Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1110/22.9T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: ASSÉDIO MORAL
PRESSUPOSTOS
FIM ILÍCITO
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Data do Acordão: 05/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE CASTELO BRANCO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGO 29.º DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – O assédio moral implica comportamentos real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador, aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração e determinadas consequências.

II – O assédio moral traduz-se numa prática reiterada de atos violadores dos direitos do trabalhador, dos quais resultam lesões e que tem em vista o afastamento do mesmo.

III – Se não resultou provada uma atuação do empregador com o objetivo final de discriminar, marginalizar, atingir a auto estima do trabalhador ou de o afastar da empresa, sendo certo que não se concebe o assédio moral ou mobbing sem um objetivo ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, não se encontra preenchido este pressuposto essencial e, consequentemente, a conduta daquela não consubstancia assédio moral nos termos previstos no artigo 29.º do CT e este não constitui justa causa de resolução do contrato.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1110/22.9T8CTB.C1

_________________________________

Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

AA, residente em ...,

intentou a presente ação de processo comum contra

Santa Casa da Misericórdia ..., com sede em ...

alegando, em síntese, que:

Foi admitida pela Ré em janeiro de 2005 como diretora técnica nível II, com as funções de dirigir o estabelecimento, assumindo a responsabilidade pela programação de atividades e a coordenação e supervisão de todo o pessoal, no lar de idosos da Ré; despediu-se em maio de 2022 invocando justa causa, o assédio de que era alvo, os gritos e as pressões para obter determinados resultados, situação que se agravou por não ter aceitado o banco de horas e adaptabilidade propostas pela Ré; a Ré pretendeu retirar-lhe a isenção de horário de trabalho e colocá-la a trabalhar mais horas sem que lhe fossem pagas; a Ré pretendia que a A. convencesse as demais trabalhadoras a aceitarem o dito acordo, o que não fez, e face à recusa a A. passou a ser perseguida e acusada de todos os males que se passavam na instituição; justificou o seu despedimento alegando o que consta da carta junta a fls. 10 v.º a 12; a Ré nunca lhe pagou as diuturnidades a que tem direito nem lhe deu formação e por força dos comportamento da Ré desenvolveu uma depressão grave desde fevereiro de 2022, sofreu com o despedimento e apreensão e angústia pelas dificuldades futuras no mercado de trabalho e face aos encargos familiares.

Termina, dizendo que:

“Nestes termos e nos melhores de direito aplicável, requer a V.Exª. se digne considerar procedente e provada a presente acção, e em consequência:

Declarar-se que a A. se despediu validamente com justa causa, sendo lícitos os argumentos invocados na notificação que remeteu à R.;

Condenar o R. a pagar a A. a quantia de 42921,83€, correspondente aos créditos laborais e indemnização antiguidade;

Condenar a R. a pagar à A. a quantia de 7500€ a título de danos morais;

Condenar a R. no pagamento dos juros, à taxa legal, vencidos sobre as respectivas quantias desde a citação até efectivo pagamento;

condenar a R. em custas e demais encargos com o processo.”

                                                             *

A contestou alegando, em sinopse, que:

Nunca solicitou à A. o exercício de qualquer atividade que extravasasse o âmbito das funções a que estava adstrita e das obrigações inerentes às mesmas; a Ré viu-se obrigada a reduzir o número de utentes e foi confrontada com uma situação financeira altamente deficitária, sendo imperioso reduzir custos, factos de que a A. teve conhecimento; a instituição contava com 24 trabalhadores, quadro que não seria comportável com a redução de utentes a que a Ré estava vinculada, questões de que a diretora técnica sempre teve conhecimento, tendo sido chamada pela direção a fazer parte da solução; é falso que a A. tenha sido vítima de qualquer conduta persecutória por parte da Ré; a A. não lidou bem com a necessidade de alterar comportamentos e procedimentos, demonstrando relutância em proceder à sua implementação que passou a ser notória a partir do momento em que a Ré teve de iniciar o processo de reorganização de tempos de trabalho e isenções de horário, tendo-se negado a empreender tal tarefa, mantendo-se  situação e sem apresentar qualquer justificação; a Ré não pretendia proceder ao despedimento de quaisquer trabalhadores e, no início de 2022, através da sua direção, tentou implementar o regime de adaptabilidade e banco de horas, não tendo imposto o que quer que seja à A., tendo-lhe solicitado que acompanhasse o processo recolhendo os acordos entregues aos trabalhadores, não exigindo à A. qualquer resultado, o que faz parte das suas funções; a Ré não perdeu a confiança na A., pretendia sim que a mesma cumprisse as funções a que estava adstrita e para as quais foi contratada.

Termina, dizendo que:

“Nestes termos e nos mais de direito deve a presente acção improceder, sendo a Ré absolvida do pedido, sendo a Autora condenada no pagamento das custas e demais encargos com o processo.”

*

Foi proferido o despacho saneador de fls. 43, não tendo sido enunciados os temas da prova.

                                                             *

Procedeu-se a julgamento conforme consta das respetivas atas.

                                                             *

De seguida foi proferida a sentença de fls. 57 e segs. com o seguinte dispositivo:

Nestes termos, e em face do exposto, decido julgar a ação parcialmente procedente, e, em consequência:

- Declaro que a autora se despediu validamente com justa causa, sendo lícitos os argumentos invocados na notificação que remeteu à R.;

- Condeno a Ré a pagar à autora a quantia de 37.620,05€, correspondente a créditos laborais e indemnização por antiguidade;

- Condeno a R. a pagar à autora os juros, à taxa legal, vencidos sobre as respetivas quantias desde a citação até efetivo pagamento;

- Absolvo a ré do demais peticionado.”

*

A , notificada desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

“(…)

Assim, requer-se a Vªs Exºas que revogue a decisão recorrida, no entanto Vª Exª melhor decidirá, fazendo a habitual Justiça!”

                                                             *

A Autora apresentou resposta concluindo que:

“(…).

Nestes termos requer a V.Exªs se dignem considerar improcedente e não provado ao recurso. Confirmando a douta sentença recorrida na íntegra.”

                                                   *

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a apelação deverá ser julgada improcedente.

                                                             *

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                                                             *

II – Questões a decidir:

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C. na redação da Lei n.º 41/2013 de 26/06), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

Assim sendo, são as seguintes as questões que cumpre apreciar:

1ª – Nulidades da sentença.

2ª – Reapreciação da matéria de facto.

3ª – Se inexiste assédio/justa causa de resolução do contrato por parte da Autora.

4ª – Se a Autora não tem direito às diuturnidades peticionadas.

5ª – Se no cálculo da indemnização fixada não devia ter sido considerado como retribuição o valor recebido pela Autora a título de isenção de horário de trabalho.

6ª – Se a indemnização por resolução com justa causa devia ter sido fixada no limite mínimo de 15 dias.

                                                             *

                                                             *

III – Fundamentação

a) Factos provados e não provados constantes da sentença recorrida:

1) A R. trata-se de uma IPSS que possui e explora um lar de idosos, com residência permanente e com apoio domiciliário, entre outras.

2) A A. foi admitida ao serviço da R., em 06 de janeiro de 2005, para trabalhar sob a sua direção, autoridade e fiscalização, sem ter sido reduzido a escrito o respetivo contrato.

3) A A. ocupava a categoria profissional de diretora técnica niv. II, com as funções de dirigir o estabelecimento, assumindo a responsabilidade pela programação de atividades e a coordenação e supervisão de todo o pessoal, atendendo à necessidade de estabelecer o modelo de gestão técnica adequada ao bom funcionamento, entre outras com estas conexas.

4) A A. prestava o seu serviço no lar de idosos da R., sito em Lg. BB, ....

5) Auferindo o salário mensal, pago com carácter de permanência e de forma regular, discriminado da seguinte forma:

Vencimento 1250,32€;

Isenção de horário 275,07€

O que perfaz a retribuição mensal de 1.525,39€ (doc. 1)

6) Em 17 de maio de 2022, a A. despediu-se invocando justa causa para o despedimento. (doc. 2, para o qual se remete e se dá por reproduzido.)

7) A R. rececionou a dita comunicação da A. em 18/05/2022, respondendo que não aceitava a existência de justa causa para o despedimento por iniciativa do trabalhador. (doc.3 para o qual se remete e se dá por reproduzido.)

8) O ritmo de trabalho da trabalhadora foi sempre muito exigente, trabalhando diariamente desde as 8.30h até cerca das 18h e estava sempre disponível mesmo na hora de descanso.

9) Em tempo de pandemia laborava cerca de 12 horas por dia.

10)Foram-lhe confiadas tarefas tais como a introdução de dados informáticos numa nova plataforma, num espaço de cerca de um mês.

11)O ritmo era muito exigente, cansativo, devido às dificuldades com a pandemia de COVID 19.

12)Até finais de 2021 a trabalhadora tinha sobre a sua responsabilidade técnica cerca de 37 utentes ERP1 e cerca de 14 SAD.

13)A trabalhadora tinha de elaborar planos de contingência.

14)Aconteceu a trabalhadora ter de trabalhar aos fins-de-semana por ordem da direção para assegurarem as visitas dos utentes.

15)A trabalhadora não aceitava e discordava de algumas das decisões da mesa administrativa ou direção, por ex. os técnicos terem de trabalhar aos finais de semana, o que gerava atrito.

16 Além disso, a direção exigia da trabalhadora uma fiscalização, pressão e assertividade sobre os trabalhadores da instituição, designadamente, que vigiasse o trabalho da encarregada e quando falasse com os trabalhadores para não ser tão meiga a falar, devia ser mais dura e assertiva com os subordinados.

17)Chegando a dizer-lhe que quando entrasse na instituição tinha de passar a ser uma AA mais dura e exigente.

18)O que muito desgostava a trabalhadora, pois no geral as suas colaboradoras sempre lhe foram fiéis, corresponderam ao que lhes era pedido e tinham por ela respeito e amizade.

19)Por indicação da Segurança Social a Santa Casa da Misericórdia ... deu início a uma redução de utentes.

20)Em março de 2022 a instituição tinha 29 utentes ERPI e 14 utentes de SAD.

21)A mesa da administração decidiu propor a todos os trabalhadores um acordo de organização de trabalho de Banco de Horas e de Adaptabilidade.

22)Tendo para o dito efeito organizado uma reunião geral de trabalhadores onde expuseram a situação económica da instituição, dizendo ser necessário reduzir trabalhadores ou em alternativa não se pagavam horas extraordinárias, extinguiam-se as isenções de horário e os subsídios de turno.

23)Na sequência, enviaram a cada trabalhador uma carta com uma minuta do acordo que misturava banco de horas e o regime de adaptabilidade, sendo que no caso da trabalhadora lhe era, ainda, proposto o fim da isenção de horário.

24)A trabalhadora não aceitou tal como todos os demais colaboradores da instituição.

25)Cerca de duas semanas após o envio das cartas a trabalhadora esteve reunida com a mesa administrativa e estes disseram para recolher, no prazo de uma semana, as assinaturas no acordo de organização de trabalho de Banco de Horas e de Adaptabilidade já devidamente preenchido com o nome dos trabalhadores.

26)A trabalhadora disse-lhes que não estava de acordo, tendo contraproposto uma situação temporária para resolver as dificuldades financeiras, o que não foi aceite.

27)Na sequência, a trabalhadora colocou o acordo na sua sala e deu conhecimento do mesmo às colaboradoras para ser assinado por quem tivesse interesse.

28)Ninguém assinou, inclusive, a trabalhadora.

29)Quando a trabalhadora reuniu com a mesa administrativa da Sta. Casa e lhes entregou o acordo sem quaisquer assinaturas, disseram-lhe que o processo não tinha sido bem conduzido e que iam perceber porque não tinha sido bem conduzido.

30)Acusando-a de pelo facto de não ter assinado tal ter levado a que as restantes colaboradoras não assinassem.

31)Tudo em tom de ameaças, repetindo que iam apurar responsabilidades.

32)Que iriam ter de proceder ao despedimento de colaboradores por causa da trabalhadora não ter conduzido bem o processo de recolha das assinaturas no acordo.

33)Acusavam-na de a falta de acordo ser da sua responsabilidade.

34)Teria de ser ela a indicar as pessoas a despedir.

35)O que a deixou muito transtornada, pois entendia não poder obrigar ninguém assinar o acordo.

36)A trabalhadora disse à direção que poderia tratar de negociar a saída de algumas trabalhadoras próximas da reforma e que já tinham manifestado interesse em sair, pois sabia que não estava a prejudicar ninguém e a retirar o emprego a uma jovem.

37)A relação que havia de confiança entre trabalhadora e a direção quebrou-se, tendo-lhe sido dito que já não confiavam nela, dizendo o tesoureiro à trabalhadora: “a confiança é como a virgindade uma vez perdida nunca mais se recupera.”

38)As reuniões que tinha com a direção, diárias, acabavam sempre com pressão sobre a trabalhadora acerca de o processo de acordo do banco de horas e de adaptabilidade ter sido mal conduzido e estarem nesta situação por culpa sua.

39)As reuniões havidas com a trabalhadora e/ou com a equipa técnica criavam pânico na autora, uma vez que o tesoureiro tomava uma postura agressiva, prepotente quando lhe era questionada qualquer ideia, atirando agendas à parede, gritando, acusando a trabalhadora de tudo o que estava mal na instituição ser da responsabilidade desta e da sua equipa.

40)Estas atitudes diminuíam-na, bloqueavam-na, chorando compulsivamente.

41)Em fevereiro de 2022 a instituição teve um surto de COVID 19, que afetou idosos e trabalhadores, tendo a trabalhadora e os demais colaboradores, mesmo doentes, assegurado o serviço.

42)A direção nem apareceu na instituição durante esse período e, ainda, acusou a trabalhadora que se algo acontecesse às trabalhadoras que prestaram serviço doentes que a responsabilidade era dela.

43)A trabalhadora teve necessidade de uma baixa médica, após este período, pois ficou com sintomas graves após a quarentena.

44)Na verdade, a direção nunca foi capaz de agradecer o esforço dos colaboradores durante o surto Covid 19, o que desagradou bastante os funcionários.

45)Todas estas situações acumuladas, desentendimentos e descontentamentos levaram ao despedimento voluntário do fisioterapeuta, da enfermeira e da médica.

46)A trabalhadora viu-se durante o mês de abril de 2022 sem médica, enfermeira e fisioterapeuta para assegurar o trabalho.

47)A direção informou que relativamente ao fisioterapeuta não iria ser substituído, e que a enfermeira era da sua responsabilidade substituir.

48)Viu-se isolada, apreensiva, sem equipa (médica, enfermeira e fisioterapeuta) e com uma grande responsabilidade, pois sabe que não pode prescindir de fisioterapeutas, entendendo que não era da sua responsabilidade contratar enfermeiros.

49)Todas estas situações causaram doença grave à trabalhadora do foro psicológico que levou à sua baixa médica desde 22 de abril de 2022 e que se mantém, devido a lhe ser diagnosticada ansiedade, insónia, cansaço, humor lábil acentuado, anedonia.

50)A trabalhadora está medicada com antidepressivos, soníferos, ansiolíticos, por ex. escitalopram, alprazolam, sedoxil e topiramato, etc.

51)As queixas e a patologia da trabalhadora são causa e estão associadas aos problemas no local de trabalho, tendo a saúde da trabalhadora sido degradada pela pressão, acusações e tratamento dado pela mesa da direção da Santa Casa de ....

52)A trabalhadora anteriormente era saudável e alegre.

53)Após o despedimento a R. nada pagou à A.

54)A R. nunca pagou diuturnidades à A.

55)Nem lhe forneceu formação profissional desde a sua contratação.

56)A A. era estimada e respeitada pelos clientes e colegas que com ela contactaram durante o tempo em que profissionalmente esteve ligada à R.

57)Muito custou à A. ter de se despedir de um trabalho que a realizava profissionalmente e como pessoa.

58)A A. face às atitudes da R. ficou doente, com depressão grave, padece de insónias, regulares dores de cabeça, está ansiosa, não tem auto confiança, isola-se, entre outras.

59)A A. teve enorme sofrimento quando decidiu apresentar a sua demissão, desconhecendo quando irá ultrapassar esta doença.

60)A ré criou condições para que a autora se despedisse e desenvolvesse uma síndrome depressiva.

61)A que se acrescenta a apreensão e angústia pelas dificuldades futuras no mercado de trabalho que provocam preocupação na A., face aos inúmeros encargos familiares, nomeadamente com empréstimos bancários, seguros, carros, alimentação.

62)O lar de ... apenas pode prestar os seus serviços em regime de residência a 22 utentes.

63)Acontece que o lar sempre contou com um número muito superior.

64)Desde 2018, as entidades inspetivas, no âmbito dos seus poderes fiscalizadores, tinham alertado a Ré para a necessidade de redução do número de utentes e de  respeitar as normas que regulam a atividade.

65)Impondo que a Ré - na altura com mais de 40 utentes residentes – reduzisse esse número para o limite enunciado.

66)Em janeiro de 2021, aquando da tomada de posse da atual Direção, na primeira reunião havida com as entidades fiscalizadoras, a Ré foi confrontada com a necessidade urgente de dar cumprimento à enunciada redução.

67)Concomitantemente, a nova Direção foi confrontada com uma situação financeira altamente deficitária.

68)Era imperioso, reduzir custos, fazer uma gestão mais racional e criteriosa e encontrar formas de aumentar receitas que não passassem pelo aumento do número de utentes.

69)Tudo por forma a garantir a subsistência da instituição.

70)De todos estes factos a Diretora Técnica teve conhecimento, assim como foi envolvida pela Direção em todo o processo.

71)Pelo que, a Ré procedeu ao aumentar das quotas dos utentes, que há muito não eram atualizadas, reduziu custos, renegociou fornecedores, obteve alguns “patrocinadores” e subvenções, tudo por forma a garantir o funcionamento da Instituição e devolver-lhe sustentabilidade.

72)Assim como negociou com as entidades fiscalizadoras o deferir do cumprimento da obrigação de redução do número de utentes.

73)Celebrando um acordo pelo qual a Ré se assumia o compromisso de não admitir novos utentes – até atingir o máximo da capacidade, 22 – e as entidades fiscalizadoras permitiam que a redução a que estava adstrita, ao invés de resultar de uma qualquer denúncia dos contratos em vigor, se obteria, através dos óbitos que entretanto se viessem a verificar.

74)O que permitiria à Ré um período de adaptação dos serviços e da Instituição.

75)Na verdade, a Instituição, nomeadamente os seus serviços, encontravam-se dimensionados para um número de utentes superior a 40, sendo que a breve trecho este número seria reduzido em quase 50%.

76)A instituição contava com 24 trabalhadores, quadro de pessoal que não seria comportável, pelo menos nos moldes em que o trabalho estava organizado, com a redução de utentes a que a Ré estava vinculada.

77)O peso do fator trabalho não era suportável economicamente tendo em consideração o corte nas receitas derivadas da redução do número de utentes, não tendo, por isso, a instituição condições de manter o referido quadro.

78)Sendo que das questões enunciadas a Diretora técnica sempre teve conhecimento, conhecia as necessidades e dificuldades e foi chamada pela Direção a fazer parte da solução.

79)Aliás, a nova Direção sempre informou que o quadro de pessoal só seria possível de manter com um número mínimo de 29 utentes, tudo e desde que já tivessem sido adotadas todas as restantes medidas de contenção de custos e implementadas as novas quotizações.

80)A partir desse limite o fator trabalho teria de ser revisto.

81)Factos de que a Diretora técnica e os demais trabalhadores estavam cientes, por dos mesmos lhes ter sido dado conhecimento pela Ré.

82)Inclusivamente era do conhecimento generalizado que o número de trabalhadores, aquando da superveniência da redução integral do número de utentes, se deveria fixar em 18, sob pena de a Instituição não ter viabilidade económica.

83)A Autora foi abordada para proceder a uma adaptação de turnos e/ou horários, por forma a reduzir a dependência da necessidade de recurso ao trabalho extraordinário, com o que não concordou.

84)No decurso do ano de 2021 a Ré viu o número de utentes drasticamente reduzido –  em janeiro o n.º de utentes era de 37, em março de 35, em junho o n.º foi reduzido para 33 em agosto passou para 32 utentes e, em outubro o n.º de utentes era de 31.

85)Pelo que, no início do ano de 2022 tentou, uma vez mais arranjar alternativas que lhe permitissem não enveredar por qualquer processo de despedimento.

86)Foi nesta senda que a Ré tentou implementar o regime da adaptabilidade e banco de horas, com o qual pretendia reorganizar tempos de trabalho, sem necessidade de recurso a trabalho suplementar e redução do pagamento de horas extraordinárias.

87)Processo que a Ré, através da sua direção, encabeçou e pelo qual deu a cara.

88)Foi a Ré quem explicou o processo, foi a Ré quem justificou aos trabalhadores a necessidade da sua implementação, foi a Ré quem presidiu à reunião, assim como foi a Ré quem explicou aos trabalhadores quais as consequências da não adaptação do novo modelo de organização dos tempos de trabalho.

89)Foi solicitado à autora que acompanhasse o processo, que recolhesse os acordos que tinham sido entregues aos trabalhadores.

90)A Ré solicitou que a Autora desse indicação das pessoas que, tendo em conta as necessidades da instituição e, bem assim, a reorganização que estava a ser implementada, poderiam ser dispensadas.

91)A decisão final seria da direção.

92)Os lares foram obrigados a implementar planos de contingência que eram impostos pela DGS.

93)No ano de 2021 durante 3 meses, junho, julho e agosto foram abertas visitas aos utentes do lar – e apenas nesta altura.

94)Nesse período de 3 meses a DGS impunha que as visitas decorressem na presença de um colaborador com poderes de supervisão.

95)A escala foi organizada e a Autora, nesse período de três meses, teve de se deslocar à instituição, em três domingos, num período de duas horas cada, sendo que foi compensada por período adicional de descanso.

Factos não provados:

1) A trabalhadora queixou-se à direção por acumular as funções de diretora técnica e de assistente social, precisando de auxílio nestas funções, e mais tempo para a assistência social, uma vez que passava dias inteiros em reuniões, principalmente após a entrada da atual mesa de direção em janeiro de 2021.

2) Ninguém da direção contactou a autora a saber se estava melhor de saúde quando ficou de baixa médica após a quarentena.

                                                             *

                                                             *

b) - Discussão

Apreciando as questões suscitadas pela Ré recorrente:

1ª questão

Nulidades da sentença

Alega a Ré recorrente que:

- A presente sentença padece do vício de nulidade, porquanto nos termos do art.º 395º nº 1 do Cód. de Trabalho, o trabalhador tem de invocar, na comunicação de resolução do contrato com justa causa, os factos concretos.

- É entendimento unânime da doutrina e jurisprudência não poder aquele limitar-se a invocar as conclusões que extrai dos factos, relegando a alegação destes para a petição inicial.

- É entendimento pacífico que um tal requisito é essencial para a efetivação dos direitos resultantes da resolução com justa causa, sob pena de a mesma ser ilícita.

- Ora nos parágrafos vigésimo quarto e trigésimo primeiro – que correspondem, na integra àmatériaconstantedospontos31e 39 a Autora não deu cumprimento à formalidade aduzida.

- No caso do ponto 31 tal incumprimento resulta de a expressão ter cariz conclusivo “tudo em tom de ameaças, repetindo que iam apurar responsabilidades”, desconhecendo-se quais os factos que estão na génese de uma tal afirmação.

- No que respeita, à matéria constante do ponto 39 a questão é ainda mais grave, na verdade a sua redação é tão genérica e abrangente, sem qualquer circunstancialismo temporal que impede por parte da Ré/apelante o exercício de um direito legítimo, com consagração constitucional, o seu direito de defesa.

- Entende pois a Apelante que estes dois factos não podiam e não podem constar da matéria provada, pois não dão cumprimento ao dever de “indicação” a que alude o art.º 395 n.º 1 do Cód. de Trabalho.

- Tomando posição sobre factos que a lei lhe não permite, incorrendo na nulidade a que se alude no art.º 615 n.º 1 al d) in fine, o que, para os devidos e legais efeitos se invoca, aplicável ex vi art.º 1 n.º 1 al. a) do CPT.

- A interpretação do tribunal “a quo” de subsumir toda e qualquer alegação, circunstanciada ou não, conclusiva, sem suporte fáctico e sem determinação temporal, na previsão do n.º 1 do art.º 395, é inconstitucional por violadora do n.º 4 do art.º 20 da CRP, o que se invoca.

Vejamos:

Conforme resulta do artigo 615.º do CPC:

<<1 – É nula a sentença quando:

(…)

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

(…).>>

Assim, <<Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art.608-2), é nula a sentença em que o faça.>>[2]

<<O juiz (…); não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.>> - 2ª parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC.

Na verdade, a sentença é nula quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento porque não suscitadas pelas partes, ou seja, de causas de pedir ou exceções não invocadas pelas partes.

Ora, se constam, ou não, da matéria de facto provada factos que a Autora não indicou de forma concretizada na comunicação da resolução do contrato à Ré, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 395.º do CT, é questão que não consubstancia qualquer nulidade da sentença, posto que não estamos perante o conhecimento de um facto jurídico de que derive a pretensão do A. não invocado mas antes perante um eventual erro de julgamento na consideração da matéria descrita nos pontos 31 e 39 como provada.

Acresce que, não vislumbramos qualquer violação do n.º 4 do artigo 20.º da CRP, posto que a Ré exerceu o contraditório, apresentou contestação e ofereceu a sua prova, sendo certo que em tal articulado pronunciou-se sobre todos os factos alegados pela Autora, nomeadamente, os constantes do artigo 12.º da p. i.) e não invocou qualquer falta de concretização dos mesmos impeditiva do exercício daquele direito.

Desta forma, a sentença recorrida não sofre da invocada nulidade por excesso de pronúncia.

Mais alega a recorrente que:

- A decisão proferida padece ainda, no entender da Apelante, do vício de nulidade desta feita, nos termos da al. c) do art.º 615.º do CPC.

- Entende a Apelante que ao dar por assente a matéria constante no ponto 22 da matéria de facto e, simultaneamente, a matéria dos pontos 85 e 86, a Mmª Juiz a quo, mais não fez do que afirmar um facto e o seu contrário, o que torna a decisão proferida não só obscura como ininteligível.

Pois bem, a sentença é nula quando <<c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.>> - n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

A sentença é obscura quando no respetivo segmento é impossível saber com certeza, qual o pensamento exposto[3], quando não possa determinar-se o sentido exato do mesmo.

<<A decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível (…).>>[4].

Por outro lado, consta dos pontos 22, 85 e 86 da matéria de facto provada o seguinte:

22)Tendo para o dito efeito organizado uma reunião geral de trabalhadores onde expuseram a situação económica da instituição, dizendo ser necessário reduzir trabalhadores ou em alternativa não se pagavam horas extraordinárias, extinguiam-se as isenções de horário e os subsídios de turno.

85)Pelo que, no início do ano de 2022 tentou, uma vez mais, arranjar alternativas que lhe permitissem não enveredar por qualquer processo de despedimento.

86)Foi nesta senda que a Ré tentou implementar o regime da adaptabilidade e banco de horas, com o qual pretendia reorganizar tempos de trabalho, sem necessidade de recurso a trabalho suplementar e redução do pagamento de horas extraordinárias.

Ora, ao contrário do alegado pela recorrente, não vislumbramos nesta matéria qualquer obscuridade que a torne ininteligível.

Na verdade, resulta com clareza da mesma, em conjugação com os factos descritos nos pontos 20 e 21, que:

- No início do ano de 2022 a Ré, uma vez mais, tentou arranjar alternativas que lhe permitissem não enveredar por qualquer processo de despedimento e implementar o regime da adaptabilidade e banco de horas, com o qual pretendia reorganizar tempos de trabalho, sem necessidade de recurso a trabalho suplementar e redução do pagamento de horas extraordinárias.

- E, posteriormente, a mesa da administração decidiu propor a todos os trabalhadores um acordo de organização de trabalho de Banco de Horas e de Adaptabilidade tendo, para o efeito, organizado uma reunião geral de trabalhadores onde expuseram a situação económica da instituição, dizendo ser necessário reduzir trabalhadores ou em alternativa não se pagavam horas extraordinárias, extinguiam-se as isenções de horário e os subsídios de turno.

Pelo exposto, a sentença recorrida não sofre da invocada nulidade por obscuridade.

Por fim, a recorrente alega que:

- Na decisão proferida, mais concretamente, no final do primeiro parágrafo de fls. 39, e em sede de fundamentação de direito, o Tribunal veio lançar mão do depoimento da testemunha CC, enfermeira da Instituição, nele fazendo assentar a demonstração da fiscalização, pressão e assertividade que a Autora invoca lhe ter sido exigida sobre os demais trabalhadores.

- Ora, este trecho assim dado por reproduzido contém factos novos, não alegados na comunicação endereçada à Ré e que, como tal não, poderiam ter sido atendíveis na decisão. (art.º 398 n.º 3 do Cód de Trabalho). “e que se fosse preciso tinha de usar um chicote ou enfiar uma cenoura…” facto que saliente-se a Autora nunca refere, nem na comunicação, nem ao longo do seu depoimento de parte, quando instada sobre o modo como era exercida a pressão.

- Estava por isso vedado ao Tribunal a quo dele se socorrer para apreciar a verificação e licitude da justa causa do despedimento.

- Ao fazer constar tal facto para a decisão e, bem assim, ao nele fundamentar uma decisão sobre a verificação da justa causa, a Mmª Juiz a quo feriu de nulidade a decisão por si proferida, porquanto se pronunciou sobre factos cujo conhecimento lhe está vedado por imposição legal (art.º 615 n.º 1 al d) do CPC, por referência ao n.º 3 do art.º 398 do Cód. de Trabalho).

Na verdade, consta na fundamentação de direito da sentença recorrida o seguinte:

“Ora, se é certo que quanto ao excesso de trabalho, o mesmo não extravasou –segundo se entende - o que à ré era legítimo exigir à autora em termos de execução do contrato de trabalho entre ambas firmado (não podendo por isso a justa causa radicar em tal matéria), já dos demais fatos alegados e considerados provados, resulta claro que a ré não tinha efetivamente confiança na autora, exercendo sobre a mesma pressão (quanto ao modo como devia tratar os demais colaboradores), acusando-a de não exercer diligentemente o seu trabalho (no que respeita ao processo de recolha de assinaturas no âmbito da implementação do regime da adaptabilidade) e submetendo-a a um ambiente de trabalho intimidatório (sendo as reuniões havidas entre as partes pautadas por comportamentos que se qualificam de inadequados por parte do Sr. tesoureiro), sendo certo que estes comportamentos – reiterados ao longo do tempo - provocaram à autora, conforme resulta dos fatos provados, um grande sofrimento emocional.

Na verdade, e conforme já referido, para além das declarações de parte prestadas pela autora e da prova testemunhal produzida, também as declarações de parte do Sr. tesoureiro permitiram ao Tribunal concluir que as reuniões havidas entre as partes eram efetivamente pautadas por um ambiente intimidatório, traduzido no facto de o Sr. tesoureiro usar um tom de voz inapropriado, dar murros na mesa, tendo chegado em certa ocasião a atirar com uma agenda à parede, tudo o que foi pelo mesmo confirmado. Com efeito, admitiu o Sr. Tesoureiro que nas reuniões que tinha com a autora dava murros na mesa (chegando mesmo a dizer em audiência de julgamento “quem é que nunca deu uns murros na mesa?”), falava alto e chegou uma vez a atirar uma agenda contra a parede por ter recebido um telefonema que o desagradou, dizendo, porém, que tal episódio nada teve a ver com a autora ou com o objeto da reunião. Admitiu também que disse frontalmente à autora que a ré não tinha nela confiança e que a “confiança era como a virgindade, uma vez perdida não se recuperava”. Mais admitiu que disse diretamente à autora que o processo de recolha de assinaturas tinha sido por ela mal conduzido e que iria apurar responsabilidades, dizendo-lhe ainda que teria de indicar 5 pessoas para serem despedidas. Por fim, admitiu que disse à autora que tinha de tratar os demais colaboradores de forma mais assertiva, salientando-se a este respeito o depoimento da testemunha CC que referiu que “nas reuniões, o Sr. Tesoureiro dizia à autora que tinha de ser mais rígida e que se fosse preciso tinha de usar um chicote ou enfiar uma cenoura…” (ipsis verbis). Quanto à razão de ser da atuação da ré, e assim quanto à sua motivação, entende-se ter resultado demonstrado que a ré atuou de forma a criar condições para que a autora se despedisse, uma vez que a mesa não tinha confiança na autora, conforme resultou claramente demonstrado, não tendo por isso naturalmente interesse na manutenção da relação laboral.

Sendo assim, ponderada a matéria de facto provada supra descrita, facilmente se conclui que da mesma resulta que a atuação da ré tinha como objetivo final atingir a autoestima da autora e até afastar a mesma da instituição, pelo que no caso se considera que a atuação da ré se norteou por um objetivo ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável.”

Cumpre dizer, desde já, que todas as considerações tecidas a propósito das declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento devem ser feitas em sede de fundamentação de facto e não de direito.

Assim, salvo o devido respeito, não se compreende a invocação dos depoimentos do Sr. Tesoureiro da Ré e da testemunha CC feita na fundamentação jurídica da sentença recorrida, principalmente, quanto ao relato de “factos” que não foram alegados nem julgados provados. 

Desta forma, dúvidas não existem de que só os factos julgados provados podem ser objeto de subsunção jurídica, sendo que, por força do disposto no n.º 3 do artigo 398.º do CT, só são atendíveis para justificar a resolução os factos constantes da comunicação referida no n.º 1 do artigo 395.º.

Contudo, pelos motivos supra expostos aquando da apreciação de idêntica nulidade, não estamos perante o conhecimento de qualquer questão não suscitada pelas partes, com o consequente excesso de pronúncia mas sim perante um erro de julgamento, posto que, na apreciação da justa causa invocada para a resolução do contrato não podem ser considerados factos que não foram julgados provados, nos termos em que o foram na sentença recorrida a fls. 39.

Assim sendo, a sentença recorrida não sofre da invocada nulidade por excesso de pronúncia.

                                                             *

Aqui chegados, impunha-se a apreciação da 2ª questão supra enunciada, ou seja, a reapreciação da matéria de facto.

Acontece que, tendo em conta a matéria de facto provada constante da sentença recorrida, afigura-se-nos inútil tal reapreciação com vista ao conhecimento da 3ª questão - se inexiste assédio/justa causa de resolução do contrato por parte da Autora -, posto que, como melhor se verá de seguida, qualquer eventual alteração pretendida pela Ré não teria relevo na apreciação da mesma nem de qualquer outra.

Desta forma, tendo em conta a proibição da prática de atos inúteis, não procedemos à reapreciação da matéria de facto.

                                                             *

3ª questão

Se inexiste assédio/justa causa de resolução do contrato por parte da Autora

Antes de mais, cumpre dizer que, conforme resulta do disposto no n.º 3 do artigo 607.º do CPC, na sentença, o juiz deve discriminar os factos que considera provados.

Factos são todos os acontecimentos ou ocorrências de origem natural ou humana, cuja realidade pode ser comprovada e apreendida.

Desta forma, não devem constar da matéria de facto provada conclusões, factos com natureza jurídica nem juízos de valor.

Assim, devem ser eliminados da matéria de facto todos os factos conclusivos, ou seja, que contenham um juízo ou conclusão e que, em si mesmos, já encerrem no todo ou em parte a decisão da causa.

É o que ocorre com as expressões:

- “Tudo em tom de ameaças”, no ponto 31;

- “A relação que havia de confiança entre a trabalhadora e a direção quebrou-se”, no ponto 37.

- “Uma vez que o tesoureiro tomava uma postura agressiva, prepotente”, no ponto 39.

- “Todas estas situações causaram doença grave”, no ponto 49.

- “As queixas e a patologia da trabalhadora são causa e estão associadas aos problemas no local de trabalho, tendo a saúde da trabalhadora sido degradada pela pressão, acusações e tratamento dado pela mesa da direção da Santa Casa de ....” – ponto 51.

- “A A. ficou com depressão grave.”- no ponto 58.

- “A ré criou condições para que a autora se despedisse e desenvolvesse uma síndrome depressiva”, no ponto 60.

Posto isto, alega a Ré recorrente que:

- Considera a Apelante que, ainda que a matéria de facto dada por assente na decisão proferida não viesse a sofrer qualquer alteração, mantendo este Venerando Tribunal, na íntegra, os factos provados, nos seus precisos termos, ainda assim, não poderia neles sustentar-se a procedência da ação recorrida, por verificação de assédio moral.

- A recorrida não alega, em momento algum, que a Apelante a si se substituiu, na supervisão – facto esse que, efetivamente e verificados os demais condicionalismos, poderia configurar uma quebra de confiança – alega antes que Apelante, no exercício legítimo de um direito que lhe é conferido por lei – determinou o modo como pretendia que essa supervisão fosse efetuada, o que de modo algum pode configurar um assédio moral e consequente justa causa de resolução.

- Não se vislumbrando em que factos se materializa a falta enunciada. No verbalizar da expressão????

- A delegação de todas as enunciadas atividades pressupõem confiança.

- Firma ainda o Tribunal a sua decisão no facto de, no seu entender a Ré acusar a Autora de falta de diligência no seu trabalho – no que respeita ao processo de recolhas de assinaturas no âmbito da implementação do regime de adaptabilidade.

- Ora a Ré, nos termos da lei, detinha poderes para propor as alterações enunciadas ao regime de prestação de trabalho em causa.

- O Tribunal a quo veio ainda fundamentar a sua decisão no facto de, em seu entender, a Autora estar sujeita a um ambiente de trabalho intimidatório sustentado a afirmação assim proferida no modo como decorriam as reuniões que, julgou inadequado.

- Salvo o devido respeito nenhum dos comportamentos enunciados se reveste da gravidade que deve caracterizar os fundamentos do assédio moral, enquanto causa de justificação de resolução por justa causa.

- Um juízo de assédio pressupõe o ultrapassar da barreira do aceitável, do enquadrável na tensão normal existente nas relações laborais.

- Ora entende a Ré que em nenhuma das situações enunciadas essa barreira foi transposta e nessa medida o reconhecimento da licitude do despedimento é inadequada.

Afirma o Tribunal a quo que a conduta da Ré, tinha como objetivo final afastar a Autora da Instituição e atingir a sua autoestima, objetivo esse que é ilícito e/ou no mínimo eticamente reprovável.

- Sendo que no caso concreto não se verifica um comportamento indesejado, uma intenção de, com o mesmo, exercer pressão moral sobre o outro, nem um objetivo final ilícito ou eticamente reprovável.

- Pelo que não se subsumindo as condutas perpetradas pela Ré na noção de assédio moral tal qual a mesma encontra previsão no art.º 29 do Cód. de Trabalho, forçoso será concluir que à Mmª Juiz a quo se impunha a absolvição da Ré do pedido.

Por outro lado, a este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:

“Enquadrada a questão, vejamos se os factos integram, como o sustenta o autor, uma situação de assédio moral ou “mobbing”.

A este respeito resultou provado que:

(…)

Ora, se é certo que quanto ao excesso de trabalho, o mesmo não extravasou –segundo se entende - o que à ré era legítimo exigir à autora em termos de execução do contrato de trabalho entre ambas firmado (não podendo por isso a justa causa radicar em tal matéria), já dos demais fatos alegados e considerados provados, resulta claro que a ré não tinha efetivamente confiança na autora, exercendo sobre a mesma pressão (quanto ao modo como devia tratar os demais colaboradores), acusando-a de não exercer diligentemente o seu trabalho (no que respeita ao processo de recolha de assinaturas no âmbito da implementação do regime da adaptabilidade) e submetendo-a a um ambiente de trabalho intimidatório (sendo as reuniões havidas entre as partes pautadas por comportamentos que se qualificam de inadequados por parte do Sr. tesoureiro), sendo certo que estes comportamentos – reiterados ao longo do tempo - provocaram à autora, conforme resulta dos fatos provados, um grande sofrimento emocional.

Na verdade, e conforme já referido, para além das declarações de parte prestadas pela autora e da prova testemunhal produzida, também as declarações de parte do Sr. tesoureiro permitiram ao Tribunal concluir que as reuniões havidas entre as partes eram efetivamente pautadas por um ambiente intimidatório, traduzido no facto de o Sr. tesoureiro usar um tom de voz inapropriado, dar murros na mesa, tendo chegado em certa ocasião a atirar com uma agenda à parede, tudo o que foi pelo mesmo confirmado. Com efeito, admitiu o Sr. Tesoureiro que nas reuniões que tinha com a autora dava murros na mesa (chegando mesmo a dizer em audiência de julgamento “quem é que nunca deu uns murros na mesa?”), falava alto e chegou uma vez a atirar uma agenda contra a parede por ter recebido um telefonema que o desagradou, dizendo, porém, que tal episódio nada teve a ver com a autora ou com o objeto da reunião. Admitiu também que disse frontalmente à autora que a ré não tinha nela confiança e que a “confiança era como a virgindade, uma vez perdida não se recuperava”. Mais admitiu que disse diretamente à autora que o processo de recolha de assinaturas tinha sido por ela mal conduzido e que iria apurar responsabilidades, dizendo-lhe ainda que teria de indicar 5 pessoas para serem despedidas. Por fim, admitiu que disse à autora que tinha de tratar os demais colaboradores de forma mais assertiva, salientando-se a este respeito o depoimento da testemunha CC que referiu que “nas reuniões, o Sr. Tesoureiro dizia à autora que tinha de ser mais rígida e que se fosse preciso tinha de usar um chicote ou enfiar uma cenoura…” (ipsis verbis). Quanto à razão de ser da atuação da ré, e assim quanto à sua motivação, entende-se ter resultado demonstrado que a ré atuou de forma a criar condições para que a autora se despedisse, uma vez que a mesa não tinha confiança na autora, conforme resultou claramente demonstrado, não tendo por isso naturalmente interesse na manutenção da relação laboral.

Sendo assim, ponderada a matéria de facto provada supra descrita, facilmente se conclui que da mesma resulta que a atuação da ré tinha como objetivo final atingir a autoestima da autora e até afastar a mesma da instituição, pelo que no caso se considera que a atuação da ré se norteou por um objetivo ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável.

É preciso não esquecer que muitas vezes “o assédio converte-se em meio para contornar as proibições de despedimento sem justa causa, transformando-se num mecanismo mais expedito e económico da empresa para se desembaraçar de trabalhadores que por qualquer razão não deseja conservar.”(…)- Cfr. Júlio Gomes, in Estudos jurídicos em homenagem ao Professor António Motta Veiga, Almedina, 2007, pág.

Está, pois, configurada uma situação de verdadeiro assédio moral, no caso, vertical descendente, a demandar a concessão de proteção à vitima (trabalhadora assediada).

Donde, e na esteira dos considerandos acima tecidos, não há como não concluir pela inexigibilidade da manutenção da relação contratual, pelo que é de se reconhecer à autora o direito a resolver o contrato de trabalho com justa causa.”

Vejamos, então, se assim é ou se, ao invés, assiste razão à Ré recorrente.

Como já fico dito, a Ré recorrente entende que não existe um comportamento indesejado com intenção imediata de exercer pressão moral sobre o outro, nem um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável de hostilizar a A. ou de a levar a demitir-se.

Apreciando:

<<1. Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, humilhante ou desestabilizador>> - artigo 29.º, do C.T..

Como refere o Professor Júlio Gomes,[5]<<o mobbing ou assédio moral ou, ainda, como por vezes se designa, terrorismo psicológico, parece caracterizar-se por três facetas: a prática de determinados comportamentos, a sua duração e as consequências destes. (…)

O assédio converte-se em meio para contornar as proibições de despedimento sem justa causa, transformando-se num mecanismo mais expedito e económico da empresa para se desembaraçar de trabalhadores que por qualquer razão não deseja conservar. (…)

Como se disse, os meios empregues podem ser os mais diversos: frequentemente adoptam-se medidas para impor o isolamento social do trabalhador, que podem consistir em proibir aos outros trabalhadores que lhe dirijam a palavra, em reduzir-lhe os contactos com os clientes ou, mesmo, em impor-lhe isolamento físico. Alternativamente, recorrer-se-á a sistemáticas mudanças de horário de trabalho ou de local de trabalho, cada uma delas aparentemente inofensiva e correspondendo ao interesse da empresa. (…)>>.

Nas palavras de Alexandra Marques Cerqueira[6], <<poder-se-á, numa tentativa de aproximação, apontar as seguintes características à figura em análise: “a) uma perseguição ou submissão da vítima a pequenos ataques repetidos; b) constituída por qualquer tipo de atitude por parte do assediador, não necessariamente ilícita em termos singulares, e concretizada de várias maneiras (…) à excepção de condutas, agressões ou violações físicas; c) que pressupõe motivações variadas por parte do assediador; d) que, pela sua repetição ou sistematização no tempo; e) e pelo recurso a meios insidiosos, subtis ou subversivos, não claros nem manifestos, que visam a diminuição da capacidade de defesa do assediado; f) criam uma relação assimétrica de dominante e dominado psicologicamente; g) no âmbito da qual a vítima é destruída na sua identidade; h) o que representa uma violação da dignidade pessoal e profissional, e, sobretudo, da integridade psico-física do assediado; i) com fortes danos para a saúde mental deste; j) colocando em perigo a manutenção do seu emprego; k) e/ou degradando o ambiente profissional”>>.

Ou, ainda, como refere Rita Garcia Pereira[7], <<para nós, o assédio moral no trabalho caracteriza-se fundamentalmente por ser um conjunto sequencial de actos de diversa índole, praticados no âmbito de uma relação laboral ou por causa desta, por um sujeito individual ou por um colectivo, aptos a produzirem lesões nos direitos fundamentais inerentes à pessoa de cada trabalhador, entre os quais o direito à dignidade e o direito à integridade física e moral, e que importam uma degradação do estatuto laboral do visado>>.

Por fim, <<o mobbing ou assédio moral é percebido, quase unanimemente, como uma “prática insana de perseguição”, metodicamente organizada, temporalmente prolongada, dirigida normalmente contra um só trabalhador que, por consequência, se vê remetido para uma situação indefesa e desesperada, violentado e frequentemente constrangido a abandonar o seu emprego, seja por iniciativa própria ou não. Trata-se, no fundo, de uma hipótese de maus tratos que provoca, consoante a sua intensidade, patologias, mais ou menos graves, de índole psíquica, psicossomática e social que podem ir da simples quebra de rendimento profissional ao suicídio, passando pela perda de auto-estima, pelo desenvolvimento do stresse pós-traumático, síndromes depressivas, dependência de fármacos ou álcool, etc.

A caracterização destas perseguições atém-se mais ao seu aspecto sucessivo e persistente do que aos actos em que se traduzem. Com efeito, a agressão, quase sempre insidiosa e muitas vezes dissimulada, não é tanto o resultado de qualquer acção isoladamente considerada, quanto da sua concatenação, com o objectivo de provocar, geralmente, o afastamento definitivo ou a marginalização do trabalhador>>[8].

Resulta do que ficou dito que o assédio moral se traduz numa prática reiterada de atos violadores dos direitos do trabalhador, dos quais resultam lesões e que tem em vista o afastamento do mesmo.

Ora, tendo em conta a matéria de facto provada desde já avançamos que não acompanhamos a sentença recorrida na medida em que, ao contrário do que se refere na mesma, não retiramos daquela que a Ré não tinha efetivamente confiança na Autora, submetendo-a a um ambiente de trabalho intimidatório, reiterado ao longo do tempo, nem que resulta demonstrado que a ré atuou de forma a criar condições para que a autora se despedisse, uma vez que a mesa não tinha confiança na autora, conforme resultou claramente demonstrado, não tendo por isso naturalmente interesse na manutenção da relação laboral.

Na verdade, resulta da matéria de facto provada, expurgada das supra enunciadas conclusões, que:

- A Autora não aceitava e discordava de algumas decisões da mesa administrativa ou direção, por ex. os técnicos terem de trabalhar nos finais de semana, o que gerava atrito.

- A direção exigia da trabalhadora uma fiscalização, pressão e assertividade sobre os trabalhadores da instituição, designadamente, que vigiasse o trabalho da encarregada e quando falasse com os trabalhadores para não ser tão meiga a falar, devia ser mais dura e assertiva com os subordinados.

- Chegando a dizer-lhe que quando entrasse na instituição tinha de passar a ser uma AA mais dura e exigente.

- O que muito desgostava a trabalhadora pois no geral as suas colaboradoras sempre lhe foram fiéis, corresponderam ao que lhes era pedido e tinham por ela respeito e amizade.

- Por indicação da segurança Social a Ré deu início a uma redução de utentes.

- A mesa da administração decidiu propor a todos os trabalhadores um acordo de organização de trabalho de Banco de Horas e de Adaptabilidade.

- Tendo para o dito efeito organizado uma reunião geral de trabalhadores onde expuseram a situação económica da instituição, dizendo ser necessário reduzir trabalhadores ou em alternativa não se pagavam horas extraordinárias, extinguiam-se as isenções de horário e os subsídios de turno.

- Na sequência, enviaram a cada trabalhador uma carta com uma minuta do acordo que misturava banco de horas e o regime de adaptabilidade, sendo que no caso da trabalhadora lhe era, ainda, proposto o fim da isenção de horário.

- A trabalhadora não aceitou tal como todos os demais colaboradores da instituição.

- Cerca de duas semanas após o envio das cartas a trabalhadora esteve reunida com a mesa administrativa e estes disseram para recolher, no prazo de uma semana, as assinaturas no acordo de organização de trabalho de Banco de Horas e de Adaptabilidade já devidamente preenchido com o nome dos trabalhadores.

- A trabalhadora disse-lhes que não estava de acordo, tendo contraproposto uma situação temporária para resolver as dificuldades financeiras, o que não foi aceite.

- Na sequência, a trabalhadora colocou o acordo na sua sala e deu conhecimento do mesmo às colaboradoras para ser assinado por quem tivesse interesse.

- Ninguém assinou, inclusive, a trabalhadora.

- Quando a trabalhadora reuniu com a mesa administrativa da Sta. Casa e lhes entregou o acordo sem quaisquer assinaturas, disseram-lhe que o processo não tinha sido bem conduzido e que iam perceber porque não tinha sido bem conduzido.

- Acusando-a de pelo facto de não ter assinado tal ter levado a que as restantes colaboradoras não assinassem.

-  Repetindo que iam apurar responsabilidades.

- Que iriam ter de proceder ao despedimento de colaboradores por causa da trabalhadora não ter conduzido bem o processo de recolha das assinaturas no acordo.

- Acusavam-na de a falta de acordo ser da sua responsabilidade.

- Teria de ser ela a indicar as pessoas a despedir.

- O que a deixou muito transtornada, pois entendia não poder obrigar ninguém a assinar o acordo.

- Tendo-lhe sido dito que já não confiavam nela, dizendo o tesoureiro à trabalhadora: “a confiança é como a virgindade uma vez perdida nunca mais se recupera.”

- As reuniões que tinha com a direção, diárias, acabavam sempre com pressão sobre a trabalhadora acerca de o processo de acordo do banco de horas e de adaptabilidade ter sido mal conduzido e estarem nesta situação por culpa sua.

- As reuniões havidas com a trabalhadora e/ou com a equipa técnica criavam pânico na autora, uma vez que o tesoureiro quando lhe era questionada qualquer ideia, atirava agendas à parede, gritava, acusando a trabalhadora de tudo o que estava mal na instituição ser da responsabilidade desta e da sua equipa.

- Estas atitudes diminuíam-na, bloqueavam-na, chorando compulsivamente.

- Em fevereiro de 2022 a instituição teve um surto de COVID 19, que afetou idosos e trabalhadores, tendo a trabalhadora e os demais colaboradores, mesmo doentes, assegurado o serviço.

- A direção nem apareceu na instituição durante esse período e, ainda, acusou a trabalhadora que se algo acontecesse às trabalhadoras que prestaram serviço doentes que a responsabilidade era dela.

- A direção nunca foi capaz de agradecer o esforço dos colaboradores durante o surto Covid 19, o que desagradou bastante os funcionários.

- Todas estas situações acumuladas, desentendimentos e descontentamentos levaram ao despedimento voluntário do fisioterapeuta, da enfermeira e da médica.

- A trabalhadora viu-se durante o mês de abril de 2022 sem médica, enfermeira e fisioterapeuta para assegurar o trabalho.

- A direção informou que relativamente ao fisioterapeuta não iria ser substituído, e que a enfermeira era da sua responsabilidade substituir.

- Viu-se isolada, apreensiva, sem equipa (médica, enfermeira e fisioterapeuta) e com uma grande responsabilidade, pois sabe que não pode prescindir de fisioterapeutas, entendendo que não era da sua responsabilidade contratar enfermeiros.

- Todas estas situações causaram doença à trabalhadora do foro psicológico que levou à sua baixa médica desde 22 de abril de 2022 e que se mantém, devido a lhe ser diagnosticada ansiedade, insónia, cansaço, humor lábil acentuado, anedonia.

- A trabalhadora está medicada com antidepressivos, soníferos, ansiolíticos, por ex. escitalopram, alprazolam, sedoxil e topiramato, etc.

- A A. face às atitudes da R. ficou doente, com depressão, padece de insónias, regulares dores de cabeça, está ansiosa, não tem auto confiança, isola-se, entre outras.

- Desde 2018, as entidades inspetivas, no âmbito dos seus poderes fiscalizadores, tinham alertado a Ré para a necessidade de redução do número de utentes e de  respeitar as normas que regulam a atividade.

- Impondo que a Ré - na altura com mais de 40 utentes residentes – reduzisse esse número para o limite enunciado.

- Em janeiro de 2021, aquando da tomada de posse da atual Direção, na primeira reunião havida com as entidades fiscalizadoras, a Ré foi confrontada com a necessidade urgente de dar cumprimento à enunciada redução.

- Concomitantemente, a nova Direção foi confrontada com uma situação financeira altamente deficitária.

- Era imperioso, reduzir custos, fazer uma gestão mais racional e criteriosa e encontrar formas de aumentar receitas que não passassem pelo aumento do número de utentes.

- Tudo por forma a garantir a subsistência da instituição.

- De todos estes factos a Diretora Técnica teve conhecimento, assim como foi envolvida pela Direção em todo o processo.

- Assim como negociou com as entidades fiscalizadoras o deferir do cumprimento da obrigação de redução do número de utentes.

- A instituição contava com 24 trabalhadores, quadro de pessoal que não seria comportável, pelo menos nos moldes em que o trabalho estava organizado, com a redução de utentes a que a Ré estava vinculada.

- O peso do fator trabalho não era suportável economicamente tendo em consideração o corte nas receitas derivadas da redução do número de utentes, não tendo, por isso, a instituição condições de manter o referido quadro.

- Sendo que das questões enunciadas a Diretora técnica sempre teve conhecimento, conhecia as necessidades e dificuldades e foi chamada pela Direção a fazer parte da solução.

- Aliás, a nova Direção sempre informou que o quadro de pessoal só seria possível de manter com um número mínimo de 29 utentes, tudo e desde que já tivessem sido adotadas todas as restantes medidas de contenção de custos e implementadas as novas quotizações.

- A partir desse limite o fator trabalho teria de ser revisto.

- Factos de que a Diretora técnica e os demais trabalhadores estavam cientes, por dos mesmos lhes ter sido dado conhecimento pela Ré.

- Inclusivamente era do conhecimento generalizado que o número de trabalhadores, aquando da superveniência da redução integral do número de utentes, se deveria fixar em 18, sob pena de a Instituição não ter viabilidade económica.

- A Autora foi abordada para proceder a uma adaptação de turnos e/ou horários, por forma a reduzir a dependência da necessidade de recurso ao trabalho extraordinário, com o que não concordou.

- No decurso do ano de 2021 a Ré viu o número de utentes reduzido –  em janeiro o n.º de utentes era de 37, em março de 35, em junho o n.º foi reduzido para 33 em agosto passou para 32 utentes e, em outubro o n.º de utentes era de 31.

- Pelo que, no início do ano de 2022 tentou, uma vez mais arranjar alternativas que lhe permitissem não enveredar por qualquer processo de despedimento.

- Foi nesta senda que a Ré tentou implementar o regime da adaptabilidade e banco de horas, com o qual pretendia reorganizar tempos de trabalho, sem necessidade de recurso a trabalho suplementar e redução do pagamento de horas extraordinárias.

- Processo que a Ré, através da sua direção, encabeçou e pelo qual deu a cara.

- Foi a Ré quem explicou o processo, foi a Ré quem justificou aos trabalhadores a necessidade da sua implementação, foi a Ré quem presidiu à reunião, assim como foi a Ré quem explicou aos trabalhadores quais as consequências da não adaptação do novo modelo de organização dos tempos de trabalho.

- Foi solicitado à autora que acompanhasse o processo, que recolhesse os acordos que tinham sido entregues aos trabalhadores.

- A Ré solicitou que a Autora desse indicação das pessoas que, tendo em conta as necessidades da instituição e, bem assim, a reorganização que estava a ser implementada, poderiam ser dispensadas.

- A decisão final seria da direção.

Pois bem, ressalta desta matéria que foi no âmbito de um processo de redução do número de utentes imposto pelas entidades fiscalizadoras que a Autora foi abordada pela Ré para proceder a uma adaptação de turnos e/ou horários, com o que não concordou, solicitando-lhe a Ré que acompanhasse o processo, recolhesse os acordos e indicasse as pessoas que poderiam ser dispensadas.

E foi no decurso do mesmo que tanto a Autora como os demais trabalhadores não aceitaram os acordos propostos, tendo sido ainda proposto à A. o fim da isenção de horário; que na reunião com a mesa administrativa, quando a A. lhes entregou o acordo sem assinaturas, lhe disseram que o processo não tinha sido bem conduzido, iam perceber o porquê, acusando-a de pelo facto de não ter assinado ter levado a que os restantes trabalhadores não assinassem e repetindo que iam apurar responsabilidades e que iriam ter de proceder ao despedimento de colaboradores por causa da A. não ter conduzido bem o processo; acusavam-na de a falta de acordo ser da sua responsabilidade, ter de ser ela a indicar as pessoas a despedir, o que deixou a A. muito transtornada pois entendia não poder obrigar ninguém a assinar o acordo.

Mais foi dito à A. que já não confiavam nela, dizendo o tesoureiro à mesma: “a confiança é como a virgindade uma vez perdida nunca mais se recupera”; as reuniões diárias com a direção acabavam sempre com pressão sobre a trabalhadora acerca de o processo de acordo ter sido mal conduzido e estarem naquela situação por culpa sua, reuniões que criavam pânico na autora, uma vez que o tesoureiro atirava agendas à parede, gritava e acusava a trabalhadora de tudo o que estava mal na instituição ser da responsabilidade daquela e da sua equipa, atitudes que a diminuíam, bloqueavam-na, chorando compulsivamente.

Ora, facilmente se conclui que as acusações feitas pela Ré transtornaram a A., a quem foi dito que já não confiavam nela e que se sentia pressionada acerca do citado processo de acordo, diminuída e bloqueada com as atitudes da Ré (pelo menos desadequadas as do Sr. Tesoureiro nas reuniões), contudo, é nosso entendimento que as mesmas não consubstanciam comportamentos humilhantes, vexatórios ou atentatórios da dignidade do trabalhador.  

E o mesmo ocorre no que concerne ao facto de a direção exigir da trabalhadora uma fiscalização, pressão e assertividade sobre os trabalhadores da instituição, designadamente que vigiasse o trabalho da encarregada e para não ser tão meiga a falar mas mais dura e assertiva com os subordinados, o que muito desgostava a trabalhadora.

Na verdade, pode questionar-se a exigência (o “método”) pretendida pela Ré na relação da A. com os subordinados, no entanto, não se nos afigura que a mesma seja humilhante ou que atente contra a dignidade da Autora.

E também entendemos que o mesmo se verifica quanto às seguintes acusações e situações:

- Em fevereiro de 2022 a Ré teve um surto de Covid 19, tendo a trabalhadora e demais funcionários, mesmo doentes, assegurado o serviço, sendo que a direção acusou a trabalhadora que se algo acontecesse às trabalhadoras que prestaram serviço doentes que a responsabilidade era dela.

- A trabalhadora viu-se durante o mês de abril de 2022 sem médica, enfermeira e fisioterapeuta para assegurar o trabalho.

- A direção informou que o fisioterapeuta não iria ser substituído e que a enfermeira era da sua responsabilidade substituir.

- Viu-se isolada, apreensiva, sem equipa e com grande responsabilidade, pois sabe que não pode prescindir de fisioterapeuta, entendendo que não era da sua responsabilidade contratar enfermeiros.

Acresce que da matéria de facto provada não resulta a efetiva perda de confiança da Ré na Autora mas tão só que lhe foi dito que já não confiavam nela.

Na verdade, <<I - O assédio moral implica comportamentos real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador, aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração; e determinadas consequências.>>[9]

Como se decidiu no acórdão desta Relação de 07/03/2013, disponível em www.dgsi.pt, que acompanhamos:

<<II – Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.

III – O assédio moral pode concretizar-se numa de duas formas: o assédio moral discriminatório (em que o comportamento indesejado e com efeitos hostis se baseia em qualquer factor discriminatório que não o sexo – discriminatory harassement) e o assédio moral não discriminatório (quando o comportamento indesejado não se baseia em nenhum factor discriminatório, mas pelo seu carácter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis, almejando, em última análise, afastar o trabalhador da empresa – mobbing).

IV – Não constituem assédio moral as seguintes situações que devem ser consideradas simples conflitos existentes nas organizações: o stress; as injúrias dos gestores e do pessoal dirigente; as agressões (físicas e verbais) ocasionais não premeditadas; outras formas de violência como o assédio sexual, racismo, etc.; as condições de trabalho insalubres, perigosas; os constrangimentos profissionais, ou seja o legítimo exercício do poder hierárquico e disciplinar na empresa,…

V – Só pode ter-se por registada uma situação de mobbing naqueles casos em que subjacente ao comportamento indesejado do empregador ou dos superiores hierárquicos esteja a pretensão de forçar o trabalhador a desistir do seu emprego. >>

E como se refere no já citado acórdão desta Relação de 18/12/2020:

<<Assim sendo, e segundo os citados arestos desta Relação[10], a pergunta surge inevitável: qual o critério em função do qual se há-de distinguir uma situação de mobbing de outra de mero conflito laboral?

Respondendo, diremos que o que verdadeiramente diferencia o conflito laboral do assédio moral é a intencionalidade que está por detrás de um e de outro, sendo que neste último existe, como motivação da conduta, uma clara e manifesta intenção do agressor se livrar da pessoa assediada, ao passo que no primeiro não existe da parte do agressor uma intenção deliberada de livrar-se do trabalhador; sem essa intenção do agressor não existe assédio moral – no sentido de que a verificação de uma situação de mobbing exige a demonstração de uma conduta persecutória intencional da entidade empregadora sobre o trabalhador, podem consultar-se os acórdãos do STJ de 29/3/2012, proferido no âmbito do processo 429/09.9TTLSB.L1.S1, e da Relação de Lisboa de 13/4/2011, proferido no âmbito do processo 71/09.4TTVFX.L1-4.

A acrescer a essa intenção, o comportamento subsumível ao conceito de assédio moral há-de ser sistemático, repetitivo e com clara premeditação de realização daquela intenção.

Resulta de tudo quanto vem de referir-se que, conquanto isso não resulte explícito do art. 29º/1 do CT/09, só pode ter-se por registada uma situação de mobbing naqueles casos em que subjacente ao comportamento indesejado do empregador ou dos superiores hierárquicos esteja a pretensão de forçar o trabalhador a desistir do seu emprego” - cfr. citados acórdãos desta Relação.”

Decidiu-se no acórdão do STJ, de 12/03/2014, disponível em www.dgsi.pt:

<<A propósito do elemento volitivo, a doutrina sempre se mostrou dividida, pois, “enquanto para alguns o mobbing pressupõe uma intenção persecutória ou de chicana (ainda que não necessariamente a intenção de expulsar a vítima da empresa), para outros, o essencial não são tanto as intenções, mas antes o significado objetivo das práticas reiteradas”.

Incontornavelmente, a lei estipula que no assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adotado pelo “assediante”.

No entanto, quanto aos precisos contornos desta exigência, duas observações se impõem.

Em primeiro lugar, uma vez que a esfera de proteção da norma se circunscreve, como vimos, a comportamentos que intensa e inequivocamente infrinjam os valores protegidos, não pode deixar de notar-se que é dificilmente configurável a existência de (verdadeiras) situações de assédio moral que, no plano da vontade do agente, não imponham concluir que ele, pelo menos, representou as consequências imediatas da sua conduta, conformando-se com elas.

Por outro lado, para referir que a circunstância de o legislador ter prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento não obsta à afirmação de que o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra associado um objetivo final “ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável” (v.g. a discriminação, a marginalização/estigmatização ou neutralização do trabalhador, atingir a sua auto-estima ou, no tocante ao “assédio estratégico”, os objetivos específicos supra expostos).>>

Ora, pese embora resulte deste acórdão do STJ a conclusão de que a lei estipula que no assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adotado pelo “assediante”, tendo o legislador prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas, acaba por se aceitar que o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra associado um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável.

Pese embora resulte da matéria de facto provada que por causa das situações supra descritas a Autora ficou transtornada, diminuída, bloqueada, com depressão medicada, insónias, dores de cabeça, ansiedade e falta de auto confiança, não se extrai da mesma que era pretensão da Ré forçar a Autora a desistir do seu emprego nem outro objetivo eticamente reprovável.

Desta forma, ponderando a matéria de facto provada supra descrita, facilmente se conclui que também não resulta da mesma uma atuação da Ré com o objetivo final de discriminar, marginalizar, atingir a auto estima da Autora ou de a afastar da empresa, sendo certo que, como já ficou dito, não se concebe o assédio moral ou mobbing sem um objetivo ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável.

Assim sendo, tendo em conta o que ficou dito e porque também não se encontra preenchido este pressuposto essencial, a conduta supra descrita da Ré não consubstancia assédio moral nos termos previstos no artigo 29.º do CT e, consequentemente, o mesmo não constitui justa causa de resolução do contrato.

Pelo exposto, não tendo resultado provado (prova que competia ao trabalhador[11]) qualquer comportamento da empregadora capaz de integrar justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, a resolução do contrato por parte da Autora com invocação de justa causa, é ilícita (artigo 398.º, n.º 1, do CT) e, consequentemente, a Autora não tem direito à indemnização prevista no artigo 396.º do CT e que lhe foi fixada na sentença recorrida, no montante de 26.389,25.

Procedem, por isso, as conclusões da recorrente.

4ª questão

Se a Autora não tem direito às diuturnidades peticionadas

Alega a Ré recorrente que foi condenada a pagar diuturnidades à Autora sem qualquer suporte legal, pois não outorgou qualquer CCT e à data dos factos não estava abrangida pelos efeitos de qualquer portaria de extensão, pelo que, decisão recorrida deve ser revogada.

A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:

“Sustenta a autora na sua petição inicial que os trabalhadores os trabalhadores das IPSS que estejam a prestar serviço a tempo completo têm direito a uma diuturnidade no valor de 21€, por cada 5 anos de serviço, até ao limite de 5 diuturnidades. Reclama por isso a quantia total de € 2.079€ a título de diuturnidades nunca pagas.

(…)

Na petição inicial que apresentou, chama o autor à colação, para fundamentar a sua pretensão, a Portaria de Extensão, publicada em 14/04/2016, Portaria n.º 87/2016, que fixa um padrão remuneratório mínimo para as várias categorias profissionais especificadas em anexo próprio no CCT outorgado pela CNIS publicado e atualizado no BTE nº 21, de 8 de junho de 2018, pelo que antes de mais, para solução do caso sub iudice, haverá que atentar no teor de ACT, enquanto fonte do direito do trabalho reguladora das relações entre as partes.

(…)

Dito isto, e passando agora à questão da aplicação das convenções coletivas, dir-se-á que:

No que diz respeito ao âmbito pessoal de aplicação das convenções coletivas, a regra delimitativa básica consiste no chamado “princípio da dupla filiação”: as convenções coletivas obrigam apenas aqueles que, durante a respetiva vigência, estiverem filiados ou se filiarem nas entidades outorgantes (associações de empregadores e sindicatos) e ainda os empregadores que outorguem diretamente, nos casos dos acordos coletivos de trabalho e dos acordos de empresa.

Este princípio encontra-se plasmado no artigo 496.º do Código do Trabalho nos termos do qual a convenção coletiva “obriga o empregador que a subscreve ou filiado em associações de empregadores celebrantes, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical celebrante”.

Como resulta do disposto no artigo 492º, n.º 1, al. c) do Código do Trabalho, além da exigência da “dupla filiação” (que justifica a obrigatoriedade de se fazer menção no texto da convenção da designação das entidades celebrantes), a definição pessoal dos destinatários da CCT infere-se, ainda, da menção obrigatória no instrumento de regulamentação coletiva do respetivo “âmbito do sector de atividade”, o que nos reconduz ao sector de atividade económica que a convenção pretende abranger.

A normação plasmada na convenção coletiva pode, contudo, alargar-se total ou parcialmente, nas seguintes situações:

- Extensão dos efeitos da convenção coletiva a trabalhadores e/ou a empregadores não filiados na associação sindical ou patronal outorgante (ou por se terem filiado na associação após a outorga da convenção ou por se terem desfiliado da associação depois de iniciado o processo negocial (art.º 496º nºs 3 e 4);

- Extensão dos efeitos da convenção coletiva a empregador não outorgante, por efeito da transmissão de empresa ou de estabelecimento (art.º 498º);

- Extensão dos efeitos da convenção coletiva a trabalhador não sindicalizado, por escolha desse trabalhador (art.º 497º);

- Extensão dos efeitos da convenção coletiva a trabalhadores inicialmente não abrangidos, por portaria de extensão (art.º 514º).

Com efeito, nos termos do artigo 514º, n.º 1 do Código do Trabalho, a “convenção coletiva ou decisão arbitral em vigor pode ser aplicada, no todo ou em parte, por portaria de extensão a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do sector de atividade e profissional definido naquele instrumento”.

Pode por isso dizer-se que Portarias de Extensão são regulamentos normativos emanados da Administração (portaria ministerial) que alargam a aplicação das convenções (artigo 516º do Código do Trabalho).

Em suma: as convenções coletivas de trabalho obrigam os empregadores que as subscrevem e os inscritos nas associações signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros quer das associações sindicais celebrantes, quer das associações sindicais representadas pelas associações sindicais celebrantes – artigo 496º do Código do Trabalho – e o âmbito da aplicação que é traçado no seu texto pode ser estendido, por portaria, a empregadores e trabalhadores do mesmo sector de atividade e profissional – artigo 514º do mesmo Código – Cfr. a este respeito, o recente acórdão da Relação do Porto de 17.02.2014, disponível em www.dgsi.pt, que aqui vimos seguindo de perto.

Daqui se conclui que à relação entre as partes é efetivamente aplicável a Portaria de Extensão, publicada em 14/04/2016, Portaria n.º 87/2016, que fixa um padrão remuneratório mínimo para as várias categorias profissionais especificadas em anexo próprio no CCT outorgado pela CNIS publicado e atualizado no BTE nº 21, de 8 de junho de 2018.

Em consequência, terá a autora direito a uma diuturnidade no valor de 21€, por cada 5 anos de serviço, até ao limite de 5 diuturnidades, no montante total 2.079€, conforme peticionado - a cujo pagamento a ré será também condenada.”

Apreciando:

Resulta da cláusula 1ª do CCT celebrado entre a CNIS e a FNSTFPS, publicado no BTE n.º 31 de 22/08/2015 e atualizado no BTE n.º 21, de 08/06/2018, sob a epígrafe que “Âmbito de aplicação”, que;

<<1 - A presente convenção regula as relações de trabalho entre as instituições particulares de solidariedade social (IPSS) representadas pela Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade  CNIS, doravante também abreviadamente designadas por instituições e os trabalhadores ao seu serviço que sejam ou venham a ser membros das associações sindicais outorgantes, sendo aplicável em todo o território nacional com excepção da Região Autónoma dos Açores.>>

Por outro lado, conforme resulta da cláusula 68.ª (Diuturnidades):

<<1 - Os trabalhadores que estejam a prestar serviço em regime de tempo completo têm direito a uma diuturnidade no valor de 21 €, em 2015, por cada cinco anos de serviço, até ao limite de cinco diuturnidades.>>

Por fim, resulta do artigo 1º da Portaria de Extensão nº 87/2016, de 14/04/2016 que:

<<1 - As condições de trabalho constantes do contrato coletivo entre a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade - CNIS e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 31, de 22 de agosto de 2015, são estendidas no território do continente:

a) Às relações de trabalho entre instituições particulares de solidariedade social não filiadas na confederação outorgante que prossigam as atividades reguladas pela convenção, exceto as santas casas da misericórdia, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nela previstas;

b) Às relações de trabalho entre instituições particulares de solidariedade social filiadas na confederação outorgante que prossigam as atividades reguladas pela convenção e trabalhadores ao seu serviço, das referidas profissões e categorias profissionais, não representados pela associação sindical outorgante (…).>> - bold e sublinhado nosso.

Assim sendo, e não resultando dos autos que a Ré está filiada na confederação outorgante, facilmente se conclui que esta Portaria não se aplica à Ré, na medida em que, sendo uma Santa Casa da Misericórdia, encontra-se excecionada da extensão prevista na alínea a).

Pelo exposto, a Autora não tem direito à quantia de € 2.079,00 fixada na sentença recorrida a título de diuturnidades.

Procedem, assim, as conclusões da recorrente.

                                                             *

Tendo em conta o decidido aquando da apreciação da 3ª questão, ficam prejudicadas as questões 5.ª e 6.ª supra enunciadas.

                                                             *

Na parcial procedência das conclusões da recorrente, impõe-se a revogação da sentença recorrida em conformidade.

                                                               *

                                                             *

IV. Sumário

(…)

                                                             *

                                                             *

V - DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, na parcial procedência do recurso, acorda-se em:

- revogar a sentença recorrida na parte em que declarou que a Autora se despediu validamente com justa causa e condenou a Ré a pagar-lhe a quantia de € 26.389,25 a título de indemnização e a quantia e € 2.079,00 a título de diuturnidades, absolvendo-se a Ré dos respetivos pedidos contra si formulados pela A. e,

- no mais, manter a sentença recorrida que condenou a Ré a pagar à Autora a quantia total de € 9.151,80, a título de crédito laborais.

                                                             *

                                                             *

Custas a cargo da recorrente e recorrida, na proporção de 1/6 e 5/6, respetivamente.

                                                             *

                                                             *

Coimbra, 2023/05/12

                                                                                                                                                                                                Paula Maria Roberto

Mário Rodrigues da Silva

Felizardo Paiva

                                                                                                                                            





[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Mário Rodrigues da Silva
                      Felizardo Paiva

[2] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, Volume 2.º, 3.ª Edição, Almedina, pág. 737.
[3] Cfr. acórdão do STJ, de 22/01/2019, disponível em www.dgs.pt.
[4] Abrantes Geraldes e outros, CPC já citado, pág. 764.
[5] Estudos jurídicos em homenagem ao Professor António Motta Veiga, Almedina, 2007, pág.
[6] Questões Laborais, n.º 28, Coimbra Editora, págs. 249 e 250.
[7] Mobbing ou Assédio Moral no Trabalho, Coimbra Editora, 2009, pág. 172.
[8] Maria Regina Redinha, Assédio Moral ou Mobbing no Trabalho, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Raúl Ventura, vol.II, 2003, págs. 833 a 847.
[9] Acórdão do STJ, de 03/12/2014, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Acórdãos de 07/03/2013, disponível em www.dgsi.pt. e de 12/09/2013, por ora inédito.
[11] Conforme resulta do artigo 342.º, n.º 1 do CC, posto que não foi invocado assédio moral discriminatório (n.º 5 do artigo 25.º do CT)