Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FRANCISCO CAETANO | ||
Descritores: | DEPOSITÁRIO ARROLAMENTO DIVÓRCIO INVENTÁRIO CABEÇA DE CASAL | ||
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Data do Acordão: | 11/22/2011 | ||
Votação: | DECISÃO SUMÁRIA | ||
Tribunal Recurso: | TONDELA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | 427º CPC | ||
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Sumário: | Nomeado depositário de bens arrolados o cônjuge requerido, a nomeação posterior em processo de inventário do outro ex-cônjuge como cabeça-de-casal não determina a substituição do depositário inicialmente nomeado. | ||
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Decisão Texto Integral: | Decisão sumária (art.ºs 700.º, n.º 1, alín. c) e 705.º, do CPC) no Tribunal da Relação de Coimbra:
1. Relatório Nos autos de procedimento cautelar de arrolamento deduzidos como incidente de acção de divórcio, veio o entretanto nomeado cabeça-de-casal, ex-cônjuge A... e por virtude da assunção dessas funções, requerer a substituição do ex-cônjuge mulher, B..., de depositária dos bens arrolados, concretamente móveis e 12 imóveis comuns, um sito em Viseu e outro na Figueira da Foz, onde reside o recorrente e os demais no concelho de Tondela, onde reside a recorrida, um dos quais constitui a que foi a casa de morada de família, estando os demais arrendados. Foi proferido despacho a indeferir o pedido de substituição, com fundamento em que os imóveis se encontram, de facto, na posse do cônjuge mulher, sendo ela quem reside na área de Tondela, encontrando-se os móveis na casa de morada de família que lhe foi “entregue” por decisão judicial e uma vez que o recorrente reside no concelho da Figueira da Foz não poderá tomar as providências conservatórias adequadas, sendo ainda que os arrendatários dos imóveis não são seus possuidores, mas meros detentores. Inconformado, recorreu o requerente do procedimento, apresentado alegações que finalizou com as seguintes úteis conclusões: a) – A recorrida é apenas detentora da casa de morada de família e respectivo recheio; b) – Dos 12 imóveis comuns, um, situa-se na Figueira da Foz e outro em Viseu; c) – O despacho recorrido não atribuiu nenhuma relevância ao facto de o recorrente ser o cabeça-de-casal no inventário, d) – Violou o disposto nos art.ºs 653.º, 659, n.ºs 2 e 3 e 426, do CPC e 2087.º, do CC, pelo que deverá ser substituído por outro que confira ao recorrente a qualidade de fiel depositário dos bens comuns do seu ex-casal. A recorrida respondeu no sentido da manutenção do decidido. Cumpre decidir singularmente, ao abrigo do disposto no n.º 1, alín. c) do art.º 700.º e art.º 705.º, do CPC, dada a simplicidade da questão.
* 2. Fundamentação 2.1. De facto A factualidade relevante para o julgamento do recurso é a referida no antecedente relatório, que aqui se dá por reproduzida. * 2. 2. De direito A questão a decidir consiste em saber se uma vez nomeado o cabeça-de-casal no processo de inventário em consequência de divórcio deve substituir na administração dos bens arrolados o anterior depositário. Vejamos. Sobre quem deva ser o depositário nos casos de arrolamento, dispõe o art.º 426.º do CPC que, quando haja de proceder-se a inventário, é nomeada a pessoa a quem deva caber a função de cabeça-de-casal em relação aos bens arrolados (n.º 1) e, nos outros casos, é o próprio possuidor ou detentor dos bens, salvo se houver manifesto inconveniente em que lhes sejam entregues (n.º 2). O n.º 1, não obstante revogado pelo DL n.º 29/2009, de 29.6, este diploma legal (que instituiu o novo regime do processo de inventário e que, além do mais, deixou de prever a figura do cabeça-de-casal), enredando-se em encruzilhada kafkiana, não chegou a entrar em vigor (Leis n.ºs 1/2010, de 15.1 e 44/2010, de 3.9), aguardando (qual Godot) a publicação de uma portaria.[1] Seja como for, desde há muito que é entendido que tal dispositivo é de aplicação geral aos arrolamentos regulados nos art.ºs 421.º a 425.º do CPC e já não ao inventário subsequente ao divórcio, cujo arrolamento prefigura o caso especial do art.º 427.º, situação esta em que o depositário deve ser, em regra, o outro cônjuge e é assim não só por lhe vir a pertencer (ou deixar de pertencer) o cabeçalato, mas por ter a qualidade de administrador dos bens arrolados.[2] Nessa senda, concluímos, nós também, que o cabeça-de-casal em inventário em consequência de divórcio cujas funções são conferidas não por maior aptidão para a guarda e conservação dos bens até à partilha (escopo do arrolamento) ou qualquer relação com os bens, mas por se tratar do cônjuge mais velho (n.º 2 do art.º 14º4.º do CPC) pelo que, nos termos do n.º 2 do art.º 426.º depositário deve ser o cônjuge possuidor ou detentor dos bens, a não ser que haja manifesto inconveniente em que lhe sejam entregues. Voltando ao caso dos autos, há que começar por assinalar que foi o próprio requerente do arrolamento quem, no art.º 14.º do seu requerimento inicial, entendeu dever ser nomeada fiel depositária de todos os bens a arrolar a requerida, cônjuge mulher, “por ser esta quem, presentemente, detém tais bens” (sic). Com tal fundamento, foi a mesma nomeada no despacho que viria a decretar a providência. Ora, não sendo a posterior investidura (automática, em razão da idade) em funções de cabeça-de-casal que justifica a substituição do depositário, dir-se-á haver transitado em julgado a decisão que nomeou a recorrida depositária de todos os bens. Em 2.º lugar, para além dessa (não decisiva) superveniente qualidade, nenhum outro circunstancialismo vem apontado que justifique a sua remoção (art.ºs 845.º e n.º 5 do art.º 424.º, do CPC). Em 3.º lugar, não é o facto de no momento alguns dos imóveis estarem arrendados que justifica a mudança de depositário, mormente para os arrendatários. Sendo, embora, eles os detentores dos imóveis, trata-se de posse precária, em nome alheio, ou seja, em nome do ex-casal (art.º 1253.º, alín. c) do CC – tem o corpus da posse, mas não o animus), necessariamente transitória, nada se demonstrando que o escopo do arrolamento de conservação dos bens e risco de dissipação ou seu extravio e o carácter muito temporário do próprio processo de inventário, não esteja melhor assegurado com a requerida, muito especialmente quando, à excepção de um imóvel, todo o acervo a partilhar se situa na área da sua residência, nada justificando (no interesse da futura partilha e não de outros interesses aqui marginais) que para esse imóvel sito na área onde reside o recorrente haja que desencadear-se, processualmente, a nomeação de um 2.º depositário, como se de antecipação de partilha se tratasse. Eis por que e porque nenhum preceito legal foi violado, se mantém o despacho recorrido, podendo formular-se a seguinte síntese: - Nomeado depositário de bens arrolados o cônjuge requerido, a nomeação posterior em processo de inventário do outro ex-cônjuge como cabeça-de-casal não determina a substituição do depositário inicialmente nomeado. * 3. Decisão Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se o despacho recorrido. Custas pelo apelante. *** (Francisco Manuel Caetano, relator) [1] V., com interesse, o Ac. TC de 6.7.11, DR, II-D, de 20.9.11. [2] V. Rodrigues Bastos, “Notas ao CPC, II, 206), A. Geraldes, “Temas da Reforma do Proc. Civil”, IV, 271 e Acs. RL de 23.5.96, Proc. 0000514; RP de 6.5.98, Proc. 9850741; RP de 9.10.01, Proc. 0121189; RP de 31.5.04, Proc. 0452888; RP de 25.11.04, Proc. 0436269 e RP de 6.1.09, Proc. 0826514, todos em www.dgsi.pt. V., ainda, a decisão singular do ora relator de 3.4.09 no Agravo n.º 307/05.0TBCDN-B.C1, in CJ, 2009, II, 26, onde concluímos pela não necessária identidade de cabeça-de-casal e possuidor em inventário para partilha de bens hereditários. |