sobrevoam o referido espaço, janelas e parapeitos estão virados para o referido espaço, e dois aparelhos de ar condicionado também. Não Provado. (Aliás, como bem resulta da fotografia 18 constante da ata de inspecção ao local, o cano de escoamento das águas pluviais são conduzidas para a praça, sendo proibido que escoassem para as escadas)

Assim, examinada a prova documental e testemunhal apresentada pelos Requerentes, aqui Recorridos, e o acima exposto, deve a matéria de facto (da decisão provisória de decretamento) dada como provada ser reapreciada e alterada conforme supra indicado. O que se requer.

Sem prejuízo,

XIX - Mas ainda que assim não fosse, o que não se consente, existiria sempre, erro na apreciação e valoração da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

XX- Na verdade, como já se afirmou, nada foi dito relativamente ao “animus” com que os Recorridos ou seus antepossuidores, praticavam os eventuais actos de posse. E dos factos dados como provados, de nenhum resulta esse “animus”, ou seja, de que os mesmos e os seus ante possuidores, utilizavam a parcela e escadas convencidos de que exerciam plenamente o seu direito de propriedade. O mesmo se aplicando em relação ao anexo.

XXI- Na fundamentação de direito da sentença( quer do decretamento, quer na presente), e quanto aos atos de posse, o tribunal considerou que os requerentes enquanto sucessores dos antepossuidores do prédio exerceram os poderes de factos sobre as escadas e anexo, compatíveis com uma posse precária, uma mera detenção.

Todavia, não foi feita prova qualquer prova cabal do animus que integra a posse conducente à aquisição do direito de propriedade, tendo, aliás, antes pelo contrário, resultado, que nenhum facto provado existe que, aponte para que, quer os Recorridos quer os seus ante possuidores, utilizavam o “prédio” (parcela – escada e anexo), convencidos de que exerciam plenamente o seu direito de propriedade.

XXII- Ante a fundamentação de facto elencada, os Recorridos, enquanto herdeiros, não são mais do que meros detentores ou possuidores precários, pelo que não podiam, nem podem adquirir para si o direito possuído, exceto se demonstrada fosse a inversão do título da posse, o que não se verificou, nem tam pouco foi alegada.

Assim, nos termos do disposto no artigo 1253.º do Código Civil, são havidos como detentores ou possuidores precários os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito; os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular e os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem. Nestas condições encontram-se todos aqueles que, tendo embora a detenção da coisa, sobre a mesma não exercem poderes de facto com “animus” de exercer o direito real correspondente.

XXIII- Ora, no caso em apreço, embora os Recorridos exerçam poderes de facto sobre as escadas e anexo, situação em que a posse se considera exercida em nome alheio ou precária (são meros sucessores dos antepossuidores), o certo é que não provaram qualquer facto suscetível de demonstrar a inversão do título da posse, ou seja, de uma posse em nome de outrem ter dado lugar a uma posse em nome próprio, a uma posse baseada numa atuação “uti dominus”.

Nem existe matéria de facto dada como provada nesse sentido.

XXIV- Com a invocação do vício de erro notório questiona-se, não o conteúdo da prova em si, nomeadamente do que foi dito no depoimento ou nas declarações prestadas, mas a utilização que foi dada à referida prova, no sentido de a mesma suportar a demonstração de um determinado facto, na medida em que o tribunal valorizou a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados. O que também é o caso dos autos.

XXV- Resulta que a usucapião invocada pelos Recirridos, recai sobre uma quota parte da herança indivisa, uma vez que parcela e o anexo em litígio, de acordo com a versão do Recorridos, fazem parte do prédio identificado em 1 dos factos dados como provados na decisão de 22/07/2022 e registado a favor da herança sem determinação de parte ou de direito, cfr. doc.2 da p.i.

XXVI-  Acontece que, a usucapião ocorre apenas relativamente a bens certos e determinados e nunca à quota-parte de uma herança ou de uma compropriedade.

Ora, sendo o herdeiro apenas titular do direito a uma quota de uma herança indivisa, para que ocorra a usucapião sobre um bem determinado dessa herança, necessário se torna que ocorra a inversão do título, o que pode suceder com a partilha verbal, ainda que nula por vício de forma, por consequência da qual cada herdeiro passou a ter uma posse exclusiva em certa parte determinada da herança.

In casu, não só não foi invocada a inversão do título da posse a favor de qualquer herdeiro, como também, insiste-se não foi sequer provada, não podendo a heranças usucapir sobre um bem indeterminado, incorrendo a decisão em erro na aplicação e interpretação do direito, o que se invoca.

XXVII- No respeitante à reapreciação e Impugnação da Matéria de Facto produzida no âmbito da presente decisão e concernente à matéria da oposição, nomeadamente as declarações de parte e depoimentos testemunhal, não prescindem os Recorrentes da Nulidade já invocada, em violação do artigo 155º n.º 3 e 4 do C.P.C, por falta de disponibilização das gravações não obstante o requerimento apresentado a 1/08/2023, de acordo com a actual regime.

Impedindo assim, os Recorrentes da possibilidade da mencionada impugnação, de acordo com os pressupostos legais exigidos para o efeito.

Da Manutenção da Providência e Inversão do Contencioso

XXVIII- Resulta dos factos dados como indiciarimente provados da Oposição que:

V. O cimo das escadas (cujo topo tem ligação com o largo da Avenida ...), sempre teve um portão, sendo que o pai e marido dos Requeridos, tinha uma chave do mesmo, tendo facilitado a sua abertura aquando da existência da fábrica de confeções, para entrada e saída de funcionários.

XXVIV- Com respeito por opinião contrária, se o tribunal se convenceu que Recorrentes e Recorridos substituiram ao longo do tempo o portão, e que o pai e marido dos Recorrentes chegou a ter umam chave, sendo que a passagem para a fábrica de confecções também se efectuava por aquele local, parece evidente que, a alegada “utilização exlusiva pelos Recorridos” não só fica belsicada, como constitui um claro indício de sinal contrário a trazidos aos autos pela oposição.

O mesmo se diga quanto às fotográfia juntaspelos Recorrentes aquando da destruição da casa em ruinas e reconstrução da moradia, e nas quais, são ecidentes os sinais de inexistência de qualquer anexo.

XXX -Os indícios trazidos pelo requerente do procedimento cautelar podem ser afastados por indícios de sinal contrário carreados pelo requerido. E é a ponderação do conjunto da prova indiciária que permite ao julgador manter a providência decretada, afastar os seus fundamentos ou determinar a sua redução, constituindo esta nova decisão complemento e parte integrante da inicialmente proferida, como vem estabelecido no artigo 388º, nº 2 do CPC» (Ac. da RE, de 19.11.2006, Almeida Simões, Processo nº 2169/06-2, com bold apócrifo).

XXXI- Nesse contexto, entendem os Recorrentes que, sem prescindir da fragilidade já apontada no respeitante à reapreciação da prova gravada, existem indícios suficientes para criar no espírito do julgador a dúvida irremovível sobre a efectiva verificação dos factos alegados pelos Recorridos, e antes tidos como ocorridos, já que esse juízo assentou numa análise perfunctória, não sindicada pela outra parte.

Pelo que, a infirmação dos anteriormente dados como assentes (pela dúvida criada), impunha a revogação da providência decretada, o que se requer.

XXXII- Do que fica demonstrado e invocado pelos Recorrentes, a matéria adquirida no procedimento cautelar não permite formar convicção segura acerca da existência do alegado direito acautelado. Pelo contrário, as incongruências e omissões cometidas pelos Requerentes, não são sequer indiciariamente suficientes para a demonstração do direito.

Ao que acresce, que conforme supra apontado, foram carreados para os autos no âmbito da oposição, indícios suficientes que infirmam a versão apresentadas pelos Recorridos e que, pelo menos, criam a justificada dúvida acerca da verificação dos factos.

XXXIII- Situação essa que impedia a manutenção da inversão do contencioso, até porque, resulta óbvio que providência decretada não é adequada a realizar a composição definitiva do litígio.

XXXIV- Por outro lado, decorre inequívoco da prova documental (ofícios da Câmara Municipal) e testemunhal (técnica da Câmara) que os Recorridos (arguidos no processo de contraordenação) assumiram que iriam proceder à demolição do anexo, para o qual “tanto necessitam a passagem”.

Nessa medida, constituindo o acesso ao anexo o fundamento dos presentes autos e litígio, declarando os Recorrentes em confissão o (que se aceita para efeitos dos artigos 352º do C.C e 465º n 1 e 2 do C.P.C.), que o mesmo vai deixar de existir, deixa de existir também o objecto desta providência (impedimento de acesso ao anexo), o que  necessariamente impunha a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, o que também se invoca.

Da Prova Documental

XXXV- Salienta-se também, no que à prova documental diz respeito, nomeadamente no concernente às plantas com os alçados juntos pelos Recorrentes, em concreto o alçado lateral esquerdo, diferentemente da conclusão do tribunal, existem pormenorizadas e construídas escadas, que dão acesso da via publica a duas portas de acesso ao interior da moradia, conforme parecer que já foi junto com o primeiro recurso, e que aqui se junta novamente ao abrigo do artigo 651º do C.P.C, doc.1, sendo que já se encontra junto aos autos.

XXXVI- Há por isso erro na Interpretação e Aplicação do Direito.

XXXVII- Na sequência do nosso modesto raciocínio, consideramos que o Senhor Juiz a quo violou os artigos 155º, 372 n.º 3, 411º, 465º, 605º, 607º n.º 3 e 4 e 615º do C.P.C, 342º, 352º, 1252º, 1253º, 1265º do C.C, entre outros.

Nestes termos e nos melhores de direito, devem Vossas Excelências julgar procedente o presente Recurso, e proferir Douto Acórdão que revogue a Sentença proferida, reapreciando a matéria de facto nos termos expostos, declarando todas nulidades invocadas com as legais consequências, julgando ainda improcedente a providência decretada, ou subsidiariamente, revogando a inversão do contencioso.

Assim se fazendo Justiça!!!

Junta: 1 documento ao abrigo do artigo 651º do C.P.C e taxa de justiça”.

                                                           ****

1.4. – Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C., responderam os requerentes - AA e BB e mulher CC – terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

“1. Entendem os Recorrentes/Requeridos que a douta sentença é ferida de nulidade por violação do disposto nos artigos 372º, nº 3, 607º, nº 3 e 4 e 615º do C.P.C.;

2. Tendo os Recorrentes/Requeridos alegado, na sua oposição, factos que no seu entender são infirmatórios dos fundamentos da providência cautelar decretada, impõe-se ao julgador, no que respeita à decisão a proferir sobre a matéria de facto, não só elencar quais os factos da oposição que foram dados como provados e quais os não provados e indicar, relativamente a uns e a outros, os fundamentos que serviram de base à formação da sua convicção, mas ainda especificar quais os factos respeitantes à decisão que  decretou a providência que se mantêm provados, ou indicar, pelo menos, quais destes factos resultaram infirmados, contrapondo, em sede de apreciação crítica das provas, às novas provas produzidas as provas em que se tenha baseado a decisão cautelar;

3. A douta sentença, que está a ser objecto do presente recurso, começa por enunciar “ipsis verbis” a decisão da douta sentença que julgou a providência cautelar procedente, referindo de seguida que vieram os Requeridos/Recorrentes deduzir oposição àquela (providência), seguindo em síntese, com o que foi por estes alegado, por excepção (i) e por impugnação ( ii – de A) a E) );

4. No que diz respeito à excepção, de ilegitimidade, foi considerada improcedente;

5. No que diz respeito à impugnação, foi produzida prova e foi efectuada inspecção ao local, referindo que as questões a resolver são:

“ - A prova produzida pelos requeridos permite julgar indiciarimanete demonstrada uma realidade diversa da considerada na decisão final?

- Se sim : essa matéria de facto indiciariamente demonstrada implica uma diferente valoração dos pressupostos da restituição provisória da posse e a consequente revogação da decisão proferida?

- E essa matéria de facto indiciariamente demonstrada implica a não verificação dos pressupostos da inversão do contencioso?”

6. Segue a douta sentença com a “Fundamentação de Facto”, constando de seguida os “Factos Indiciariamente Provados” e os “Factos Indiciariamente Não Provados “;

7. Segue-se àqueles a “motivação da matéria de facto”, constando que a convicção resultou da análise critica e conjugada de toda a prova produzida, como documentos e testemunhas, referindo quanto a estas que pesou o conhecimento destas em relação aos factos, a sua espontaneidade e espírito de colaboração com a descoberta da verdade e a credibilidade com que depuseram;

8. Conforme consta da douta sentença a prova produzida (teor da oposição, declarações do próprio Requerido e das testemunhas por si arroladas, auto de inspeção ao local e prova testemunhal da petição inicial) é apreciada no seu conjunto e conjugada entre si;

9. E assim foi, porquanto, a douta sentença contém, de seguida, uma longa exposição critica em relação à prova produzida em sede de julgamento da oposição, mas sem olvidar os factos alegados e provados pelos Recorridos/Requerentes em sede de petição inicial de providência cautelar, transcrevendo-se, a titulo de exemplo “ anexo este indiscutivelmente construído pelos Requerente e que estes alegaram pertencer-lhes e estarem impedidos de ao mesmo aceder através do portão e da passagem pelas escadas por acção impeditiva dos Requeridos “ (retirado da 7ª página da douta sentença);

10. Não enferma por isso a douta sentença da nulidade invocada pelos Requeridos/Recorrentes, porquanto não violou o disposto no artigo 372º, nº 3;

11. Os Recorrentes/Requeridos, ao pretenderem impugnar a decisão de facto, deviam esclarecer/concretizar, não só qual a factologia que, na sua óptica, o Tribunal a quo julgou erradamente, como ainda quais as provas que, uma vez criticamente analisadas/valoradas, obrigavam a uma decisão diversa da adoptada em sede de decisão de facto, no sentido de delimitar, de forma motivada, o âmbito objetivo e probatório da impugnação de facto, sem deixar, obviamente, de sinalizar qual o sentido, quanto a cada um dos factos impugnados, da decisão a ser proferida, em concreto (cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c) do CPCivil);

12. Assim, impendia sobre os Recorrentes/Requeridos o ónus de especificar qual a decisão a proferir sobre cada um dos pontos fácticos objecto de impugnação (quais as concretas respostas alternativas pretendidas quanto a cada singular ponto factual impugnado). Sem o que não se entende a pretensão recursória dos impugnantes, aos quais, por isso, não bastava sinalizar que impugnam certos factos (também o âmbito

fáctico objetivo da impugnação não deveria ser dúbio ou obscuro), já que se lhes impunha deixar expressa, facto a facto, a resposta pretendida;

13. Ora, salvo o devido respeito, os Recorrentes/Requeridos não indicam de forma clara, facto a facto, a resposta que pretendem seja agora proferida em alteração ao decidido pelo Tribunal a quo, sendo que dúvidas não restariam sobre a matéria se o tivessem feito;

14. Na verdade, se expressam, como era seu ónus, que há manifesto erro na apreciação da prova, provocando um incorrecto julgamento de factos essenciais que impunham decisão diversa, tratando-se dos concretos pontos de facto, não é minimamente claro sobre os termos de tal diverso julgamento no concernente ao sentido preciso da decisão a proferir quanto aos factos impugnados;

15. Tem de concluir-se que os Recorrentes/Requeridos não cumpriram o ónus imposto pelo artigo 640.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, al. a) do NCPC, o que acarreta a rejeição do recurso no segmento relativo à matéria de facto. Contudo, à cautela e por dever de patrocínio apresentam os Recorridos/Requerentes as suas contra-alegações;

16. Os Recorrentes/Requeridos alegam que “da prova produzida nos autos, especialmente testemunhal, não podia nem devia o tribunal a quo, ter dado como provado a matéria elencada nos factos dados como provados e que infra se indica “ (artigo 11);

17. Alegam ainda os Recorrentes/Requeridos “...cujos depoimentos não foram sujeitos a contraditório como deviam“ (artigo 24);

18. Ainda assim, por dever de patrocínio e com algum esforço de raciocínio, os Recorridos/Requerentes contra alegam, no que à impugnação respeita, que não assiste razão aos Recorrentes/Requeridos quer no facto de entenderem que o Tribunal a quo não devia ter dado como provado os factos elencados nos pontos a) 5., b) 6., c) 7., d) 8., e) 9., f) 10., g) 11., h)12., i)13., j) 16., k) 19., l) 24., m)26., n)27. quer quanto ao facto dos depoimentos não terem sido sujeitos a contraditório como deviam;

19. No que diz respeito ao contraditório e com o devido respeito, entendem os Recorridos/Requerentes que os Recorrentes/Requeridos não entenderam a tramitação processual da providência cautelar;

20. Para ser decretada a providência é necessário que haja probabilidade séria da existência do direito (artigo 368.º, n.º 1, CPC), o mesmo é dizer, como refere Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 2.ª Edição, pág. 37, que a prova em causa “basta ser sumária ou constituir uma simples justificação (Vaz Serra, Provas, BMJ, 110, p. 79) ou um juízo de verosimilhança (Abrantes Geraldes, Temas cit. III, p. 90); é a summaria cognitio do antigo direito, designação que os autores italianos continuam ainda a usar, todas estas designações inculcando a ideia de que o procedimento cautelar, porque urgente e conducente a uma providência provisória, não se compadece com as indagações probatórias próprias do processo principal, contentando-se, quanto ao direito ou interesse do requerente, com a constatação objetiva da grande probabilidade de que exista…”

É, pois, em princípio, bastante um juízo de verosimilhança sobre os factos que “supera os meros indícios”, mas “longe do que se revela necessário para o reconhecimento do direito na ação principal.” (Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, pág. 429);

21. O Tribunal a quo não decretou a inversão do contencioso, pelo que nos presentes autos é já superior o nível de convicção necessário. Na verdade, a exigência  e uma convicção segura acerca do direito, consagrada no art. 369.º, n.º 1, do CPC, ultrapassa os limites do fumus boni iuris do art. 368.º, n.º 1, do mesmo código, representando, na prática, um nível de segurança próximo daquele que se mostraria necessário para a apreciação e reconhecimento do mesmo direito na ação principal, caso esta tivesse sido instaurada;

22. Como salienta António Santos Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, Almedina, 1998, pág. 160, “a observância do contraditório mesmo em sede dos procedimentos cautelares não deixa de constituir um elemento que potencia o melhor esclarecimento da questão litigiosa e permite maior certeza e segurança na decisão, uma vez que, como é natural, a parcialidade do requerente pode conduzir a que alegue apenas os factos que beneficiam a sua posição, carregando o quadro com as cores luminosas do seu alegado direito e com as cores negras do periculum in mor.

A sua posição de parte interessada potencia a indicação de meios de prova que lhe são favoráveis e a ocultação dos restantes, com isso influenciando o julgador que, alheio ao litígio, e confrontado apenas com uma das versões, pode ser induzido, erroneamente, a decretar uma medida cautelar injusta, sem correspondência com a verdade material escondida por detrás de manobras maliciosas ou tendenciosas do requerente”;

23. Os aqui Recorrentes/Requeridos não foram ouvidos antes do decretamento da providência, pelo que lhes era (é) lícito, na sequência da notificação prevista no n.º 6 do artigo 366.º do C.P.Civil ou recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, se entendessem que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida; ou deduzir oposição, alegando factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal a quo e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 367.º e 368.º (art. 372.º, n.º 1 do CPC);

24. Os Recorrentes/Requeridos optaram por deduzir oposição, pelo que tiveram oportunidade de alegar novos factos no sentido de infirmarem os fundamentos de decretamento da providência ou produzir novos meios de prova que abalassem a credibilidade conferida aos inicialmente considerados e apresentados pelos Recorridos/Requerentes;

25. É que, na oposição não se trata de facultar ao mesmo tribunal a reapreciação da decisão, a partir dos mesmos elementos, mas de conferir a possibilidade de revisão da convicção anteriormente formada, através de novos meios de prova ou de novos factos com que o tribunal não pode contar;

26. Daí que a oposição deduzida pelos Recorrentes/Requeridos levou o Tribunal a quo a ulterior apreciação jurisdicional, de uma forma superveniente;

27. Os Recorrentes/Requeridos para obterem a revisão dos fundamentos fácticos da decisão favorável aos Recorridos/Requerentes pelo Tribunal a quo, era necessário que os novos meios de prova produzidos (a nova instância das testemunhas ou declarantes anteriormente ouvidos e os documentos juntos) e por aqueles indicados nas suas alegações impusessem uma decisão diversa sobre os pontos fácticos impugnados, sob pena de se manter o inicialmente considerado provado (o que aconteceu);

28. E, assim sendo, os Recorrentes/Requeridos nas alegações do presente recurso (da decisão proferida após a oposição), terão também que ser estes novos meios de prova a sustentar a pretensão de alteração da decisão relativa à matéria de facto, por imporem decisão diversa da firmada pela primeira instância, o que também não lograram, como se vai demonstrar;

29. Os meios de prova juntos pelos Recorrentes/Requeridos na oposição que deduziram em nada abalaram a prova produzida pelos Recorridos/Requerentes, ou seja, a providência manteve-se procedente;

30. Os Recorrentes/Requeridos no que diz respeito às testemunhas arroladas pelos Recorridos/Requerentes e para cada uma delas, indicam o minuto de passagem de cada uma, mas sem transporem o conteúdo dos mesmos, alegando que “nenhuma das testemunhas soube identificar as linhas divisórias dos prédios e muito menos explicar porque é que achavam que era assim“;

31. Na presente acção de restituição provisória de posse os Recorrentes/Requeridos, conforme douta sentença do Tribunal a quo, não lograram demonstrar que sobre a parcela, cuja providência foi decretada, os Recorridos/Requerentes não exerciam poderes de facto em termos de direito de propriedade, ou seja, de que são estes enquanto sucessores dos antepossuidores do prédio que exercem poderes de facto sobre as escadas e anexo em termos de propriedade, o que fazem de forma continua quer directamente, quer através de terceiros (nomeadamente, pela utilização das escadas para armazenamento pela farmácia existente no prédio dos Requerentes);

32. Não restam dúvidas de que dos depoimentos das testemunhas resultou que as escadas estavam afectas ao anexo e que quem fazia uso das mesmas, eram os antecessores dos Recorridos/Requerentes e quem estes autorizavam e estes após o óbito daqueles;

33. Não assiste razão aos Recorrentes/Requeridos no que respeita à matéria dada como provada, mas que no seu entender devia ter sido outra a decisão, assim:

a) 5. Entendem que deve ser dado como não provado.

Não explicam os motivos que os leva a entender como não provado e entende-se o porquê.

Dos depoimentos das testemunhas ficou efectivamente provada que a divisória entre os referidos prédios, o que veio a ser corroborado quer pela inspecção judicial ao local, quer pelas declarações de parte do próprio Recorrente/Requerido, em sede de audiência de discussão e julgamento.

b) 6. Não faz sentido o pretendido pelos Recorrentes/Requeridos, porquanto e sem mais delongas sobre tal, até as fotos o demonstram, corroborados pelo depoimento das testemunhas e pela inspecção judicial ao local.

c) 7. Não se vislumbra a diferença entre destinava-se a arrecadação de lenha ou chegou a ter lenha no seu interior, porquanto se ali esteve depositada lenha, serviu para a arrecadar.

d) 8. Há alguns anos ou em data não determinada tem exactamente o mesmo sentido, se foi há alguns anos não se sabe a data.

e) 9. Todas as testemunhas foram unanimes em dizer que só era possível aceder ao anexo por aquele portão e por aquelas escadas, pelo que daí só pode resultar que sempre acederam por aí.

f) 10. Não é irrelevante, porquanto demonstra que os antecessores dos Recorridos/Requerentes tiveram o cuidado de suspender o que era sua propriedade, o portão, na parede da sua casa.

g) 11. A fechadura é relevante, porquanto tiveram o cuidado de não fazer uso da propriedade vizinha, ou seja, dos Recorrentes/Requeridos.

h) 12.. Provado e relevante porquanto o alvará da farmácia foi da mãe dos Recorridos/Requerentes e por isso esse hábito que já vinha desse tempo, manteve-se, além de que aquela está integrada no prédio daqueles, faz parte do mesmo.

i) 13. Da leitura de ambos dá-se conta de que não é repetição e resultou provado de acordo com o depoimento das testemunhas.

j) 16. Todas as testemunhas foram unanimes em dizer que as escadas de acesso, bem como este, fazem parte da casa dos Recorridos/Requerentes, o que foi corroborado pela inspecção judicial ao local, que permitiu visualizar que destas não há passagem para o prédio dos Recorrentes/Requeridos e das declarações do Requerido resulta que mandaram fazer um muro totalmente fechado, o que impedia o aceso de e para o seu prédio por aquelas (escadas).

k) 19. A testemunha HH deu conta que, em Maio, o Recorrente/Requerido retirou o portão castanho e colocou um outro, de cor branco, fechado à chave, pelo que ficaram impedidos de aceder ao anexo ligar a caldeira e ficaram por isso impedidos de uso de água quente e aquecimento.

l) 24. A testemunha HH avisou os Recorridos/Requerentes da referida substituição.

m) 26. Dos depoimentos das testemunhas resulta fazer parte integrante do prédio dos Recorridos/Requerentes, quer o espaço onde se encontram as escadas quer o anexo.

n) 27. Resulta de fotos juntas com a petição inicial, do depoimento das testemunhas e ainda da inspeção judicial ao local, que a cimalha do telhado da casa de habitação (a poente), a caleira das águas pluviais que provêm do telhado (a poente) e dois aparelhos de ar condicionado, sobrevoam o referido espaço.

É verdade que o cano de escoamento das águas pluviais são conduzidas para a praça, conforme resulta da foto 18 que consta da acta da inspecção judicial ao local, mas tal facto nem sequer consta da matéria dada como provada, pelo que os Recorridos/Requerentes não percebem o alcance do alegado pelos Recorrentes/Requeridos quanto a tal;

34. Assim, não há fundamento para a pretendida reapreciação ou alteração da matéria dada como provada;

35. A posse é nos termos do artigo 1251.º do C. Civil um poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício de um direito de propriedade ou de outro direito real, comportando desse modo o corpus e o animus;

Os Recorridos/Requerentes provaram que exerceram sobre a parcela poderes de facto em termos de propriedade.

Os Recorrentes/Requeridos não lograram demonstrar que sobre a referida parcela, cuja providência foi decretada, os Recorridos/Requerentes não exerciam poderes de facto em termos de direito de propriedade;

36. Ora, são os próprios Recorrentes/Requeridos que reconhecem expressamente - artigo 33 das alegações de recurso - que os Recorridos/Requerentes exercem poderes de facto sobre as escadas e anexo, mas na sua óptica, exercida em nome alheio ou precária, por serem sucessores de antepossuidores;

Os Recorridos/Requerentes são enquanto herdeiros, sucessores dos antepossuidores do prédio, que exercem os poderes de facto sobre as escadas e anexo em termos de propriedade, de forma contínua, quer directamente, quer através de terceiros (uso das escadas para o depósito de medicamentos para a farmácia que existe no prédio daqueles);

Os herdeiros e ao contrário do alegado pelos Recorrentes/Requeridos não são meros detentores ou possuidores precários;

Sendo os Recorridos/Requerentes herdeiros dos seus pais, já falecidos, o prédio faz parte da herança ilíquida e indivisa deixada por óbito daqueles e por ainda não ter sido objecto de partilha, é em comum e sem determinação de parte ou direito, propriedade daqueles, que inclui as escadas e o anexo, tendo em conta que ficou provado que estes fazem parte daquele, conforme certidão predial junta com a petição inicial sob Doc. n.º 2;

Nos termos do artigo 1257º, nº 2 do C. Civil, presume-se que a posse continua em nome de quem a começou e nos termos do artigo 1255º do C. Civil por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores, independente da apreensão material da coisa;

É totalmente descabida a necessidade de aplicação da inversão do título da posse, como pretendem os Recorrentes/Requeridos, porquanto nos presentes autos e em relação aos Recorridos/Requerentes estes na qualidade de herdeiros dos seus pais e estes, exerceram actos de poderes de facto sobre a parcela em termos de direito de propriedade;

37. O alegado pelos Recorrentes/Requeridos nos artigos 37º a 40º, carece de qualquer sentido, porquanto o herdeiro sucede na titularidade das relações jurídicas patrimoniais que o autor da herança já detinha, ou seja, a posse aqui não surge ex novo, mas continua a ser a posse com as mesmas características;

38. Com o falecimento dos pais, os Recorridos/Requerentes, como herdeiros, sucederam na titularidade das relações jurídicas patrimoniais que os autores da herança já detinham, ou seja, com a morte dos pais, aqueles mantiveram a posição que já tinham;

A posse aqui não surge ex novo, mas contínua como sendo a mesma, continua a ser a posse antiga, com as mesmas características, ocorrendo apenas uma sucessão na posse pelos herdeiros. Desde logo, por efeito do art 1255º do CC ao dispor que “por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa”;

39. Nas palavras de Antunes Varela e Pires de Lima “continuando a posse do de cujus no sucessor, há que admitir como consequência necessária, que o sucessor não precisa de praticar qualquer acto material de apreensão ou de utilização da coisa, como expressamente se declara neste artigo e se repete na parte final do nº1 do artº 2050º, para ser havido, para todos os efeitos legais, como possuidor; ele pode inclusivamente ignorar a existência da nova posse. Em segundo lugar, há que concluir que a posse não é nova.

A posse continua a ser a antiga com todos os seus caracteres” (Código Civil anotado, I, anotação ao art 1255º, pag. 13).

Assim, quanto ao lapso temporal que a lei exige para a usucapião, aplica-se o previsto no art 1296° do CC, ou seja, a aquisição do direito de propriedade sobre o prédio só poderá dar-se ao fim de quinze anos;

40 - Os Recorrentes/Requeridos por requerimento apresentado no processo em 01-08-2023 requereram que lhes fosse disponibilizada a gravação das várias sessões de julgamento.

Vieram os Recorrentes/Requeridos por requerimento de 14-09-2023 insistir pela disponibilização das gravações e arguir a nulidade por omissão da disponibilização da gravação.

No mesmo dia, 14-09-2023, o Tribunal “ a quo “ disponibilizou aos Recorrentes/Requeridos as gravações, conforme cota elaborada no processo a 15-09-2023.

A referida disponibilização não foi notificada aos Recorrentes/Recorridos, nem tinha de o ser, conforme resulta do previsto no artigo 155º, nº 3 do C.P.Civil ( por isso consta disponibilizar).

Os Recorrentes/Requeridos tiveram acesso às gravações em tempo útil de interposição do presente recurso e é tanto assim que transpuseram para as suas alegações de recurso, apresentadas no dia 18-09-2023, a gravação do depoimento das várias testemunhas.

41 – O Tribunal “ a quo”, por despacho de 18-09-23 decidiu o seguinte:

“ Uma vez que foi arguida a nulidade antes do termo de prazo para interposição do recurso ( artigo 199º, nº1, do Código de Processo Civil ), o pedido é tempestivo, e porque a omissão viola o direito a um processo equitativo, declara-se a nulidade por omissão da disponibilização da gravação, nos termos do artigo 155º, nº3, nos termos do artigo 195º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, consignando-se que o prazo para interpor recurso de apelação tem o seu dies a quo em 15 de Setembro de 2023.”;

42. O Tribunal “ a quo “ entendeu assistir razão aos Recorrentes/Requeridos e por isso decidiu que o prazo para interpor recurso apenas começava no dia 15 de Setembro de 2023, pelo que sanou a invocada nulidade por omissão da disponibilização da gravação;

43. Mas e ainda que assim se não entenda, o que só como mera hipótese académica se vislumbra, entendendo este Tribunal que há nulidade da disponibilização da gravação por falta/falha da secretaria do Tribunal “ a quo “ a consequência só poderá ser manter a douta sentença e consignar-se novo prazo de recurso de apelação;

44. O alegado nos artigos 42º a 52º carece de fundamento. Entendem os Recorrentes/Requeridos que por ter sido dado por provado que o cimo das escadas sempre teve um portão, que por o pai e marido daqueles ter uma chave do mesmo e ter facilitado a sua abertura aquando da fábrica de confecções para entrada e saída de funcionárias, que ao longo dos tempos tantos aqueles como os Recorridos/Requerentes foram uns e outros ao longo do tempo substituíndo o referido portão e que aquando da construção do prédio daqueles não existia nenhum anexo, entendem existir prova contrária trazida pela oposição;

45. Os Recorrentes/Requeridos fazem uma leitura da matéria dada por provada omitindo factos essenciais que levaram o Tribunal a quo, a manter procedente a providência cautelar, após a produção de prova da oposição por aqueles interposta;

46. Omitem os Recorrentes/Requeridos, entre outros:

-A foto junta sob doc. 9 que mostra um muro a ladear as escadas até ao anexo, totalmente fechado, que não permite a passagem daqueles para o logradouro do seu prédio, pelas escadas objecto de presente providência,

-O Requerido declarou que as escadas pertencem ao seu logradouro o que é contraditório, porquanto a serem, a que propósito foi construído o referido muro,

-A planta junta aos autos, pelos Recorrentes/Requeridos, da sua casa, nem sequer contém as referidas escadas,

-Das fotos juntas e da inspecção judicial ao local resulta que existem dois lances de escadas separados e não um só lance, desde a confrontação a norte para sul, como alegaram os Recorrentes/Requeridos na oposição, Tentou o Requerido fazer crer ao Tribunal que no Acordão junto por si com a oposição estava reconhecida uma servidão de passagem a favor do prédio dos Recorridos/Requerentes fazendo crer que as escadas em questão fazem parte do seu prédio, o que não corresponde à verdade, quer pela leitura daquele quer pela inspecção ao local, sendo a referida servidão de passagem em outras escadas;

47. O alegado nos artigos 53º do recurso não corresponde à verdade. Quer dos documentos juntos quer das declarações da testemunha II, jurista da Câmara Municipal ... resulta que os  recorridos/Requerentes pretendem demolir o anexo para dar origem a nova construção e/ou ampliação, necessitando da mesma forma das escadas;

48. A extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, alegada pelos Recorrentes/Requeridos, ( artigo 54º ), baseada na destruição do anexo é surreal. Os Recorridos/Requerente na petição da providência cautelar começam por pedir “ serem os Requeridos condenados a restituírem aos Requerentes a posse da parte do terreno ocupada por si, constituído por uma escada com dois patamares e 10 degraus (…)”, pelo que não se compreende em quemedida seria extinta a instância em caso de destruição do anexo;

49. Com o devido respeito por opinião contrária, mas o referido parecer (junto com as alegações de recurso) deve ser desentranhado dos autos porquanto foi junto de forma extemporânea nos termos do artigo 425.º e 651.º do C.P.Civil;

Na hipótese de assim se não entender e por dever de patrocínio, entendem os Recorridos/Requerentes que continuam os Recorrentes/Requeridos a deturpar o que é referido pelos Tribunal a quo no que diz respeito às plantas com os alçados juntos por estes, alegando que existem pormenorizadas e construídas escadas, ao contrário do concluído na douta sentença, mas não é assim.

O parecer declara: “...no alçado lateral esquerdo existem pormenorizadas e construídas escadas, que dão acesso da via pública a duas portas de acesso ao interior da moradia “

Da douta sentença consta:

“Ainda, por outro lado, juntaram os Requeridos com a Oposição, uma planta do seu prédio em propriedade horizontal, na qual claramente se verifica que não estão aí comtempladas as escadas com entrada/saída direta para Avenida ... ( que aqui estão em causa ) (…)”

“(…) e por outro lado, na planta do prédio em propriedade horizontal que os Requeridos juntaram com a oposição, não estão comtempladas essas escadas encimadas pelo portão que dá ligação direta ao largo da Avenida ... “.

As escadas que constam do parecer dizem respeito às escadas existentes no prédio/casa dos Recorrentes/Requeridos e as escadas que constam da douta sentença dizem respeito às escadas que dão acesso ao anexo, propriedade dos Recorridos/Requerentes;

50. Andou bem o tribunal “a quo“ ao dispensar os Recorridos/Requerentes da propositura da acção principal, decretando a inversão do contencioso;

51. Desta forma, o Tribunal a “quo“ não violou qualquer disposição legal, pelo que deve manter-se a douta sentença nos precisos termos em que foi proferida.

Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso improceder, mantendo-se a sentença recorrida.

SÓ ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!

                                                           ***

1.5. – Em 18/10/2023, foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

“  Ref. 8314668, 8383805

Por ser legalmente admissível (369.º, n.º 2, 370.º e 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), ter sido interposto tempestivamente (artigo 638.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e terem os recorrentes legitimidade (artigo 631.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), admite-se, ao abrigo do artigo 641.º, n.º 1 e n.º 2 a contrario, do Código de Processo Civil, o recurso interposto o qual é de Apelação (artigo 644.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil), a subir imediatamente, nos próprios autos (artigo 645.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil) e com efeito meramente devolutivo (artigo 647.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

*

ADMITO a reposta apresentada pelos recorridos, corporizada nas Contra-Alegações que aduziram a juízo (artigo 638.º, n.º5 do Código de Processo Civil).

*

GG e FF, Requeridos nos presentes autos, não se conformando com a Decisão Final proferida, dela interpõem recurso de apelação para o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, alegando entre o mais, a nulidade daquela decisão por violação dos artigos 372.º n.º 3, 607.º n.º 3 e 4 e 615.º do C.P.C., violação do princípio da complementaridade da decisão.

Consideram os Requeridos que “na presente decisão, não consta a decisão provisória do decretamento da providência, da qual esta é parte integrante, como também, não foi dado cumprimento ao supra indicado, designadamente, não foram elencados quais os factos da oposição que foram dados como provados e como não provados (e indicar, relativamente a uns e a outros, os fundamentos que serviram de base à formação da sua convicção), com ainda especificar quais os factos respeitantes à decisão que decretou a providência que se mantêm provados, e quais aqueles outros que resultaram modificados ou não provados.”

Nos termos do disposto no artigo 617.º do Código de Processo Civil cumpre ao Tribunal pronunciar-se sobre a aludida nulidade.

De acordo com o disposto no artigo 613.º do Código de Processo Civil:

«1 - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.

2 - É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.

3 - O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos.»

Preceitua o artigo 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que é nula a sentença quando:

« a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. (…)»

Da leitura da sentença em apreço, designadamente no segmento respeitante à fundamentação, constata-se conter a sentença proferida, o elenco dos factos que se aferiram indiciariamente provados e não provados, que teve por base toda a produção de prova em julgamento, tendo sido apreciada no seu conjunto e concatenada com a matéria apurada na decisão inicial que decretou a providência, não deixando de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou sequer conhecendo questões de que não podia tomar conhecimento.

Não se vislumbra que os fundamentos da mesma estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

*

Os Requeridos/recorrentes ainda alegam a nulidade que entendem ter ocorrido “por violação do artigo 155º n.º 3 e 4 do C.P.C., já anteriormente invocada, por falta de disponibilização das gravações não obstante o requerimento apresentado a 1/08/2023”.

Sobre este requerimento já recaiu despacho proferido em 18.09.2023 (ref.ª citius 92130856), pelo que não se impõe que seja agora reapreciada novamente a mesma questão, uma vez que esgotado se mostra, quanto ao já anteriormente decidido, o poder jurisdicional deste Tribunal.

Assim sendo, face ao exposto, cremos inexistir a invocada nulidade, nada havendo a suprir ou a reformar.

Todavia, V. Exas melhor saberão aplicar a lei e fazer JUSTIÇA”.

                                                           ***

1.6. – Colhidos os vistos cumpre decidir.

                                                           ***

                                               2.- Fundamentação

III.1- Factos Indiciariamente Provados.

I)- Encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...24, o prédio urbano composto de casa de habitação com três andares, situado em ..., confrontado a norte e poente com a estrada, a nascente com JJ e a sul com Rio ..., inscrito na matriz predial urbana da Freguesia ..., sob o artigo ...82, constituído em Propriedade Horizontal com as frações A,B,C, D a favor de KK casado com FF no regime de comunhão geral de bens, mediante a apresentação ... de 1978/07/13, por compra.

II. Encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...24, a fração D, em nome de GG, solteiro, maior, correspondente ao primeiro andar e sótão com 75 m2 do prédio constituído em propriedade horizontal, pela Ap. ... de 27.05.2004, por compra.

III. Por escritura de doação outorgada em 9.10 2020 e lavrada a fls. 75 a 76 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º 105, do Cartório Notarial ..., a cargo da Dr.ª LL, foi doada à Junta de Freguesia ..., a fração autónoma designada pela letra C, correspondente ao rés-do-chão destinado a comércio, com duas varandas, superfície coberta de setenta e cinco metros quadrados e logradouro de cinquenta e oito metros quadrados, do prédio sito na Avenida ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ...82, com o valor patrimonial tributário correspondente à fração, de treze mil, setecentos e quarenta e três euros e dez cêntimos, igual ao atribuído, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º...62, registada a seu favor pela Apresentação ...18.

IV. O referido prédio dos requeridos, foi constituído em propriedade horizontal que se encontra registada pela Apresentação 8 em 24.10.1980.

V. O cimo das escadas (cujo topo tem ligação com o largo da Avenida ...), sempre teve um portão, sendo que o pai e marido dos Requeridos, tinha uma chave do mesmo, tendo facilitado a sua abertura aquando da existência da fábrica de confeções, para entrada e saída de funcionários.

VI. Correu termos no presente tribunal, a Ação de Processo Comum n.º 251/15.... em que era ré a aqui Requerida, e autores os aqui Requerentes, tendo sido proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra datado de 27.06.2017, decidindo o seguinte: «(…) condenação da Ré a reconhecer o direito de propriedade em comum, sem determinação de parte e de direito, titulado pelos Autores sobre o prédio inscrito sob o artigo ...82 na matriz predial urbana do Serviço de Finanças ..., sito na Avenida ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º...99.

Mais se julga procedente o pedido dos AA., do reconhecimento do direito de servidão de passagem sobre o prédio da Ré, pelas escadas em pedra sitas a poente do prédio dos AA. e a nascente do prédio da Ré, escadas essas com cerca de dois metros de largura e localizadas entre a abertura referida no ponto 5. e o Rio ..., para os AA. poderem livremente aceder à margem do Rio ..., no que se condena a Ré a assim reconhecer.

Mais se condena a Ré a retirar a construção referida no ponto 6., e a não colocar outro tipo de obstáculos ao uso da tal serventia. (…)”

VII. No referido Acórdão mencionado supra, foi a seguinte a matéria de facto que se teve por provada:

« l- Encontra-se inscrito sob o artigo ...82 na matriz predial urbana do Serviço de Finanças ... um prédio sito na Avenida ..., ..., constando da matriz que confronta de norte com estrada, a sul com o rio ..., de nascente com MM e a poente com serventia de partes, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n..º...99, cujo direito de propriedade se encontra registado a favor dos Autores sem determinação de parte ou de direito.

2- A Ré é proprietária das frações "A" e "B" compostas, respetivamente, por uma subcave, destinada a arrumos e logradouro anexo, de 64 m2, e por uma divisão na cave, destinada a arrumos, duas varandas e logradouro anexo de 65m2, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal em 24.10.1980, sito na Avenida ..., em ..., inscrito na matriz sob o artigo ...82 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º...62....

3- Tal prédio urbano é composto por uma casa de habitação com três andares, composta pelas frações "A", "B", "C" e "D", confrontando de norte e a poente com estrada, a nascente com JJ e a sul com rio ....

4- Antes de os Autores serem titulares do direito de propriedade sobre o prédio identificado em l. e a Ré sobre as frações identificadas em 2., já existiam as escadas de alvenaria que se encontram implantadas a poente do prédio identificado em l. e nos logradouros (nascente) das frações A e B do prédio identificado em 2., as quais dão acesso ao Rio ....

5- No prédio identificado em l. existe uma abertura localizada no seu quintal com as dimensões de 1,85 cm de altura por 60 cm de largura, a qual deita para as ditas escadas, que se estendem em linha reta por cerca de 16 metros e com a largura de dois metros.

6- A Ré mandou construir um muro de blocos de cimento e desta forma obstruiu a abertura identificada no ponto 5.

7- Os Autores e seus antepossuidores passavam pelo acesso referido no ponto 4. dos factos provados com uma canoa para o Rio ..., a fim de desfrutarem das atividades por este proporcionadas, bem como para acederem a um motor de rega que se encontra na margem direita do rio, bem como para vigiar e reparar o muro de suporte que com uma altura considerável margina o rio, tudo de forma pública e à vista de toda a gente, ininterruptamente, há mais de 20, 30 anos, de boa fé e sem qualquer oposição.

VIII. No Anexo encontra-se depositada a caldeira a gasóleo e existem tubos de ligação à casa dos requerentes, para aquecimento da casa e de águas.

*

III. 2- Factos Indiciariamente não Provados

Ficaram por provar os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:

α) Que o portão e as escadas (cujo topo tem ligação com o largo da Avenida ...) pertencem ao prédio dos Requeridos.

β) Que as escadas em referência estendem-se desde a confrontação a norte (estrada – largo) para sul (rio ...) em toda extensão da lateral esquerda do prédio dos Requeridos, fazendo parte do seu logradouro e do prédio dos mesmos.

γ) Que os Requerentes não acedem, nem nunca acederam ao alegado Anexo, nem nunca foi visto ninguém a descarregar combustível para aquecimento ou o quer que seja.

δ) Que o Anexo está edificado, na propriedade dos Requeridos.

                                                                    ***

                        3. Motivação

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.

Calcorreando as conclusões das alegações do recurso, verificamos que as questões a decidir são:

               A)- Nulidade da sentença, 372º n.º 3, 607º n.º 3 e 4 e 615º do C.P.C.

            B) – Nulidade por violação do preceituado no art.º 155.º n.ºs 3 e 4, do C.P.C.

            C)- Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada.

D)- Saber se a decisão que decretou providência cautelar, deve ser revogada, e substituída por acórdão que julgue improcedente a mesma.

E)- Saber se a decisão recorrida deve ser revogada, na vertente, que deferiu a inversão do contencioso, e substituída por acórdão que indefira a inversão do mesmo.

F)- Saber se a instância deve ser extinta por inutilidade superveniente da lide

                                                                                         *

Porém, antes de entrarmos na análise das questões levantadas, no recurso, cabe apreciar, como questão prévia, saber se o documento junto pelos recorrentes deve ou não ser admitido.

            Para solicitarem a sua admissão, os mesmos referem, entre o mais que, no que à prova documental diz respeito, nomeadamente no concernente às plantas com os alçados juntos pelos Recorrentes, em concreto o alçado lateral esquerdo, diferentemente da conclusão do tribunal, existem pormenorizadas e construídas escadas, que dão acesso da via publica a duas portas de acesso ao interior da moradia.

Os recorridos tomaram posição sobre tal matéria, pugnam pela não admissão do documento, referindo, que o mesmo não deve ser admitido, desde logo, por extemporânea a sua junção, devendo por isso, ser desentranhado.

            Apreciando.

            Conforme resulta do disposto no art.º 651º, n.º 1, do C. P. Civil, as partes podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º, do C. P. Civil, ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.

Mais se lê, no art.º 425º, do C. P. Civil, que: Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”

Neste circunspecto, António Abrantes Geraldes, In Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, 4ª edição, pág. 229, explicita que, “em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva e subjetiva).

Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, máxime quando este seja de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.

Neste particular, chama-se à colação, entre outros, o Ac. RC de 18.11.2014, Proc. n.º 628/13.9TBGRD.C1, relatado por Teles Pereira, podendo ler-se no seu sumário que:

I - Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.

II – Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva.

III – Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.

IV – Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis.

V – Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.

VI – Quanto ao segundo elemento referido em I deste sumário, o caso indicado no trecho final do artigo 651º, nº 1 do CPC (a junção do documento ter-se tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância), pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.”.

No mesmo sentido, cf. Ac. RP de 26.09.2016, proc. n.º 1203/14.6TBSTS.P1, relatado Manuel Domingos Fernandes, disponível em www.dgsi.pt. e Ac. RL de 19.01.2016, CJ, 2016, Tomo I, pág. 61.

Neste último aspeto, conforme referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, In Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, págs. 533 e 534, “a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da ação (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida.

Daí que se entenda que “o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperado junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.” (cfr. Antunes Varela, em anotação ao Ac. STJ de 09.12.1980, RLJ, Ano 115º, pág. 89. No mesmo sentido, cf. Ac. STJ de 18.02.2003, CJASTJ, 2003, Tomo I, pág. 106; e Ac. STJ de 27.06.2000, CJASTJ, 2000, Tomo II, pág. 130; Ac. STJ de 26.09.2012, proc. n.º 174/08.2TTVFX.L1.S1, relator Gonçalves Rocha; e Ac. STJ de 21.01.2014, proc. n.º 9897/99.4TVLSB.L1.S1, relatora Maria Clara Sottomayor, disponível em www.dgsi.pt.).

Ora, no caso em apreço, os recorrentes vieram solicitar a junção do documento, referindo, apenas e tão só que no que concernente às plantas com os alçados juntos pelos Recorrentes, em concreto o alçado lateral esquerdo, diferentemente da conclusão do tribunal, existem pormenorizadas e construídas escadas, que dão acesso da via publica a duas portas de acesso ao interior da moradia, não tendo o cuidado de dizer, a razão de só agora juntar o mesmo. Se foi por não o terem à data ou por necessidade face à discussão da audiência de discussão e julgamento, mormente face ao teor da sentença, até por o mesmo se encontrar datado de 23/1/2023.

Pelo exposto, sem necessidade de maiores considerações, por não se verificarem os necessários requisitos legais, decide-se não admitir a junção aos autos do referido documento ora junto pelos recorrentes com as suas alegações de recurso.

Proceda ao desentranhamento do mesmo, pela junção indevida, condenam-se os recorrentes na multa de 2 UCs art.º 27, n.º 1, do Reg. Custas Judiais (D.L. n.º 34/2008, de 26 de fevereiro.

Vista que foi esta questão prévia passemos às questões levantadas no recurso.

Assim,

                                                                       *

A)- Nulidade da sentença, 372º n.º 3, 607º n.º 3 e 4 e 615º do C.P.C.

Os recorrentes para fundamentarem a sua pretensão, abrigando-se no Ac. da Rel. de Guimarães, de 30/3/2017, proc.º n.º 2522/16.2T8BRG-B.G1, relatado por Maria João Marques Pinto de Matos, afirmam que da sentença recorrida, não só, não consta a decisão provisória do decretamento da providência, da qual esta é parte integrante, como também, não foram elencados quais os factos da oposição que foram dados como provados e como não provados (e indicar, relativamente a uns e a outros, os fundamentos que serviram de base à formação da sua convicção), com ainda especificar quais os factos respeitantes à decisão que decretou a providência que se mantêm provados, e quais aqueles outros que resultaram modificados ou não provados.

Opinião oposta têm os recorridos, que afirmam, não se verificar qualquer nulidade, porquanto, a sentença objecto do presente recurso, começa por enunciar “ipsis verbis” a decisão da douta sentença que julgou a providência cautelar procedente, referindo de seguida que vieram os Requeridos/Recorrentes deduzir oposição àquela (providência), seguindo em síntese, com o que foi por estes alegado, por excepção (i) e por impugnação ( ii – de A) a E). A mesma segue com a “Fundamentação de Facto”, constando de seguida os “Factos Indiciariamente Provados” e os “Factos Indiciariamente Não Provados “, seguindo-se a fundamentação de facto e de direito.

O Tribunal “a quo” tomou posição sobre a nulidade invocada, nos termos do n.º 1, do art.º 617.º, do C.P.C., afirmando não se verificar qualquer nulidade, desde logo, referindo, no mais, da leitura da sentença em apreço, designadamente no segmento respeitante à fundamentação, constata-se conter a sentença proferida, o elenco dos factos que se aferiram indiciariamente provados e não provados, que teve por base toda a produção de prova em julgamento, tendo sido apreciada no seu conjunto e concatenada com a matéria apurada na decisão inicial que decretou a providência, não deixando de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou sequer conhecendo questões de que não podia tomar conhecimento.

Apreciando.

Efetivamente refere-se no citado aresto, no que, ao caso importa, que iv. –Na decisão de mérito proferida após o julgamento da oposição à providência cautelar, decretada sem prévia audição do requerido, deverá o julgador, não só elencar os factos da oposição que foram dados como provados e como não provados (e indicar, relativamente a uns e a outros, os fundamentos que serviram de base à formação da sua convicção), como ainda especificar quais os factos respeitantes à decisão que decretou a providência que se mantêm provados, e quais aqueles outros que resultaram modificados ou não provados (contrapondo, em sede de apreciação critica das provas, às novas provas produzidas aquelas outras em que se tenha baseado a primitiva decisão cautelar).

Operando à leitura da sentença recorrida, verificamos que além de indicar os factos provados e não provados, procedeu à respetiva fundamentação, quer de facto quer de direito.

Acresce que, muito embora, não tenha enumerado, os factos que estiveram na base da procedência da providência cautelar, um por um, refere de forma muito clara, que os requeridos, no âmbito da Oposição, não lograram demonstrar indiciariamente os factos novos que alegaram. Daí que, por ausência de factos novos, não seja de alterar a decisão proferida, porquanto se mantém os pressupostos de facto e de direito nos quais ela se baseou. Ou seja, a decisão recorrida, refere de forma legível a matéria da providência cautelar. É certo que poderia fazê-lo enumerando os factos um por um, como parece-se defender o acórdão supra aludido, não o fez. Mas uma coisa é certa para nós, não se pode dizer que a mesma não referiu a matéria da providência cautelar. 

Acresce que os recorrentes compreenderam isso mesmo, tanto assim, que impugnaram o mesmo, recorrendo de facto.

Pelo exposto, esta pretensão, dos mesmos, não procede.

Aqui chegados, passemos ao ponto seguinte.

                                                                       *

            B) – Nulidade por violação do preceituado no art.º 155.º n.ºs 3 e 4, do C.P.C.

Segundo os recorrentes existe tal nulidade, na medida em que, no que respeita à reapreciação e Impugnação da Matéria de Facto produzida no âmbito da presente  decisão e concernente à matéria da oposição, nomeadamente as declarações de parte e depoimentos testemunhal, ficou impedida da possibilidade de impugnar a matéria de facto com os pressupostos exigidos pela lei, por falta de disponibilização das gravações não obstante o requerimento apresentado a 1/08/2023.

Opinião oposta têm os recorridos, que pugnam pelo decidido, desde logo, por os  Recorrentes/Requeridos por requerimento apresentado no processo em 01-08-2023 requereram que lhes fosse disponibilizada a gravação das várias sessões de julgamento, de novo em 14/9/2023 insistiram pela disponibilização das gravações e arguir a nulidade por omissão da disponibilização da gravação.

No mesmo dia, 14-09-2023, o Tribunal “ a quo “ disponibilizou aos Recorrentes/Requeridos as gravações, conforme cota elaborada no processo a 15-09-2023.

A referida disponibilização não foi notificada aos Recorrentes/Recorridos, nem tinha de o ser, conforme resulta do previsto no artigo 155º, nº 3 do C.P.Civil ( por isso consta disponibilizar).

Os Recorrentes/Requeridos tiveram acesso às gravações em tempo útil de interposição do presente recurso e é tanto assim que transpuseram para as suas alegações de recurso, apresentadas no dia 18-09-2023, a gravação do depoimento das várias testemunhas.

Acresce, que o Tribunal “ a quo”, por despacho de 18-09-23 decidiu o seguinte:

“ Uma vez que foi arguida a nulidade antes do termo de prazo para interposição do recurso ( artigo 199º, nº1, do Código de Processo Civil ), o pedido é tempestivo, e porque a omissão viola o direito a um processo equitativo, declara-se a nulidade por omissão da disponibilização da gravação, nos termos do artigo 155º, nº3, nos termos do artigo 195º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, consignando-se que o prazo para interpor recurso de apelação tem o seu dies a quo em 15 de Setembro de 2023.”;

Assim, o Tribunal “ a quo “ entendeu assistir razão aos Recorrentes/Requeridos e por isso decidiu que o prazo para interpor recurso apenas começava no dia 15 de Setembro de 2023, pelo que sanou a invocada nulidade por omissão da disponibilização da gravação.

Mais referem, mesmo que assim não fosse entendido, o que só como mera hipótese académica se vislumbra, entendendo este Tribunal que há nulidade da disponibilização da gravação por falta/falha da secretaria do Tribunal “ a quo “ a consequência só poderá ser manter a douta sentença e consignar-se novo prazo de recurso de apelação.

Sobre esta matéria o Tribunal “a quo” refere no despacho aludido em 1.5. – “Os Requeridos/recorrentes ainda alegam a nulidade que entendem ter ocorrido “por violação do artigo 155º n.º 3 e 4 do C.P.C., já anteriormente invocada, por falta de disponibilização das gravações não obstante o requerimento apresentado a 1/08/2023”.

Sobre este requerimento já recaiu despacho proferido em 18.09.2023 (ref.ª citius 92130856), pelo que não se impõe que seja agora reapreciada novamente a mesma questão, uma vez que esgotado se mostra, quanto ao já anteriormente decidido, o poder jurisdicional deste Tribunal.

Assim sendo, face ao exposto, cremos inexistir a invocada nulidade, nada havendo a suprir ou a reformar”.

Apreciando.

Diga-se, desde já, que não assiste razão aos recorrentes nesta matéria.

Por um lado, o Tribunal em 18/9/2023 proferiu decisão sobre o requerido pelos recorrentes, no que concerne à disponibilidade das gravações, dando-lhes razão e por consequência declarou a nulidade por omissão da disponibilização da gravação, nos termos do artigo 155.º, n.º 3, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, consignando-se que o prazo para interpor recurso de apelação tem o seu dies a quo em 15 de setembro de 2023.

Por outro lado, no dia, 14-09-2023, o Tribunal “ a quo “ disponibilizou aos Recorrentes/Requeridos as gravações, conforme cota elaborada no processo a 15-09-2023. É verdade que não procedeu à qualquer notificação, mas como se sabe, e é entendimento pacifico na jurisprudência, não haver lugar a qualquer notificação, sobre esta matéria, até pela redação do art.º 155.º, n.º 3, do C.P.C., onde fala em a gravação deve ser disponibilizada, que consiste na simples colocação, pela secretaria judicial, da referida gravação à disposição das partes para que estas possam obter cópia da mesma. (cfr. neste sentido da Relação de Coimbra, de 25/09/2018 proc. n.º 7839/15.0TBLSB-A.C1, Ac.s da Rel. de Évora, 17 de Dezembro de 2020, proc.º n.º122900/17.2YIPRT-C. E1 Francisco Xavier, e de 12/10/2017).

Acresce ainda, que são os próprios recorrentes que na motivação de recurso, aludem a passagens da gravação.

Face ao exposto, esta pretensão dos recorrentes improcede.

Aqui chegados passemos ao ponto seguinte.

                                                           *

C)- Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada.

Antes de entrarmos na análise desta questão, cabe como questão prévia, analisar se o recurso da matéria de facto é de rejeitar, como pugnam os recorridos, por inobservância dos requisitos exigidos pelo art.º 640.º, do C.P.C.. Para defenderem o seu ponto de vista, afirmam, entre o mais, que os Recorrentes/Requeridos, ao pretenderem impugnar a decisão de facto, deviam esclarecer/concretizar, não só qual a factologia que, na sua óptica, o Tribunal a quo julgou erradamente, como ainda quais as provas que, uma vez criticamente analisadas/valoradas, obrigavam a uma decisão diversa da adoptada em sede de decisão de facto, no sentido de delimitar, de forma motivada, o âmbito objetivo e probatório da impugnação de facto, sem deixar, obviamente, de sinalizar qual o sentido, quanto a cada um dos factos impugnados, da decisão a ser proferida, em concreto, sendo que os mesmos não indicam de forma clara, facto a facto, a resposta que pretendem seja agora proferida em alteração ao decidido pelo Tribunal a quo, o que não fizeram, pelo que, referem não cumpriram o ónus imposto pelo artigo 640.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, al. a) do NCPC, o que acarreta a rejeição do recurso no segmento relativo à matéria de facto.

Apreciando.

            Em primeiro lugar, diremos algo, a respeito desta matéria.

Como é consabido, o exercício efetivo pelo Tribunal da Relação do duplo grau de jurisdição quanto à decisão da matéria de facto, incluindo a eventual reapreciação de depoimentos gravados, prestados oralmente na audiência de discussão e julgamento, à luz do critério da sua livre e prudente convicção e tem como contrapartida a imposição aos recorrentes de um rigoroso ónus de impugnação por forma a impedir que «a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (cfr. cfr. Abrantes Geraldes, in “ Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2018, 5ª ed. , pág. 169).

 Daí dispor o art.º 640.º do C. P. Civil que:

« 1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) – Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) – A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) – Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) – Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

(…)».

Tal como nos dá conta o Acórdão do STJ, de 29.10.2015, proc.º n.º  233/09.4TBVNG.G1.S1, relatado por Lopes do Rego, consagra este regime processual um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.

Assim, nesta conformidade, integram um ónus primário, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas als. a), b) e c) do nº1 do citado art.640º, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.

Mas, já constituirá um ónus secundário, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na al. a) do nº 2 do mesmo art. 640º, pois tem, sobretudo, por função facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência.

E se é certo cominar a lei o incumprimento do ónus primário e do ónus secundário de igual forma, ou seja, com a sanção da rejeição imediata do recurso [ cfr. art 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do mesmo artigo], não sendo consentida a formulação ao recorrente de um convite ao aperfeiçoamento de eventuais deficiências, a verdade é que, tal como se afirma no citado Acórdão do STJ, de 29.10.2015, « não poderá deixar de ser avaliada diferentemente a falha da parte consoante ocorra num ou noutro âmbito».

Dito de outro modo e na expressão do Acórdão do STJ, de 19.02.2015, proc.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relatado por Tomé Lopes, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1 do referido art. 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, al. a) do mesmo artigo, tal sanção deverá ser aplicada com algum tempero, só se justificando nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame por banda do tribunal de recurso.

Desde que não exista essa dificuldade, apesar da indicação pelo recorrente da localização dos depoimentos não ser totalmente exata e precisa, não se justifica a rejeição do recurso.

É que, como adverte o Acórdão do STJ, de 28.04.2016, proc.º n.º 1006/12.2TBPRD.P1.S1, relatado por Abrantes Geraldes, dando voz à jurisprudência cada vez mais consolidada no Supremo Tribunal, « é necessário que a verificação do cumprimento do ónus de alegação regulado no art. 640 do CPC seja compaginado com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atribuindo maior relevo aos aspectos de ordem material»,  por forma a não se exponenciarem os efeitos cominatórios previstos no mesmo artigo, havendo, por isso, que extrair do texto legal soluções conformes com estes princípios.

Assim, nesta linha de entendimento, salienta-se, no já citado Acórdão do STJ, de 29.10.2015, relatado por Lopes do Rego, acima citado, que na interpretação da norma do art. 640º, « não pode deixar de se ter em consideração a filosofia subjacente ao actual CPC, acentuando a prevalência do mérito e da substância sobre os requisitos ou exigências puramente formais, carecidos de uma interpretação funcionalmente adequada e compaginável com as exigências resultantes do princípio da proporcionalidade e da adequação- evitando que deficiências ou irregularidades puramente adjectivas impeçam a composição do litígio ou acabem por distorcer o conteúdo da sentença de mérito, condicionado pelo funcionamento de desproporcionadas cominações ou preclusões processuais».

Também na defesa da orientação de que não deve adotar-se uma interpretação rígida e desproporcionadamente exigente deste ónus de impugnação, sublinha o Acórdão do STJ, de 22.10.2015, proc.º  nº 212/06.3TBSBG.C2.S1, relatado por Tomé Lopes, que « o sentido e alcance dos requisitos formais de impugnação da decisão de facto previstos no nº1 do art. 640º do CPC devem ser equacionados à luz das razões que lhe estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza da própria decisão de facto».

E, quanto à problemática de saber se tais requisitos do ónus impugnativo devem constar, formalmente, das conclusões recursórias ou bastará incluí-los no corpo alegatório, refere o Acórdão do STJ, de 19.02.2015, proc.º nº 99/05.6TBMGD.P2.S1, relatado por Oliveira Vasconcelos, que a resposta a dar a esta questão depende da função que está subjacente a cada um dos referidos ónus.

Deste modo, «constituindo a especificação dos pontos concretos de facto um fator de delimitação do objeto de recurso, nessa parte, pelo menos a sua especificação deverá constar das conclusões recursórias, por força do disposto no artigo 635º, nº4, conjugadamente com o art. 640º, nº1, alínea a), aplicando-se, subsidiariamente, o preceituado no nº1 do art. 639º, todos do CPC» (cfr. Ac. STJ de 01.10.2015, P. 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ana Luísa Geraldes; Ac. STJ de 14.01.2016, P. n.° 326/14.6TTCBR.C1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.° 157/12.8TUGMR.G1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, P. n° 299/05, Tomé Gomes; Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, C Secção, Pinto de Almeida; Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. n° 233/09, Lopes do Rego; Acórdão de 31.5.2016, Garcia Calejo, 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, Ana Luísa Geraldes, 449/410; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2015).

Ora, como resulta do disposto nos artigos 640.°  e 652.°, n.° 1, alínea a), do CPC, o/a recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, deve não só, identificar os pontos de facto que considera incorrectamente, como também especificar, concreta e individualizadamente o sentido da resposta diversa que, em seu entender, a prova produzida permite relativamente a cada um dos factos impugnados.

As exigências impostas pelo artigo 640.° CPC ao/a recorrente que impugne a matéria de facto são decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, visando-se com elas assegurar a seriedade do próprio recurso.

Mas elas não são alheias também ao princípio do contraditório, pois destinam-se a possibilitar que a parte contrária possa identificar, de forma precisa, os fundamentos do recurso, podendo assim discretear sobre eles, rebatendo-os especificadamente.

Tanto mais, que a impugnação da matéria de facto, não gera a realização dum novo julgamento integral em segunda instância, constituindo antes um meio de sindicar a decisão da primeira instância quanto à decisão da matéria de facto (cfr. Acórdão do STJ, de 29/10/15 233/09.4TBVNG.G1.S1 – relator: Conselheiro Lopes do Rego), não envolve a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida, incidindo sobre pontos determinados da matéria, que ao recorrente compete identificar, aduzindo em complemento os concretos meios probatórios que, em seu entender, justificam uma diversa decisão.

Assim, não basta a indicação de que o Tribunal não deveria ter considerado provado ou não provado determinados pontos, ou a sua extensão ou a redacção que foi dada.

É necessário que, de forma clara, o/a recorrente indique que decisão em alternativa entende dever ser proferida sobre estes pontos, para que o tribunal de recurso se possa pronunciar sobre o efectivo objecto do mesmo.

Mas, já assim não acontece com a especificação dos meios concretos de prova nem com a indicação das passagens das gravações visto que “não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, traduzindo-se antes em elementos de apoio à argumentação probatória” (cfr. neste sentido entre outros STJ de 01.10.2015, P. 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ana Luísa Geraldes; Ac. STJ de 14.01.2016, P. n.° 326/14.6TTCBR.C1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.° 157/12.8TUGMR.G1.S1, Mário Belo Morgado).

Acresce que não cumprindo, o recorrente, o ónus que sobre si recai de impugnação da matéria de facto, não haver lugar a despacho de aperfeiçoamento, no que concerne a tal matéria, ao contrário do que sucede com o recurso relativo à decisão sobre a matéria de direito (previsto no art. 639.º, n.º 2 e n.º 3 do CPC) - (cfr. entre outros, Ac. da RG, de 19.06.2014, Manuel Bargado, Processo n.º 1458/10.5TBEPS.G1, Ac. do STJ, de 27.10.2016, Ribeiro Cardoso, Processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Ac. da RG, de 18.12.2017, Pedro Damião e Cunha, Processo n.º 292/08.7TBVLP.G1, Ac. do STJ, 27.09.2018, Sousa Lameira, Processo n.º 2611/12.2TBSTS.L1.S1, ou Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2).

Aplicando estes ensinamentos, que advogamos, ao caso em apreço, temos para nós, que o recurso da matéria de facto deve ser rejeitado em parte, como veremos.

Os recorrentes na motivação e nas conclusões invocam os pontos de facto que pretendem ver alterados, sendo que, a prova onde assentam, apenas a referem na motivação. Por esta vertente não haveria, quanto a nós, lugar a qualquer rejeição.

Referem os recorrentes, na conclusão VIII - Desta forma, e passando à análise da matéria de facto dada como provada (sempre com referência à decisão de decretamento da providência), impugnam-se expressamente os factos dados como provados em:

o) 5. A divisória entre os referidos prédios é feita de norte para sul, por um muro que se encontra implantado no prédio dos Requeridos, pela parede do Anexo a poente, que se encontra implantado no prédio dos Requerentes e pelo muro de suporte de terras do quintal que faz também parte do prédio destes; p) 6. O prédio dos Requerentes, tomando por referência estarmos de frente para o mesmo, possui do lado direito, a poente, um Anexo fora da casa de habitação e ao nível da cave da mesma, que é fechado, coberto com telha e dotado de uma porta de acesso ao mesmo; q) 7. O referido anexo destinava-se a arrecadação da lenha para uso na casa de habitação descrita no artigo 1.º da petição inicial; r) 8. Há já alguns anos que os Requerentes alteraram o sistema de aquecimento geral e de águas quentes para banhos, na mesma casa, por uma caldeira a gasóleo, caldeira que foi depositada e hoje em dia se mantém, no dito Anexo; s) 9. Para acederem ao Anexo, os Requerentes (e antes deles os seus ante possuidores) sempre entraram a partir da Av. ..., abrindo um portão e percorrendo uma escada em alvenaria dotada no início por um patamar, seguida de 10 degraus e que termina num outro patamar que acede à porta de entrada do Anexo; t) 10. O referido portão estava suspenso na parede da casa de habitação descrita no artigo 1.º da P.I., do lado esquerdo (na perspectiva, de frente para a casa); u) 11. O dito portão, sem fechadura, permitia o acesso ao Anexo, pelos Requerentes; v) 12. Passando pelo portão, alguns fornecedores da Farmácia depositavam nas escadas, as encomendas, em horário em que a Farmácia se encontrava encerrada (à hora de almoço ou de manhã, antes da hora de abertura); w) 13. Os Requerentes nunca tiveram, outra forma de aceder ao referido Anexo, sendo através das escadas, a única forma de acederem à caldeira a gasóleo, de fornecimento de águas quentes e de aquecimento, que naquele se encontra; x) 16. As escadas de acesso ao Anexo, fazem parte integrante do prédio dos Requerentes, bem como o Anexo, sendo os únicos que o utilizavam; y) 19. Desde 01 de Maio de 2022, os Requeridos impediram os Requerentes de acederem ao Anexo, impedindo-os de ligarem a caldeira e terem uso de águas quentes e do aquecimento; z) 24. Os Requerentes foram avisados por pessoas residentes em ..., de que os Requeridos tinham mandado retirar o portão de acesso à sua propriedade (Anexo) e que o tinham substituído por outro; aa) 26. O espaço onde se encontram as escadas de acesso ao Anexo, e este Anexo, fazem parte integrante do prédio dos Requerentes descrito no artigo 1.º da P.I.; bb) 27. A cimalha do telhado da casa de habitação (a poente), a caleira das águas pluviais que provêm do telhado (a poente), sobrevoam o referido espaço, janelas e parapeitos estão virados para o referido espaço, e dois aparelhos de ar condicionado também.

Porém, na conclusão XVII referem - Pelo que, face à falta e deficiente produção de prova e investigação pelo tribunal, tendo em conta os testemunhos apontados e respectivas fraquezas, não podia ter sido dado como provados os factos acima elencados em 14 destas alegações, com particular relevância para os factos descritos em a), b), c), h), i), j), n) (correspondentes aos factos dados como provados em 5, 6, 7, 12, 13, e 16 do decretamento). Sendo que tais factos, deviam ter sido dados como não provados.

Contudo, na conclusão XVIII- referem - E mesmo que o tribunal assim não concluísse, in totum, a referida matéria de facto deveria ter apenas o seguinte alcance:

o) 5. A divisória entre os referidos prédios é feita de norte para sul, por um muro que se encontra implantado no prédio dos Requeridos, pela parede do Anexo a poente, que se encontra implantado no prédio dos Requerentes e pelo muro de suporte de terras do quintal que faz também parte do prédio destes. Não Provado.

p) 6. O prédio dos Requerentes, tomando por referência estarmos de frente para o mesmo, possui do lado direito, a poente, um Anexo fora da casa de habitação e ao nível da cave da mesma, que é fechado, coberto com telha e dotado de uma porta de acesso ao mesmo. Provado apenas que existe um anexo junto à casa de habitação dos Requerentes.

q) 7. O referido anexo destinava-se a arrecadação da lenha para uso na casa de habitação descrita no artigo 1.º da petição inicial. Provado apenas que o anexo chegou a ter lenha no seu interior.

r) 8. Há já alguns anos que os Requerentes alteraram o sistema de aquecimento geral e de águas quentes para banhos, na mesma casa, por uma caldeira a gasóleo, caldeira que foi depositada e hoje em dia se mantém, no dito Anexo. Provado apenas que em data não determinada, foi instalada uma caldeira de aquecimento no referido anexo.

s) 9. Para acederem ao Anexo, os Requerentes (e antes deles os seus ante possuidores) sempre entraram a partir da Av. ..., abrindo um portão e percorrendo uma escada em alvenaria dotada no início por um patamar, seguida de 10 degraus e que termina num outro patamar que acede à porta de entrada do Anexo. Provado apenas que os Requerentes acediam ao anexo por aquele portão (mas não que tenha sido sempre assim).

t) 10. O referido portão estava suspenso na parede da casa de habitação descrita no artigo 1.º da P.I., do lado esquerdo (na perspectiva, de frente para a casa). Irrelevante

u) 11. O dito portão, sem fechadura, permitia o acesso ao Anexo, pelos Requerentes. Provado apenas, que permitia o acesso, quanta à fechadura, pouco ou nada se apurou.

v) 12. Passando pelo portão, alguns fornecedores da Farmácia depositavam nas escadas, as encomendas, em horário em que a Farmácia se encontrava encerrada (à hora de almoço ou de manhã, antes da hora de abertura). Não Provado – ainda irrelevante.

w) 13. Os Requerentes nunca tiveram, outra forma de aceder ao referido Anexo, sendo através das escadas, a única forma de acederem à caldeira a gasóleo, de fornecimento de águas quentes e de aquecimento, que naquele se encontra. Não Provado, para além de ser parcialmente repetição do e).

x) 16. As escadas de acesso ao Anexo, fazem parte integrante do prédio dos Requerentes, bem como o Anexo, sendo os únicos que o utilizavam. Não Provado.

y) 19. Desde 01 de Maio de 2022, os Requeridos impediram os Requerentes de acederem ao Anexo, impedindo-os de ligarem a caldeira e terem uso de águas quentes e do aquecimento. Não Provado.

z) 24. Os Requerentes foram avisados por pessoas residentes em ..., de que os Requeridos tinham mandado retirar o portão de acesso à sua propriedade (Anexo) e que o tinham substituído por outro. Não Provado. Irrelevante.

aa) 26. O espaço onde se encontram as escadas de acesso ao Anexo, e este Anexo, fazem parte integrante do prédio dos Requerentes descrito no artigo 1.º da P.I. Não Provado.

bb) 27. A cimalha do telhado da casa de habitação (a poente), a caleira das águas pluviais que provêm do telhado (a poente), sobrevoam o referido espaço, janelas e parapeitos estão virados para o referido espaço, e dois aparelhos de ar condicionado também. Não Provado. (Aliás, como bem resulta da fotografia 18 constante da ata de inspecção ao local, o cano de escoamento das águas pluviais são conduzidas para a praça, sendo proibido que escoassem para as escadas)

Da leitura das conclusões XVII e XVIII, temos para nós, que o recurso da matéria de facto deve ser rejeitado quanto aos pontos (p 6 e q 7, identificados a negrito), porquanto na conclusão XVII referem os recorrentes que os mesmos devem ser não provados, referindo em XVIII, que os mesmos devem ser provados apenas.

A respeito da rejeição do recurso da matéria de facto, com base na al.ª c), do n.º 1, do art.º 640.º, do C.P.C., foi publicado o Acórdão de Fixação de Jurisprudência, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2023, de Lisboa, 17 de outubro de 2023, Processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 (Recurso para Uniformização de Jurisprudência), publicado no D.R. Série I, n.º 220/2023, de 14/11/2023 onde se fixou: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”.

No caso em apreço quer na motivação (cfr. pontos 24 e 25 da mesma), quer das conclusões (cfr. XVII e XVIII), os recorrentes repetem, o não provado ou o provado apenas. Assim, sendo, afinal pretendem que os mesmos sejam não provados ou provados apenas. Esta incerta. Quanto a nós, a lei não permite, razão pela qual, e tendo por base o preceituado na al.ª c), do n.º 1, do art.º 640.º, do C.P.C., rejeita-se o recurso da matéria de facto quanto aos pontos 6 e 7.

Vista a questão preliminar passemos a ver se a matéria de facto deve ser alterada como pretendem os recorrentes.

                                                           *

Como já referimos os recorrentes impugnam a matéria de facto (referente à decisão que deferiu a providência cautelar e inversão do contencioso).

Referem os mesmos que os pontos 5., 6., 7., 8., 9., 10., 11., 12., 13., 16., 19.,  24., 26. e 27, foram mal apreciados, desde logo, tendo por base o depoimento das testemunhas NN, HH, OO, PP e QQ, e da sua conjugação com os documentos juntos aos autos, referindo ainda quanto ao 27, (Aliás, como bem resulta da fotografia 18 constante da ata de inspecção ao local, o cano de escoamento das águas pluviais são conduzidas para a praça, sendo proibido que escoassem para as escadas).

Opinião oposta têm os recorridos que pugnam pelo decidido.

Após a audição da prova este Tribunal, irá apreciar tal pretensão, com exceção dos factos 6 e 7, que este Tribunal rejeitou, como supra referido.

                                                           *

Como se sabe, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova, o juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição. 

É sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc. (cfr. Abrantes Geraldes in “Temas Prova, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (cfr. Abrantes Geraldes in “Temas de Prova”  II Vol. cit., p. 273).

Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.

“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (cfr. Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348).

Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

Daí que conforme orientação jurisprudencial prevalecente o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição.

Em conclusão: mais do que uma simples divergência em relação ao decidido, é necessário que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante ou quando também eles sejam contrariados por meios de prova de igual ou de superior valor ou credibilidade, não descurando a vertente que a prova tem de ser analisada em conjunto.

É que o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.

Sendo, portanto, um problema de aferição da razoabilidade da convicção probatória do julgador recorrido, aquele que essencialmente se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento fáctico operado pela 1ª instância, forçoso se torna concluir que, na reapreciação da matéria de facto, à Relação apenas cabe, pois, um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal a quo lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou (cfr. cfr. Miguel Teixeira de Sousa obra citada, pág. 348).

Casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto serão, por exemplo, os de o depoimento de uma testemunha ter um sentido em absoluto dissonante ou inconciliável com o que lhe foi conferido no julgamento, de não terem sido consideradas- v.g. por distracção-determinadas declarações ou outros elementos de prova que, sendo relevantes, se apresentavam livres de qualquer inquinação, e pouco mais.

A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.

Cabe ainda referir que advogamos o defendido no Ac. desta Relação de 10/7/2018, proc.º n.º 1445/16.0T8FIG.C1, relatado por Luiz José Falcão de Magalhães, do qual somos 1.º adjunto, onde refere citando o Ac. da mesma relação de 4/4/2017, proc.º n.º 516/12.6TBPCV.C1), relatado por Jorge Arcanjo «… o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância, embora exija uma avaliação da prova (e não apenas uma mera sindicância do raciocínio lógico) deve, no entanto, restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal ou por depoimento de parte é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e, na avaliação da respectiva credibilidade, tem que reconhecer que o tribunal a quo, está em melhor posição.

Por isso, se entende não bastar qualquer divergência de apreciação e valoração da prova, impondo-se a ocorrência de erro de julgamento ( cf., por ex., Ac STJ de 15/9/2010 ( proc. nº 241/05), de 1/7/2014 ( proc. nº 1825/09), em www dgsi.pt ), tanto mais que o nosso sistema é predominantemente de reponderação (…)».

Ao que acresce que o dever de fundamentação da decisão de facto, exige actualmente a indicação do processo lógico – racional que conduziu à formação da convicção do julgador, relativamente aos factos que considerou provados ou não provados, de acordo com o ónus de prova que incumbia a cada uma das partes, conforme dispõe, no que concerne à sentença, o artº 607º, nº 4 do CPC, segundo os diversos critérios legais e jurisprudenciais, tendo em conta que, na formação da convicção do julgador rege o princípio da livre apreciação das provas, excepto nos casos previstos no nº 5 do artº 607 do C.P.C.-aqueles para cuja prova seja exigida formalidade especial, os que só possam ser provados por documentos e os que estejam já provados por acordo, documento ou confissão das partes.

É este dever de fundamentação imprescindível a um processo equitativo e contraditório, salvaguardando as garantias das partes e possibilitando a sua cabal reacção, em caso de discordância em relação a esta convicção, bem como assegurando que o tribunal de recurso tem todos os elementos necessários para a apreensão e reapreciação da matéria fáctica.

Conforme referido por Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, págs. 296, 297,), “o dever de fundamentação introduzido pela reforma de 1961, reforçado em 1995 e agora transferido para a própria sentença que simultaneamente deve conter a enunciação dos factos provados e não provados e as respectivas implicações jurídicas “ exige que “se estabeleça o fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção, fazendo a respectiva apreciação crítica nos seus aspectos mais relevantes. Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, o juiz deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (…), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos. É na motivação que agora devem ser inequivocamente integradas as presunções judiciais e correspondentes factos instrumentais (…).

Por último, no que toca à possibilidade e limites da reapreciação da matéria de facto, não obstante se garantir um duplo grau de jurisdição, tem este de ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607 nº 5 do C. P. Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o tribunal de recurso não pode já recorrer.

De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.

Assim, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.

                                                           *

Da audição da prova resulta.

Testemunha NN, refere conhecer a situação a discutir, bem como as pessoas, intervenientes no caso.

Afirma conhecer a casa em causa, que pertence à dona AA e seu irmão, por a terem adquirido por herança. Quem estiver de frente para a casa existe um muro do lado direito desta que divide a mesma do imóvel dos requeridos, sendo que o muro não tinha qualquer abertura e não permitia acesso da casa dos requerentes para a casa dos requeridos e vice verso.

Antes do muro divisório sempre existiu um portão, que dava para umas escadas que dão acesso a um anexo onde está uma caldeira de aquecimento. 

Foram exibidas as fotos 8, 9 e 17 tendo a testemunha de forma clara identificado o que nas mesmas se vê.

Afirma não ter visto fazer as aberturas, que hoje existem, no muro divisório, apenas viu as aberturas, que antes não existiam. As escadas e o anexo são dos requerentes. O portão que lá foi colocado é um portão claro, diferente do que lá existia.

Foram-lhe exibidas as fotos 12, 13, 14 e 16, explicando a testemunha as mesmas e ao que se referiam. Antes da caldeira o anexo já existia, onde era guardada lenha. O portão tem abertura para o lado esquerdo, atento de quem esteja voltado de frente para o mesmo.

Quem tinha acesso à caldeira era a dona AA e a família. Hoje não tem acesso à mesma, porque os senhores do lado, referindo-se aos requeridos, colocaram a porta.

Testemunha HH, afirma conhecer as partes envolvidas nos autos.

Quem estiver de frente para a casa, ao lado da farmácia, está um portão com escadaria que pertence à casa dos requerentes. Foi-lhe exibido a foto 8, tendo identificado, com toda a clareza, o que se vê na mesma e a que corresponde. O portão abria para o lado esquerdo, para o lado da farmácia, isto quem estivesse de frente para a casa dos requerentes. O anexo onde hoje está a caldeira já existia, e era lá colocada lenha. Do lado direito do portão, de quem esteja de frente para a casa dos requerentes, está um muro. Foi-lhe exibida foto 9, que soube ler e dizer o que se vê na mesma. Esse muro não tinha qualquer abertura, mas não sabe quem o mandou construir.

A casa dos requerentes tem um quintal onde cultivam designadamente, batatas, couve e feijão. Hoje o muro, tem aberturas, não está completamente tapado, como estava antes. Foram-lhe exibidas as fotos 13, 16 e 17 sabendo ler as mesmas e explicar o que nas mesmas se vê, mostrou conhecimento do local. A substituição do portão foi em maio, sendo que, os requerentes estão privados de aceder à caldeira.

Testemunha OO, refere conhecer as partes envolvidas nos presentes autos.

Conhece a casa dos requerentes à mais de 30 anos. Tem a chave da casa dos mesmos, para ir tratar das coisas. Quem estiver de frente para a casa vê a farmácia, a garagem, as janelas. A casa dos requerentes não acaba na farmácia. Tem ainda um portão, que dá acesso a umas escadas que por sua vez dão acesso a um anexo, onde se encontra uma caldeira. Eles (referindo-se aos requerentes) não podem tomar banho de água quente, por não poderem aceder à caldeira. O limite do lado direito, quem estiver de frente para a casa dos requerentes é a casa dos requeridos. Foi-lhe exibido foto 9, sabendo localizar o que a mesma espelha. O portão estava cravado na casa dos requerentes. Não estava fechado à chave, até por lá serem deixados produtos que vinham para a farmácia. Os requeridos não tinham acesso às escadas nem se serviam das mesmas. A casa dos requerentes tem um quintal, com árvores de fruto, e também é cultivado.

O muro divisório da casa dos requerentes e requeridos foi aberto, que não era, sendo que, os requeridos colocaram à porta do anexo onde se encontra a caldeira, areia e outros lixos. Foi-lhe exibida a foto 16 sabendo explicar o que na mesma se vê. Hoje os requerentes não podem aceder à caldeira porque os requeridos fecharam o portão. Foi-lhe exibido fotos 19, 11 e soube explicar as mesmas. Os requeridos tiraram o portão original e colocaram outro igual ao da casa deles. Por isso, hoje os requerentes não têm acesso à caldeira.

Testemunha PP, conhece as partes dos presentes autos. Está zangado com os requeridos, por o terem maltratado.

Conhece a casa dos requerentes, pois já trabalha na mesma há mais de 20 anos. A casa tem um quintal, que fica na parte debaixo. O aquecimento para a casa está fechado, sabe disso, por ter andado a pintar o anexo, onde a caldeira se encontra. Foi-lhe exibida a foto 9, e confirma o que na mesma se vê. O muro estava fechado e a farmácia estava na casa dos requerentes. Foi-lhe exibida foto Google e confirma o que na mesma se vê. 

Testemunha QQ, refere conhecer as partes intervenientes nos autos.

Há 6 anos que já não está na farmácia. Quem estiver de frente para a casa dos requerentes vê um portão cravado na parede na parede na casa da farmácia. O portão dava acesso a uma escadaria que por sua vez dava acesso a um anexo, onde estava uma caldeira. Ao lado das escadas havia um muro. Foi-lhe exibida foto 9 que soube identificar com o local dos autos. Nunca viu a requerida Clara ou o seu filho entrarem no portão e irem para as escadas. Foi-lhe exibida a foto 16 que soube identificar com o local dos autos.

Aqui chegado, cabe verificar se assiste razão ao recorrentes.

Assim,

Ponto 5.

O mesmo tem a redação: “5. A divisória entre os referidos prédios é feita de norte para sul, por um muro que se encontra implantado no prédio dos Requeridos, pela parede do Anexo a poente, que se encontra implantado no prédio dos Requerentes e pelo muro de suporte de terras do quintal que faz também parte do prédio destes.

Facto que os recorrentes pretendem ver -  Não Provado.

Ponto 8

O mesmo tem a seguinte redação: “Há já alguns anos que os Requerentes alteraram o sistema de aquecimento geral e de águas quentes para banhos, na mesma casa, por uma caldeira a gasóleo, caldeira que foi depositada e hoje em dia se mantém, no dito Anexo”.

Segundo os recorrentes o mesmo deve ser apenas provado: que em data não determinada, foi instalada uma caldeira de aquecimento no referido anexo.

Ponto 9

O mesmo tem a seguinte redação: “ Para acederem ao Anexo, os Requerentes (e antes deles os seus ante possuidores) sempre entraram a partir da Av. ..., abrindo um portão e percorrendo uma escada em alvenaria dotada no início por um patamar, seguida de 10 degraus e que termina num outro patamar que acede à porta de entrada do Anexo”

Segundo os recorrentes o mesmo deve ser apenas provado: que os Requerentes acediam ao anexo por aquele portão (mas não que tenha sido sempre assim).

Ponto 10

O mesmo tem a seguinte redação:”O referido portão estava suspenso na parede da casa de habitação descrita no artigo 1.º da P.I., do lado esquerdo (na perspectiva, de frente para a casa).

Segundo os recorrentes o mesmo é Irrelevante

Ponto 11

O mesmo tem a seguinte redação: “O dito portão, sem fechadura, permitia o acesso ao Anexo, pelos Requerentes.

Provado apenas, que permitia o acesso, quanta à fechadura, pouco ou nada se apurou.

Segundo os recorrentes o mesmo deve passara a: Não Provado – ainda irrelevante.

Ponto 13

O mesmo tem a seguinte redação:”Os Requerentes nunca tiveram, outra forma de aceder ao referido Anexo, sendo através das escadas, a única forma de acederem à caldeira a gasóleo, de fornecimento de águas quentes e de aquecimento, que naquele se encontra.

Segundo os recorrentes o mesmo a: Não provado, para além de ser parcialmente repetição do e).

Ponto 16

O mesmo tem a redação: As escadas de acesso ao Anexo, fazem parte integrante do prédio dos Requerentes, bem como o Anexo, sendo os únicos que o utilizavam.

O mesmo, segundo os recorrentes, deve passar a: Não provado

Ponto 19

O mesmo tem a seguinte redação: Desde 01 de Maio de 2022, os Requeridos impediram os Requerentes de acederem ao Anexo, impedindo-os de ligarem a caldeira e terem uso de águas quentes e do aquecimento.

O mesmo, segundo os recorrentes, deve passar a: Não Provado.

Ponto 24

O mesmo tem a seguinte redação: Os Requerentes foram avisados por pessoas residentes em ..., de que os Requeridos tinham mandado retirar o portão de acesso à sua propriedade (Anexo) e que o tinham substituído por outro.

Deve, segundo os recorrentes, passar a: Não Provado. Irrelevante.

Ponto 26

O mesmo tem a seguinte redação: O espaço onde se encontram as escadas de acesso ao Anexo, e este Anexo, fazem parte integrante do prédio dos Requerentes descrito no artigo 1.º da P.I.

Segundo os recorrentes deve passar a: Não Provado.

Ponto 27

O mesmo tem a seguinte redação: A cimalha do telhado da casa de habitação (a poente), a caleira das águas pluviais que provêm do telhado (a poente), sobrevoam o referido espaço, janelas e parapeitos estão virados para o referido espaço, e dois aparelhos de ar condicionado também.

Segundo os recorrentes, deve passar a: Não Provado. (Aliás, como bem resulta da fotografia 18 constante da ata de inspecção ao local, o cano de escoamento das águas pluviais são conduzidas para a praça, sendo proibido que escoassem para as escadas).

Temos para nós, e, tendo por base o resultado da audição da prova, da sua conjugação e da conjugação da mesma com o teor dos documentos juntos não vislumbramos razão para alterar a mesma.

Na verdade, a testemunha NN, de forma muito clara e convincente, e após, confrontada com as fotografias n.º 8 (e demais retiradas do Google Earth, juntas aos autos) e foto n.º 9, não teve dúvidas, pertença dos requerentes, da existência de um portão castanho, de madeira, que dá aceso às escadas que dão acesso ao anexo e que havia um muro, que ladeava as escadas de acesso ao anexo, que separava as propriedades dos requerentes e requeridos, que não tinha qualquer abertura, que permitisse a passagem de uma propriedade para a outra.

O referido pela testemunha é espelhado nos documentos juntos, com o requerimento inicial e fotos tiradas na inspeção ao local.

Na verdade, das fotos juntas com o requerimento, inicial, e das respetivas legendas é possível ver o muro, o portão as escadas, bem como ver o muro partido, recente, onde se vêm pedaços de tijolo (fotos juntas com o requerimento inicial).

Também, das mesmas fotos é possível ver, de frente para o portão, do lado esquerdo, máquinas de ar condicionado suportada na parede do lado esquerdo, propriedade dos requerentes.

Também das fotos tiradas aquando da inspeção judicial, tal resulta, (cfr. ata de 15/11/2022, inspeção ao local).

A testemunha HH, que também, mostrou fazer um depoimento claro, corroborou o referido pela testemunha NN, tendo ainda referido, que os requeridos no inicio de maio de 2022, fizeram uma abertura no muro conforme imagem da foto n.º 11, (dantes inexistente em comparação com a situação anterior captada na imagem da foto n.º 9).

No mesmo sentido a testemunha OO, sendo que a testemunha PP, pedreiro, também corrobora o referido pelas testemunhas HH e NN, afirmando, também, ter sido, há mais de 20 anos, contratado pelos pais dos Requerentes para tratar do quintal da casa de habitação deles, que há 6 ou 7 anos, pintou o muro que se visualiza na fotografia n.º 9 junta, e que não existiam quaisquer aberturas no mesmo, nem outra forma de entrar ou sair, sem ser pelo portão existente ao cimo das escadas. Soube dizer que esse portão castanho, estava fixado na parede da casa dos Requerentes, e apenas dava acesso como havia dito, à casa em baixo onde haviam máquinas para o aquecimento.

Por sua vez a testemunha QQ, farmacêutico, também corrobora o referido pelas testemunhas acima referidas (PP, HH e NN).

Atendendo a tudo isto, como já dissemos, não vislumbramos razão para alterar a matéria de facto.

Acresce, ainda que, advogamos que este Tribunal só deve alterar a matéria de facto fixada em 1.ª instância, se averiguar de que algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes, o que não é manifestamente o caso, como resultou da audição da prova, tanto mais que o juiz esteve no local e pode observar in loco os factos.

Pelo exposto, e pelas razões expostas, a matéria de facto fixada em 1.ª instância é mantida.

Dito isto, passemos analisar os demais pontos levantados do recurso.

Assim,

                                                           *

D)- Saber se a decisão que decretou providência cautelar, deve ser revogada, e substituída por acórdão que julgue improcedente a mesma.

Tendo sido alterada a matéria de facto, como pretendiam os recorrentes, por terem decaído em tal pretensão, pelas razões, supra aludidas, a questão de direito, assentará na matéria de facto fixada em 1.ª instância.

Para defender este ponto de vista, referem os recorrentes que, sem prescindir da fragilidade já apontada no respeitante à reapreciação da prova gravada, existem indícios suficientes para criar no espírito do julgador a dúvida irremovível sobre a efectiva verificação dos factos alegados pelos Recorridos, e antes tidos como ocorridos, já que esse juízo assentou numa análise perfunctória, não sindicada pela outra parte.

            Mais referem que, na fundamentação de direito da sentença( quer do decretamento, quer a presente), e quanto aos atos de posse, o tribunal considerou que os requerentes enquanto sucessores dos antepossuidores do prédio exerceram os poderes de factos sobre as escadas e anexo, compatíveis com uma posse precária, uma mera detenção. Todavia, não foi feita prova qualquer prova cabal do animus que integra a posse conducente à aquisição do direito de propriedade, tendo, aliás, antes pelo contrário, resultado, que nenhum facto provado existe que, aponte para que, quer os Recorridos quer os seus ante possuidores, utilizavam o “prédio” (parcela – escada e anexo), convencidos de que exerciam plenamente o seu direito de propriedade.

Ante a fundamentação de facto elencada, os Recorridos, enquanto herdeiros, não são mais do que meros detentores ou possuidores precários, pelo que não podiam, nem podem adquirir para si o direito possuído, exceto se demonstrada fosse a inversão do título da posse, o que não se verificou, nem tão pouco foi alegada.

Assim, nos termos do disposto no artigo 1253.º do Código Civil, são havidos como detentores ou possuidores precários os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito; os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular e os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem. Nestas condições encontram-se todos aqueles que, tendo embora a detenção da coisa, sobre a mesma não exercem poderes de facto com “animus” de exercer o direito real correspondente. Ora, no caso em apreço, embora os Recorridos exerçam poderes de facto sobre as escadas e anexo, situação em que a posse se considera exercida em nome alheio ou precária (são meros sucessores dos antepossuidores), o certo é que não provaram qualquer facto suscetível de demonstrar a inversão do título da posse, ou seja, de uma posse em nome de outrem ter dado lugar a uma posse em nome próprio, a uma posse baseada numa atuação “uti dominus”.

            Opinião oposta têm os recorridos, referindo que para ser decretada a providência é necessário que haja probabilidade séria da existência do direito (artigo 368.º, n.º 1, CPC), o mesmo é dizer, como refere Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 2.ª Edição, pág. 37, que a prova em causa “basta ser sumária ou constituir uma simples justificação (Vaz Serra, Provas, BMJ, 110, p. 79) ou um juízo de verosimilhança (Abrantes Geraldes, Temas cit. III, p. 90); o procedimento cautelar, porque urgente e conducente a uma providência provisória, não se compadece com as indagações probatórias próprias do processo principal, contentando-se, quanto ao direito ou interesse do requerente, com a constatação objetiva da grande probabilidade de que exista...”

            Mais referem, a posse é nos termos do artigo 1251.º do C. Civil um poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício de um direito de propriedade ou de outro direito real, comportando desse modo o corpus e o animus; Os Recorridos/Requerentes provaram que exerceram sobre a parcela poderes de facto em termos de propriedade. Os Recorrentes/Requeridos não lograram demonstrar que sobre a referida parcela, cuja providência foi decretada, os Recorridos/Requerentes não exerciam poderes de facto em termos de direito de propriedade; Ora, são os próprios Recorrentes/Requeridos que reconhecem expressamente - artigo 33 das alegações de recurso - que os Recorridos/Requerentes exercem poderes de facto sobre as escadas e anexo, mas na sua óptica, exercida em nome alheio ou precária, por serem sucessores de antepossuidores; Os Recorridos/Requerentes são enquanto herdeiros, sucessores dos antepossuidores do prédio, que exercem os poderes de facto sobre as escadas e anexo em termos de propriedade, de forma contínua, quer directamente, quer através de terceiros (uso das escadas para o depósito de medicamentos para a farmácia que existe no prédio daqueles); Os herdeiros e ao contrário do alegado pelos Recorrentes/Requeridos não são meros detentores ou possuidores precários; Sendo os Recorridos/Requerentes herdeiros dos seus pais, já falecidos, o prédio faz parte da herança ilíquida e indivisa deixada por óbito daqueles e por ainda não ter sido objecto de partilha, é em comum e sem determinação de parte ou direito, propriedade daqueles, que inclui as escadas e o anexo, tendo em conta que ficou provado que estes fazem parte daquele, conforme certidão predial junta com a petição inicial.

Nos termos do artigo 1257.º, n.º 2 do C. Civil, presume-se que a posse continua em nome de quem a começou e nos termos do artigo 1255.º do C. Civil por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores, independente da apreensão material da coisa; É totalmente descabida a necessidade de aplicação da inversão do título da posse, como pretendem os Recorrentes/Requeridos, porquanto nos presentes autos e em relação aos Recorridos/Requerentes estes na qualidade de herdeiros dos seus pais e estes, exerceram actos de poderes de facto sobre a parcela em termos de direito de propriedade, pugnando pela manutenção da decisão.

Apreciando.

O procedimento cautelar é destinado a garantir, a quem o invoca, a titularidade de um direito contra a ameaça ou um risco que sobre ele paira e que é de tal modo premente, que a sua tutela não pode aguardar a decisão judicial. Como refere Abrantes Geraldes em “Temas da Reforma do Processo Civil”, Volume III, p. 35):“um instrumento processual privilegiado para proteção eficaz de direitos subjetivos e de outros interesses juridicamente relevantes”.

São características comuns das providências cautelares: a instrumentalidade, o periculum in mora e o fummus bonus juris (vd. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30.11.2010, acessível em www.dgsi.pt ). A instauração de um procedimento cautelar pressupõe uma ação definitiva instaurada ou a instaurar, desde logo com base na aparência da realidade do direito invocado e num fundado receio, de que a demora da decisão a proferir na ação principal, acarrete um prejuízo grave e irreparável para o direito que se visa acautelar.

Não se exige um juízo de certeza, mas apenas de verosimilhança, acerca da titularidade do direito ou de um interesse legalmente protegido do requerente. Com efeito, nas palavras do citado Acórdão, podemos ver que: “incumbe ao requerente demonstrar a probabilidade de procedência da acção principal, invocando factos que permitam inferir tal conclusão, pelo que tais factos constituirão, no seu conjunto, uma aproximação sumária da causa de pedir da acção principal (…)”.

De acordo com o disposto no art.º 377º do Código de Processo Civil, no âmbito dos procedimentos cautelares especificados, pretensão pedida pelos requerentes, agora recorridos, “no caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando, e provando, os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência”.

Já segundo o previsto no art.º 378º, “se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e foi esbulhado dela violentamente, ordenará a restituição, sem citação nem audiência do esbulhador”.

No art.º 1276º do Código Civil dispõe-se que, se o possuidor tiver justo receio de ser perturbado ou esbulhado por outrem, será o autor da ameaça, a requerimento do ameaçado, intimado para se abster de lhe fazer agravo, sob pena de multa e responsabilidade pelo prejuízo que causar.

Nos termos do art.º 1279º do mesmo código, o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador.

Sabemos todos que a restituição provisória da posse, com características antecipatórias, apreciada e decidida de forma acelerada e sem prévia audição do requerido, está reservada para situações em que a ilicitude da conduta é mais grave.

Tal providência visa conferir tutela provisória ao possuidor o qual, por esta via, obtém a reconstituição da situação possessória anterior ao esbulho violento.

Assim, são pressupostos da restituição provisória da posse os seguintes:

- A existência de posse (na concepção objectiva, bastando por isso que, por qualquer dos meios admitidos pela lei do processo, o juiz fique convencido do exercício de poderes materiais não casuais sobre uma coisa e não exista disposição legal que imponha mera detenção);

- Seguida de esbulho;

- Com violência. (Neste sentido cf. Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1979, volume II, pág. 833).

Deste modo, o esbulho corresponde a um acto pelo qual alguém priva outrem da posse de uma coisa determinada.

Há esbulho, para efeito de aplicação do citado artigo 377º, sempre que alguém foi privado do exercício da retenção ou fruição do objecto possuído, ou da possibilidade de o continuar a reter ou a fruir. (cf. Moitinho de Almeida, Restituição da Posse e Ocupações de Imóveis, 2ª ed., pág.100 e Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, volume II, págs.70 e 71).

Pode pois, afirmar-se que no esbulho, o terceiro não permite que o possuidor actue sobre a coisa que até então possuía, dela ficando o último desapossado e impedido de exercer toda e qualquer fruição.

No que toca à violência, valem desde logo os ensinamentos de Alberto dos Reis, (Código de Processo Civil anotado, volume I, pág. 670), quando defende que a mesma “tanto pode exercer-se sobre as pessoas, como sobre as coisas; é esbulho violento o que se consegue mediante o uso da força contra a pessoa do possuidor; mas é igualmente violento o que se leva a cabo por meio de arrombamento ou escalamento, embora não haja luta alguma entre o esbulhador e o possuidor”.

Mais ainda quando afirma que “a violência pode ser física ou moral; é esbulho violento o que resulta do emprego de força física ou de intimidação contra o possuidor; é também violento o esbulho obtido por coacção moral, proveniente da superioridade numérica das pessoas dos esbulhadores, da presença da autoridade, do apoio da força pública”.

A violência sobre a coisa é pois relevante, para efeitos de restituição provisória, nos casos em que a coisa violada pela actuação do esbulhador era em si um obstáculo ao esbulho que teve de ser vencido, quando esteja ligada de algum modo à pessoa do esbulhado ou ainda quando dela resulte uma situação de constrangimento físico ou moral.

Neste caso a violência contra as coisas há de constituir um meio de coação, de constrangimento físico ou moral sobre as pessoas, designadamente, intimidando o possuidor e limitando a sua liberdade de determinação (neste sentido e entre outros, o Acórdão da Relação de Guimarães de 3.11.2011, processo nº69/11.2TBGMR-B.G1, www.dgsi.pt.).

Como bem se afirma no Acórdão Relação do Porto de 09.05.2019, processo nº612/19.9T8PRDE.P1, www.dgsi.pt, “o benefício concedido ao possuidor de ser restituído à posse imediatamente, isto é, antes de julgada procedente a acção, tem a sua justificação precisamente na violência cometida pelo esbulhador: é, por assim dizer, o castigo da violência.

É a violência que compensa o facto da falta da característica típica das providências cautelares: o periculum in mora”.

Como ali também se refere, citando vária jurisprudência relevante, “embora a violência possa dispensar até a presença física do esbulhado na ocasião do esbulho, devendo ponderar-se as circunstâncias concretas em que se verificou, ela só será relevante se os actos que a integram, designadamente, ameaças, tiverem sobre o esbulhado qualquer influência psicológica que afecte a sua liberdade, segurança e tranquilidade”.

Ou seja, para integrar o conceito de violência não basta que a actuação do esbulhador seja feita sem o consentimento ou contra a vontade do possuidor ou que este tenha ficado prejudicado com a actuação daquele, é também necessário alegar e provar a existência de coação física ou moral.

Segundo Lebre de Freitas, Código Processo Civil Anotado, 2ª edição, volume 2º, pág. 78, “é, pois, violento todo o esbulho que impede o esbulhado de contactar com a coisa possuída em consequência dos meios usados pelo esbulhador. (…), a coação tem de ser sempre, em última análise exercida sobre uma pessoa, mas a destruição (ou a construção) duma coisa, ou a sua alteração, pode ser o meio de impedir a continuação da posse, coagindo, física ou moralmente, o possuidor a abster-se dos actos de exercício do direito correspondente.

Em síntese, na restituição provisória de posse há esbulho se o possuidor fica em condições de não poder exercer a sua posse ou os direitos que anteriormente tinha, e violência se o possuidor é impedido de aceder ao objecto da posse.”

Deste modo, será de considerar violento o esbulho, quando o esbulhado fica impedido de contactar com a coisa face aos meios (ou à natureza dos meios) usados pelo esbulhador.

Regressando ao caso concreto, e como bem se refere na sentença, recorrida, segmento que transcrevemos, por com ele se concordar: “… conclui-se que está demonstrado (sumariamente) a prática pelos Requerentes de atos materiais típicos do exercício do direito real de propriedade sobre o Anexo e sobre a passagem pelo portão e escadas de acesso ao Anexo, o que sempre fizeram de uma forma pacífica (sem oposição de quem quer que fosse), continuadamente, à vista de toda a gente, nomeadamente dos Requeridos, de boa fé e durante mais de 20 (vinte) anos – corpus – e, assim, agindo como se fossem legítimos proprietários – animus.

Provou-se (sumariamente) que em virtude dos Requeridos, terem removido o portão castanho que existia há mais de 20 anos no cimo das escadas de acesso ao Anexo, substituindo-o por outro que fecharam à chave e mantiveram fechado, os Requerentes ficaram impedidos (por inexistir qualquer outra entrada até então para entrar e sair do dito Anexo) de aceder ao Anexo, pela forma que habitualmente antes faziam e que já antigamente os seus pais faziam. O que foi feito pelos Requeridos, à revelia dos Requerentes e contra a sua vontade, o que lhe causou prejuízos – impediu-os de acederem à caldeira para aquecimento e obtenção de águas quente, para utilização na casa de habitação.

Estipula-se no artigo 1305.º do Código Civil que: “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com a observância das restrições por ela impostas”. Ora, os atos praticados pelos Requerentes, correspondem ao conteúdo do direito de propriedade sobre o portão, escadas de acesso ao Anexo e sobre o dito Anexo, pelo que se tem por demonstrado o primeiro pressuposto da presente providência cautelar: a posse.

Também, resultou da prova, indiciariamente provada, a verificação do esbulho violento.

Apesar dos Requerentes não residirem permanentemente na casa de habitação ou fazerem uma utilização diária do Anexo e do acesso ao mesmo pelo portão e escadaria, a verdade é que se provou que o esbulho foi dirigido à referida entrada pelo portão e escadaria de acesso ao Anexo, que antes era feita pelos Requerentes, e com o ato de esbulho violento por parte dos Requeridos (remoção do portão castanho que estava fixado na parede da casa de habitação dos Requerentes e substituição por outro, que fixaram no muro, efetuando furos na casa de habitação dos Requerente para fixar a parte que permite trancar o dito portão, fechando-o à chave sem possibilidade de acesso através do mesmo pelos Requerentes, ao invés do que antes faziam, os Requerentes encontram-se privados de retirar da dita passagem pelo portão e escadaria, a utilidade que daí retiravam para aceder ao Anexo do seu prédio, o que integra o conceito de esbulho.

O requisito da violência está igualmente verificado. A atuação dos Requeridos é suscetível de integrar o conceito de ato violento por se traduzir em obstáculo ao exercício pelos Requerentes, dos poderes de facto sobre partes integrantes do seu prédio: portão e escadaria de acesso ao Anexo. A remoção do portão existente em vida dos pais dos Requerentes, substituindo-o por outro que permanece fechado à chave e impede os Requerentes de por aí acederem ao Anexo, inviabiliza a fruição integral inerente ao direito de propriedade sobre o prédio urbano destes, dificulta a utilização do Anexo e dos materiais existentes no interior deste, de que necessitam fazer uso sempre que passam temporadas na casa de habitação.

Considerando o supra exposto, estão verificados todos os requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar apresentada pelos Requerentes.

A remoção do (novo) portão e reposição da situação existente anteriormente, quanto ao portão castanho e no fechamento as aberturas feitas no muro, antes inexistentes – e que violam o direito de propriedade dos Requerentes, atentas as possíveis introduções não autorizadas no seu espaço privado, pelas aberturas efetuadas pelos Requeridos no muro – são condições necessárias para a concretização da presente providência na medida em que só dessa forma é que é restituída a posse do portão e escadaria de acesso ao Anexo, bem como o espaço de todo o Anexo, devendo os Requeridos serem notificados para procederem àquela remoção, no prazo de 15 (quinze) dias (que se afigura razoável face aos atos a praticar), sob pena de incorrerem na prática de um crime de desobediência qualificada, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código Penal, por força do disposto no artigo 375.º do Código de Processo Civil

Nem se diga, como fazem os recorrentes que, os requerentes, aqui recorridos, não invocaram nem foi feita prova cabal do animus que integra a posse conducente à aquisição do direito de propriedade. Contra o que se insurgem os recorridos, e bem, quanto a nós, referindo, desde logo, que não são meros detentores ou possuidores precários, na medida em que, sendo herdeiros dos seus pais, já falecidos, o prédio faz parte da herança ilíquida e indivisa deixada por óbito daqueles e por ainda não ter sido objecto de partilha, é em comum e sem determinação de parte ou direito, propriedade daqueles, que inclui as escadas e o anexo, tendo em conta que ficou provado que estes fazem parte daquele, conforme certidão predial junta com a petição inicial.

Assim, nos termos do artigo 1257.º, n.º 2 do C. Civil, presume-se que a posse continua em nome de quem a começou e nos termos do artigo 1255.º do C. Civil por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores, independente da apreensão material da coisa, pelo que, é totalmente descabida a necessidade de aplicação da inversão do título da posse, como pretendem os recorrentes, porquanto nos presentes autos e em relação aos recorridos estes na qualidade de herdeiros dos seus pais e estes, exerceram actos de poderes de facto sobre a parcela em termos de direito de  propriedade, pelo que, não assiste, nesta medida, qualquer razão aos recorrentes.

Aliás, na própria sentença, que decretou a providência, se refere - os Requeridos, de boa fé e durante mais de 20 (vinte) anos tiveram – corpus – e, assim, agindo como se fossem legítimos proprietários – animus-.

Acresce, que na decisão, proferida sobre a oposição é referido: - Em suma, os Requeridos não demonstraram factos que implicassem a alteração ou revogação da decisão final na parte em que se consideraram verificados os pressupostos necessários para o decretamento da providência.

Assim, face ao exposto não vislumbramos razão para alterar a decisão recorrida, pelo que, nesta vertente é mantida.

Visto este ponto passemos ao seguinte.

                                                           *

E)- Saber se a decisão recorrida deve ser revogada, na vertente, que deferiu a inversão do contencioso, e substituída por acórdão que indefira a inversão do mesmo.

Para defenderem este ponto de vista, referem os recorrentes, que a matéria adquirida no procedimento cautelar não permite formar convicção segura acerca da existência do alegado direito acautelado. Pelo contrário, as incongruências e omissões cometidas pelos Requerentes, não são sequer indiciariamente suficientes para a demonstração do direito.

Ao que acresce, que conforme supra apontado, foram carreados para os autos no âmbito da oposição, indícios suficientes que infirmam a versão apresentadas pelos Recorridos e que, pelo menos, criam a justificada dúvida acerca da verificação dos factos.

Opinião oposta têm os recorridos que pugnam pelo decidido.

Apreciando

Estabelece o nº 1 do art.º 369.º, do C.P.C. que “Mediante requerimento, o juiz, na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da ação principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio.”

O mecanismo da inversão do contencioso constitui assim uma exceção ao princípio geral de que o procedimento cautelar configura uma forma provisória de composição de litígios, na dependência de uma ação declarativa ou executiva nos termos da qual se opere a composição definitiva do dissídio entre as partes.

Isso mesmo decorre igualmente do estatuído no art. 364º, nº 1 do CPC que, afirma tal regra ressalvando a apontada exceção, nos seguintes termos:

“Exceto se for decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de ação declarativa ou executiva.”

Relevante na delimitação do regime da inversão do contencioso é ainda o estatuído no art. 371º, nº 1 do CPC nos termos do qual “Sem prejuízo das regras sobre a distribuição do ónus da prova, logo que transitada em julgado a decisão que haja decretado a providência cautelar e invertido o contencioso, é o requerido notificado, com a advertência de que, querendo, deve intentar a ação destinada a impugnar a existência do direito acautelado nos 30 dias subsequentes à notificação, sob pena de a providência decretada se consolidar como composição definitiva do litígio.”

Finalmente releva também o art. 376º, nº 4 do CPC, que estabelece que “o regime da inversão do contencioso é aplicável, com as devidas adaptações, à restituição provisória da posse (…).”

Ou seja, a inversão do contencioso (art.º 369.º e segs, do C.P.C.) não converte a decisão do procedimento cautelar em decisão definitiva da causa de que aquele constituiria preliminar, antes tem por efeito dispensar o requerente do ónus de intentar tal ação declarativa, transferindo tal ónus para o requerido.

Aplicando o exposto ao caso em apreço, temos para nós, não merecer censura a sentença recorrida, na verdade, como bem se refere na mesma, segmento que transcrevemos, por com ele concordarmos: “na apreciação das certidões do registo predial dos prédios dos Requerentes e dos Requeridos, nenhuma alusão é feita, em nenhuma das descrições prediais respetivamente levadas a registo, sobre a existência de qualquer servidão (de passagem) designadamente na parte em que os prédios confinam, o que reforça a convicção formada através da inquirição das testemunhas, de que tal portão de acesso e escadaria sempre foram utilizados pelos pais dos Requerentes e depois por estes, por fazerem parte integrante do prédio dos Requerentes como acesso ao Anexo exterior do prédio que igualmente lhes pertence, e não que se tratasse de uma qualquer servidão de passagem onerando o prédio dos Requeridos, que eventualmente dependesse de discussão.

Assim o parecem revelar as imagens captadas nas fotografias do Google Earth/Maps datadas desde outubro de 2009 até agosto de 2021 (a existência do portão castanho ao lado da Farmácia, sita no rés-do-chão da casa de habitação dos Requerentes, e o depoimento das testemunhas que relataram conhecer de longa data, algumas há mais de 10 e de 20 anos, o prédio dos Requerentes e saberem afirmar com convicção, porque assistiram, a que eram apenas os Requerentes (e antes deles os seus pais) que utilizavam o dito Anexo (onde estavam instaladas lenhas e depois foi instalada uma caldeira de aquecimento à casa, bicicletas, gasóleo e barco), ao qual aqueles só acediam através do dito portão e escadaria.

Portão e escadaria estes, que eram a única forma de entrada e saída do dito Anexo, conforme se visualiza na fotografia n.º 9, uma vez que antes da atuação dos Requeridos, inexistiam quaisquer aberturas no muro, como se visualiza na fotografia n.º9, em comparação com as fotografias n.º10, 11 e 15 (estas captadas após a atuação dos Requeridos que mudaram o portão e efetuaram duas aberturas no muro).

Ora, a reposição pelos Requeridos ao estado de coisas anterior à substituição do portão e das duas aberturas no muro que efetuaram, tudo contra a vontade dos Requerentes, com a restituição à posse destes do acesso ao portão e escadaria que serve de acesso ao Anexo do prédio dos Requerentes, a requerente, realizará a composição definitiva do litígio na medida em que, em termos práticos, o efeito pretendido com a ação principal a intentar, ficará realizado por via da providência cautelar na medida em que será reposto o acesso ao Anexo existente no prédio dos Requerentes, nos moldes que sempre o conheceram e que tinham vindo a efetuar.

Assim sendo, sem mais considerações (por manifestamente desnecessárias), decide-se dispensar os Requerentes do ónus de propositura da ação principal”.

*

F)- Saber se a instância deve ser extinta por inutilidade superveniente da lide.

Para defenderem o seu ponto de vista referem os recorrentes, que decorre inequívoco da prova documental (ofícios da Câmara Municipal) e testemunhal (técnica da Câmara) que os Recorridos (arguidos no processo de contraordenação) assumiram que iriam proceder à demolição do anexo, para o qual “tanto necessitam a passagem”.

Nessa medida, constituindo o acesso ao anexo o fundamento dos presentes autos e litígio, declarando os Recorrentes em confissão o (que se aceita para efeitos dos artigos 352o do C.C e 465o n 1 e 2 do C.P.C.), que o mesmo vai deixar de existir, deixa de existir também o objecto desta providência (impedimento de acesso ao anexo), o que necessariamente impunha a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, o que também se invoca.

Opinião oposta têm os recorridos, que referem, entre o mais, que o alegado pelos recorrentes não corresponde à verdade. Quer dos documentos juntos quer das declarações da testemunha II, jurista da Câmara Municipal ... resulta que os Recorridos/Requerentes pretendem demolir o anexo para dar origem a nova construção e/ou ampliação, necessitando da mesma forma das escadas.

Apreciando

A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, como causa de extinção da instância, dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não possa subsistir por motivos atinentes ao sujeito ou ao objecto do processo.

Consubstancia-se naquilo a que a doutrina processualista designa por “modo anormal de extinção da instância”, visto que a causa normal é a sentença de mérito ( cf., por ex., ALBERTO DOS REIS, Comentário, vol.III, pág.364 e segs., LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, vol.I, pág.512 ).

 Perante a superveniente impossibilidade ou inutilidade da lide, o tribunal declara extinta a instância, ou seja, a relação jurídica processual, sem apreciar o mérito da causa, assumindo a decisão natureza meramente declarativa ( cf., por ex., RODRIGUES BASTO, Notas, II, pág.60).

No caso em apreço, nada resulta nesse sentido.

Assim, sem mais delongas, improcede também esta pretensão dos recorrentes.

                                                           ***

                                                      4. Decisão

Pelo exposto decide-se, por acórdão, julgar improcedente o recurso e manter as sentenças recorridas (sentença que decretou a providência cautelar e a inversão do contencioso) e sentença que julgar improcedente a oposição, mantendo a decisão que julgou procedente a providencia e a inversão do contencioso.

Custas a cargo dos recorrentes.

Coimbra, 23/1/2024

Pires Robalo (relator)

Sílvia Pires (adjunta)

Henrique Antunes (adjunto)