Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
318/11.7TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
Data do Acordão: 09/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA – 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTº 227º DO C. CIVIL
Sumário: I - Não se entende nem se pode aceitar que a Ré não tenha tido ou não tenha querido ter um comportamento pró-contratual (e simultaneamente pré-contratual) assumido com a autora, quando tudo fez no sentido de conseguir obter o por si pretendido apoio de um fundo social europeu, sendo lamentável que só em Abril de 2009 (facto 19), depois de mais de um ano de negociações e de prática de actos necessários à obtenção da pretendida aprovação, tenha suscitado as questões que ressaltam de tal facto e mesmo assim que tenha prosseguido com os actos revelados nos pontos 20 e 21.

II - Isto porque o mero facto de se entrar em negociações é susceptível de criar uma situação de confiança na outra parte, confiança essa que é imediatamente tutelada pelo Direito, mesmo antes de ter surgido qualquer contrato.

III - Pelo que a consequente conduta da Ré – ponto 22 -, apenas revela ou se traduz numa quebra da confiança/quebra de expectativas por si criadas à Autora na conclusão de toda essa fase negocial de mais de um ano, sem justificação séria para tanto.

III - Nessa medida, tem/deve a Ré responder para com a Autora, nos termos do artº 227º do C. Civil (culpa in contrahendo ou responsabilidade pré-contratual).

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I

No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, a sociedade “Í…, L.da”, com sede na Av. … intentou contra a sociedade “M…, S.A.”, com sede na Av. …, a presente acção declarativa, com processo sumário, pedindo a condenação da Ré no pagamento à A. da quantia de € 15.747,94, quantia acrescida de juros de mora até efectivo pagamento.

Para tanto e muito em resumo, alegou que no exercício da sua actividade e a pedido da R. a A. prestou serviços àquela no âmbito do POPH – Programa Operacional para o Potencial Humano – Tipologia 9.3.2. (Formação para a Inovação e Gestão).

Que tais serviços incluíam:

a) elaboração do diagnóstico das necessidades de formação;

b) elaboração do plano de formação;

c) elaboração de uma candidatura ao POPH

d) acompanhamento dessa candidatura;

e, ainda, execução da formação aprovada e de todos os serviços relacionados, logo após a aprovação da candidatura, nos termos e condições constantes da aprovação.

Que a R. forneceu todos os elementos necessários à concretização de tais serviços, com vista à realização da dita execução de formação, tais como:

- número de funcionários da R. afectos à formação;

- o plano de formação da empresa Municipia;

- a remuneração média mensal das pessoas afectas à formação;

- LOGIN e PASSWORD da R., de acesso ao SIIFSE – Sistema Integrado de Informação do Fundo Social Europeu (dados sem os quais a A. não poderia submeter a candidatura da R. ao POPH).

Que a referida candidatura, que obedeceu às exigências da R, foi submetida em Novembro de 2008 ao organismo competente que lhe atribuiu o nº …, tendo tal facto sido de imediato comunicado à R., via email.

Que em nenhum momento a R. manifestou qualquer intenção de não proceder à realização do projecto, antes pelo contrário.

Que a Ré forneceu à A. todos os dados e informações necessárias à submissão da candidatura ao POPH.

Que após aprovação do projecto foram várias as reuniões que tiveram lugar entre A. e R. para delinear o início dos trabalhos.

Que a A. iniciou a preparação dos cursos aprovados, contactando formadores e preparando os contratos de prestação de serviço com os mesmos, organizando o chamado dossier técnico pedagógico, dossier contabilístico e preparação de pastas para os formandos.

Que em Julho de 2009, quando toda a estrutura estava montada e pronta a funcionar, a R. declarou à A. que perdera o interesse no projecto, por motivos alheios à prestação do serviço da A.

Que pese embora o esforço da A., a R. manteve a sua decisão de não executar o referido projecto.

Que, por isso, a A. enviou à R. factura dos serviços prestados até à data, serviços esses solicitados pela R., no montante de € 8.613,60.

Que a R. não efectuou esse pagamento.

Que a A. também exige da Ré o pagamento de uma indemnização pelas perdas inerentes à não conclusão do dito projecto, no valor de € 6.500,00, tendo em vista todo o trabalho que a A. desenvolveu e que deveria culminar com a execução da formação aprovada e todos os serviços relacionados, já que tal interrupção causou enormes prejuízos à A. tendo em conta a estrutura já montada.


II

A R. contestou a acção, alegando, muito em resumo, que foi a A. que contactou a R. exibindo os seus serviços no âmbito do Programa POPH, de financiamento à formação e impugnando parte dos factos alegados pela Autora.

Que a R. pediu mais informações sobre o programa POPH à Autora.

Que a A., em 11 de Março de 2008, enviou um e-mail à R. onde pede informações sobre o número de funcionários, formações pretendidas, remuneração média das pessoas, …

Que nessa mesma data a representante da R., Dra. …, respondeu à Autora, conforme documento junto com a contestação.

Que no mesmo e-mail a R. disse: “Preciso que me coloque por escrito quais são as condições que a Índice – Consultores pretende para nos ajudar a realizar esta candidatura”.

Que a A. nunca forneceu à R. qualquer estimativa ou orçamento para o suposto trabalho que se propunha realizar, apesar dos pedidos para tanto formulados pela Ré.

Que só em 09 de Março de 2009, na sequência de envio de um e-mail da A. à R. com o contrato que vinha anexo, esta foi confrontada pela primeira vez com o valor de tais serviços.

Que em 01 de Abril de 2009 a Ré foi notificada da decisão de aprovação da candidatura nº 017718/2009/932 ao POPH.

Que a R. confrontou a Autora com o contrato que esta lhe enviou, suscitando diversas questões.

Que no dia 20 de Março de 2009 a Autora enviou à R. um e-mail onde explica os valores do contrato e anexa nova minuta.

Que nos pontos 1 e 2 do referido e-mail de 20 de Março de 2009, a Autora indica diversos valores para os trabalhos que virão a ser realizados caso seja celebrado o contrato

Que em 03 de Abril a R. pediu mais esclarecimentos.

Que em 22 de Abril de 2009 a R. comunicou à A. que proposta desta não representa uma mais valia para a Ré e declina a mesma, conforme e-mail enviado pela Dra. … para a Dra. ...

Que no dia 05 de Janeiro de 2010 a Ré comunicou à A. que não adjudicava o serviço à Í…, L.da e devolveu a factura desta.

Que a R. não beneficiou do programa POPH, pois o mesmo nunca foi executado.

Que a R. nunca recebeu qualquer orçamento para os trabalhos que a Autora diz ter realizado.

Terminou pedindo a sua absolvição do pedido.


III


                Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, conforme fls. 96 dos autos, no qual foi verificada a regularidade processual da acção e no qual foi dispensada a selecção de factos assentes e de base instrutória.

                Seguiu-se a realização da audiência de discussão e julgamento, com gravação dos depoimentos testemunhais prestados, finda a qual foi proferida sentença sobre o mérito da causa, com indicação da matéria de facto tida como assente e provada, bem como da matéria de facto tida como não provada, indicando-se a fundamentação para o efeito.

                Nessa sentença foi decidido julgar a acção parcialmente provada e procedente, com a condenação da Ré no pagamento à A. da quantia de € 4.500,00, com o acréscimo de juros de mora, à taxa legal, desde a data de citação da Ré até efectivo pagamento.


IV

                Dessa sentença interpôs recurso a Ré, recurso que foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, após prestação de caução pela Ré para tal efeito.

                Nas alegações que apresentou a Apelante formulou as seguintes conclusões:


V

                Contra-alegou a Autora/Recorrida, onde defende inexistirem as arguidas nulidades de sentença, não haver razões para a alteração da matéria de facto e dever ser mantida a sentença recorrida, na parte em que condena a Ré a pagar à Autora.

                Terminou pedindo a improcedência do recurso apresentado pela Ré.


VI

                Nesta Relação foi aceite o recurso interposto pela Ré, tal como foi admitido em 1ª instância, nada obstando ao conhecimento do seu objecto, o qual passa pela apreciação das três seguintes questões:

A – Nulidades da sentença recorrida;

B – Impugnação da decisão de 1ª instância sobre matéria de facto;

C – Reapreciação da decisão de mérito.

                Começando a nossa apreciação pela referida questão A, pugna a Recorrente pela nulidade da sentença recorrida, com base no artº 668º, nº 1, als. b), d) e e) do CPC – na sua redacção resultante do D. L. nº 303/2007, de 24/08, uma vez que a presente acção foi instaurada em 2011.

                Assim, seria/será nula a sentença se “não tiver especificado os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão tomada; se o juiz recorrido tiver deixado de se pronunciar sobre questões que devesse ter apreciado ou tiver conhecido de questões de que não podia ter tomado conhecimento; e tiver condenado em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.

                Para tanto sustenta a Recorrente que na sentença recorrida foi tida em conta causa de pedir que não foi invocada (negociações tendentes à formação de um acordo…), que a condenação havida assenta em factos que não se podem ter como provados e que a matéria de facto dada como provada não está devidamente fundamentada…

                Analisando a dita sentença, o que dela resulta é que, após um relatório inicial dos termos da demanda, tal como as partes a configuraram, são indicados os factos considerados como provados – em 27 pontos - e bem assim os factos (alegados pela autora e pela ré) tidos como não provados – sob as alíneas a), b), c) e d).

                Ao que se segue a fundamentação dos ditos, quer em relação aos factos dados como provados quer aos dados como não provados, aí se indicando quais desses factos resultam de acordo entre a partes ou de prova documental junta; quais aqueles que resultam de prova testemunhal, com expressa referência aos depoimentos relevados para o efeito; e as razões para não se terem dados como provados os pontos assim considerados, designadamente porque não se afigurou ao tribunal ter havido prova testemunhal bastante, como refere.

                Ora, convenhamos que não se afigura correcto, face ao exposto, acusar essa sentença de falta de fundamentação relativamente à matéria de facto, embora se possa aceitar que a Recorrente possa impugnar tal decisão, o que relevará apenas para tal efeito, não para efeito de arguição de nulidade da sentença.

                Depois, a sentença recorrida aprecia o direito, face aos factos tidos como assentes e provados, após o que concluiu, com a lógica devida a tal interpretação/aplicação do direito, sem que a Recorrente defenda ocorrer qualquer tipo de oposição/contradição nessa discussão/conclusão, face ao que também não se pode ver, neste aspecto, qualquer nulidade da sentença.

                E não se diga que a decisão tomada assenta em factos não provados ou que não deveriam ter sido dados como provados, pois que tal juízo apenas pode resultar da apreciação da impugnação apresentada pela Recorrente em relação à decisão proferida sobre a matéria de facto, não em sede de “nulidade de sentença”.

                Depois, se é verdade que o juiz apenas pode atender aos factos alegados pelas partes, como é o caso e relativamente ao que nem a Recorrente põe em causa (a não ser nos termos supra expostos), já no tocante ao direito - na indagação, interpretação e aplicação do direito - o tribunal não está subordinado ao que as partes alegaram – ver artºs 264º, nºs 1 e 2 e 664º, ambos do CPC.

                Face ao que é incorrecto dizer-se, como faz a Recorrente, que na sentença recorrida foi tida em conta causa de pedir que não foi invocada (negociações tendentes à formação de um acordo…), já que todos os factos considerados resultam apenas e tão só do alegado pelas partes, nada mais.

                Embora a Autora tenha alegado ter havido um contrato de prestação de serviços acordado com a Ré, a circunstância de na sentença se concluir que não existiu esse contrato mas apenas e tão só negociações tendentes à formação desse tipo de acordo, tal ajuizamento não configura uma qualquer alteração da causa de pedir, apenas uma interpretação dos factos alegados diferente da acalentada pela autora na petição, sem que daí possa resultar uma alteração da causa de pedir.

Depois, em função dessa interpretação/aplicação do direito aos factos, conclui a sentença, em função dessa avaliação/juízo, pela condenação da Ré em parte do pedido.

Ora, convenhamos que tal sentença não está ferida de qualquer nulidade, como pretende a Recorrente, bem pelo contrário, pois que até nem condena em montante superior ao pedido ou diverso do pedido.

Donde a improcedência das alegadas nulidades de sentença, o que se decide.


***

Prosseguindo com a abordagem da questão B - Impugnação da decisão de 1ª instância sobre matéria de facto, ...

Assim, procede apenas em parte a referida impugnação da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto, face ao que tal matéria fica a ser constituída pelos seguintes pontos (nos quais também se corrigem os pontos 5 e 6, conforme nos mesmos vai ser referido, face à prova documental em que assentam):       

1- A A. é uma sociedade comercial que tem por objecto a prestação de serviços de consultoria a empresas, formação profissional, importação e exportação de grande variedade de produtos, desenvolvimento e comercialização de soluções de tecnologias da informação e informática, incluindo software e equipamentos informáticos.

2- No exercício das respectivas actividades, a A. e a R. entraram em contacto, no âmbito do POPH – Programa Operacional para o Potencial Humano (doravante POPH) – Tipologia 9.3.2 – Formação para a Inovação e Gestão.

3- Em 11 de Março de 2008 a A., por intermédio de funcionária, enviou à R. uma mensagem de correio electrónico com o título “Projecto de Formação” e o seguinte conteúdo: “Verificamos que a região da Municipia pertence à região de Lisboa, portanto este projecto deveria ir já nesta fase. O que significa que temos pouco tempo e peço que me envie as seguintes informações ainda hoje:

- Número de funcionários que vão ficar afectos à formação;

- As formações pretendidas ou o vosso plano de formação;

- A remuneração média mensal das pessoas afectas à formação;

- E o LOGIN E PASSWORD de acesso ao SIIFSE.

Relativamente à questão do mestrado ainda me encontro a aguardar resposta da gerência”.

4- Em 11 de Março de 2008, após a mensagem referida em 3, a R., por intermédio de funcionária, enviou uma mensagem de correio electrónico à A. com o título “Projecto de Formação” e o seguinte conteúdo: “Junto remeto o plano de formação para 2008, com as pessoas afectas ao mesmo. O nível de escolaridade: Lic – 25 colaboradores; Bach – 3 colaboradores; 12º- 15 colaboradores; 9º - 3 colaboradores; remuneração média mensal – 1.194 €.

Gostaria de saber se poderemos recorrer a algum tipo de financiamento, através do POPH para “contribuir” para o doutoramento de um colaborar da empresa. Preciso que me coloque por escrito quais são as condições que a Í… pretende para nos ajudar a realizar esta candidatura. Relembro que a M… é uma entidade acreditada para dar formação. Em relação ao login e password de acesso ao SIIFSE amanhã penso poder fornecer-lhe esses dados”.

5- Em 17 de Março de 2008 a A. (não a Ré, como consta de fls. 48 – doc. 2 junto com a contestação)., por intermédio de funcionária, enviou à R. uma mensagem de correio electrónico com o título “Candidatura ao POPH” onde entre o mais, que aqui se dá por reproduzido, está o seguinte conteúdo: “Sou por este meio a informar que efectuei o contacto ao I.G.F.S.E. e enviei o N.I.F. em digital para que os serviços activassem a M…, S.A., como entidade, que já se encontra realizado como informa o email anexo.

Quanto ao registo da entidade foi efectuado, não foi devolvido pelo sistema a informação de enviar o facto de termos de apresentar a cópia autenticada. Assim, é preciso enviar com urgência para a morada…1 cópia autenticada do NIF da M…, SA.

Também confirmei o nosso registo com o POPH e a candidatura está nos serviços.

…” .

6- Em 17 de Março de 2008, em resposta a tal mensagem, a Ré (não a A., como consta da sentença recorrida – ver fls. 48), por intermédio de funcionária, respondeu à A., também por correio electrónico, com o título “Candidatura ao POPH”, com o seguinte conteúdo: “Junto remeto o ponto de situação da nossa candidatura.

Em relação às condições da Í… para realizar a candidatura ainda não tive qualquer informação.

No seu email anterior referia que a formação era 100% financiada e a parte da compensação da Í… poderia ser analisada quando vocês calculassem os custos, em que a compensação da Í… iria da rubrica 3 à rubrica.

Quando é que a Índice calcula os custos? Após a candidatura ser aceite?”.

7- A candidatura ao POPH foi submetida em Novembro de 2008 ao organismo competente, que lhe atribuiu o nº ….

8- Tal facto foi de imediato comunicado à R., via “email”

9- Nessa comunicação, datada de 19 de Novembro de 2008, a A., por intermédio de funcionária dava conta, como dito anteriormente, da submissão na entidade competente do projecto da M… e alertava para o “Termo de Responsabilidade” que seguia em anexo.

10- Deveria, informava a A., o referido Termo de Responsabilidade ser assinado, as assinaturas reconhecidas e o mesmo, depois, ser remetido para o POPH, para a morada indicada, até ao dia 28 de Novembro desse ano.

11- A R. fez como indicado e a candidatura seguiu os seus termos.

12- A notificação da proposta de decisão de aprovação da candidatura foi comunicada à R. em Fevereiro de 2009.

13- A R. teve conhecimento dos termos em que a sua candidatura fora aceite e a candidatura seguiu, novamente, os seus termos.

14- Em 09 de Março de 2009 a A., por intermédio de funcionária, enviou à R. uma mensagem de correio electrónico com o título “Contrato de Prestação de Serviços” e o seguinte conteúdo:

“No seguimento do projecto de formação aprovado, junto envio, em anexo, o contrato referente aos nossos serviços para a M… para vossa apreciação.

Solicito que o contrato seja assinado, devendo ser rubricado, em todas as folhas no canto superior direito.

Agradeço o envio em duplicado à I… com a maior brevidade possível.

Sem mais de momento, e ficando ao dispor para qualquer esclarecimento que julgue necessário.”

15- Em anexo à mensagem referida em 14 foi enviado o apelidado “Contrato de Prestação de Serviços” aqui dado por reproduzido para todos os legais efeitos.

16- Em 20 de Março de 2009 a A., por intermédio de funcionária, enviou à R. uma mensagem de correio electrónico com o título “Contrato de Prestação de Serviços” e o seguinte conteúdo:

“Peço desculpa pela demora na resposta às questões solicitadas.

Relativamente aos valores apresentados no contrato, estes dizem respeito ao seguinte:

- Encargos com Formadores: 15.986,63€ (encargos com horas de formação e deslocações dos formadores);

- Encargos com outro pessoal afecto ao projecto; rendas, alugueres e amortizações;

Encargos directos com a preparação, desenvolvimento, acompanhamento e avaliação dos projectos e encargos gerais do projecto: 10.799,25€ - diz respeito a todo o acompanhamento durante a realização do projecto por parte do índice consultores – coordenador e consultores; material pedagógico necessário a realização dos cursos

(somatório da rubrica 3 à 7).

Estes valores poderão ser visualizados no termo de aceitação do POPH, com a aprovação da candidatura.

Junto envio, em anexo, o Contrato referente aos nossos serviços com as devidas alterações para vossa apreciação…”

17- Em anexo à mensagem referida em 16 foi enviado o apelidado “Contrato de Prestação de Serviços” aqui dado por reproduzido para todos os legais efeitos.

18- Em 02 de Abril de 2009 a A., por intermédio de funcionária, enviou à R. uma mensagem de correio electrónico com o seguinte conteúdo:

“Somos pelo presente a informar que a Í… envia o material pedagógico para os cursos aprovados para a M…, nomeadamente pastas para os formandos, com folhas brancas, caneta, programa da formação, ficha de inscrição, folhas de reclamação e folhas de justificação de falta. Enviamos um dossier técnico pedagógico e depois vamos enviando a informação ao longo do projecto. Enviamos também um Dossier Contabilístico para colocar toda a informação contabilística do projecto. E realizamos auditorias de acompanhamento para ver se está tudo conforme.

O projecto é financiado 52.65%, é este o montante que o FSE vai financiar caso não haja desvio no volume de formação, ou seja, faltas dos formandos.

Os restantes 47.35% são de contribuição privada, dado que é um custo indirecto com a formação, que significa que a formação será em horário laboral e é tempo dispendido por pessoa, ou seja, o tempo que os colaboradores estão em formação e não estão a produzir no trabalho.

Portanto o valor que a M… vai receber do Fundo Social Europeu é de 34.834,00 €, sendo que ao iniciar a formação a Índice comunica ao POPH. E a M… passado alguns dias recebe 15% do montante aprovado e depois a índice faz pedidos de reembolso e pedido de pagamento de saldo final (que é a apresentação das despesas efectivamente pagas) o período para fazer estes pedidos de reembolso é de dois em dois meses e é feito à medida que a M… paga à Í…. Sendo que é a Í… que passa as facturas.

Relativamente aos formadores externos, estes são contratados pela Í…, os internos é a M… que faz a selecção e nos informa quais os formadores seleccionados. A M… fica com o montante que diz respeito aos formadores internos eventuais. O pagamento terá que aparecer evidenciado no recibo de vencimento do formador interno. O cálculo do valor a pagar ao formador interno encontra-se na legislação 4-A/2000, o formador receberá cerca de 15€/h. Solicito nos informem se o formador será eventual ou permanente?

Os custos para o projecto são calculados em função das rubricas que aparecem no orçamento, de acordo com o custo/hora/formando em que o limite máximo é de 3.85€ e em função dos dias de formação, nº de horas e nº de formandos.

Espero ter sido esclarecedora, qualquer dúvida não hesite em contactar.

Solicito o envio do termo, dado que estive aqui a verificar uma situação e poderá ser necessário fazer um pedido de alteração”.

19- Em 03 de Abril de 2009 a R., por intermédio de funcionária, enviou à A. uma mensagem de correio electrónico cujo conteúdo é o seguinte:

“ Em virtude de só agora ter sido perceptível, através do seu e-mail de 02 de Abril de 2009, que os pagamentos teriam que ser justificados através dos recibos de vencimento, prática esta que não se enquadra no estabelecido na empresa, desejaríamos que reformulasse a vossa proposta ficando apenas a vigorar o curso “INPROD- gestão e melhoria de produtividade”. Sendo assim, agradecíamos que nos apresentasse os valores que nos serão cobrados pela Índice e se os mesmos estarão cobertos pelo financiamento aprovado pelo POPH.

Gostaríamos de ver esclarecidos ainda os seguintes pontos:

No contrato de prestação de serviços Nº CC-04/2009 referem:

1. Cláusula segunda “…o local de formação é nas instalações do seguinte contraente” verifiquem se relativamente à rubrica 4 se esta entra para cálculo do pagamento à Índice, em virtude da formação ser ministrada nas instalações da M…;

2. No nº1 da cláusula terceira a M… compromete-se a “Fornecer…toda a documentação produzida…” segundo o e-mail recebido toda a documentação é produzida pela Í… como por exemplo o programa da formação, as folhas de presença, etc”.

20- Quando foi recebido o “Termo de Aceitação” da decisão de aprovação, a A. informou, em comunicação via correio electrónico, datada de 08 de Abril de 2009, que o referido “Termo” deveria ser devolvido, devidamente assinado, por correio registado, com aviso de recepção, no prazo de 15 dias, contados da data de assinatura do aviso de recepção da notificação da aprovação.

21- A R. fez como indicado, assinou e remeteu ao POPH o “Termo de Aceitação da Decisão de Aprovação”.

22- Em 22 de Abril de 2009 a R., por intermédio de funcionária, enviou à A. uma mensagem de correio electrónico, com o seguinte conteúdo: “ Uma vez que a proposta apresentada pela Í…, L.da não representa uma mais valia financeira significativa para a M…, EM S.A. vimos por este meio declinar a mesma”.

23- Em 23 de Abril de 2009 a A., por intermédio de funcionária, responde à R. por mensagem de correio electrónico onde refere:

“Em resposta ao V. email, venho pelo presente solicitar uma reunião com a Administração da empresa para analisarmos todas as questões relacionadas com o projecto aprovado nº ...”.

24- A A. emitiu, em 29 de Dezembro de 2009, um documento apelidado por “factura”, que enviou à R., com o número 579/09, data de vencimento a 28 de Janeiro de 2010, com o valor total de € 8.613,60, e relativo a “diagnóstico das necessidades de formação, elaboração do plano de formação, elaboração de uma candidatura ao POPH e acompanhamento da candidatura”

25- A R. devolveu, em 05 de Janeiro de 2010, o documento referido em 15, em missiva com o seguinte conteúdo: “ Vem a M… EM, S.A., por este meio, informar que não adjudicou qualquer serviço à Í…, Lda”.

26- Após aceitação do projecto POPH pela entidade competente, o qual tinha por objectivo formação profissional de funcionários da R., a A. iniciou a preparação dos respectivos cursos aprovados, contactando/pesquisando eventuais formadores e fazendo programas de curso (conforme alteração antes decidida).

27- Entre funcionários da A. e R. existiram reuniões após a aprovação do projecto POPH.


***


                Prosseguindo com a supra equacionada questão C – reapreciação da decisão de mérito, defende a Ré/Recorrente, a este propósito, que “…da matéria dada por provada não resulta qualquer dano provado para a autora, nem prova de quaisquer prejuízos em concreto, pelo que sem danos provados não pode haver condenação.

O recurso à equidade só hipoteticamente poderia ter lugar no caso da autora ter pedido valores concretos, para danos concretos, e não os ter provado, o que não aconteceu.

Não pode, por isso, a sentença condenar a Ré em qualquer valor…

A Ré actuou sempre de boa fé em todo o processo negocial, pois foi pedindo sempre valores para o contrato, tendo a autora sempre adiado a decisão de indicar valores até ao dia da aprovação da candidatura.

A Autora apresentou à Ré um valor para o contrato que se revelou desproporcionado, pelo que a Ré não aceitou continuar a negociar o contrato.

Não tendo sido discutido e acordado o preço, não pode a Ré ser obrigada a contratar sob pena de quebra de negociações pré-contratuais.

Assim, não pode ser preenchido o escopo do artº 227º do CC…, pelo que a Ré não pode ser condenada por quebra das negociações pré-contratuais.”.

Com o devido respeito por tal opinião, o que consta da sentença recorrida, na apreciação de mérito, é o seguinte:

A primeira questão a resolver e que juridicamente não se afigura de fácil determinação é a de saber em concreto o que foi estabelecido entre A e R, ou seja, que tipo de acordo/contrato celebraram.

Diga-se, desde já, que o denominado pela A. “contrato de prestação de serviços” que provado foi com o conteúdo que do mesmo consta não foi executado entre as partes.

Foram enviadas duas minutas de contrato, diferentes entre si no que tange aos valores e às acções de formação que a A. daria aos funcionários da R., mas nenhum deles chegou a ter execução.

A A. refere que a R., sem qualquer razão, não quis assinar e executar o contrato de prestação de serviços.

A R. refere que nunca se obrigou a contratar e como tal nunca tendo sequer sabido qual o valor que iria ter que desembolsar à A., não quis contratar porque tal não lhe traria quaisquer benefícios.

Isto que acaba de se referir consta, aliás, do facto provado nº 22, no qual e na sequência do último dos aludidos contratos de prestação de serviços enviados pela A. à R esta lhe enviou uma mensagem de correio electrónico com o seguinte conteúdo “ Uma vez que a proposta apresentada pela Í…, L.da não representa uma mais valia financeira significativa para a M…, EM S.A. vimos por este meio declinar a mesma”

Pergunta-se, então, se chegou a haver um contrato de prestação de serviços entre A. e R ou não?

A A. diz que sim, que foi contratada pela R. para lhe prestar serviços no âmbito do POPH e que tais serviços incluíam a parte da preparação da candidatura e a execução da formação.

A R. diz que não e que foi a A. que lhe solicitou informações e que apresentou a candidatura da R. sem que esta em qualquer momento se tivesse obrigado a contratar.

Aqui chegados torna-se difícil solucionar a questão no âmbito contratual.

Mas sendo que é ao tribunal que compete aplicar o direito e qualificar juridicamente os factos, temos por certo é que entre A. e R. existiram negociações tendentes à formação de um acordo.

E tais negociações, que não levaram à conclusão do contrato/acordo, têm enquadramento legal no artigo 227º do Código Civil, que regula a chamada “culpa na formação do contrato” ou a também designada “culpa in contrahendo”.

Refere o artigo 227º do Código Civil que “ quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

É este, portanto, o caminho a seguir na apreciação da questão ora em apreciação.

Dúvidas não temos que a R. negociou com a A., pelo menos preliminarmente, a elaboração do designado pela A. “contrato de prestação de serviços”.

 Aliás, a troca de mensagens de correio electrónicos (factos provados) dizem-nos isso.

Não se olvide que a A., após envio do contrato que designou por prestação de serviços e a pedido da R., esclareceu os termos do mesmo, enviando novo contrato com outros valores que a R. deveria pagar-lhe nos termos contratuais.

Ou seja, a R. estava ciente das negociações que entabulava com a A. e da expectativa que também lhe criava.

Não tem relevância, diga-se, a circunstância alegada pela R. (que o tribunal não seleccionou para factos provados ou não provados) de que é uma empresa municipal e consequentemente tem que adjudicar os seus serviços. Isso é muito correcto mas não impede o funcionamento dos mecanismos civis de protecção das partes. A ser assim, deveria a R. desde o início de todo o processo ter dito à A. (o que nem sequer alegou) que nunca poderia assinar um contrato sem ser de acordo com as regras administrativas da adjudicação. Não o fez e foi-se envolvendo em negociações com a A.

É certo que a R. (provado o foi) solicitou à A., antes do envio do já aludido “contrato de prestação de serviços”, que lhe informasse o custo que para si teria toda a operação e não consta que a A. o tenha feito antes do envio do contrato.

Todavia, tal circunstância não é de molde a alterar o caminho acima traçado de entender o relacionamento pré-contratual entre A. e R.

Ora, a A. trocou mensagens com a R., efectuou diligências para a aprovação de um processo de formação profissional da R., elaborou um por si designado contrato de prestação de serviços que teria por base a formação de funcionários da R. por colaboradores da A., chegando até a contactar formadores.

Após tudo isso, a R. acaba, mesmo depois de pedir esclarecimentos sobre o primeiro contrato que lhe foram dados e que levaram à alteração desse contrato por um outro, acaba, dizíamos, por declinar a contratação.

Pergunta-se então se a R. procedeu de acordo com os bons ditames, a boa fé, e se toda a sua actuação não foi de molde a criar expectativas na A?

A resposta tem que ser a de que a R. não agiu de modo correcto e com toda a sua conduta criou expectativas na A. que depois se frustraram com a não aceitação do contrato.

Como se deixou escrito acerca da responsabilidade pré-contratual no acórdão da Relação de Coimbra de 18 de Janeiro de 2011 disponível em www.dgsi.pt “No contexto, cada vez mais amplo e complexo, do universo negocial é consensualmente aceite que deve ser exigível aos agentes envolvidos num processo contratual que respeitem uma série de deveres relevantes para a decisão de concluir ou não esse mesmo processo, devendo, desde o seu início e até ao seu termo, actuar com lealdade, honestidade, lisura, transparência, agindo, no fundo, com correcção, sem subterfúgios, prestando as informações necessárias para que a contraparte forme uma vontade esclarecida.”

É nosso entendimento que a R. não respeitou os deveres que se lhe impunham.

Se, como conclui, não queria negociar, deveria, desde o inicio ou pelo menos desde o momento em que, após solicitar esclarecimentos sobre montantes a pagar, eles não foram dados, pura e simplesmente informar a A. que não pretendia continuar as negociações.

Não o fez, deixou o processo arrastar-se trocando mensagens escritas com a A. e mesmo após lhe ser enviada a primeira versão do contrato, podendo desde logo declinar, não o fez, tendo-lhe a A. enviado esclarecimento solicitados e nova versão do contrato.

É certo que a A. tinha vantagens na assinatura do contrato, pois que o seu ganho seria a formação que iria prestar, mas tal é o normal nas negociações entre as partes, onde cada uma tenta obter o máximo de benefícios sem ultrapassar o limite que a contraparte está disposta a aceitar.

A R. pode defender-se dizendo que pediu preços e que nunca lhe foram dados e que nem sequer chegou a beneficiar do programa POPH, mas tal não impede que os mecanismos legais de protecção das negociações previstos na lei façam o seu caminho.

Veja-se que a R. trocou mensagem de correio electrónico com a A. desde pelo menos Março de 2008, altura em que solicitou por escrito as condições da Índice e só se recusa a celebrar contrato com aquela em 22 de Abril de 2009.

Inculcou, desta forma, a R. na A. a convicção de que iria contratar com ela o que depois se recusou a fazer.

Vejamos, seguidamente, os pressupostos da responsabilidade pré-contratual:

...

No caso que nos ocupa a culpa da R. está indissociavelmente ligada à sua conduta desleal e não diligente. Ou seja a sua conduta da forma como realizada foi é culposa, porque a forma de realização dos seus actos não é imaginável sem o pressuposto da culpa.

Quais os danos a indemnizar e qual a sua quantificação?

Saliente-se aqui, entrando-se na 2ª questão a apreciar, que a A. apenas emite uma factura após a R. se negar a contratar.

Nessa factura discrimina os valores que lhe são devidos, requerendo ainda uma indemnização de € 6.500,00 por danos.

Na doutrina e jurisprudência tem-se debatido a questão de saber se o dano na formação dos contratos abrange apenas o dano negativo (da confiança) ou também o dano positivo (vantagens que a parte não responsável tivesse auferido se não lhe tivesse sido frustrada a expectativa de contratar), sendo que não nos iremos aqui debruçar sobre tal questão a qual está tratada abundantemente.

No caso concreto e do modo como é posto o pedido, a A. pretende indemnização pelo dano negativo (€ 6.500,00) entendido como o prejuízo que a A. sofreu por ter confiado na celebração de um contrato que não se chegou a celebrar, mas também aspira a que lhe seja liquidado o montante de uma factura, pressupondo que esse valor já lhe era devido por execução parcial de contrato.

Aqui chegados, temos para nós que apenas é de arbitrar o valor do dano negativo, já que não foi considerado provado que o contrato já estivesse em execução e que o mesmo fosse complexo ou seja, parte do contrato tinha-se por completo com a candidatura ao projecto e sua aprovação e parte do contrato com a execução da formação.

Assim, não tem a A. direito ao valor de € 8.613,60, valor este facturado no pressuposto de haver um contrato, qualquer que ele fosse com a R, que ainda não existia, sendo que se desconhece completamente como a A. chegou àquele valor (nem sequer o alega) e porque não a outro.

Pelo que apenas será de apreciar o valor peticionado a título de dano negativo.

Como danos por violação do interesse contratual negativo, temos que a A. requer o pagamento da quantia de € 6.500,00.

A este propósito temos como provado que “Após aceitação do projecto POPH, o qual tinha por objectivo formação profissional de funcionários da R., financiados em parte por fundos públicos, a A. iniciou a preparação dos respectivos cursos aprovados, contactando (expressão que actualizamos em função da alteração introduzida na matéria de facto) formadores e fazendo programas de curso.

Entre funcionários da A. e R. existiram reuniões após a aprovação do projecto POPH”.

Será tal valor de arbitrar in totum?

Ora os danos têm que ser provados quantitativamente (na acção ou em incidente de liquidação), coisa que a A. não fez.

Alegou alguns prejuízos e depois lança um valor que entende dever ser-lhe pago.

Deve o tribunal condenar a R. em pedido a liquidar em incidente, ou, ao invés, deve lançar mão da equidade conforme expressamente se dispõe no artigo 566º nº3 do CPC, atendendo a que tal indemnização a arbitrar é em dinheiro?

A este propósito deixou-se escrito no acórdão da Relação de Lisboa de 02 de Junho de 2011, in www.dgsi.pt:“É ténue a fronteira que separa o pressuposto que obriga a lançar mão da equidade daquele outro que antes justifica a prolação de uma condenação ilíquida, sendo que o pressuposto comum é a falta de elementos permissivos de encontrar um exacto “quantum” indemnizatório, com precisão e segurança.

II - Por regra, nas referidas situações, depara-se o julgador com danos futuros não eventuais, ainda não quantificáveis, ou é ele confrontado com a insuficiente alegação e prova das exactas consequências danosas.

III - Então, das duas uma: ou se verifica ser possível o apuramento em ulterior fase, por, na acção, os factos pertinentes não terem sido objecto de controvérsia, mas não como consequência do fracasso da prova; ou, após toda a possível alegação e prova, não se alcançou uma conclusão segura, por se mostrar esgotada a possibilidade de recurso a outros elementos que precisariam o montante devido.

IV - Verificando-se a primeira situação referida em III, proferir-se-á uma condenação a liquidar ulteriormente; na segunda hipótese, recorrer-se-á à equidade, já que numa fase posterior nada mais se poderia esclarecer, antes só contribuindo para maior morosidade da justiça”.

Ora, é nosso entendimento que em incidente de liquidação dificilmente se poderão apurar em concreto os danos advenientes à A. da conduta da R., e deixá-lo para tal incidente contribuiria apenas para atrasar a marcha do processo.

Temos, portanto, que é de atribuir um valor equitativo à A.

Assim, levando em conta o tempo das negociações, os gastos presumivelmente feitos, os contactos com formadores e preparação de planos de formação, é de atribuir à A. o montante de € 4.500.00, (quatro mil e quinhentos euros), montante este que vence juros desde a data da citação e até integral e efectivo pagamento.”.

                Afigura-se-nos que esta apreciação facto-jurídica é correcta, face aos factos apurados e supra transcritos, já que deles resulta, com toda a clareza e transparência, que a Ré manteve, continuadamente e durante mais de um ano, uma conduta pró-contratual com a Autora, isto é, uma conduta visando conseguir a aprovação de uma sua candidatura ao apoio do FSE para formação dos seus funcionários, através do chamado POPH (Programa Operacional para o Potencial Humano), tudo tendo feito nesse sentido, não só apenas através de pelo uma sua funcionária administrativa, mas também através da sua direcção/administração, com bem ressalta dos factos apurados nºs 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 18, 19, 20 e 21, que revelam muito bem toda a negociação/actividade havida entre as partes para se atingir o objectivo pretendido pela Ré.

                E todo o trabalho/actividade e saber empregues e utilizados nessa acção/conduta, foi da autoria da Autora, a cuja actividade se dedica.

                Não se entende nem se pode aceitar que a Ré não tenha tido ou não tenha querido ter um comportamento pró-contratual (e simultaneamente pré-contratual) assumido com a autora, já que tudo fez no sentido de conseguir obter o por si pretendido apoio de um fundo social europeu, sendo lamentável que só em Abril de 2009 (facto 19), depois de mais de um ano de negociações e de prática de actos necessários à obtenção da pretendida aprovação, tenha suscitado as questões que ressaltam de tal facto, e mesmo assim que tenha prosseguido com os actos revelados nos pontos 20 e 21.

                Pelo que a consequente conduta da Ré – ponto 22 - apenas revela ou se traduz numa quebra da confiança/quebra de expectativas por si criadas à Autora na conclusão de toda essa fase negocial de mais de um ano, sem justificação séria para tanto.

                Nessa medida, tem/deve a Ré responder para com a Autora, nos termos do artº 227º do C. Civil (culpa in contrahendo ou responsabilidade pré-contratual), conforme bem foi entendido na sentença recorrida e com que estamos em total acordo, nada tendo nós a objectar ao cálculo do valor indemnizatório, tanto mais que nem a Recorrente se insurge contra esse valor, já que se limita a dizer que não ficaram provados danos…, sendo certo que tal indemnização não se reporta a danos concretos (danos/interesses positivos) mas a indemnizar a Ré pela expectativa criada pela negociações pré-contratuais ocorridas (danos/interesses negativos).

                Veja-se, a este propósito, o Prof. Vaz Serra, in “RLJ 110º, pg. 276”, e M. Brito, in “Código Civil Anot., 1º vol., pg. 265”, entre outros. 

                No sentido do mais supra exposto, entre outros, podem ver-se o Prof. Galvão Teles, in “Obrigações, 3ª ed., pg. 231”; o Ac. Rel. Porto de 26/02/1980, in Col. Jur. 1980, tomo I, pg. 58; o Ac. do STJ de 4/07/1991, in BMJ 409, pg. 743 (segundo o qual “a responsabilidade pré-contratual resulta de ter sido ofendido o princípio da boa fé que impõe o respeito pela confiança na situação que uma das partes criou e que determinou a outra parte a um conjunto de despesas em cumprimento da obrigação a que se considerou vinculada”; os Ac.s Rel. Év. de 22/06/2004, in Col. Jur. ano XXIX, tomo III, pg. 255; do STJ de 16/03/2004, in Col. Jur. STJ ano XII, tomo I, pg. 132; da Rel. Guimarães de 29/06/2005, Col. Jur. ano XXX, tomo III, pg. 287; do STJ de 28/04/2009, in Col. Jur. STJ ano XVII, tomo II, pg. 44; e do STJ de 31/03/2011, in Col Jur. STJ, ano XIX, tomo I, pg. 165, do qual se respigam as seguintes passagens, relevantes para a apreciação do caso com que nos confrontamos: “A razão de ser do artº 227º, nº 1 do C. Civil está na tutela da confiança e da expectativa criada entre as partes, na fase pré-contratual de um negócio, assegurada pela imposição de comportamentos que devem ser conformes à boa-fé.

                Esta obrigação de actuação de boa fé tanto nos preliminares como na formação do contrato, inculca, sem margem para dúvidas, que a responsabilidade pré-contratual abrange a fase negociatória que decorre desde o início dos contactos e das negociações até à obtenção de acordo sobre todas as condições e termos tidos como relevantes (incluindo, portanto, a aceitação da proposta contratual) e a fase da perfeição e execução do acordo conseguido que inclui a formalização (se não bastar o mero consenso das partes) e cumprimento do contrato.

                Isto porque o mero facto de se entrar em negociações é susceptível de criar uma situação de confiança na outra parte, confiança essa que é imediatamente tutelada pelo Direito, mesmo antes de ter surgido qualquer contrato.

                Com efeito, pelo facto de se relacionarem e de entrarem em contactos com vista a determinado negócio, as partes assumem certos deveres, ficando reciprocamente obrigadas a comportar-se nas negociações com boa-fé e lealdade ética”.      

                Face ao que entendemos ser de manter a sentença proferida, nos seus exactos e precisos termos, julgando improcedente o presente recurso.      


VII


                Decisão:

                Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida, nos seus exactos e precisos termos.

                Custas pela Recorrente.


***


                Nos termos do artº 713º, nº 7 do CPC, elabora-se o seguinte sumário:

I - Não se entende nem se pode aceitar que a Ré não tenha tido ou não tenha querido ter um comportamento pró-contratual (e simultaneamente pré-contratual) assumido com a autora, quando tudo fez no sentido de conseguir obter o por si pretendido apoio de um fundo social europeu, sendo lamentável que só em Abril de 2009 (facto 19), depois de mais de um ano de negociações e de prática de actos necessários à obtenção da pretendida aprovação, tenha suscitado as questões que ressaltam de tal facto e mesmo assim que tenha prosseguido com os actos revelados nos pontos 20 e 21.

II - Isto porque o mero facto de se entrar em negociações é susceptível de criar uma situação de confiança na outra parte, confiança essa que é imediatamente tutelada pelo Direito, mesmo antes de ter surgido qualquer contrato.

III - Pelo que a consequente conduta da Ré – ponto 22 -, apenas revela ou se traduz numa quebra da confiança/quebra de expectativas por si criadas à Autora na conclusão de toda essa fase negocial de mais de um ano, sem justificação séria para tanto.

III - Nessa medida, tem/deve a Ré responder para com a Autora, nos termos do artº 227º do C. Civil (culpa in contrahendo ou responsabilidade pré-contratual).