Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
527/09.9JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: AUTORIA
CUMPLICIDADE
Data do Acordão: 10/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MONTEMOR-O-VELHO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 26º E 27º CP
Sumário: 1.- Atendendo à teoria do domínio do facto, três situações são possíveis no âmbito da autoria:
- na autoria imediata, o agente domina o facto na medida em que é ele próprio quem procede à realização típica, quem leva a cabo o comportamento com o seu próprio corpo;
- na autoria mediata o agente domina o facto e a realização típica, mesmo sem nela fisicamente participar, quando domina o executante através de coação, de erro ou de um aparelho organizado de poder;
na co-autoria, o agente domina o facto através de uma divisão de tarefas com outros agentes, desde que, durante a execução, possua uma função relevante para a realização típica.
2.- Na co-autoria são essenciais: uma decisão e uma execução conjuntas, sendo que
não é necessário que o compartici­pante pratique todos os actos conducentes à realização do facto típico ou resultado final; basta que a sua participação, segundo o acordo, prévio ou tácito, entre todos eles, se ajuste à dos restantes, para produzir o evento que a lei incriminadora quer evitar.
3.- O cúmplice não toma parte no domínio funcional dos actos constitutivos do crime, isto é, tem conhecimento de que favorece a prática de um crime mas não toma parte nele. Limita-se a facilitar o facto principal.
A cumplicidade pressupõe a existência de um facto praticado dolosamente por outro, num sistema de acessoriedade.
Decisão Texto Integral:      Relatório

            Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Montemor-o-Velho, sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento em processo comum, com intervenção de Tribunal Colectivo, os arguidos

             A..., solteiro, sem profissão, residente na …, Figueira da Foz;

B..., solteira, vendedora ambulante, residente na …, Figueira da Foz; e

C...,  …, em Sátão;

imputando-se-lhes a prática dos factos descritos de fls. 676 e segs., pelos quais teriam cometido, como co-autores materiais ( ainda com a arguida D..., decLARAda contumaz a fls. 1328) e em concurso real, um crime de sequestro previsto e punido pelo art.º 158º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal, em concurso aparente com um crime de ofensa à integridade física qualificada previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 143º, n.º 1, 145º, n.ºs 1, al. a), e 2, 132º, n.º 2, als. d) e h), todas do Código Penal, e um crime de furto previsto e punido pelo art.º 203º, n.º 1, do Código Penal.

À arguida C... foi ainda imputada a prática, em concurso real com os crimes acima referidos, e em autoria material, um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, n.ºs 1 e 2, do D.L. 2/98 de 3/1, com referência aos arts. 121º a 123º do Código da Estrada.

           

O Centro Hospitalar de Coimbra deduziu pedido de indemnização cível, a fls. 732, alegando que a assistência por si prestada à vítima dos crimes acima referenciados importou em €147,00, de que tem direito a ser ressarcido nos termos do art. 495.º, n.º 2, do Código Civil, concluindo pela condenação dos quatro arguidos por si demandados no pagamento ao demandante daquela quantia, acrescida dos juros legais.

            Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Colectivo, por acórdão proferido a 28 de Abril de 2008, decidiu julgar provada e procedente a douta acusação, bem como o pedido cível e, consequentemente:

- Condenar o arguido A... pela prática, em co-autoria, de um crime de sequestro, previsto e punido pelo artº 158º, nºs 1 e 2, al. b), do Código Penal, na pena de cinco (5) anos de prisão.

- Condenar o arguido A... pela prática, em co-autoria, de um crime de furto, previsto e punido pelo artº 203º, n.º 1, do Código Penal, na pena de um (1) ano de prisão.

- operar o cúmulo jurídico e, ponderados os factos e a personalidade do arguido A..., condená-lo na pena única de cinco (5) anos e seis (6) meses de prisão.

- Condenar a arguida B... pela prática, em co-autoria, de um crime de sequestro, previsto e punido pelo artº 158º, nºs 1 e 2, al. b), do Código Penal, na pena de três (3) anos e seis (6) meses de prisão;

- Condenar a arguida B... pela prática, em co-autoria, de um crime de furto, previsto e punido pelo artº 203º, n.º 1, do Código Penal, na pena de sete (7) meses de prisão.

- operar o cúmulo jurídico e, ponderados os factos e a personalidade da arguida B...., condená-la na pena única de três (3) anos e dez (10) meses de prisão.

- Suspender a execução desta pena de prisão à arguida B...., pelo prazo de três (3) anos e dez (10) meses, sujeitando-a ao cumprimento de um plano de reinserção social, a definir pela DGRS.

- Condenar a arguida C... pela prática, em co-autoria, de um crime de sequestro, previsto e punido pelo art.158.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal, na pena de quatro (4) anos e seis (6) meses de prisão.

- Condenar a arguida C... pela prática, em co-autoria, de um crime de furto, previsto e punido pelo artº 203º, n.º 1, do Código Penal, na pena de sete (7) meses de prisão.

- Condenar a arguida C... pela prática, em autoria singular, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artº 3º, n.ºs 1 e 2, do D.L. 2/98 de 3/1, com referência aos arts. 121º a 123º do Código da Estrada, na pena de seis (6) meses de prisão.

- operar o cúmulo jurídico e, ponderados os factos e a personalidade da arguida C..., condená-la na pena única de cinco (5) anos e um (1) mês de prisão.

            Inconformado com o douto acórdão dele interpôs recurso o arguido A..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1) A pena é desajustada e excessiva.

2) O tribunal “a quo” devia ter dado a indicação dos motivos da credibilidade das testemunhas, com a indicação dos motivos porque não atendeu a prova de sentido contrário.

3) O recorrente devia ter sido punido como cúmplice com as consequências daí emergentes.

4) Devia ter sido absolvido do crime de furto simples.

5) A pena não deveria ter ultrapassado os 36 meses de prisão, suspensa na sua execução embora com deveres impostos nos artigos 51.º e ss do CP.

Inconformada com o douto acórdão dele interpôs recurso a arguida C..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1. Devem ser dados como não provados todos os factos que se deram por provados no Ponto 17., 19., 27,

2. Tal factualidade dada como provada não encontra suporte na prova produzida em Audiência de Discussão Julgamento, e por via dessa alteração, a Arguida, ora Recorrente ser absolvida, pela prática, em autoria singular de um crime de condução sem habilitação legal e, sequestro e, ainda, pela prática, em co-autoria de um crime de furto,

3. A intenção dos arguidos não era, nem nunca foi, de se apropriarem ilegitimamente, através da subtracção, de coisa móvel pertencente à ofendida.

4. Os Arguidos não sequestraram a ofendida para furtarem os bens que a mesma consigo trazia.

5. Nem tão pouco aproveitaram o sequestro para furtarem a ofendida.

6. Os arguidos destruíram e abandonaram os objectos da Ofendida para tornarem a sua fuga e auxilio mais difícil.

Nunca com a intenção de apropriação ilegítima - até porque nenhum dos arguidos aqui condenados ficaram na posse de qualquer dos bens da ofendida!

7. Aliás, é o próprio Acórdão recorrido que não dá como provado a ilegítima intenção de apropriação por parte dos arguidos, nem tão pouco dá como provado que os arguidos ficaram na posse dos referidos bens.

8. A “ilegítima intenção de apropriação” constitui um elemento subjectivo do tipo que faz do furto um crime intencional.

9. Essa intenção não existe, e como tal não foi dada como provada.

10. Os arguidos “queriam de forma ardilosa chegar ao contacto com a ofendida, para então, detendo-a, assim a privando de liberdade de locomoção a levarem à força de Coimbra para local ermo, onde a pudessem molestar física e psicologicamente, o que conseguiram” .

11. Há que afastar a intenção de subtracção/apropriação e, consequentemente, da prática do crime de furto.

12. Deveria a Arguida C... ter sido absolvida da prática do crime de furto por não se verificar, em concreto, o elemento subjectivo do tipo de ilícito - ilegítima intenção de apropriação.

13. Mesmo que se entenda que a ora Arguida deveria ser condenada pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, de um crime de sequestro e, ainda, pela prática de um crime de furto,

14. Tendo em conta as circunstâncias concretas do caso, do estado emotivo da Recorrente da sua imputabilidade diminuída e de todo a situação familiar em que se encontrava (situação de violência e discórdia devido à relação amorosa que a vitima tinha com o seu companheiro), e tendo em conta ainda que a Recorrente apenas tinha no seu registo criminal uma condenação anterior deveria a arguida beneficiar do regime da atenuação especial da pena

15. Deveria, ainda, ter sido aplica à ora Recorrente uma pena de prisão não superior a 5 anos/, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a tratamento médico (tratamento psicoterapêutico).

Normas violadas: - Art. 203.º do CP; DL 2/98 de 3/01, art.3.º, n.º1 e 2;  Art. 32.º da C.R.P.; Art. 70.º do C. P.; Art. 40.º, 42.º, 43.º do C.P.; Art.71.º do C.P.; Art. 50.º do C.P.; Art. 52.º do C.P.

Termos em que e nos mais do douto suprimento de Exa. deve:

1. Ser dado provimento ao presente recurso, Revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por uma outra que absolva a Arguida pela prática do crime de condução sem habilitação legal,

2. Revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por uma outra que absolva a Arguida pela prática do crime de furto.

3. Deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por uma outra que condene a Arguida pela prática apenas de um crime de sequestro, devendo-lhe ser aplicada, atendendo a todas as circunstâncias que militam a favor da arguida, pena de prisão não superior a 5 anos, decidindo-se, em último, pela suspensão da sua execução por igual período de tempo, sujeita a tratamento médico.

Caso assim não se entenda ainda,

4. Deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por uma outra que condene a Arguida pela prática de todos os crimes pelos quais vem condenada pela 1.ª Instância, mas ainda, assim, em pena de prisão não superior a 5 anos devendo-lhe ser aplicada, atendendo a todas as circunstâncias que militam a favor da arguida, a suspensão da sua execução por igual período de tempo, sujeita a tratamento médico.

            Também inconformada com o douto acórdão dele interpôs recurso a arguida B..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1. Devem ser dados como não provados todos os factos que se deram por provados no Ponto 5. , 14. , 16. , 33. e 36. do Douto Acórdão recorrido;

2. Porquanto tal factualidade dada como provada não encontra suporte na prova produzida em Audiência de Discussão Julgamento, e por via dessa alteração, a Arguida, ora Recorrente ser absolvida, pela prática, em co-autoria de um crime de sequestro e, ainda, da prática, também em co-autoria, de um crime de furto.

3. A intenção dos arguidos não era, nem nunca foi, de se apropriarem ilegitimamente, através da subtracção, de coisa móvel pertencente à ofendida.

4. Os Arguidos não sequestraram a ofendida para furtarem os bens que a mesma consigo trazia.

5. Nem tão pouco aproveitaram o sequestro para furtarem a ofendida.

6. Os arguidos destruíram e abandonaram os objectos da ofendida para tornarem a sua fuga e auxilio mais difícil.

Nunca com a intenção de apropriação ilegítima - até porque nenhum dos arguidos aqui condenados ficaram na posse de qualquer dos bens da ofendida!

7. Aliás, é o próprio Acórdão recorrido que não dá como provado a ilegítima intenção de apropriação por parte dos arguidos, nem tão pouco dá como provado que os arguidos ficaram na posse dos referidos bens.

8. A "ilegítima intenção de apropriação" constitui um elemento subjectivo do tipo que faz do furto um crime intencional.

9. Essa intenção não existe, e como tal não foi dada como provada.

10. Os arguidos “queriam de forma ardilosa chegar ao contacto com a ofendida, para então, detendo-a, assim a privando de liberdade de locomoção a levarem à força de Coimbra para local ermo, onde a pudessem molestar física e psicologicamente”.

11. Há que afastar a intenção de subtracção/apropriação e, consequentemente, da prática do crime de furto.

12. Deveria a Arguida B... ter sido absolvida da prática do crime de furto por não se verificar, em concreto, o elemento subjectivo do tipo de ilícito - ilegítima intenção de apropriação.

Normas violadas: - Art. 203.º do CP; Art.32.º da C.R.P.; Art. 158, n.º 1 e 2 alínea b).

Termos em que e nos mais do douto suprimento de V. Exa. deve: Ser dado provimento ao presente recurso, Revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por uma outra que absolva a Arguida, ora Recorrente, da prática de todos os crimes pelos quais vem condenada.

            O Ministério Público no Circulo Judicial da Figueira da Foz respondeu aos recursos apresentados pelos três arguidos, pugnando pelo não merecimento do seu provimento e consequente manutenção do acórdão recorrido.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que a decisão recorrida deve ser inteiramente confirmada e mantida, negandos-se provimento aos recursos.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º2 do Código de Processo Penal, tendo o arguido A... respondido ao parecer do Ex.mo P.G.A., manifestando com ele não concordar.    

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

      Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respectiva convicção constante do acórdão recorrido é a seguinte:

            Factos provados

1) No primeiro semestre de 2009 a ofendida desenvolvia uma relação amorosa com o E....

2) E... vivia então com a arguida C...., filha da arguida B…, como se marido e mulher fossem.

3) A ofendida abandonou a Figueira da Foz devido a ali correrem rumores de que manteria relação amorosa com E... e que, por esse motivo, uma mulher de etnia cigana estaria a procurá-la para lhe fazer mal.

4) Em data não concretamente apurada daquele período a arguida C.... dirigiu-se à residência dos pais da ofendida em busca desta e aí falou com o irmão da ofendida, que não lhe abriu a porta.

5) Os arguidos C..., B...e A..., elaboraram um plano para localizar e conseguir contactar pessoalmente a ofendida, a fim de a forçarem a vir com eles para a Figueira da Foz, retirando-lhe a liberdade de se movimentar e aí a molestarem física e psicologicamente.

6) Assim, na execução desse plano por todos elaborado, a arguida C...., fazendo-se passar pelo E..., contactou a ofendida por mensagem escrita de telemóvel e, logrando convencê-la que estava a falar com o E..., conseguiu que a G... acedesse a encontro no dia …, cerca das 22 horas e 30 minutos, em frente ao Jardim da Manga, em Coimbra.

7) Então, seguindo no veículo ligeiro de passageiros de marca Ford, modelo Fiesta, de cor branca, com matrícula …, propriedade da arguida C..., conduzido pelo arguido A..., os arguidos dirigiram-se a Coimbra.

8) Com eles, seguiram no carro H... e J..., amigos do arguido A...que este havia convidado a irem com ele a Coimbra, sem os informar do verdadeiro propósito daquela deslocação.

9) Chegados a Coimbra, o arguido A...estacionou o veículo em rua situada perto do Jardim da Manga e, acompanhado de H... e J..., foi à procura da ofendida, ficando as arguidas à sua espera no interior do carro e com ele se mantendo em contacto por telemóvel.

10) A dado momento, por ter recebido mensagem escrita de telemóvel enviada por C...e no qual aquela, continuando a fazer-se passar pelo E..., lhe pediu que se dirigisse à Estação Nova,  a ofendida G... para ali se encaminhou, atravessando a pé as ruas da Baixa da cidade de Coimbra.

11) Nesse percurso foi sendo seguida pelo arguido A... que, através de telefone, informava outras arguidas, C...e sua mãe, do percurso efectuado pela ofendida.

12) Cerca das 23 horas e 30 minutos e quando ao chegar ao Largo da Portagem, junto da Estação Nova, se apercebeu que o E...ali não se encontrava e avistou o arguido A... que já conhecia da Figueira da Foz, a ofendida, receosa e querendo ausentar-se do local, dirigiu-se à Praça de Táxis ali existente.

13) Então, entrou em táxi ali estacionado, sentou-se no banco traseiro e disse ao condutor K... . para «arrancar».

14) Quando K.... se preparava para iniciar a marcha, o arguido A... abriu uma das portas traseiras do veículo e disse à ofendida: “sai do táxi que quero falar contigo”. Como a ofendida se recusou, o arguido A..., usando de força, conjuntamente com a arguida B..., puxaram-na para o exterior do veículo.

15) Surgiu então no local a arguida C...no veículo …, agora conduzido por esta.

16) A arguida B..., com a ajuda do arguido A..., forçou a G... a entrar no carro, obrigando-a a ajoelhar-se entre os bancos dianteiros e os bancos traseiros.

17) Com a arguida C...a conduzir o veículo …, seguiram em direcção à Figueira da Foz, primeiro circulando em estrada paralela ao canal de regadio junto ao rio Mondego, em direcção a Pereira e depois na Estrada Nacional 111.

18) Durante o trajecto entre Coimbra e Quinhendros e enquanto a G... permanecia ajoelhada no chão do veículo entre os bancos dianteiros e os bancos traseiros, a C.... bateu de forma repetida na ofendida, desferindo-lhe inúmeros murros e pancadas por todo o corpo e puxando-lhe os cabelos, arrancando alguns.

19) Quando seguiam na EN 111 e se aproximavam do alto de Quinhendros, no concelho de Montemor-o-Velho, a arguida C...viu-se obrigada a imobilizar o veículo por falta de combustível.

20) Ao imobilizarem o veículo num largo em terra batida, situado ao lado da EN 111, uma das pessoas presentes, utilizando uma tesoura, cortou o cabelo à G....

21) Logo de seguida, a arguida B...agarrou a ofendida e puxou-a para fora do carro.

22) Então, a arguida C...retirou do interior do carro um taco de basebol com cerca de 60 centímetros de comprimento e, utilizando-o, desferiu pancadas na face da ofendida.

23) O arguido A... e algumas arguidas começaram então a empurrar a G... até um dos extremos do largo onde se encontravam, enquanto C...., fazendo uso de um pau, com cerca de 98 centímetros de comprimento e cinco centímetros de largura que encontrou no chão, desferia diversas pancadas nas costas, pernas e braços da ofendida.

24) Em resultado de uma dessas pancadas, a ofendida caiu no chão, momento em que C...lhe ordenou que se levantasse e se despisse, continuando a bater-lhe com o pau por todo o corpo.

25) Quando a ofendida já se encontrava toda despida e de pé, a arguida C...desferiu-lhe nova pancada nas costas e no braço com aquele pau, provocando-lhe a queda no solo.

26) Alguns momentos depois, em resultado das pancadas fortes que lhe foram desferidas, a ofendida ficou inconsciente.

27) Com a ofendida inanimada, os arguidos abandonaram o local, levando consigo os seguintes bens da ofendida de que se apropriaram: dois telemóveis, um da marca Nokia (deixando a tampa no local) e outro de marca não apurada, com o valor global de cerca de €250 (duzentos e cinquenta euros); um porta-moedas com a quantia de cerca de €400 (quatrocentos euros) em numerário; uma carteira em pele com o valor de cerca de €40 (quarenta euros); vários documentos pessoais, designadamente bilhete de identidade e cartão de contribuinte; um casaco fino com o valor de cerca de €30 (trinta euros) e um casaco castanho em pele com o valor de cerca de €100 (cem euros).

28) Após recuperar os sentidos, a ofendida vestiu-se e dirigiu-se para a EN 111 onde pediu socorro a L... que ali seguia de carro e que, ao avistá-la, parou a viatura e veio a transportá-la até ao posto da GNR em Montemor-o-Velho.

29) Em resultado das agressões sofridas a ofendida sofreu as lesões descritas e examinadas nos documentos clínicos a fls. 55 a 57 e relatório pericial a fls. 147 a 151, designadamente:

a) Na face: na região frontal, à esquerda da linha média, mas ultrapassando um pouco o limite mediano, equimose arroxeada com pequenas áreas amareladas, medindo dez centímetros de comprimento por nove centímetros e meio de largura; na pálpebra inferior direita, equimose avermelhada medindo dois centímetros de comprimento por um centímetro e meio de largura; equimose arroxeada bipalpebral esquerda, estendendo-se para a região malar e zigomática, medindo oito centímetros e meio de comprimento por sete centímetros e meio de largura; na face pilosa do hemilábio superior esquerdo, escoriação linear, vertical, medindo quatro milímetros de comprimento, rodeada de halo equimótico medindo cinco milímetros de comprimento por dois milímetros de largura; no sulco naso-geniano direito, escoriação medindo um centímetro de comprimento por dois milímetros de largura; na região zigomática direita, área escoriada medindo um centímetro de diâmetro; hemorragia sub-conjuntival, em toda a metade lateral do globo ocular esquerdo; edema da hemiface esquerda.

b) No pescoço: na face lateral esquerda, área escoriada medindo dois centímetros e meio de comprimento por dois centímetros de largura.

c) No tórax: na face superior do ombro esquerdo, equimose vermelho-arroxeada medindo nove centímetros de comprimento por dois centímetros de largura, com área central da cor da pele normal, medindo seis centímetros de comprimento por cinco milímetros de largura; no terço superior da região escapular esquerda, equimose vermelho-arroxeada, medindo onze centímetros de comprimento por dois centímetros e meio de largura com área central da cor da pele normal, medindo seis centímetros de comprimento por cinco milímetros de largura; no terço inferior da face posterior do hemitorax esquerdo, duas equimoses vermelho-arroxeadas medindo nove centímetros e meio de comprimento por dois centímetros e meio de largura, com área central da cor da pele normal, medindo cinco centímetros e meio de comprimento por cinco milímetros de largura e a outra, ligeiramente oblíqua para baixo e para fora, medindo dezanove centímetros de comprimento por três centímetros de largura, com área central da cor da pele normal, medindo dezasseis centímetros de comprimento por cinco milímetros de largura; na região escapular direita, equimose vermelho-arroxeada, de coloração menos intensa que as anteriormente referidas, ligeiramente curvilínea de concavidade inferior, medindo doze centímetros de comprimento por dois centímetros de largura, com área central da cor da pele normal, medindo dez centímetros de comprimento por cinco milímetros de largura.

d) No abdómen: na fossa ilíaca esquerda, equimose avermelhada, medindo quinze milímetros de comprimento por sete milímetros de largura; sobre a espinha ilíaca antero-superior esquerda, equimose arroxeada medindo cinco centímetros de comprimento por dois centímetros e meio de largura;

e) No membro superior direito: no terço superior da face lateral do braço, duas equimoses arroxeadas medindo a mais inferior dois centímetros de comprimento por um centímetro de largura e a outra, cinco centímetros de comprimento por dois centímetros e meio de largura; no terço médio da face medial do braço, equimose arroxeada, medindo três centímetros e meio de comprimento por dois centímetros de largura; no terço médio da face postero-medial do braço, equimose arroxeada medindo sete centímetros e meio de comprimento por três centímetros e meio de largura; no terço distal da face anterior do antebraço, equimose avermelhada, transversal, medindo três centímetros e meio de comprimento por cinco milímetros de largura.

f) No membro superior esquerdo: na metade superior da face antero-lateral do braço, equimose arroxeada medindo nove centímetros de eixo longitudinal por dez centímetros de eixo transversal; no terço inferior da face anterior do braço, equimose arroxeada medindo três centímetros de comprimento por dois centímetros e meio de largura; imediatamente abaixo desta, equimose avermelhada, oblíqua para baixo e medialmente, medindo dois centímetros de comprimento por dois milímetros de largura; no cotovelo, estendendo-se para o terço inferior da face posterior do braço e para a face postero-lateral do antebraço, equimose arroxeada, medindo catorze centímetros de diâmetro; sobre a face dorsal da 5ª articulação metacarpo-falângica, duas pequenas escoriações, medindo um milímetro de diâmetro cada uma.

g) No membro inferior direito: no terço superior da face anterior da coxa, equimose arroxeada, medindo quinze centímetros de comprimento por oito centímetros de largura; no terço médio/inferior da face postero-medial da coxa, equimose fortemente arroxeada, medindo onze centímetros de comprimento por oito centímetros e meio de largura; no terço médio da face lateral da coxa, equimose arroxeada, medindo oito centímetros de diâmetro.

h) No membro inferior esquerdo: no terço superior da face anterior da coxa, equimose arroxeada medindo treze centímetros de comprimento por seis centímetros de largura; no terço inferior da mesma face, equimose amarelada medindo um centímetro e meio de diâmetro; no terço médio da face postero-lateral da coxa, equimose arroxeada, de maior dimensão transversal, medindo vinte centímetros de comprimento por quinze centímetros de largura; no terço superior da face posterior da perna, equimose avermelhada, medindo seis centímetros de comprimento por dois centímetros de largura, com área central da cor da pele normal, medindo dois centímetros e meio de comprimento por cinco milímetros de largura.

30) No âmbito de busca realizada em 02/12/2009 à residência das arguidas B.... e C...., situada na Rua …, Figueira da Foz, foi apreendido o certificado de matrícula do veículo … .

31) No âmbito de busca realizada em 02/12/2009 à residência do arguido A... situada na Rua …, na Figueira da Foz, foi apreendido o taco de basebol em madeira acima referido.

32) A arguida C.... não é titular de licença de condução que a habilite a conduzir veículos ligeiros de passageiros.

33) Ao actuarem do modo descrito, em conjugação de esforços e em execução de plano por todos delineado, quiseram os arguidos C..., B...e A..., de forma ardilosa, chegar ao contacto com a ofendida para então, detendo-a, assim a privando de liberdade de locomoção, a levarem à força de Coimbra para local ermo onde a pudessem molestar física e psicologicamente, o que conseguiram do modo acima descrito.

34) Sabiam ainda os ditos arguidos que, ao actuarem da forma descrita, fazendo seus os bens da ofendida, o faziam contra a vontade dela.

35) Sabia a arguida C...que não estava legalmente habilitada para conduzir veículos ligeiros de passageiros.

36) Agiram sempre os arguidos C..., B...e A..., de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo serem as suas condutas previstas e punidas por lei penal.

37) O arguido A... tem um curso de nadador-salvador profissional, pelo Instituto de Socorros a Náufragos. Trabalhava como nadador-salvador de Junho até meio de Setembro e saía na embarcação do I.S.N. em piquetes se o chamassem, auferindo €600 mensais quando exercia essa actividade.

38) Também trabalhava com um cunhado em obras de construção civil e tem oferta de emprego nesta actividade.

39) Completou o 9º ano de escolaridade e obteve equivalência ao 12º ano no E.P.

40) Mora com a mãe adoptiva, a companheira e dois filhos dela, sendo um filho seu, com 2 anos e a filha só dela, que tem 4 anos.

41) Paga 180 euros de renda de casa.

42) A companheira trabalha num café como empregada de balcão e ganha o salário mínimo nacional, acrescido da remuneração de horas de trabalho extraordinário.

43) Não tem automóvel.

44) É pessoa estimada pelos vizinhos que com ele convivem.

45) Foi condenado em 5/11/2002, no processo C/S nº 155/02.0PBFIG, do 2º J. do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de €8, pela prática em 1/3/2002 de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artº 3º, nº 2, do D.L. nº 2/98, de 3/1, tendo sido decLARAda extinta a pena de multa em 18/3/2004 em virtude do seu pagamento.

46) Sofreu nova condenação em 25/5/2007, no processo C/S nº 417/06.7PBFIG, do 3º J. do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €4, pela prática em 14/1/2006 de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, previsto e punido pelo artº 256º, nºs 1 e 2, do Código Penal, tendo sido decLARAda extinta a pena de multa em 24/4/2008 em virtude do seu pagamento.

47) Foi outra vez condenado, em 7/1/2008, no processo C/S nº 66/06.0GAFIG, do 1º J. do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa pelo mesmo período, sob condição de apresentação no IRS quando convocado, pela prática em 2/4/2006 de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos arts. 203º e 204º, nº 2, e), do Código Penal.

48) Sofreu outra condenação, em 25/6/2008, no processo C/S nº 580/07.0PBFIG, do 2º J. do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, na pena de prisão conjunta de 2 anos e 6 meses, suspensa pelo mesmo período, pela prática em 19/7/2007 de 4 crimes de roubo, previstos e punidos pelo artº 210º, nº 1, do Código Penal, acrescida da pena de 150 dias de multa, pela prática de um crime de detenção de munição proibida, previsto e punido pelo artº 86º, nº 1, d) da Lei nº 5/2006, de 23/2.

49) Foi condenado uma vez mais, em 6/11/2008, no processo C/S nº 219/07.3PBFIG, do 1º J. do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, na pena de 8 meses de prisão, substituída por 240 horas de trabalho comunitário, pela prática em 19/3/2007 de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artº 203º do Código Penal.

50) A arguida B...só consegue assinar o seu nome copiando-o.

51) Vive com um companheiro toxicodependente, um filho de 18 anos de idade, um filho mais velho, doente, a nora e uma neta de 2 anos de idade, sendo a família de etnia cigana.

52) Pagava €80 de renda à Câmara Municipal, a quem deve rendas, tendo a expectativa de que lhe baixe a renda mensal, por alegar ter falta de rendimentos para a suportar.

53) É dona de um automóvel usado.

54) Padece de carcinoma invasivo da mama direita, tendo iniciado tratamento de quimioterapia ao mesmo em 18/2/2011.

55) Tem vindo a fazer, de 15 em 15 dias, as sessões de quimioterapia e 3 ou 4 dias depois, por indicação médica, voltava ao trabalho normal de vendedora ambulante.

56) Foi condenada em 28/11/2006, no processo sumaríssimo nº 36/04.2F2FIG, do 2º J. do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, na pena de 280 dias de multa, à taxa diária de €3, pela prática em 22/12/2004 de um crime de usurpação de direito de autor, previsto e punido pelo artº 195º da Lei nº 114/91, tendo sido decLARAda extinta a pena de multa em 27/5/2008 em virtude do seu pagamento.

57) A arguida C...completou o 6º ano de escolaridade, sem obter posteriormente uma profissão, salvo a ajuda dada à venda ambulante em feiras pela família de origem.

58) É agora doméstica em casa dos pais do E...em Sátão, por se ter reconciliado com o companheiro, após as desavenças geradas entre ambos devido à relação amorosa dele com a ofendida, dado que o E...vivia simultaneamente com a C...em união de facto segundo os costumes da etnia cigana.

59) Vive ali com o filho e o companheiro E..., que cobre as despesas do casal, por ser vendedor ambulante a par com o pai.

60) Tanto o seu agregado familiar de origem, como o agregado familiar dos sogros, beneficiam do rendimento social de inserção.

61) Foi condenada em 20/6/2008, no processo C/S nº 1140/06.8PBFIG, do 1º J. do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €5, pela prática em 11/11/2006 de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artº 143º do Código Penal.

62) Foi realizado à arguida C...no decurso deste processo um exame electroencefalográfico, que revelou encontrar-se dentro dos parâmetros da normalidade.

63) Padece de Episódio Depressivo, Moderado a Severo.                 

64) Apresenta Deficiência Mental Leve, caracterizada por funcionamento intelectual global inferior à média, com valores de Q.I. entre 50 e 70, acompanhado por limitações no funcionamento adaptativo em diferentes áreas (comunicação, vida doméstica, competências sociais/interpessoais, auto-controlo, competências académicas, trabalho e outras).

65) Reage com elevados níveis de ansiedade e não tem estratégias para lidar com situações de stress.

66) É criminalmente imputável, mas na ocasião dos factos por que vem acusada tinha a sua imputabilidade ligeiramente diminuída.

67) A vítima G... deu entrada no Centro Hospitalar de Coimbra no dia 2/7/2009, tendo sido assistida nos Serviços de Urgência.

68) Essa assistência foi originada pelos ferimentos apresentados pela ofendida em consequência do sequestro e das agressões de que foi alvo, cujos factos constitutivos ocorreram na noite de 1/7/2009, estando acima referidos.                      

            Factos não provados

Não se provou que:

1. No primeiro semestre de 2009, a ofendida G... trabalhou como empregada de mesa nos bares … situados na Figueira da Foz.

2. Durante esse período, o E... era cliente habitual daqueles estabelecimentos.

3. Em Maio de 2009, sabendo de rumores de que um grupo de mulheres de etnia cigana estaria a procurá-la para lhe fazer mal, a ofendida escondeu-se primeiro em casa de uma amiga em Coimbra, e, mais tarde, fugiu para Espanha.

4. Em dia não concretamente apurado do mês de Maio, depois de ter fixado residência em Coimbra e antes de se ter deslocado para Espanha, a G... foi contactada telefonicamente pela arguida C.... que lhe disse que se não voltasse naquele dia para a Figueira da Foz vingar-se-ia na família dela.

5. Dois dias mais tarde, a arguida C.... dirigiu-se a uma residência situada na Figueira da Foz solicitando ao pai da ofendida informação sobre o paradeiro da G....

6. Em finais de Junho de 2009, por lhe ter sido dito que já não corria perigo, a ofendida voltou a Portugal, fixando residência em Coimbra.

7. Os arguidos tomaram conhecimento que a ofendida já tinha regressado a Portugal.

8. Surgiu então no local a arguida B..., saindo do interior do automóvel (com a ofendida já fora do táxi) e a arguida B...puxou a ofendida pelos cabelos.

9. A  arguida C.... disse à ofendida que a ia matar.

10. O arguido A... agarrou a ofendida e puxou-a para fora do carro (Ford Fiesta).

11. Com a ofendida no exterior do veículo, a arguida C...., que entretanto também saiu do interior do veículo, munida de uma faca, dirigiu-se à G... para a molestar, disso sendo impedida pela arguida B....

12. Nesse momento, a arguida B...dirigiu-se novamente à filha C...e disse-lhe para não continuar a bater na ofendida daquele modo e que utilizasse apenas as mãos.

13. Alguns momentos depois, a arguida C...aproximou-se novamente da ofendida G..., e, fazendo uso do taco de basebol acima referido, desferiu-lhe uma pancada forte na face esquerda que a deixou inconsciente.

14. Os dois telemóveis eram ambos da marca Nokia com o valor global de 265,00 € (duzentos e sessenta e cinco euros); um porta-moedas continha a quantia de 475,00 € (quatrocentos e setenta e cinco euros) em numerário; um porta-moedas em pele tinha o valor de 72,50 € (setenta e dois euros e cinquenta cêntimos); uma carteira em pele tinha o valor de 147,00 € (cento e quarenta e sete euros); um casaco castanho tinha o valor de  95,00 € (noventa e cinco euros).

Não foram referidos como factos provados ou não provados os factos referentes à arguida D…, ou foi omitido o seu nome nos que se referiam conjuntamente a outros arguidos, pois terá de ser julgada em processo separado.

            Convicção do Tribunal

A nossa convicção está alicerçada nos seguintes depoimentos:

K... ., solteiro, motorista de táxi em Coimbra, referiu que quando a ofendida surgiu no seu táxi na Praça da Estação Nova era noite, 11 horas ou meia-noite, pelo que não a reconheceria agora, nem conhecia os arguidos.

Apareceu-lhe a garota, que entrou normalmente do táxi, se sentou no carro do lado direito e não chegou a dizer nada, senão «arranca»; mal abriu a porta eles vieram em segundos; de repente apareceram pelo menos 4 pessoas, duas do sexo feminino e duas do masculino, que tiraram essa pessoa do táxi e a meteram dentro de outro carro.

Só ouviu uma, do sexo masculino, dizer «quero falar contigo».

Um ficou suspenso na porta, depois surgiu mais um, depois uma pessoa do sexo feminino.

Talvez a ofendida fosse pegada pelo braço, por estar sentada. As pessoas agarraram-na e puxaram-na, foram 3 a puxar, sendo uma delas uma pessoa mais forte (concluímos que seria a arguida B..., pelo aspecto mostrado em Tribunal). Tiraram-na pela porta do lado direito, que o lado esquerdo não se abre nos táxis, normalmente.

As 3 pessoas puxaram-na, mas pelos cabelos não reparou, nem que lhe batessem.

Estava uma senhora a conduzir o outro carro, que saiu e se pôs de pé.

Esse carro estava atrás do seu, do lado esquerdo, uns 2 ou 3 metros atrás, não viu bem, saiu do carro e então é que reparou bem que meteram a ofendida dentro desse carro e achou estranho, não acha que entrasse de forma voluntária.

Meteram-na dentro do carro (salvo erro) um Ford Fiesta branco e foram-se logo embora.

Seria pessoa de 40 a 50 anos a que conduzia, era a pessoa de mais idade (é equívoco da testemunha, pelo que disseram outras).

Este depoimento é em geral credível, sendo confirmado pelo da vítima.

K... . também reconheceu anteriormente o arguido A..., embora com algumas reservas, como sendo um dos que puxaram a ofendida do táxi (fls. 533).

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H... E. G. H..., solteiro, estudante, amigo do arguido A..., referiu que estava em Tavarede e ia beber café com o A.... Era noite, depois de jantar e iam dar uma volta.

Entraram num carro branco, foram buscar outro colega e foram a Coimbra, tiraram a rapariga do carro e quando deu por si já estava em Montemor, dentro do carro branco.

Pensa que foi em final de Maio, talvez há 2 anos, ainda trabalhava no …, donde saiu em Julho.

Com eles foram 3 senhoras, que não conhecia, pensa que eram ciganas, nunca as vira, sendo ao todo 6 pessoas.

Era uma senhora a conduzir, pensa de meia-idade, mas não sabe. Depois disse que era uma rapariga a conduzir.

Foram à estação dos comboios, depois de irem ao Jardim da Manga. Reparou numa rapariga sentada num banco e depois foram atrás dela. Não sabia o que estava a acontecer, em estado de nervos. A rapariga veio para a estação e foram ele, J...e A...atrás dela; as outras duas mais ou menos da mesma idade foram de carro.

Foram enviadas mensagens e uma delas, pelo menos, tinha telemóvel e viu-a a mexer nele.

Nem ele, nem o colega, conheciam a moça. Estavam a andar os 3 atrás dela, mas não sabia porquê.

Era bonita e bem vestida. Entrou num táxi e foi retirada pelo A.... Abriu a porta e puxou-a para fora. Reparou ela cá fora. Viu-a um bocadinho nervosa.

Apareceram as outras num carro que ficou uns 5/6 metros atrás do táxi.

A ofendida foi metida no carro branco de 5 lugares. Nem falou com ela, nem sabe quem é, nunca lhe perguntou nada.

A rapariga a conduzir, pensa ser a que o levara a Coimbra e ia outra pessoa à frente. Atrás iam ele, A..., J...e uma rapariga.

Ouvia a discussão, a ofendida a ralhar com a rapariga que ia à frente, iam a chamar nomes uma à outra. Acha que houve uma troca de chapadas, entre a rapariga e uma das que iam à frente. Tiraram-lhe o casaco dentro do carro, que estava abafado lá dentro (e assim melhor foi agredida, conclui-se).

Vieram em direcção de Montemor e ficaram sem gasolina, com o carro parado ao pé de uma igreja.

O ambiente era pesado, obviamente, mas nunca assistiu a violências. Ninguém se ia sentir a vontade (não é credível, pois dissera que houve troca de chapadas).

Não viu quem tirou a rapariga do carro (não se aceita, foi justamente ao seu lado), saíram todos e ele foi fumar um cigarro.

A ofendida pediu para ir fazer «xixi».

Ele não saiu de ao pé do carro, não viu agressões (não se aceita, foi justamente na sua presença que algumas surgiram dentro do automóvel). 

Ela acha que foi atrás de uma árvore ou arbusto, pensa que foi acompanhada pela rapariga que ia à frente. Ouviu uns gemidos, talvez por agressão; não ouviu ninguém gritar (não se mostra credível quando a isto – se a vítima gemeu, também gritou).

Talvez passassem 40 minutos ou meia hora e nem sempre ouviu gemidos; consigo estavam o J...e o A.... Estavam talvez 3 pessoas com a moça. Uma delas, mais afastada, foi para lado oposto fazer necessidades.

Não viu sangue, que é uma das coisas que salta à vista.

Estiveram no local talvez uma hora.

Uma das raparigas, que ia à frente, não disse nada ao voltar.

Olhando para estas, as outras eram mais fortes e bem constituídas (nada prova, podem estar mais magras, apesar de a mãe ser mais forte que a filha C...).

Empurraram o carro e vieram-se embora.

Ninguém disse nada e deixou de ver o A...depois.

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J...., solteiro, estudante de um curso técnico de instalações eléctricas, conhece o A...e nunca visto as mulheres, na situação em que esteve.

Tinha acabado de jantar foi ao Café e onde estava o A...; foram dar uma volta e ele disse para ir com ele, pensou que ia para zona da Figueira da Foz e foram para Coimbra.

O carro ia cheio, eram 5 pessoas, ele, A..., H... e mais duas pessoas (mas o H... disse serem 6 pessoas).

Não perguntou, mas não conhecia as outras. Pensa que eram estas arguidas.

Foram para ao pé do Jardim da Manga. Ele e outros saíram do carro. O A...manteve contacto telefónico com as do carro. Queriam apanhar a rapariga e comunicavam por mensagens, acha, o A...e a mais nova (C...).

Eles queriam falar com a ofendida, mas acha que ela se apercebeu que não era  a pessoa que esperava. Foi-se embora e eles foram atrás dela, da Baixa à Estação, foram 5 a 10 minutos até lá.

Ela começou a andar mais apressada. Na Praça de Táxis entrou num e ia «arrancar», mas abriram a porta do táxi e puxaram-na; ele abriu e o A...puxou, o H... ficou para trás (não revela o papel da B..., que foi revelado pela ofendida e pelo motorista do táxi). Estavam a dizer para a tirar do carro, ela estava perturbada. Outras estavam em contacto com mensagens e vieram ter com eles, pararam mesmo atrás dos táxis do outro lado da faixa. Ela foi forçada a ir, o A...agarrou-a e ele fechou a porta. Uma saiu do carro e acha que veio ajudar a empurrar a rapariga.

A mesma pessoa foi a conduzir, a arguida mais magra, pensa (C...).

Perguntaram-lhe no carro se ela (ofendida) achava correcto ter-se metido com o indivíduo, ter um relacionamento com o «marido» da pessoa que estava lá (C...); começaram a gritar com ela: porque tinha feito aquilo?

Atrás vinham ele, encostado à porta, H..., rapariga, A...e mais uma rapariga que não sabe quem é. À frente vinham estas arguidas (C...e B...).

Ao sair do carro em Montemor a rapariga tinha marcas na cara, estava um bocado vermelha, mas ele não lhe bateu, nem os outros (homens); a condutora abrandava, virava-se para trás e batia na moça, que ia no meio dos bancos.

O carro ficou sem gasolina à entrada de Quinhendros.

Saíram para o tentar empurrar. A moça, nervosa, dizia para não lhe fazerem mal.

A moça foi para o outro lado com o A...e a pessoa que estava a conduzir. Começaram a fazer-lhe perguntas e ela dizia, como estando em pânico, para a deixarem em paz.

Apercebeu-se de barulhos, às vezes ela gritava, nessa parte, cerca de 20 minutos, esteve sempre afastado. Não viu, foi urinar; não viu o A...bater na rapariga.

Viu-lhe o cabelo cortado, mas dentro do carro, pensa que não foi nenhuma destas arguidas, que estavam as duas da parte de fora.

Foram à gasolina e deixaram a rapariga lá.

Quando a viu foi-lhe dizer para ir pedir ajuda, que havia casas perto.

Ela atrás de um barracão, um bocado afastada da estrada, em pânico, agarrou-se a ele, semi-nua, viam-se bem as marcas na cara, abaixada.

Depois com a rapariga naquele estado, nem soube o que fazer, ficou sem palavras (não chamou o 112!).

Se mandaram fora os bens, não se apercebeu. Ele e outros só apanharam as coisas que caíram. Pensa que ficaram dentro do carro, que as agarraram. Vieram-se embora.

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L…, casado, 2º serralheiro, respondeu que vinha do namoro e morava em …; ao passar em Quinhendros estava a moça quase no meio da estrada de braços abertos e ele passou para o outro lado; deu a volta, não viu ninguém e trouxe-a à GNR, vestida, tendo a roupa no peito um bocado estragada, com o cabelo cortado, talvez em Maio, há 2 anos. Reconheceu as fotografias dela, com o cabelo mais ou menos assim, esquisito (fotografias de fls. 37 e segs.).

Disse que tinha sido sequestrada e batida, deixada ali, vinha de Coimbra e queria voltar, sem apresentar queixa, nem nada. Já tinha batido a 3 portas e ninguém a ajudou, quase em meia hora.

Ficou com ela mais de uma hora. Não queriam fazer nada na GNR em Montemor e os Bombeiros nada fizeram, mas ela estava a ficar com sinais de piorar e um agente mais novo da GNR ligou aos Bombeiros então.

Este depoimento mostra que a testemunha teve um excelente comportamento cívico, sendo sincero e credível.

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M..., Inspector da P.J. em Coimbra, só conhece os arguidos por este caso, quando lhe foi distribuído o processo, mas já havia uma diligência externa, no local onde a vítima teria sido deixada, que está documentada, não tendo participado nela (vejam-se, concretamente, as fotografias de fls. 66 e segs.).

A vítima conhecia as pessoas, o que faziam, onde moravam e participou em busca na casa da B....

Estaria pelo menos o documento único do veículo visto em Coimbra, cuja matrícula estava nos autos e era de um Ford Fiesta (fls. 226 e segs.).

Apreenderam um taco de basebol na residência do A...(fls. 241 e segs.).

Tem quase a certeza de serem recolhidas no dia seguinte peças de vestuário da ofendida, uma tampa de telemóvel e um pau (os vestígios na vítima tinham os veios do pau, mas podiam ser de outro instrumento) - vejam-se fls. 66 e segs.

A tampa de telemóvel era de um dos telemóveis dela, que os arguidos lhe levaram, um deles de rede espanhola.

Ela fugiu para os E.U.A., mas foi ouvida antes e os pais deixaram o endereço para remessa de documentos.

Quando ao que disse o Inspector, há os citados documentos nos autos a confirmá-lo.

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N..., casada, doméstica, residente na …, Figueira da Foz, só conhece, desde «miúdo», o arguido A..., não sabendo propriamente do que ele está acusado.

Ele trabalhava com o cunhado, marido da irmã, acha que em obras, não sabe onde.

Acha que ele teria emprego agora, mas não sabe aonde.

O A...tem dois filhos, uma menina de 5 anos e um menino que vai fazer 3 anos.

Ele frequentava o Café de uma amiga, o “…” e via «ele» sempre muito educado; ia com a companheira e as crianças ao café, sempre sem confusões.

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O…, divorciada, desempregada, tinha um Café na …, que fechou em Janeiro.

Conhece o A...e familiares, viviam próximo. Ele ia lá com frequência durante o dia, mais com a «miúda». Pelo que sabia andava em pinturas com o cunhado, chegou a trabalhar numa fábrica da zona industrial e em biscates.

Bem recebido por toda a gente e educado; nunca teve conhecimento de nada.

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P…, divorciado, tem uma pequena empresa de construção civil nos … .

É amigo e foi patrão do A...; conhece as arguidas. Namorou uma amiga da mulher dele, mas não é seu cunhado.

Ele era servente quando trabalhou consigo, auferindo €600 a €700, mais horas extra. Podia chegar a oficial, era bom trabalhador.

Em 2008 a testemunha foi trabalhar para o estrangeiro e a partir daí raramente se foram encontrando. Agora cá, dá-lhe emprego quando ele puder trabalhar.

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Estas três testemunhas abonaram o comportamento do arguido A..., o que foi tido em consideração nos factos provados, por não haver motivo para duvidar do que disseram a seu respeito, mas tal não ultrapassa o seu cadastro.

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E..., solteiro, vendedor ambulante, residente no …, disse conhecer a ofendida G... do bar onde ela trabalhava à noite (sem concretizar melhor onde e o que ela ali fazia, não se provando essa matéria da acusação).

Teve uma relação com ela. Foi relacionamento de «uns meses valentes, uma aventura». Começaram a andar juntos em Setembro ou fins de 2007, princípios de 2008, corrigindo depois, para fins de 2008, princípios de 2009.

Já vivia com a C...e tinham um menino.

A C...a princípio não soube disso, depois soube pela comunidade cigana e tiveram contacto por telefone, as duas, porque a C...soube o número dela (G...) pelo telemóvel dele.

Tinham conflitos uma com a outra e no Verão a outra tentou atropelar a C.... Da tentativa de atropelamento não houve queixa (nem há prova).

Ela sentiu-se revoltada e os irmãos e a família tentaram acalmá-la. A C...apenas se mostrou triste perante si, que ele não devia tê-la traído. Estava perturbada, mas a mãe dela não. A B...tentou acalmar a filha ao saber do seu caso com a ofendida. «Traições há em quase todos os casais». «Chatearam-se» um com o outro e depois ficaram juntos de novo.

            Falou com a G... e teve de se acabar o relacionamento. A comunidade via o caso como falta de respeito, era casado pelo costume cigano, mas a si nada fizeram.

Conhecia o A..., que começou a aparecer para jogar futebol. Não sabia que iam fazer isto.

Aceita-se este depoimento apenas quanto ao enquadramento dos factos criminais.

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G..., agora casada, residente nos E.U.A., prestou depoimento por videoconferência.

Referiu ter já recebido mensagens anteriores com ameaças e decidiu que o encontro seria frente ao posto da polícia. Responderam-lhe que ele (o E...) não sabia onde era, viu que ele não estava e decidiu ir de táxi para casa.

No centro cidade pensou que não fosse... mas iam 2 rapazes atrás de si.

Aproximaram-se 3 do táxi, o A... e outros 2 rapazes e a B...; «arrancaram-na» de dentro do táxi e colocaram-na atrás do banco do carro, onde foram até ficar sem gasolina em Montemor. A C...ia a conduzir o carro.

Esses dois rapazes e a B...também a retiraram do táxi. As outras agarraram-na quando conseguiram tirá-la do táxi. A B...e o A... puseram-na dentro do outro carro e os outros 2 rapazes já lá estavam dentro.

Foi agarrada, despiram-na (chorou ao dizer isto) e foi espancada com um taco de basebol e uma ripa de madeira; agarraram-na, puseram-na no carro, arrancaram-lhe e cortaram-lhe cabelo, até ficar mais ou menos com 1 cm de comprimento, com a ajuda da B..., que a agarrava; nas árvores, onde sabiam ninguém podia ver, espancaram-na até ficar inconsciente.

Estavam a C...e outra e um bebé primo da C..., ao colo de uma rapariga chamada Q… Eles iam bem apertados.

A «pendura» era uma mulher, à esquerda iam o A..., a … e o bebé, à direita 2 rapazes, ao meio a B...e ela no chão, ia aos pés deles no carro.

A B...e o A... puxavam-lhe a cabeça para a frente para a C...lhe bater, enquanto outra lhe puxava o cabelo.

A C..., a D… e a B...bateram-lhe com as mãos (mas depois disse que a B...só a agarrou); quando chegou a Montemor-o-Velho já não conseguia ver.

Tinha os olhos muito inchados quando faltou a gasolina e mal conseguia ver. Pelas vozes supõe que a B...saiu pela direita - ela era quem estava desse lado.

A ofendida, o A..., a C...e outro rapaz foram para trás das árvores, mas esse rapaz não fez nada. Havia um barracão, foi ao lado dele que aconteceu.

O A... bateu-lhe com um bastão e a C...com uma tábua, recebeu pancadas em todo o corpo. O A... deu-lhe com ele nas costas, na perna direita, especialmente e na cabeça; a C...deu-lhe com a ripa nos braços, costas e peito.

Tentou fugir pelas árvores, mas foi quando o A... lhe bateu numa perna, na perna esquerda, com o taco de basebol, ficando com um hematoma muito grave nessa perna (todavia, a ofendida disse que mal conseguia abrir os olhos, tendo o A... e os outros dois rapazes negado que este lhe tivesse batido com o taco, situação que nem consta da acusação).

Antes de ficar inconsciente um dos rapazes veio entregar-lhe a carta e disse-lhe para pedir ajuda quando conseguisse sair dali.

Ficou sem carteira, agenda, 2 telemóveis, casacos, dinheiro da renda - €400 no porta-moedas. Um telemóvel era de marca Nokia, com 3 meses de uso, valendo à volta de €170 e o outro uns €80. A carteira valia uns €40; o casaco em pele fora-lhe oferecido, devia valer cento e poucos euros; eram 2 casacos castanhos; o casaco fino devia ser no valor de €30.

Não lhe disseram qual era o motivo, suspeitava ter sido por causa do «marido» da C....

Eram 10 da noite quando começou e deu entrada no Hospital perto da 2 horas da manhã.

Ao acordar não estava ninguém, esteve uns 40 a 45 minutos desmaiada, não faz ideia ao certo.

Antes tinha recebido ameaças da C..., que se não aparecesse na Figueira da Foz ia desfazer os 2 carros que estavam com os pais e se ia vingar dos pais dela. Foram lá a casa mas o irmão não lhes abriu a porta.

            A relação com o E...durara à volta de ano e meio. Soube da união de facto dele depois de 9 meses de relacionamento.

Passou a receber chamadas anónimas e mensagens, suspeitando serem da C....

Teve de fugir de casa por causa da C....

Era a C...quem dava as indicações às outras.

A B...só a agarrou, nunca lhe bateu.

O A... também a impediu de fugir.

Chegou à GNR de Montemor-o-Velho, que a identificou e mandou vir a ambulância.

O depoimento da ofendida foi emocionado, com algumas pausas, de modo a recuperar o alento suficiente para recordar e relatar os factos violentos que a vitimaram.

Não se mostrou indecisa, nem proferiu expressões acintosas relativamente aos arguidos que a prejudicaram, sendo o seu depoimento credível, se bem que, relativamente ao A..., como a vítima não conseguia ver bem, com os olhos inflamados e era noite em local sem iluminação, fica a dúvida se foi ele a agredi-la com o taco de basebol.

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Após o depoimento da vítima, a arguida C...quis prestar declarações, afirmando com choro entrecortado que não ia a conduzir, da Figueira para Coimbra foi o A...a conduzir, pararam no jardim e depois foram para a estação. A … conduziu de Coimbra para Montemor e o filho dela ia ao colo da arguida mãe (B...).

Podia bater por ir no lado do «pendura», mas não ia para lhe bater; ia para lhe meter um susto, metê-la no carro e deixá-la a pé (ou seja, confessou o sequestro).

Se quisesse fazer-lhe mal por ciúmes, sabia onde ela trabalhava; só quis pregar-lhe um susto. A ideia do susto foi sua.

A mãe disse: vê o que é que vais fazer - e meteu-se no carro. A mãe nada fez, participou tanto como o J...e o H....

Aos 2 jovens falou o A...; a este falou ela (C...). Levou o A... porque ela (G...) a conhecia e ao vê-la, fugia.

A G... ameaçou-a por telefone e o companheiro nem ligava ao filho. Ela ligava-lhe de Espanha, que lhe levava o E...e o filho.

Sabia onde a arguida trabalhava «e tudo» sempre a ligar e a «chatear», que o marido e o filho estavam com ela, faltava pouco para lhe tirar o filho.

O «marido» ainda vinha bater-lhe, «chutava» o filho e não queria senão dormir.

Ia ter problemas por causa da etnia cigana se se queixasse do marido por lhe bater.

Ela (G...) não tem medo de ninguém, é activa; ia dizer-lhe que se queria levar o «marido», que fosse, mas deixasse o filho.

Nunca foi à casa dos pais dela.

O Fiesta era de um sucateiro da Tocha, que o emprestou ao pai dela.

A lesada tem marcas da ripa, foi ela, se fosse com o taco, naquela ocasião, tinha-a matado (a C...confessou aqui que agrediu a vítima com o pau apreendido).

Não consegue dormir, nem comer (não há prova disso e até o relatório psiquiátrico a fls. 1435 o nega), depois perguntou: o que fiz, matei-a?

Não ligou na altura para o 112 e viu-a, parecia um monstro, ficou assustada. Queria desaparecer dali (e deixar ferida, abandonada e inconsciente a vítima, atente-se).

Em declarações finais para sua defesa, a arguida C...disse que a ofendida não tinha €400; tinha uma nota de €10 e uma moeda de €2 (mas não se aceita).

Não trouxe nada dela. As roupas foram deitadas fora (o certo é que os arguidos se apropriaram de bens da ofendida; o destino que lhes deram depois de os fazerem seus é irrelevante).

Completou o 6º ano e é doméstica; está em casa dos sogros com o E..., que ganha para as despesas, por ser vendedor ambulante com o pai.

Não se aceitam em geral as decLARAções da arguida C...quanto aos factos da acusação, contrariadas pela prova produzida. Falou apenas para se defender, sem revelar verdadeiro arrependimento.

Foi efectuado relatório social quanto à arguida C...., que consta de fls. 1076 e segs.

A fls. 1263 consta o relatório de um exame electroencefalográfico à arguida C..., que revelou encontrar-se a mesma dentro dos parâmetros da normalidade.

Fez ainda exame psiquiátrico (fls. 1431 e segs.) e exame médico-legal de avaliação de personalidade e Q.I. (fls. 1440 e segs.).

O tribunal teve em consideração todos esses relatórios.

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Também só após terminar o depoimento da ofendida quis o arguido A... prestar decLARAções sobre a matéria criminal, dizendo que estava no Café e a C...lhe pediu para ir a Coimbra, que ele tem carta. O H... e o J...foram a sua casa e apareceu ela, pediu esse favor, de ir, para falar com uma rapariga.

Os três, ele e os rapazes, tiraram-na do carro, mas depois «nem com um dedo lhe tocou. Só lhe puxou pelo braço no táxi». Quando as agressões foram feitas, ele não estava ao pé da C...(o que é duvidoso, mas como não constam da acusação as agressões indicadas pela ofendida como perpetradas pelo A...e este as negou, beneficia do princípio in dubio pro reo relativamente às supostas agressões, que os jovens H... e J... disseram não ter visto terem sido praticadas pelo A..., indicando que este estava junto deles quando ficaram parados em Quinhendros e a ofendida estava a ser agredida).

            Perdeu o nascimento dos filhos, por estar preso um ano e meio (o que só a si se deve, pelo seu comportamento criminoso, perigo de fuga e de perturbação do inquérito se mantido em liberdade, note-se).

Não viu o estado em que a rapariga ficou. Se tivesse visto, era capaz de fazer alguma coisa (não é credível).

Foi ele a dizer à C...: «não batas mais à rapariga e vamos embora»; foi quando foram (também não se aceita).

Raspou o taco todo para pôr o nome do filho. Não o usou na agressão.

Os telemóveis foram deitados fora pela D..., pelo vidro, que ela levou a carteira da rapariga (nada o prova).

Ainda viu uma chapada dada à rapariga pela C..., quando se foram embora (estando ela inconsciente, não é credível).

Em decLARAções finais com vista à sua defesa, o arguido A...voltou a dizer que não fez mal nenhum à ofendida (como se os actos de sequestro em que participou não fossem um mal infligido à vítima…).

Tinha o 9º ano e tirou o 12º ano no E.P.

Mora com a mãe adoptiva, a companheira e dois filhos dela, sendo um filho seu, com 2 anos e a filha só dela, que tem 4 anos.

Paga 180 euros de renda de casa.

É nadador-salvador de Junho a meio de Setembro no I.S.N. e sai na embarcação em piquetes se o chamarem, auferindo €600 mensais dessa actividade.

A companheira trabalha num café como empregada de balcão e ganha o ordenado mínimo, mais horas extra.

Não tem carro.

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Em decLARAções finais após alegações, para sua defesa, a arguida B...pretextou que as mulheres não se podem defender nestas situações de traição amorosa, pelas suas «leis», o que não justifica se tivessem vingado, sequestrando e agredindo a vítima, estranha à etnia das arguidas, por alegadamente nada poderem fazer quanto ao companheiro da C..., membro dessa etnia.

A fls. 1362 consta um relatório clínico de onde é referido que a arguida B...sofre de um carcinoma invasivo da mama direita, tendo ela dito que de 15 em 15 dias faz sessões de quimioterapia e 3 ou 4 dias depois volta ao trabalho normal, que o médico não quer que fique parada, entendendo-se que agora não o faz devido à medida de coacção.

Sabe só assinar o nome a copiar. Conta o dinheiro mal (o que não se aceita, pois até os analfabetos sabem, em regra, contar o dinheiro e ela é comerciante).

Pagava 16 contos de renda à C.M. e deve rendas, que não tem dinheiro; vão-lhe baixar a renda.

Tem um carro velho.

Vive com um companheiro, um filho de 18 anos, um filho mais velho, doente, a nora e a neta de 2 anos.

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Tivemos em consideração os documentos dos autos.

A fls. 735 consta a factura dos serviços de urgência prestados à ofendida pelo demandante cível Centro Hospitalar de Coimbra, a qual merece o crédito do Tribunal.

O relatório completo de episódio de urgência a fls. 55 a 57 refere-se à ofendida.

            O auto de apreensão a fls. 44 refere-se ao pau com que a arguida C...bateu na vítima, mostrando-se pelas fotografias do mesmo que o seu formato é compatível com as marcas na pele da ofendida.

            Ao automóvel Ford Fiesta ou ao taco de basebol referem-se os autos de busca a fls. 226 e 241/2, as fotografias a fls. 228 a 230 e 243 e o auto de exame directo a fls. 377.

            Os cadastros dos arguidos constam dos CRC dos autos, estando o do arguido A... a fls. 185 a 189, o da arguida B.... a fls. 190/1 e o da arguida C... a fls. 192/3.

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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do arguido A... as  questões a decidir são as seguintes :

- se a pena que lhe foi aplicada é desajustada e excessiva, não devendo ter ultrapassado os 36 meses de prisão, suspensa na sua execução embora com deveres impostos nos artigos 51.º e ss do C.P.;

- se o Tribunal a quo devia ter dado a indicação dos motivos da credibilidade das testemunhas, com a indicação dos motivos porque não atendeu a prova de sentido contrário;

- se o ora recorrente A... devia ter sido punido como cúmplice, com as consequências daí emergentes; e

-  se o ora recorrente A... devia ter sido absolvido do crime de furto simples.

            Face às conclusões da motivação da arguida C..., as questões a decidir são as seguintes:

- se foram incorrectamente julgados os factos que se deram por provados nos pontos n.ºs 17, 19 e 27 do acórdão recorrido, uma vez que, por falta de suporte na prova produzida em audiência de julgamento, deviam ser dados como não provados;

- se por via dessa alteração da factualidade dada como provada deve a arguida/recorrente ser absolvida da prática de um crime de condução sem habilitação legal e, sequestro e, ainda, pela prática, em co-autoria de um crime de furto; e

- se, a entender-se que a ora arguida deveria ser condenada pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, de um crime de sequestro e, ainda, da prática de um crime de furto, deveria ter sido aplicada à recorrente uma pena de prisão não superior a 5 anos, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a tratamento médico (tratamento psicoterapêutico).

            Face às conclusões da motivação da arguida B..., as questões a decidir são as seguintes:

- se foram incorrectamente julgados os factos que se deram por provados nos pontos n.ºs  5., 14., 16., 33. e 36. do acórdão recorrido, e ainda que foi intenção dos arguidos apropriarem-se através de subtracção de bens da ofendida, uma vez que, por falta de suporte na prova produzida em audiência de julgamento, deviam ser dados como não provados;

- se por via dessa alteração da factualidade dada como provada deve a arguida/recorrente B.... ser absolvida da prática de um crime sequestro e, ainda, da prática, em co-autoria, de um crime de furto.

Recurso interposto pelo arguido A....

Por uma razão de ordem lógica, a primeira questão a conhecer e decidir, no âmbito do recurso, é se o Tribunal a quo devia ter dado a indicação dos motivos da credibilidade das testemunhas, com a indicação dos motivos porque não atendeu a prova de sentido contrário.

A este propósito começamos por realçar que o recorrente A... não identifica, nas conclusões da motivação, quais são as testemunhas a que o Tribunal a quo terá dado credibilidade sem indicação dos motivos, nem identifica quais são aquelas outras provas produzidas em sentido contrário a que não terá atendido.

Igualmente não retira qualquer consequência jurídica da alegada violação processual por parte do Tribunal a quo.

Se as conclusões da motivação não o dizem, a motivação do recurso então é totalmente omissa acerca desta problemática.

Notamos que na motivação do recurso, o recorrente A..., em lugar de clarificar os termos concretos em que o Tribunal a quo não terá cumprido o dever de fundamentação da matéria de facto da decisão recorrida, teceu considerações sobre alegados erros no acórdão recorrido relativos ao nome da rua onde em Coimbra se situa o Jardim da Manga e outros que constarão dos seus §§ 13 da página 14 e 8 da página 15, bem como sobre uma alegada irregularidade por não ter sido mencionada no acórdão a sua contestação, mas deixou cair os assuntos nas conclusões da motivação, inviabilizando assim o seu conhecimento pelo Tribunal de recurso. 

Cremos que o arguido A...quer imputar ao acórdão recorrido o vício da nulidade de sentença , por falta de fundamentação ( arts.379, n.º1, al. a) e 374.º., n.º2, do Código de Processo Penal).

De acordo como o n.º 2 do art.374.º do C.P.P., da fundamentação da sentença «… consta da enumeração dos factos provados e não provados , bem como de uma exposição , tanto quanto possível completa , ainda que concisa , dos motivos de facto e de direito , que fundamentam a decisão , com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal .». 
Esta exigência do exame crítico das provas é um aditamento ao C.P.P. levado a cabo pela Lei n.º 59/98 de 25 de Agosto, na sequência de jurisprudência que se vinha formando sobre essa necessidade, nomeadamente pelo STJ, que interpretou aquele dever de fundamentação no sentido de que a sentença - para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova - há-de conter também os elementos que , em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos , constituíram o substrato racional  que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação , ou seja , um exame critico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do Tribunal num determinado sentido.[4]

Ao proceder ao exame crítico da prova o Tribunal está sujeito a um importante princípio do direito probatório, o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do qual “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente , a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.” ( art.127.º do Código de Processo Penal)

Como realça o Prof. Germano Marques da Silva, no juízo de valoração da prova tem diferentes níveis. “ Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis ( v.g,  a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e gora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio que há-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência” [5].  

No caso em apreciação o Tribunal a quo, no âmbito da imediação e da oralidade, clarificou na fundamentação da matéria de facto do acórdão, que atribuiu ao depoimento da ofendida G... particular credibilidade, pela emotividade com que descreveu a grande violência sobre ela exercida, sem se mostrar indecisa, nem acintosa relativamente aos arguidos.

O Tribunal a quo indicou ainda, relativamente aos arguidos e demais testemunhas, o que foi ou não credível para ele, nos seus depoimentos e decLARAções clarificando, através da indicação das razões, as partes onde falta essa credibilidade.          

Deste modo, não se reconhece ao acórdão recorrido o vício processual da falta de fundamentação da matéria de facto.

         A questão seguinte a conhecer é se o recorrente devia ter sido punido como cúmplice, com as consequências daí emergentes.

O arguido A...defende que dos factos dados como provados resulta que ele não pode ser considerado co-autor, mas apenas cúmplice, alegando para o efeito e em síntese, que não tinha domínio do facto, nem domínio da vontade, admitindo ter sido cúmplice com obediência a directivas e iniciativas de outros arguidos, e apenas até à consumação do ilícito típico principal.

Invoca a teoria do domínio do facto, nos termos da qual “ só pode ser autor quem, segundo a importância da sua contribuição objectiva, é autónomo em relação ao domínio do facto”, bem como Jescheck e um acórdão do STJ de 22 de Novembro de 2006 – não identificando a obra daquele autor, nem indicando o número do processo desse alto tribunal e local onde pode ser consultado.   

Posto isto, vejamos.

A Autoria e cumplicidade constituem formas de participação criminosa, que se distinguem, desde logo, pelo modo da sua realização e pela sua gravidade objectiva.

O art.26.º do Código Penal estabelece que é punível como autor quem executar o facto, por si ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.

Atendendo à teoria do domínio do facto, expressa neste preceito penal, três situações são possíveis no âmbito da autoria: na autoria imediata, o agente domina o facto na medida em que é ele próprio quem procede à realização típica, quem leva a cabo o comportamento com o seu próprio corpo; na autoria mediata o agente domina o facto e a realização típica, mesmo sem nela fisicamente participar, quando domina o executante através de coação, de erro ou de um aparelho organizado de poder; e na co-autoria, o agente domina o facto através de uma divisão de tarefas com outros agentes, desde que, durante a execução, possua uma função relevante para a realização típica.

Na comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria são essenciais: uma decisão e uma execução conjuntas.

Os casos de comparticipação só são configuráveis mediante acordo prévio dos comparticipantes. A decisão conjunta, pressupondo um acordo que, sendo necessariamente prévio pode ser tácito, pode bastar-se com a existência da consciência e vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado tipo legal de crime.

No dizer do Prof. Germano Marques da Silva, [6]“É co-autor material quem, em caso de comparticipação, «toma parte directa na execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros». Esta cooperação na execução do crime pode resultar de acordo ou não, mas neste caso importa ainda que os comparticipantes tenham consciência de cooperarem na acção comum.”.

Já no que diz respeito à execução, não é indispensável que cada um deles intervenha em todos os actos ou tarefas tendentes ao resultado final, basta que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do resultado [7].

Como bem se salienta no acórdão do STJ de 15 de Abril de 2009, no proc. n.º 09P0583, «… para a autoria não só é determinante a vontade de direcção, mas também a importância objectiva da parte do facto assumida por cada interveniente. Daí resulta que só possa ser autor quem, segundo a importância da sua contribuição objectiva, comparte o domínio do curso do facto[8].

A outra forma de participação criminosa é a cumplicidade.

O art.27.º, n.º1, do Código Penal, define como cúmplice “…quem, dolosamente, e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso.”.

O cúmplice não toma parte no domínio funcional dos actos constitutivos do crime, isto é, tem conhecimento de que favorece a prática de um crime mas não toma parte nele. Limita-se a facilitar o facto principal.

A cumplicidade pressupõe a existência de um facto praticado dolosamente por outro, num sistema de acessoriedade. No dizer do Prof. Faria Costa, “ o elemento subjectivo do cúmplice tem de abarcar o auxílio doloso e a prática do facto principal por parte do autor”.[9]

No caso em apreciação, o Tribunal a quo deu como provado, designadamente, que os arguidos C..., B...e A...elaboraram um plano para localizar e conseguir contactar pessoalmente a ofendida, a fim de a forçarem a vir com eles para a Figueira da Foz, retirando-lhe a liberdade de se movimentar e aí a molestarem física e psicologicamente. No âmbito deste plano, depois da arguida C...ter combinado um encontro com a ofendida G... , fazendo-se para o efeito passar por E..., o arguido A...deslocou-se com aquelas co-arguidas a Coimbra, onde procurou e conseguiu detectar a ofendida G.... Quando esta , de noite, viu aproximar-se o arguido A...e receosa do que lhe poderia acontecer se refugiou num táxi para deixar o local, é o ora recorrente quem contra a sua vontade retira a ofendida G... do interior do táxi, juntamente com a arguida B...e, entre ambos, a forçam a entrar no veículo conduzido pela arguida C..., assim a privando da liberdade de locomoção.

As bárbaras agressões e humilhação a que seguidamente é sujeita a ofendida G..., descritas nos pontos n.ºs 18 a 29 dos factos provados, foram efectuadas em comunhão de esforços entre os três arguidos, bem como foi no mesmo nesse espírito comum que os três retiraram e levaram consigo bens pertencentes à ofendida G....

Tendo o arguido A...participado activamente na execução do plano, assumindo em todos os factos em causa um papel de domínio de primeiro plano, e não um papel secundário ou acidental e agindo em comunhão de esforços com as outras arguidas, é como co-autor e não como cúmplice que o mesmo interveio nos crimes que lhe são imputados.

Assim, improcede esta questão.

A questão a abordar seguidamente é a de saber se o recorrente A... devia ter sido absolvido do crime de furto simples.

Em abono da sua absolvição da prática do crime de furto simples, alega que não houve intenção de apropriação e que o crime de furto é um “crime unisubjectivo e uniofensivo privilegiado in casu”  e, na dúvida, o Tribunal a quo devia ter aplicado a princípio do “in dubio pro reo”.

Antes de decidirmos se a conduta do arguido A...preenche ou não todos os elementos constitutivos do crime de furto, importa anotar que este recorrente não impugnou através dos meios próprios a matéria de facto dada como provada relativamente ao crime de furto.

O principio “in dubio pro reo” , invocado pelo recorrente, estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido. O mesmo identifica-se com a presunção de inocência do arguido a que alude o art.32.º, n.º 2 , da Constituição da República Portuguesa e o art.11.º, n.º1 da DecLARAção Universal dos Direitos do Homem , e impõe que o julgador valore sempre em favor daquele  um non liquet.

Este princípio só vale em relação à prova dos factos e não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão-de-direito. Na questão-de-direito não deve seguir-se o entendimento mais favorável ao arguido, mas apenas eleger a solução correcta.[10]

Os elementos constitutivos do crime de furto encontram-se enunciados no art.203.º, n.º1 do Código Penal, e são os seguintes: a subtracção de coisa móvel alheia; a ilegítima intenção de apropriação para si ou para outrem; e o conhecimento e vontade de realização do facto antijurídico, com consciência da ilicitude da conduta ( dolo genérico).

A subtracção consiste na violação do poder de facto que tem o detentor de guardar o objecto do crime ou dispôr dele e a substituição desse poder pelo do agente.

Coisa móvel alheia é a coisa que é propriedade de alguém que não do agente e que é susceptível de apreensão para poder ser subtraída. 

A intenção de apropriação traduz a vontade do agente querer fazer definitivamente sua, ou de outra pessoa, a coisa alheia.[11]

Resulta dos factos dados como provados que os arguidos, entre eles o recorrente A..., estando a ofendida G... caída no chão, inanimada, depois de brutal agressão, ainda lhe retiraram e levaram consigo, fazendo-os seus, dois telemóveis, um porta moedas contendo cerca de € 400, uma carteira em pele, vários documentos pessoais e dois casacos.

Actuaram como liberdade na acção, bem sabendo que ao apropriarem-se dos ditos bens o faziam contra a vontade do seu dono e que a suas condutas eram proibidas por lei penal.

Tendo os arguidos, incluindo o A..., desapossado a ofendida de bens do seu património, deles se apropriando, dando-lhes o destino que quiseram ( nunca os tendo restituído), temos de concluir que os arguidos agiram, em co-autoria, com intenção de apropriação dos descritos bens.

Verificando-se na conduta do arguido A..., o preenchimento de todos os elementos do crime  de furto, apenas podemos concluir que não merece censura a decisão recorrida ao condenar aquele pela prática de um crime de furto.

Uma vez que a conduta do arguido/recorrente integra uma “intenção de apropriação” e preenche os restantes elementos objectivos e subjectivos do crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do C.P., 1 do Código Penal, impõe-se a manutenção da condenação do recorrente pela prática do crime de furto simples.

            A última questão é se a pena que lhe foi aplicada é desajustada e excessiva, não devendo ter ultrapassado os 36 meses de prisão, suspensa na sua execução embora com deveres impostos nos artigos 51.º e ss do CP.

Alega para este efeito que o Tribunal a quo devia ter dado o devido relevo ao facto do recorrente ter dois filhos menores numa idade particularmente vulnerável.

Vejamos.

A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele ( art.71.º, n.º 1 e 2  do Código Penal ).

A culpabilidade é um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa , censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal, por não haver tido o comportamento exigido pelo direito. O facto punível não se esgota na desconformidade com o ordenamento jurídico-penal , com a acção ilícita-típica,  necessário se tornando sempre que a conduta seja culposa, “ isto é , que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente , por aquele se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever-ser sócio-comunitário.” [12].

A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo quer para dissuadir a prática de crimes, através da intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente (prevenção geral negativa ou de intimidação), quer para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na  tutela de bens jurídicos e , assim , no ordenamento jurídico-penal ( prevenção geral positiva ou de integração).

A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.

Por respeito à eminente dignidade da pessoa a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa ( art.40.º, n.º 2 do C.P.) , designadamente por razões de prevenção.

Os pressupostos da suspensão da execução da pena vêm enunciados no art.50.º, n.º1 do Código Penal.
Nos termos deste preceito legal , na redacção da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, aqui aplicável, « O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos  se , atendendo à personalidade do agente , às condições da sua vida , à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste , concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição .».
O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos .

O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o tribunal, atendendo à personalidade do arguido e às circunstâncias do facto, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

O crime de sequestro imputado ao arguido A...( artº 158º, nºs 1 e 2, al. b), do Código Penal) , é punido com prisão de 2 a 10 anos e o crime de furto simples ( art.203.º do Código Penal) é punido com prisão até 3 anos ou pena de multa.

O Tribunal a quo realçou a “enorme gravidade” conjunta dos factos, considerando designadamente, que são elevadas a ilicitude dos factos e a intensidade do dolo e que são de relevo as consequências da brutal actuação praticada em co-autoria sob a ofendida G....    

O arguido tem antecedentes criminais, designadamente por crimes violentos como roubo.

Não beneficia de circunstâncias relevantes para a atenuação da pena como a confissão integral e aberta dos factos, o arrependimento activo e a reparação até onde lhe era possível dos danos causados à ofendida.

O Tribunal a quo não deixou de fazer referência, na determinação da medida das penas, à baixa condição cultural e sócio-económica do arguido, sendo que de acordo com os factos provados, o arguido não tem dois filhos, mas apenas um filho, de 2 anos de idade. O outro filho, de 4 anos de idade, é da sua companheira, mas não dele.

O afastamento do arguido, em relação ao filho, em resultado do cumprimento de pena de prisão poderá ter algum impacto na vivência de ambos.

Mas essa ausência de paternidade apenas pode ser imputada ao comportamento e personalidade do arguido, por não saber adequar os seus comportamentos ao direito e à vida em sociedade.

Deste modo, face à globalidade dos factos atrás referidos e á personalidade do arguido, o Tribunal da Relação não vê razões para , face à idade do filho, proceder a uma diminuição das penas concretas aplicadas ao arguido, que são adequadas e proporcionais à culpa e às elevadas razões de prevenção especial e geral, como se clarificou no douto acórdão recorrido, e que assim se mantêm integralmente .  

Não se verificando o pressuposto formal da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, uma vez que a pena aplicada em cúmulo jurídico é superior a 5 anos de prisão, não poderá beneficiar o mesmo daquela pena de substituição. Aliás, as fortes razões de prevenção geral e especial, bem descritas na decisão recorrida, sempre obstariam ao preenchimento do pressuposto formal da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão.

Não se reconhecendo a violação de nenhuma das normas legais invocadas pelo recorrente nas conclusões da motivação impõe-se decidir pela improcedência do recurso interposto pelo arguido A....

Recurso interposto pela arguida C....

            Comecemos pela abordagem do alegado erro de julgamento.

O art.431.º do Código de Processo Penal, estatui que, sem prejuízo do disposto no art.410.º, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser modificada se se verificarem as seguintes condições:
  « a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;
     b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do art.412.º; ou
     c) Se tiver havido renovação de prova.”.
A situação prevista na alínea a), do art.431.º, do C.P.P. está excluída quando a decisão recorrida se fundamenta, não só em prova documental, pericial ou outra que consta do processo, mas ainda em prova produzida oralmente em audiência de julgamento. 
Também a possibilidade de modificação da decisão da 1.ª instância ao abrigo da al.c) do art.431.º, do C.P.P., está afastada quando não se realizou audiência para renovação da prova neste Tribunal da Relação, tendo em vista o suprimento dos vícios do art.410.º, n.º 2 do C.P.P..
A situação mais comum de impugnação da matéria de facto é a que respeita à alínea b) do art.431.º do C.P.P..
Esta alínea b) do art.431.º do C.P.P., conjugada com o art.412.º, n.º3 do mesmo Código, impõe ao recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o dever de especificar:

  « a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados ;

     b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
     c) As provas que devam ser renovadas

E acrescenta o n.º 4 deste preceito legal:
« Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação

O recorrente deverá indicar a sessão de julgamento em que as decLARAções ou depoimentos constam e localizar a passagem em causa, na gravação, entre os minutos em que produziu prova oralmente, de modo a deixar claro qual a parte da decLARAção ou depoimento que se quer que o Tribunal de recurso ouça ou aprecie.

Sobre o dever das menções dos n.ºs 3 e 4 do art.412.º do C.P.P. constarem das conclusões da motivação, o STJ já se pronunciou no sentido de que a redacção do n.º 3 do art.412.º do C.P.P., por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem de dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que “ versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda (…) ”, já o n.º 3 se limita a prescrever que “ quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (…)”, sem impor que tal aconteça nas conclusões. Perante esta margem de indefinição legal, quando o recorrente tenha procedido à mencionada especificação no texto da motivação e não nas respectivas conclusões, ou o Tribunal da Relação conhece da impugnação da matéria de facto ou, previamente, convida o recorrente a corrigir aquelas conclusões.[13] 

Cremos que actualmente, face à redacção que foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, ao art.417.º, n.º 3 do C.P.P., é inequívoco que as especificações do art.412.º, n.ºs 3 e 4 do mesmo Código, devem constar das conclusões, uma vez que « Se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada.».  
Deste preceito resulta ainda que se a falta das indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º, atinge quer as conclusões, quer a motivação, não há lugar ao convite de aperfeiçoamento das conclusões.
Nos termos do n.º 6 do art.412.º do C.P.P., tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e, ainda, de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.

No presente caso, a arguida C...especifica, nas conclusões da motivação, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados ( a matéria dos pontos n.º 17,19 e 27 dos factos dados como provados na decisão recorrida), mas não indica as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida , nem faz por referência ao consignado na acta, as concretas passagens em que funda a impugnação.
A recorrente indica, porém, na motivação do recurso as concretas provas ( depoimentos das testemunhas H..., J...., e decLARAções da ofendida G... e dos     arguidos C.... e A...), com localização das passagens dos depoimentos em que funda a impugnação, transcrevendo segmentos dessa prova gravada, pelo que o Tribunal considera que a recorrente deu cumprimento mínimo ao estabelecido no art.412.º, n.ºs 3, al. b) e 4 do C.P.P.. e, por uma questão de economia processual, mesmo sem convite ao aperfeiçoamento das conclusões da motivação, o Tribunal da Relação, considera-se apto a modificar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo.
Antes de passar ao conhecimento directo da questão, importa realçar que a documentação da prova em 1ª instância tem por fim primeiro garantir o duplo grau de jurisdição da matéria de facto, mas o recurso de facto para o Tribunal da Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada como se o julgamento ali realizado não existisse.
É antes, um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto exige uma articulação entre o Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal de recurso relativamente ao principio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127.º do Código de Processo Penal, que estabelece que “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente , a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”.

As normas da experiência são «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.»[14].

Sobre a livre convicção do juiz diz o Prof. Figueiredo Dias que esta é “... uma convicção pessoal -  até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais  -  , mas em todo o caso , também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros.”[15].

O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art.355.º do Código de Processo Penal. È ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.

O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas decLARAções irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.

Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias, ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação  diz o mesmo: « Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos  e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tornar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) . Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das decLARAções prestadas pelos participantes processuais.”.[16]

Na verdade, a convicção do Tribunal a quo é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as decLARAções e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.

Para respeitarmos os princípios oralidade e imediação na produção de prova, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas decLARAções e depoimentos e for uma das possíveis soluções, segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.

Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de 2002 , “ quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.[17]

O preceituado no art.127.º do Código de Processo Penal deve, assim, ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.

A recorrente C.... defende que foram incorrectamente julgados os factos que se deram por provados nos pontos n.ºs 17 e 19 do acórdão recorrido, devendo ter sido dados como não provados, pois se a ofendida G... declarou que foi a arguida C.... quem conduziu o veículo automóvel desde Coimbra até ao local onde a deixaram inanimada, e resulta das transcrições das gravaçõe, que reproduz, que a testemunha J.... declarou que pensa que o veículo terá sido conduzido pela arguida mais magra e, portanto, pela arguida C...., já a arguida C....  negou que fosse ela a condutora e a testemunha  H... foi imprecisa, pois disse primeiro que a pessoa que conduziu o veículo era uma pessoa de meia idade e, depois, que era uma rapariga, sendo que a recorrente C.... tinha 19 anos à data dos factos.

Antes do mais anotamos que os segmentos dos depoimentos das testemunhas H... e J.... e as decLARAções da ofendida G... e da arguida C...., transcritos nas conclusões da motivação do recurso, correspondem, com razoável fidelidade ao que consta das gravações efectuadas em audiência de julgamento.

Não deixamos ainda de realçar que as decLARAções e depoimentos transcritos na motivação, e que no entender da recorrente C...impõem uma decisão diversa, constam reproduzidos, no essencial,  na fundamentação da matéria de facto do acórdão recorrido, pelo que se torna evidente que a recorrente pretende, com a presente questão, substituir a convicção do Tribunal a quo pela sua própria convicção.

A testemunha H... não afastou no seu depoimento a possibilidade de que era esta arguida C...quem conduzia o veículo no percurso em causa.

Da fundamentação matéria de facto do acórdão recorrido resulta que o Tribunal a quo deu particular credibilidade às decLARAções da ofendida G..., que atribui à arguida C.... a condução do veículo automóvel durante o percurso em que se viu coarctada na sua liberdade de locomoção.
Tendo a ofendida G... decLARAdo, tal como a testemunha J...., que era a  arguida C.... quem conduziu o veículo automóvel desde Coimbra até ao local onde deixaram caída a ofendida e tendo o Tribunal a quo concluído, face à descrição da testemunha K...., que a mulher que puxou a ofendida do táxi era a arguida B...e, assim, que a mulher que estaria no veículo a conduzir era a recorrente C...., o Tribunal da Relação tem como perfeitamente admissível a versão dada como provada pelo Tribunal recorrido nos pontos n.ºs 17 e 19 do acórdão, adquirida na base da imediação, da oralidade e na livre apreciação da prova.
Assim, decide-se manter a factualidade dada como provada nos pontos n.ºs 17 e 19 da decisão recorrida.

Vejamos agora os termos em que a recorrente C.... defende que foi incorrectamente julgada a matéria de facto do ponto n.º 27 do acórdão recorrido.

Transcrevendo parte do depoimento da testemunha H..., a recorrente conclui, em seguida, que neste depoimento nada foi dito sobre a subtracção de bens à ofendida G...; do depoimento da testemunha J.... entende a recorrente que nada resulta sobre aqueles mesmos factos; a ofendida G...  apenas menciona os bens que lhe acabaram por desaparecer na confusão; e o arguido A... declarou que alguns dos bens, como telemóveis, foram deitados fora pelo caminho, pela D…, a qual terá ficado com a mala da ofendida e que os outros bens terão ficado no local onde a abandonaram.

 A respeito desta prova diremos que do depoimento da testemunha H... não resulta que alguém tenha deitado fora bens pertencentes à ofendida G... e o mesmo dizemos da análise do depoimento da testemunha J...., o que não deixa de contrariar as decLARAções do arguido A.... 

Importa aqui realçar que o objecto da prova pode incidir sobre os factos probandos ( prova directa ), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem , com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este ( prova indirecta ou indiciária).

A prova indirecta “ … reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova”.[18]

Como salienta o acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996 , “ a inferência na decisão não é mais do que ilação , conclusão ou dedução , assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz.”.[19] 

Resulta das decLARAções da ofendida G... que ela tinha determinado bens antes dos factos em causa e que depois de ser agredida e deixada sozinha inanimada, de noite, fora de uma estrada, verificou que fora desapossada desses bens, em que se incluíam mesmo cerca de € 400 em numerário.

Considerando que os arguidos C..., B...e A...agiram em conjugação de esforços para deter, privar da liberdade de locomoção e agredir brutalmente a ofendida G..., não viola as regras da experiência comum que tenham sido os mesmos quem, após terem despido a ofendida G..., se apropriou dos bens pertencentes a esta e dispôs deles do modo que entenderam, como se fossem donos deles. 

Deste modo, não viola as regras da experiência comum e a livre apreciação da prova, dar-se como provada a matéria que consta do ponto n.º 27 dos factos dados como provados na decisão recorrida, que assim se mantém, improcedendo esta primeira questão.

A segunda questão a apreciar é se, por via da alteração da factualidade pugnada no recurso deve a arguida/recorrente C...ser absolvida da prática de um crime de condução sem habilitação legal e, sequestro e, ainda, pela prática, em co-autoria de um crime de furto.

Pese embora conclua que deve ser absolvida de todos os crimes pela qual foi condenada, a arguida acaba por concentrar a sua atenção, quer nas conclusões da motivação, quer na motivação, na inexistência da intenção dos arguidos de se apropriarem ilegitimamente de bens da ofendida, alegando para o efeito que não sequestraram a ofendida para furtarem os bens que a mesma consigo trazia, nem tão pouco aproveitaram o sequestro para furtarem a ofendida. Os arguidos destruíram e abandonaram os objectos da Ofendida para tornarem a sua fuga e auxilio mais difícil.

A questão está prejudicada na parte em que invoca que os arguidos destruíram e abandonaram os objectos da Ofendida para tornarem a sua fuga e auxilio mais difícil e que não aproveitaram o sequestro para subtraírem bens à ofendida, pois a matéria de facto já definitivamente dada por assente pelo Tribunal da Relação é apenas a que consta do acórdão recorrido.

Dessa matéria resulta que os arguidos, com a ofendida caída no solo, inanimada, abandonaram o local levando consigo bens da ofendida, que sabiam não lhes pertencer e  fizeram-nos seus. O destino que deram aos bens depois de deles desapossarem a sua dona não é elemento do tipo de furto do art.203.º do Código Penal.

Ao agir do modo descrito, bem sabendo que os bens não lhe pertenciam, e com conhecimento da ilicitude da sua conduta, agiu a arguida C.... com ilegítima intenção de apropriação.

Verificando-se os restantes elementos objectivos e subjectivos do tipo penal, já atrás descritos a propósito do conhecimento do recurso do arguido A..., bem andou o Tribunal a quo em condenar a arguida C.... pela prática de um crime de furto, bem como pela prática de um crime de sequestro e outro de condução sem habilitação legal, uma vez que também  se verificam na conduta desta arguida todos os respectivos elementos constitutivos dos tipos penais, bens enunciados na decisão recorrida.

Assim, improcede esta questão.

            A última questão suscitada pela arguida C.... é a de saber se, a entender-se que a ora arguida/recorrente deveria ser condenada pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, de um crime de sequestro e, ainda, da prática de um crime de furto, deveria ter sido aplicada à recorrente uma pena de prisão não superior a 5 anos, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a tratamento médico (tratamento psicoterapêutico).

Defende que deveria beneficiar do regime da atenuação especial da pena ao abrigo do regime especial para jovens, previsto nos art.s 1.º e 4.º do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, atendendo a que tinha 19 anos de idade à data dos factos, ao seu estado emotivo, à sua imputabilidade diminuída e de toda a situação familiar em que se encontrava (situação de violência e discórdia devido à relação amorosa que a vitima tinha com o seu companheiro), e a que apenas tinha no seu registo criminal uma condenação anterior.

Vejamos.

Quando o tribunal, por aplicação da lei geral penal, entende que a pena de prisão será a adequada para satisfazer as necessidades da punição e o arguido for um jovem maior de 16 anos e menor de 21 anos, não pode deixar de atender ao art.4.º do DL n.º 401/82 , de 23 de Setembro, que prevê a atenuação especial da pena de prisão, nos termos dos artigos 73.° e 74° [hoje 72.º e 73.º] do Código Penal, « … quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.».

A existência de um regime especial para jovens delinquentes não significa que a estes tenha necessariamente de ser aplicado tal regime; significa, antes, que a aplicabilidade do referido regime deve ser sempre ponderada, devendo o mesmo ser aplicado se se mostrarem satisfeitos os respectivos requisitos.[20]

O regime penal relativo a jovens, previsto no DL n.º 401/82 , de 23 de Setembro  - diploma que constitui a legislação « especial» prevista no art.9.º do Código Penal - , tem como principal fundamento o reconhecimento  da especificidade da delinquência dos jovens adultos , consagrando a ideia de evitar na maior medida possível , a aplicação de penas de prisão a jovens condenados.

A reinserção social é o retorno á sociedade, que foi hostilizada pelo jovem através da violação de bens jurídico-penais.

Embora não seja pacífico, defende-se no acórdão do STJ, de 02/06/2010, que « Para a aplicação da atenuação especial da pena, ao abrigo do art. 4º do DL nº 401/82, basta que se apure que essa atenuação favorece a ressocialização do agente, haja ou não diminuição da ilicitude ou da culpa. Este preceito estabelece, pois, um regime específico de atenuação especial, restrito aos jovens condenados, segundo o qual, as razões da ressocialização prevalecem sobre as razões dos demais fins das penas.».[21]

A questão da aplicação (ou não) do Regime Especial dos Jovens Delinquentes, previsto no DL 401/82, de 23 de Setembro, quer pela natureza, quer pelos fundamentos, quer até pelos critérios de atenuação, reporta-se, sem dúvida, ás penas parcelares.

Este é também o entendimento do STJ, no acórdão de 4 de Fevereiro de 2010, proferido no proc. n.º 1244/06.7PBVIS.C1.S1, 3ª Secção, Relator: Cons. Fernando Fróis, in www.dgsi.pt.

A atenuação especial da pena incide nas penas parcelares, relativamente aos limites das penas aplicáveis e não sobre a pena única, concreta, que resulta do cúmulo jurídico. Por maioria de razão o regime da atenuação especial da pena não pode ser tomada em conta simultaneamente nas penas parcelares e na pena única que resulta do cúmulo jurídico.

Definido o quadro legal da atenuação especial prevista no art. 4º do DL nº 401/82, importa  apurar se, no caso, se verifica o condicionalismo legal para a sua aplicação às penas parcelares fixadas à arguida, com o consequente reflexo na pena conjunta que deverá resultar do cúmulo jurídico.

O Tribunal a quo ponderou a aplicação da atenuação especial da pena à arguida, ao abrigo do Regime Especial dos Jovens Delinquentes, mas recusou a sua aplicação em resultado da apreciação conjunta do circunstancialismo factual da prática dos crimes – realçando o “absoluto desprezo pela dignidade e integridade física da ofendida, nem sequer pedindo anonimamente pelo n.º 112 que o serviço de emergência viesse dar assistência à vítima desnudada, espancada e inconsciente” - com o comportamento anterior e posterior aos factos da arguida, as suas condições pessoais e personalidade, onde não deixou de ponderar que tem “ uma imputabilidade ligeiramente diminuída” e que à data dos factos se sentia traída pelo companheiro, atribuindo toda a responsabilidade da situação à ofendida.

A arguida C.... - que actuou na execução dos factos com evidente crueldade e insensibilidade ao deter, privar de liberdade, cortar o cabelo à ofendida, espancá-la e abandoná-la despida e inconsciente, de noite e num local onde esta poderia não ser encontrada, já tinha antecedentes criminais pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, pelo qual havia sido condenada há menos de um ano -, não se apresentou em julgamento em termos de poder beneficiar de circunstâncias relevantes, apontando para a sua ressocialização em liberdade, como a confissão integral e aberta, o arrependimento, a reparação dos danos ou a demonstração de fazer esforços para reparar os danos causados à ofendida G....

A personalidade global da arguida, que resulta dos factos, e o não beneficio de circunstâncias que permitam concluir que no futuro não irá reincidir se a situação que a desencadeou vier a repetir-se, não permite reconhecer a existência de sérias razões para que, no quadro legal do art. 4º do DL nº 401/82, devesse o Tribunal a quo ter procedido à atenuação especial das penas de prisão previstas relativamente aos crimes de sequestro, furto simples e condução sem habilitação legal.

Aliás, também no quadro da lei geral, do art.72.º do Código Penal, não seria de admitir a atenuação especial da pena. A jurisprudência tem sido exigente na aplicação deste preceito penal, limitando a atenuação especial da pena a casos extraordinários ou excepcionais de acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena.[22]

Assim, o Tribunal da Relação conclui que não merece censura nesta parte a decisão recorrida.

Relativamente às penas de prisão parcelares, fixadas relativamente a cada um dos crimes, importa realçar que a ilicitude - entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais -, é elevada, particularmente no crime de sequestro e de furto de coisas a uma pessoa inanimada, e que a arguida/recorrente C...agiu com dolo directo e muito intenso, a que não foi certamente alheio o facto de se sentia traída pelo companheiro e atribuir essa situação à ofendida.

As necessidades de prevenção geral neste tipo de crimes, em especial quando são ofendidos os bens protegidos no crime de sequestro, pela razoável frequência e forte alarme social, são prementes.

No que toca à prevenção especial, entende-se que a recorrente C..., que já tem antecedentes criminais por ofensas à integridade física simples, carece de forte socialização.

Ainda assim, é importante reter que a arguida tinha 19 anos de idade à data da prática dos factos, apresenta uma leve deficiência mental e reage com elevados níveis de ansiedade, não tendo estratégias para  lidar com situações de stress. È de modesta condição social.

Deste modo, cremos que a pena de prisão fixada em 4 anos e 6 meses, pela prática de um crime de sequestro, deve ser reduzida para 3 anos e 9 meses. 

As restantes penas parcelares obedecem ao estatuído no art.71.º do Código Penal, pelo que são de manter, por adequadas à culpa e ás razões de prevenção.

Importa seguidamente proceder à realização do cúmulo jurídico desta pena de 3 anos e 9 meses de prisão com as penas de 7 meses de prisão aplicada pelo crime de furto e de 6 meses pelo crime de condução sem habilitação legal.

Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. ( art.77.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal).

Com o sistema da pena conjunta, perfilhado neste preceito penal, deve olhar-se para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente.[23]

Os factos que determinaram a aplicação das penas à arguida C..., e que se encontram em concurso, estão estritamente ligados entre si.

A condução ilegal e o furto de bens da ofendida encontram-se na sequência do sequestro agravado, que culminou com o abandono da ofendida inconsciente e despida, em circunstâncias de tempo e lugar desfavoráveis ao socorro da ofendida. A arguida já tem antecedentes criminais por crime contra as pessoas.

Do desvalor final dos factos entre si, com a personalidade da arguida/recorrente, concluímos ser de fixar, em 4 anos e 2 meses , a pena de prisão a aplicar a esta em cúmulo jurídico.

Pese embora se verifique o pressuposto formal da suspensão da execução da pena de prisão, o Tribunal da Relação não considera verificado o pressuposto material dessa pena de substituição, pois não se vislumbram circunstâncias que nos permitam concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, como a confissão integral e aberta, o arrependimento, a reparação dos danos ou a demonstração de fazer esforços para reparar os danos causados à ofendida G..., sendo que as razões de prevenção geral sempre exigiriam o cumprimento efectivo da prisão.

Procede assim, parcialmente, o recurso interposto pela arguida C....

            Recurso interposto pela arguida B...

            A primeira questão a decidir é se foram incorrectamente julgados os factos que se deram por provados nos pontos n.ºs  5., 14., 16., 33. e 36. do acórdão recorrido e, ainda que foi intenção dos arguidos apropriarem-se através de subtracção de bens da ofendida,  uma vez que, por falta de suporte na prova produzida em audiência de julgamento, deviam ser dados como não provados.

Os defeitos na impugnação da matéria de facto que se detectam nas conclusões da motivação são os mesmos que atrás se apontaram ao recurso interposto pela arguida C.... – facto a que não será alheio o facto de ser a mesma a Ex.ma subscritora de ambos os recursos. 
Considerando, porém, que a recorrente B...indica na motivação do recurso as concretas provas ( depoimentos das testemunhas H..., J...., e decLARAções da ofendida G... e do arguido A...), com localização das passagens dos depoimentos em que funda a impugnação, transcrevendo segmentos dessa prova gravada, pelo que o Tribunal da Relação considera que a recorrente deu cumprimento mínimo ao estabelecido no art.412.º, n.ºs 3, al. b) e 4 do C.P.P.. e, por uma questão de economia processual, mesmo sem convite ao aperfeiçoamento das conclusões da motivação, o Tribunal da Relação, considera-se apto a modificar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo.

Relativamente ao ponto n.º 5, a recorrente B...alega que não foi feita qualquer prova de que os três arguidos elaboraram um plano para retirar a liberdade à ofendida G... e a molestarem física e psicologicamente, sendo que ela não sabia das reais intenções da arguida C.....

Também não devia ter sido dado como provado que a recorrente, juntamente com o arguido A..., retirou á força, do táxi, a ofendida G..., como consta do ponto n.º 14 dos factos provados, pois apenas a ofendida refere esse facto e dos depoimentos das testemunhas H... e J...., cujo segmentos transcreve, resulta que apenas o arguido A... tirou a ofendida G... do interior do carro Ford Fiesta, acrescentando que esta última testemunha declarou ainda que a arguida B...chegou depois com a sua filha C....

Quanto ao facto dado como provado no ponto n.º 16 do acórdão, defende que não devia ter sido dado como provado, pois como resulta dos segmentos da transcrição da prova, apenas a ofendida G... declarou que foram a arguida B...e o arguido A...quem a pôs dentro do carro, tendo a testemunha H... decLARAdo que não viu quem colocou a ofendida dentro do carro Ford Fiesta e a testemunha J.... não conseguiu precisar qual das duas raparigas, mais o arguido A..., meteu a ofendida no mesmo carro.  

Como resulta dos segmentos da transcrição da prova, a ofendida G... declarou que a arguida B...só a agarrou e nunca lhe bateu, pelo que não pode dar-se como provado que actuou em conjugação de esforços com os outros arguidos, na execução de um plano, como foi dado como provado no ponto n.º 33 da matéria de facto do acórdão recorrido.

Embora não seja mencionado expressamente pela recorrente, será neste âmbito que entenderá que não se poderá dar como provado que agiu livremente, bem sabendo que a sua conduta era punida por lei penal ( ponto n.º 36 da matéria de facto).   

Finalmente, e apesar de não indicar directamente o ponto n.º 27 da matéria de facto provada como objecto de impugnação, entende que não ficou provado que os arguidos levaram consigo os objectos da ofendida. Transcrevendo parte do depoimento da testemunha H..., a recorrente conclui, em seguida, que sobre este depoimento nada foi dito; do depoimento da testemunha J.... entende a recorrente que nada resulta sobre aqueles factos; a ofendida G...  apenas menciona os bens que acabaram por desaparecer na confusão; e o arguido A... declarou que alguns dos bens, como telemóveis, foram deitados fora pelo caminho, pela D…, que esta terá ficado com a mala da ofendida e os outros bens terão ficado no local onde a abandonaram.

Vejamos.

Como já atrás se mencionou, para decidir a matéria de facto, o Tribunal a quo não dispõe apenas da prova directa, podendo para o efeito ter em conta a prova indirecta, que “ … reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova”.

Sendo certo que nenhum arguido referiu que elaboraram um plano para retirar a liberdade e molestarem física e psicologicamente a ofendida G..., da execução conjugada de actos por todos os arguidos, em Coimbra, no sentido de aqui localizar a ofendida G... e a meter à força, dentro de um veículo automóvel, contra a sua vontade, levando-a para um local isolado, na direcção da Figueira da Foz, pode racionalmente concluir-se que actuaram mancomunados, com o objectivo que consta dado como provado no ponto n.º5.

Numa actuação elaborada como a que foi desenvolvida pela arguida C...., fazendo-se passar perante a ofendida pelo E..., e perante a execução de actos que foi levada a cabo com esta sua filha, não é razoável concluir que a aqui recorrente desconhecia o plano da filha em relação à  ofendida G....      

Assim, mantém-se a matéria do ponto n.º 5 na factualidade dada como provada no acórdão recorrido.

Relativamente à matéria do ponto n.º 14 dos factos dados como provados, e face à credibilidade dada às decLARAções da ofendida G..., o Tribunal da Relação não tinha objecções a que essa matéria fosse dada como provada apenas com base nas decLARAções desta. No caso, o Tribunal a quo, tendo em conta a descrição do episódio pela testemunha K... . e o aspecto da arguida B...na audiência de julgamento, entendeu que foi esta arguida quem, com o arguido A..., retirou a ofendida G... do táxi.

Também não vemos qualquer motivo para concluir que o Tribunal a quo decidiu mal ao dar como assente, no ponto n.º 16 do acórdão recorrido, que a arguida B...e o arguido A...forçaram a ofendida G... a entrar no veículo conduzido pela arguida C.... e a obrigaram a ajoelhar entre os bancos dianteiros e traseiros. È racional que quem forçou a ofendida a sair do táxi tenha forçado a mesma ofendida a entrar no  veículo conduzido pela arguida C.... obrigando-a a ajoelhar entre os bancos dianteiros e traseiros.

As decLARAções da ofendida são a este propósito cLARAs, sendo irrelevante para a decisão da matéria de facto o alegado desconhecimento das testemunhas  H... e J.... sobre quem meteu a ofendida no veiculo Ford Fiesta.  

A actuação da arguida B...acabada de descrever, bem como a que consta dos pontos n.ºs 7 a 21 , evidencia que actuou em conjugação de esforços com os outros arguidos, na execução de um plano que passava por retirar a liberdade de locomoção à ofendida a fim de possibilitar a agressão desta pela arguida, sua filha, e pelo arguido A..., tal como foi dado como provado no ponto n.º 33 da matéria de facto do acórdão recorrido.

Na sua actuação, a arguida B...demonstrou liberdade na acção e resulta das regras da experiência comum que ela não podia deixar de saber que a sua conduta era punida por lei penal, pelo que nada existe a censurar na decisão do Tribunal a quo ao dar como provada a matéria do ponto n.º 36 da factualidade constante do acórdão recorrido.

Relativamente à impugnação dos factos dados como provados no acórdão recorrido, no sentido de que os arguidos subtraíram, com ilegítima intenção de apropriação, bens à ofendida G... quando abandonaram o local onde a deixaram caída no solo, inanimada, diremos que as provas indicadas pela recorrente B...e os argumentos utilizados são os mesmos que foram utilizados nesta parte pela recorrente C.....

Assim, repetimos aqui que resulta das decLARAções da ofendida G... que ela tinha determinados bens antes dos factos em causa e que, depois de ser agredida e deixada sozinha inanimada, de noite, fora de uma estrada, verificou que fora desapossada desses bens. Considerando que os arguidos C..., B...e A...agiram em conjugação de esforços para deter, privar da liberdade de locomoção e agredir, selvaticamente, a ofendida G..., não viola as regras da experiência comum que tenham sido os mesmos quem, após terem despido a ofendida G..., se apropriou dos bens pertencentes a esta e dispôs deles do modo que entenderam, como se fossem a dona deles. 

Deste modo, não viola as regras da experiência comum e a livre apreciação da prova, dar-se como provada a matéria relativa à subtracção, pelos arguidos, dos bens pertencentes à  ofendida G....

Improcede, deste modo, esta questão.

            Por fim, defende a arguida B.... que, por via daquela alteração da factualidade dada como provada, deve ser absolvida da prática de um crime sequestro e, ainda, da prática, em co-autoria, de um crime de furto.

Começamos por aqui dizer que não foi alterada a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo e que os elementos constitutivos do crime de sequestro, tal como se mostram enunciados no acórdão recorrido, foram todos preenchidos, em co-autoria, pela conduta da arguida B....

Quanto ao crime de furto simples, tendo os co-arguidos, incluindo a arguida B..., se apropriado e feito seus bens que sabiam ser alheios, do património da ofendida, dando-lhes o destino que se desconhece, temos de concluir que agiram em co-autoria, com intenção de apropriação dos descritos bens.

Verificando-se os restantes elementos objectivos e subjectivos deste tipo penal, já atrás descritos a propósito do conhecimento do recurso do arguido A..., bem andou o Tribunal a quo em condenar a arguida B..., não só por um crime de sequestro, mas ainda pela prática de um crime de furto simples, que assim se mantêm.

Não se mostrando violadas as normas constantes dos art.s 203.º e 158, n.º 1 e 2 alínea b) do Código Penal e 32.º da C.R.P., invocadas pelo recorrente nas conclusões da motivação, resta negar provimento a esta questão e também ao recurso.

        

            Decisão

            Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em:

- negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos A... e B...;

- conceder parcial provimento ao recurso interposto pela arguida C... e, revogando parcialmente o acórdão recorrido, reduz-se  a pena que lhe foi aplicada pela prática de um crime de sequestro, p. e p. pelo art.158.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal, para 3 ( três) anos e 9 ( nove ) meses de prisão e, condenar a mesma , em cúmulo jurídico com as restantes penas aplicadas, na pena conjunta de 4 ( quatro) anos e 2 ( dois ) meses de prisão; e

- manter, no mais, o douto acórdão recorrido.

             Custas pelos recorrentes A... e B..., fixando em 5 Ucs a taxa de justiça, a cargo de cada um deles.

                                                                         *

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                                             

   *

                                                                                        Coimbra,


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] - entre outros, o acórdão do STJ , de 13 de Fevereiro de 1992 ( CJ, ano XVII , 1º , pág. 36)
[5] Curso de Processo Penal, II , Verbo 1993, páginas 111 e 112. 
[6] in “Direito Penal Português”, II, págs. 282-283.

[7] Cfr. acórdão do STJ de 22 de Fevereiro de 1995 (BMJ n.º444, pág. 209 ).
[8] in, www.dgsi.pt/stj. No mesmo sentido, o acórdão do STJ de 22 de Março de 2001, CJ, ASTJ, tomo 1, pág. 260.
[9] Jornadas de Direito Criminal, CEJ, 1983, pág. 175.
[10] Neste sentido, o Prof. Figueiredo Dias, in RLJ, ano 105, pág. 140. 
[11] – cfr. Prof. Beleza dos Santos, in RLJ, ano 58.º, pá. 252.

[12] Prof. Fig. Dias , in “Temas básicos da doutrina penal”, Coimbra Ed., pág. 230.

[13] cfr. acórdão do STJ, de 5 de Julho de 2007, proc. n.º 07P1766, www.dgsi.pt/jstj.

[14] cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira , in “Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág.300. 
[15]  cfr.“Direito Processual Penal”, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
[16] Obra citada, páginas 233 a 234
[17]  in C.J. , ano XXVII , 2º , página 44.

[18] – cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “ Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág. 289. 

[19] cfr. Revista Portuguesa de Ciência Criminal , ano 6.º , tomo 4.º, pág. 555. No mesmo sentido, o acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Fevereiro de 2000, ano XXV,  1.º, pág. 51.

[20] –cfr. acórdão do STJ, de 29 de Abril de 2004 , in  C.J., n.º 176, pág. 177. 

[21] proc. n.º 27/04.3GBTMC.S2, 3.ª Secção, Relator: Cons. Maia Costa.

[22] - cfr. entre outros, os recentes acórdãos do STJ de 12 de Julho de 2006 ( 06P796) e de 25 de Outubro de 2006 ( proc. n.º 06P1286), que se podem consultar em www.dgsi.pt/jstj.

[23] – cfr. “ Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 16, n.º1 , Dr.ª Cristina Líbano Monteiro, pág. 155 a 166.