Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
257/03.5TAVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE RAPOSO
Descritores: CRIME DE ABUSO CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
NÃO DESPENALIZAÇÃO
Data do Acordão: 03/04/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO CRIMINAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA/REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS ARTIGO 105.º E 107.º DO R.G.I.T.; ART. 113º DA LEI 64-A/2008, DE 31.12 LEI DO ORÇAMENTO DE 2009
Sumário: I. - O 107º nº 1 do RGIT define integralmente o tipo de abuso de confiança contra a segurança social e apenas remete para as penas previstas no 105º nºs 1 e 5 e não para os elementos do tipo ou condições de procedibilidade do 105º nºs 1 e 5.
II. - O tipo legal de crime de abuso de confiança contra a segurança social encontra no nº 1 do art. 107º do RGIT a completa descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos de que depende em concreto a punição que torna objectivamente determinável o comportamento proibido e objectivamente dirigível a conduta do cidadão, sem necessidade de recurso ao art. 105º do RGIT para tal efeito.
III. - A alteração ao art. 105º nºs 1 e 5 do RGIT introduzida pelo art. 113º da Lei 64-A/2008, de 31.12 (Lei do Orçamento de 2009) limita-se a introduzir um novo elemento objectivo ao tipo – limitando-o à não entrega de prestações tributárias “de valor superior a € 7500”.

IV: - Assim essa alteração não abrange o crime de abuso de confiança contra a segurança social, que mantém a sua tipificação autónoma e integral na previsão do art. 107º do RGIT.

Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO
A arguida …, casada, Advogada, natural da freguesia de O…, concelho de Viseu, filha de … e de …, foi condenada “como co-autora material de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 107.º/1 e 105.º/1 do Regime Jurídico das Infracções Tributárias – Lei n.º 15/2001, de 5/6 –, 26.º, 30.º/2 e 79.º do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 15 (quinze euros [cfr. artigo 47.º/2 do Código Penal e 12.º do R.G.I.T.]), ou seja, na multa de € 1.200 (mil e duzentos euros), fixando-se em 53 (cinquenta e três) dias a respectiva pena de prisão subsidiária (artigo 49.º/1 do Código Penal)”.
Foi ainda condenada solidariamente com os co-arguidos e também demandados … e … – Gestão e Serviços, Ld.ª, “ a pagarem ao demandante Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social a quantia global de € 6.778,05 (seis mil, setecentos e setenta e oito euros e setenta e cinco cêntimos), a título de capital e juros, vencidos até Novembro de 2004, bem como dos juros vencidos e vincendos, desde essa data e até integral e efectivo pagamento.
Nessa sentença os co-arguidos … e … – Gestão e Serviços, Ld.ª foram condenados em penas de multa pelo mesmo crime, contudo não recorreram.
Inconformada, a arguida interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. De acordo com a sentença recorrida, resultaram provados, entre outros, os seguintes factos:
- Porquanto, a arguida "…- o Gestão e Serviços, Lda. tem (tinha) por objecto social a Prestação de Serviços de Gestão, Prestação de Serviços Administrativos, Domiciliação de Empresas e Serviços Conexos;
- A gerência da sociedade esteve, desde sempre e designadamente período contributivo compreendido entre Maio de 1999 e Novembro de 2001, a carga de …, sendo certo que este arguido, apesar de ter renunciado à gerência em 11 de Setembro de 2000, continuou desde essa data a exercer de facto a gerência da sociedade arguida, em conjunto com a arguida … que, na mesma data, foi nomeada gerente;
- Durante esses períodos e no exercício das respectivas funções, eram os arguidos … e … dirigiam as actividades da sociedade arguida e procediam ao pagamento das remunerações aos empregados e aos gerentes da mesma, cabendo-lhes também a tarefa de efectuar as deduções a tais remunerações, correspondentes às cotizações devidas à Segurança Social, e entregar o respectivo montante à Segurança Social; (sublinhados nossos)
- O arguido … confessou espontaneamente os factos, assumindo-os na sua totalidade, como sendo o único e exclusivo responsável pela sua prática;
- O arguido … e a sociedade comercial "… - o Gestão e Serviços, Lda.", tentaram junto da Segurança Social o pagamento em prestações em dívida, o que a mesma não aceitou;
2. No modesto entendimento da recorrente, os factos dados como provados são insuficientes para a prolação de uma decisão condenatória pelo crime de que vinha acusada.
3. Com efeito, a arguida ora recorrente nunca exerceu, de forma efectiva, quaisquer funções na sociedade comercial … -Gestão e Serviços, nomeadamente as funções de gerência, até porque exercia funções de advogada, sendo apenas e de facto uma trabalhadora da mesma.
4. E se é condição sine qua non para a existência de condenação pelo crime que foi imputado à recorrente o exercício de funções de efectiva gerência, então a mesma deverá ser absolvida do mesmo.
5. Assim é porque o elenco dos factos provados, neste particular, não se traduz na concretização objectiva de situações da vida, de factos concretos, que exemplifiquem comportamentos próprios e típicos de alguém que exerça o cargo de gerente de uma sociedade comercial. Pelo contrário, a dita listagem dos factos provados apenas remete para conclusões nesse sentido.
6. No sentido do que afirmamos vejamos a parte sublinhada dos pontos supra, que aqui transcrevemos:
2-A gerência da sociedade esteve, desde sempre e designadamente período contributivo compreendido entre Maio de 1999 e Novembro de 2001, a carga de …, sendo certo que este arguido, apesar de ter renunciado à gerência em 11 de Setembro de 2000, continuou desde essa data a exercer de facto a gerência da sociedade arguida, em conjunto com a arguida … que, na mesma data, foi nomeada gerente;
3-Durante esses períodos e no exercício das respectivas funções, eram os arguidos … e … que dirigiam as actividades da sociedade arguida ( ... )
7. Com efeito, a descrição, que se pretende factual, nos pontos 2 e 3 dos factos provados, é meramente conclusiva, até porque se encontra desacompanhada de outra qualquer factualidade que a sustente.
8. Assim sendo, não descortinamos factos na matéria dada como provada que possam preencher a tipologia legal prevista para o crime de abuso de confiança à Segurança Social, na medida em que a ora recorrente não poderá ser considerada como responsável para efeitos do disposto nos art. s 12°, n.º 3 e 7.°, n.º 1 e 3 da Lei n.º 15/2001, e art. 410°, n.º 2, als. a) e c) do C. P. P., que foram violados.
SEM PRESCINDIR:
9. A douta sentença recorrida deu como provado, nomeadamente, que (cfr. pontos 7 a 11):
- Os arguidos … e … não efectuaram os pagamentos acima discriminados à Segurança Social, fazendo suas e da sociedade as referidas quantias, utilizando-as em proveito daquela sociedade e em proveito próprio, integrando-as no seu património e obtendo, desse modo, vantagens patrimoniais e benefícios que sabiam ser indevidos e proibidos por lei;
- Aqueles arguidos, após não terem entregado pela primeira vez os montantes destinados à Segurança Social que haviam deduzido nas referidas remunerações, praticaram o mesmo tipo de conduta ao longo dos meses seguintes, porquanto virtude de não terem sido sujeitos a inspecção regular por parte dos competentes serviços de fiscalização da Segurança Social, se convenceram de que a actuação que vinham levando a cabo estava a ser bem sucedida, o que os motivou à reiteração da prática descrita, de forma homogénea, ao longo do período de tempo referido;
- Actuaram, pois, da forma descrita, movidos pela facilidade com que sucessivamente logravam concretizar os seus intentos;
- Em todos aqueles períodos de tempo, sabiam os arguidos que o montante que gastaram e utilizaram em seu proveito próprio pertencia ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Viseu e a este devia ter chegado juntamente com as folhas das remunerações processadas;
- Agiram sempre os arguidos … e … de modo livre e consciente, com o propósito deliberado - e que concretizaram - de deduzir as mencionadas quantias e de as não entregar às instituições da Segurança Social, tendo feito reverter e despendido em benefício da sociedade arguida, sua representada, as quantias deduzidas e, indirectamente, proveito próprio, assim enriquecendo, desde logo, o seu património e o da sociedade, em igual montante e prejudicando a segurança social, pelo menos, em valor equivalente; (sublinhados nossos)
10. Salvo o devido respeito, que, como se sabe, é muito, em que provas se louvou a sentença para dar como provada a matéria constante dos pontos 7, 8, 9, 10 e 11 dos "Factos provados"?
11. A verdade é que, efectivamente, não foi feita nenhuma prova sobre tais factos para serem dados como provados, a não ser que se entenda que existe uma presunção inilidível ou consequência directa dos mesmos decorrente da provada não entrega das contribuições à Segurança Social dos montantes comprovadamente em dívida pela sociedade arguida, o que não se aceita que possa suceder.
12. Cabia à acusação fazer prova dos factos constantes do libelo, o que não conseguiu lograr ou obter a mínima alusão em audiência, pelo que não poderão os mesmos ser dados como provados e justificadores de uma sentença condenatória da ora recorrente.
13. Assim sendo, deveriam os ditos pontos da matéria fáctica ser julgados não provados, o que determinaria a absolvição da recorrente da acusação que contra a mesma foi formulada.
SEM PRESCINDIR AINDA.
14. A douta sentença recorrida, a fls. 507, condenou a recorrente ao pagamento da quantia de €6.778,05 (seis mil setecentos e setenta e oito euros e cinco cêntimos), a título de capital e juros a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
15. Porém, por sentença notificada ao arguido … em 21.10.2008, proferida no processo de Oposição n.º 435/07.8 BEVIS, que correu termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, foi a dívida de contribuições à Segurança Social quanto aos meses de Novembro e Dezembro de 1998, Janeiro e Outubro a Dezembro de 1999 e todo o ano de 2000 declarada extinta por prescrição (cfr. doc.s 1 e 2, que só agora se juntam dado o carácter superveniente da sentença em causa e cuja relevância probatória é evidente para a boa decisão da causa).
16. Este facto, por si só, também deverá determinar, em todo o caso, a alteração da decisão a quo no que respeita à condenação da ora recorrente ao pagamento da indemnização civil ao IGFSS, dada a declaração de prescrição de que foi parcialmente alvo tal obrigação tributária.
17. Acresce que, em consequência do que antecede, deverá a sentença recorrida ser revogada quanto à pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €15,00 (quinze euros), ou seja, na multa de €1.200,00 (mil e duzentos), e subsidiariamente em 53 dias de prisão (art. 49.°, n.º 1 do Código Penal), aplicada à ora recorrente, para cuja graduação se atendeu à conduta individualmente mais grave praticada - relativa ao montante referente ao mês de Novembro de 1999 -, no valor de € 407,31.
18. É que, este montante, como se viu, está hoje extinto por prescrição.
19. Assim sendo, e a existir condenação - o que só se admite por mera precaução de patrocínio - outro valor terá que servir de critério aferidor da medida da pena, a qual terá que ser graduada em montante inferior, no que se apresenta violado o disposto no art. 79.° do C. Penal.
20. Por outro lado, quanto à mesma medida da pena, atento o menor desvalor decorrente da quantia efectivamente em dívida à Segurança Social, também esta deverá sofrer abaixamento significativo, que se traduziu na diminuição da ilicitude, com menor grau de lesão do bem jurídico em causa, no que teremos que concluir pelo excesso da pena aplicada à arguida, em violação do já referido normativo. Por último,
21. Apresenta-se iminente a despenalização da conduta da arguida, no que aproveita aos demais arguidos por força do disposto no art. 402°, n.º 2 al. a) do CPP
22. Isto porque a Proposta de Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2009, a LEI N.º 226/X, recentemente apresentada na Assembleia da República pelo Governo, no seu artigo 96.° sob a epígrafe de Alteração ao Regime Geral das Infracções Tributárias, prevê a revisão do disposto no n.º 1 do art. 105° do RGIT, que passará a ter a seguinte redacção (cfr. http://www.dgo.pt/oe/2009/Proposta/Lei/lei-2009. pdf):
1- Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a € 7 500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.
2 - […].
23. Assim sendo, e atendendo à necessariamente imediata aplicação do regime concretamente mais favorável aos arguidos, ex vi art. 2.°, n.º 4 do C. Penal, tal determinará a extinção do procedimento criminal contra os mesmos por inexistência de tipo legal que, como tal, os puna.
24. É que, como se pode alcançar dos autos, os montantes em dívida à Segurança Social pela recorrente e demais arguidos, não excedem os € 7.500,00 previstos na proposta alteração ao n.º 1 do art. 105° do RGIT, aplicável ex vi art. 107° do mesmo diploma legal.
25. Nesse sentido, e caso não colha a argumentação precedente, sempre deverá ser aplicado à ora recorrente o regime sancionatório que concretamente se lhe mostre mais favorável, in casu o previsto entrar em vigor em 1 de Janeiro de 2009 em alteração à actual redacção do n.º 1 do art. 105° do RGIT.
26. O que determinará a absolvição de todos os arguidos nos presentes autos, atento o disposto no n.º 4 do art. 2°, do Código Penal e art. 402°, n.º 2 al. a) do C. Processo Penal, uma vez que os mesmos foram punidos nos termos daquela norma, cujo novo regime, como é de esperar, não considerará os factos sub iudice como crime.
Nestes termos, deverá o presente recurso ser recebido, julgado procedente e, por via disso, ser proferido douto acórdão que revogue a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgando a acusação improcedente, absolva a recorrente, absolvendo-a ainda do pedido cível contra si formulado.
Assim decidindo, v. Exªs farão Justiça.
Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso, sintetizando a sua posição com a seguinte conclusão:
… deve o recurso interposto pela arguida ser rejeitado, por manifesta improcedência, nos termos dos art.s 412.°, n.ºs. 1, 3 e 4, 417.°, n.º 4 e 420.°, n.º 1, al.a) todos do C.P.P.; caso assim se não entenda, deve ser-lhe negado provimento, mantendo-se integralmente a douta sentença recorrida.
Nesta instância, o Ex.mº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer de concordância com a posição assumida pelo Ministério Público na sua resposta.
Foram observadas as formalidades legais, nada obstando à apreciação do mérito do recurso (arts. 417º nº 9, 418º e 419º, nºs. 1, 2 e 3, al. c) do Código de Processo Penal na versão introduzida pela Lei 48/07 de 29.8).
II – FUNDAMENTAÇÃO
As relações reconhecem de facto e de direito, (art. 428º do Código de Processo Penal), e no caso foi interposto recurso sobre a matéria de facto.
É jurisprudência constante e pacífica (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação [[i]] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.95, publicado no DR Iª série-A, de 28.12.95).
Sintetizando, são as seguintes as questões a decidir:
1. Despenalização da conduta da Recorrente por força da alteração ao art. 105º do RGIT introduzida pela Lei do Orçamento de 2009 (art. 113º da Lei 64-A/2008, de 31.12)
2. Ausência de prova para considerar assentes os factos 7 a 11.
3. Insuficiência da matéria de facto para considerar como assente que a Recorrente exercia de forma efectiva as funções de gerente, porquanto a listagem de factos provados 2 e 3 que se propunha factual, é meramente conclusiva.
4. Efeitos da sentença de oposição à execução que declarou extinta por prescrição a dívida de contribuições à Segurança Social quanto aos meses de Novembro e Dezembro de 1998, Janeiro e Outubro a Dezembro de 1999 e todo o ano de 2000 na decisão do pedido cível.
5. Efeitos dessa decisão na medida da pena.
***
Na decisão sob recurso é a seguinte a matéria fáctica provada e subsequente motivação:
1) Porquanto, a arguida “… – o Gestão e Serviços, Ld.ª” tem (tinha) por objecto social a Prestação de Serviços de Gestão, Prestação de Serviços de Gestão, Prestação de Serviços Administrativos, Domiciliação de Empresas e Serviços Conexos;------
2) A gerência da sociedade esteve, desde sempre e designadamente período contributivo compreendido entre Maio de 1999 e Novembro de 2001, a cargo de …, sendo certo que este arguido, apesar de ter renunciado à gerência em 11 de Setembro de 2000, continuou desde essa data a exercer de facto a gerência da sociedade arguida, em conjunto com a arguida … que, na mesma data, foi nomeada gerente;------
3) Durante esses períodos e no exercício das respectivas funções, eram os arguidos … e … que dirigiam as actividades da sociedade arguida e procediam ao pagamento das remunerações aos empregados e aos gerentes da mesma, cabendo-lhes também a tarefa de efectuar as deduções a tais remunerações, correspondentes às cotizações devidas à Segurança Social, e entregar o respectivo montante à Segurança Social;------
4) Entanto, apesar de os arguidos efectivamente terem pago aos empregados da sociedade arguida as remunerações respeitantes ao período respeitante ao mês de Maio de 1999 e ao período compreendido entre os meses de Novembro de 1999 e Dezembro de 2001 e de terem deduzido as mesmas o montante correspondente às respectivas contribuições para a Segurança Social, no montante global de € 4.568,49 (quatro mil, quinhentos e sessenta e oito euros e quarenta e nove cêntimos), não procederam à sua entrega na Segurança Social nos prazos legalmente estipulados, isto é, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitam, nem nos 90 dias seguintes ao terminus deste prazo, como a tanto estavam obrigados, nem, tão-pouco, até à presente data;------
5) Assim, os arguidos … e …, nos períodos em que exerceram a gerência da sociedade arguida, deveriam ter entregado e não entregaram os montantes a seguir discriminados:------

AnoMêsMontante – €
1999Maio67,27
1999Novembro407,31
1999Dezembro183,76
2000Janeiro135
2000Fevereiro166,94
2000Março176,52
2000Abril158,60
2000Maio95,20
2000Junho109,88
2000Julho107,93
2000Agosto133,96
2000Setembro133,96
2000Outubro169,03
2000Novembro169,03
2000Dezembro169,03
2001Janeiro279,56
2001Fevereiro190,38
2001Março190,38
2001Abril190,38
2001Maio190,38
2001Junho380,76
2001Julho190,38
2001Agosto190,38
2001Setembro161,22
2001Outubro110,61
2001Novembro110,61
Total – €4.568,49

6) Os arguidos foram alvo de uma inspecção levada a cabo pêlos Serviços de Inspecção do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social – Delegação de Viseu, após participação da notícia do crime elaborada em 17/09/2002 pelo Núcleo das Contas Correntes, Cobranças e Enquadramento de Contribuintes Devedores que, naquela data, tomaram conhecimento da falta de entrega dos montantes acima referidos, a que os arguidos estavam obrigados;------
7) Os arguidos … e … não efectuaram os pagamentos acima discriminados à Segurança Social, fazendo suas e da sociedade as referidas quantias, utilizando-as em proveito daquela sociedade e em proveito próprio, integrando-as no seu património e obtendo, desse modo, vantagens patrimoniais e benefícios que sabiam ser indevidos e proibidos por lei;------
8) Aqueles arguidos, após não terem entregado pela primeira vez os montantes destinados à Segurança Social que haviam deduzido nas referidas remunerações, praticaram o mesmo tipo de conduta ao longo dos meses seguintes, porquanto virtude de não terem sido sujeitos a inspecção regular por parte dos competentes serviços de fiscalização da Segurança Social, se convenceram de que a actuação que vinham levando a cabo estava a ser bem sucedida, o que os motivou à reiteração da prática descrita, deforma homogénea, ao longo do período de tempo referido;------
9) Actuaram, pois, da forma descrita, movidos pela facilidade com sucessivamente logravam concretizar os seus intentos;------
10) Em todos aqueles períodos de tempo, sabiam os arguidos que o montante gastaram e utilizaram em seu proveito próprio pertencia ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Viseu e a este devia ter chegado juntamente com as folhas das remunerações processadas;------
11) Agiram sempre os arguidos … e … de modo livre e consciente, com o propósito deliberado – e que concretizaram – de deduzir as mencionadas quantias e de as não entregar às instituições da Segurança Social, tendo feito reverter e despendido em benefício da sociedade arguida, sua representada, as quantias deduzidas e, indirectamente, proveito próprio, assim enriquecendo, desde logo, o seu património e o da sociedade, em igual montante e prejudicando a segurança social, pelo menos, em valor equivalente;------
12) Estavam certos, ademais, que as suas relatadas condutas os faziam incorrer em responsabilidade criminal;------
13) Foram remetidas à Segurança Social todas as declarações de remunerações relativas aos períodos supra referidos;------
14) Foram os arguidos notificados em Fevereiro de 2007 para, no prazo de trinta dias posteriores à notificação, procederem ao pagamento das quantias a que alude o artigo 105.º/4 do R.G.I.T., na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006 de 29-12, sendo que não procederam ao pagamento no mencionado prazo, nem até hoje o fizeram;------
15) O arguido … confessou espontaneamente os factos, assumindo-os na sua totalidade, como sendo o único e exclusivo responsável pela sua prática;------
16) O arguido … e a sociedade comercial “… – o Gestão e Serviços, Ld.ª”, foram declarados falidos, por decisão transitada em julgado, datada de 19 de Dezembro de 2002;------
17) O arguido … e a sociedade comercial “… – o Gestão e Serviços, Ld.ª”, tentaram junto da Segurança Social o pagamento em prestações em dívida, o que a mesma não aceitou;------
18) O arguido … tem os antecedentes criminais que constam do seu C.R.C., junto a fls. 453-454;------
19) A arguida … é primária;------
20) Os arguidos … e … são casados entre si;------
21) São Ilustres Advogados, com escritório nesta cidade e comarca;--. 
*
A convicção do Tribunal para considerar provados os factos resultou:------
a) Do teor dos documentos juntos aos autos – designadamente, a Participação e Mapas Anexos, de fls. 12-18, cópias de fls. 19-47, 48-83 (folhas de férias), 84-98 (recibos dos trabalhadores e gerentes), 99-152, 152-155, 203-219 (recibos dos trabalhadores e gerentes), 328, 346-383, 389-399, 400-409 (sentença que declarou a falência do 1.º e da 3.ª arguidos) e 456-494 –, cuja genuinidade e fidedignidade não foi posta em causa, sendo aceite pacificamente por arguidos e ofendida;------
b) Do parecer pericial de fls. 222-234, sendo que “o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador” (artigo 163.º/1 do Código de Processo Penal);------
c) Do teor dos C.R.C.’s dos arguidos, juntos a fls. 448 e 453-454, cuja genuinidade e fidedignidade não foi posta em causa;------
d) Nas declarações do arguido …, que confessou integralmente e sem reservas os factos por que vinha acusado, assumindo-os como único responsável, alegando que a arguida … (sua actual esposa) exerceu as funções de gerente da sociedade 3.ª arguida por sua solicitação e a seu pedido, executando ordens suas, já sempre exerceu efectivamente as funções de gerência de tal sociedade e, enquanto tal, a decisão de não proceder à entrega das contribuições retidas e não pagas à Segurança Social foi por si exclusivamente tomada, em todo o período temporal a que se reporta a acusação, situação que resultou de graves dificuldades em que a sociedade caiu e em que se viu envolvido, tendo mesmo sido inibido do uso de cheques, dificuldades que levaram a que a 2.ª arguida viesse a assumir a gerência de tal sociedade, visando tentar “salvar” a empresa e ajudá-lo a sair de uma situação complicada, que o inviabilizava, na prática, de dirigir a sociedade;------
e) Nas declarações da arguida …, a qual referiu que exerceu a gerência da sociedade 3.ª arguida a solicitação do arguido … com o intuito de o ajudar a superar as dificuldades por que passava o mesmo (já que estava inibido da passagem de cheques), tendo pois “emprestado” o seu nome à gerência daquela sociedade; todavia, a direcção dos destinos da sociedade foi sempre exercida efectivamente pelo arguido … (“aceitava as situações e punha a sua assinatura por conveniência”). Acrescentou conhecer que a sociedade 3.ª arguida não procedia – e não procedeu no período temporal em que foi a única gerente de tal sociedade – à entrega das contribuições à Segurança Social na sequência de instruções do 1.º arguido, às quais sempre anuiu, imbuída da vontade de o ajudar a superar aquele mau momento, nada tendo feito para inverter ou contrariar tal situação, que sabia ilegal e criminalmente punível, embora tivesse a consciência que tal conduta constituía a prática de ilícito criminal;------
f) No depoimento das testemunhas da acusação, …, … e …, funcionários da Segurança Social de Viseu (o primeiro já aposentado), o primeiro dos quais fez a inspecção à sociedade 3.ª arguida, na sequência d comunicação de dívida da mesma para com a Segurança Social de contribuições não entregues, o qual se deslocou à sede da sociedade e aí conversou com a 2.ª arguida, na qualidade de gerente da mesma, a quem pediu cópias dos recibos dos trabalhadores e gerentes, os quais a mesma veio a fornecer. Não falou com o 1.º arguido por o mesmo não se encontrar nas instalações da sociedade. Mais referiu que a 2.ª arguida estava a par de que as contribuições deduzidas nos salários dos trabalhadores e, bem assim, as remunerações dos gerentes não eram entregues na Segurança Social. A segunda testemunha acompanhou o colega na visita às instalações da sociedade 3.ª arguida, que confirmou as declarações da mesma, acrescentando que a 2.ª arguida, com quem conversaram, na qualidade de gerente, estava a par de que as contribuições deduzidas nos salários dos trabalhadores e, bem assim, as remunerações dos gerentes não eram entregues na Segurança Social, tendo manifestado a vontade de regularizar tal situação de incumprimento. A terceira testemunha verificou a não entrega pela sociedade 3.ª arguida das contribuições à Segurança Social, incumprimento que comunicou aos responsáveis dos serviço. Mais referiu que até à data não houve qualquer pagamento das quantias em débito. Depuseram com conhecimento directo dos factos, de forma clara, isenta e convicta, confirmando tudo aquilo que já resultava da prova documental junta aos autos;------
g) No depoimento das testemunhas da acusação, … e …, ex-trabalhadoras da sociedade 3.ª arguida, a primeira entre Junho/Julho de 2000 e Outubro de 2001 e a segunda até Maio de 2000, as quais foram unânimes em referir que a arguida … tomava decisões inerentes à sociedade 3.ª arguida, designadamente em alturas em que o arguido … não se encontrava, pese embora considerassem que era este arguido o seu patrão. Mais referiram que sempre receberam os seus vencimentos deduzidos das contribuições à Segurança Social, as quais constavam dos respectivos recibos de remuneração. Depuseram com conhecimento directo dos factos, de forma clara, isenta e convicta, confirmando tudo aquilo que já resultava da prova documental junta aos autos;------
h) Do teor da “informação policial”, de fls. 302-303, solicitada oficiosamente pelo Tribunal, relativa à situação económica e social dos arguidos, cuja genuinidade e fidedignidade não foi posta em causa;------
Adiante, enquadrado na análise jurídica que efectua o tribunal a quo esclarece que:
…foram ambos os arguidos … e … e não apenas o arguido … quem cometerem o crime em questão. Efectivamente, não obstante ser o arguido … quem tomava todas as decisões referentes ao dia-a-dia da 3.º arguida (na versão do arguido …), certo é que a arguida … deu o seu assentimento e aderiu voluntariamente, na sua qualidade de gerente – e no período de tempo em que a exerceu a gerência – à conduta omissiva de não entrega das contribuições devidas à Segurança Social, não obstante serem pagos os salários líquidos aos funcionários da sociedade 3.ª arguida, de cujos recibos e, bem assim, das “folhas de férias” entregues na Segurança Social, constavam tais contribuições como deduzidas nos salários, ou seja, conhecendo aquela situação de incumprimento contributivo e detendo o poder de decisão – decorrente das suas funções de única gerente da sociedade 3.ª arguida (no período em que o foi) – nada fez para que tal situação de incumprimento ocorresse, antes persistindo em tal comportamento, justificado nas dificuldades económicas da sociedade 3.ª arguida (como a própria arguida … admitiu).------
Sobre a determinação da medida da pena à ora Recorrente a sentença recorrida, depois de concluir pela suficiência da aplicação de pena de multa, afirma:
Atentar-se-á a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, designadamente o já elevado grau de ilicitude do facto (não entrega das contribuições devidas à Segurança Social, deduzidas e retidas pelos arguidos nos salários de trabalhadores e gerentes), o modo de execução do crime (omitindo o cumprimento de uma obrigação legal que impendia sobre os arguidos, cuja existência bem conheciam, usando tais quantias para o “giro” normal da empresa) [artigo 71.º/2, a) do Código Penal]; o dolo directo (manifestado na sua conduta ser violadora da lei, o que os arguidos bem conheciam) [artigo 71.º/2, b) do Código Penal]; os motivos que o determinaram (situação de crise que atingiu a sociedade, a qual conduziu à sua falência, judicialmente decretada, por decisão transitada em julgado) [artigo 71.º/2, c) do Código Penal]; as condições pessoais dos arguidos e a sua situação económica (ambos Ilustres Advogados nesta cidade) [artigo 71.º/2, d) do Código Penal]; a conduta anterior ao facto e posterior a ele (antecedentes criminais dos arguidos, sendo primária a arguida Ana Isabel e contando o arguido Pedro Manuel com uma condenação) [artigo 71.º/2, e) do Código Penal], a admissão dos factos pelo 1.º arguido, o tempo decorrido desde a prática dos factos e o montante não muito elevado das quantias em débito, entendemos ser de aplicar aos 1.º e 2.º arguidos penas de multa, que fixaremos em 100 (cem) dias e 80 (oitenta) dias (face ao menor período temporal em que exerceu a gerência), à taxa diária de € 15 (quinze euros) , atentos os proventos dos arguidos e de acordo com o disposto no artigo 47.º/2 do Código Penal [e fixando-se a respectiva prisão subsidiária, de acordo com o disposto no artigo 49.º/1 do Código Penal], sendo certo que tal pena não ultrapassa a culpa do arguido (artigo 40.º/2 do Código Penal), culpa essa de grau e intensidade algo elevado.------
Questão Prévia – despenalização
O 107º nº 1 do RGIT define integralmente o tipo de abuso de confiança contra a segurança social [[ii]] e apenas remete para as penas previstas no 105º nºs 1 e 5 [[iii]] e não para os elementos do tipo ou condições de procedibilidade do 105º nºs 1 e 5.
O tipo legal de crime de abuso de confiança contra a segurança social encontra no nº 1 do art. 107º do RGIT a completa descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos de que depende em concreto a punição que torna objectivamente determinável o comportamento proibido e objectivamente dirigível a conduta do cidadão [[iv]], sem necessidade de recurso ao art. 105º do RGIT para tal efeito.
A alteração ao art. 105º nºs 1 e 5 do RGIT introduzida pelo art. 113º da Lei 64-A/2008, de 31.12 (Lei do Orçamento de 2009) limita-se a introduzir um novo elemento objectivo ao tipo – limitando-o à não entrega de prestações tributárias “de valor superior a € 7500”. 
Conclui-se, assim, que essa alteração não abrange o crime de acuso de confiança contra a segurança social, que mantém a sua tipificação autónoma e integral na previsão do art. 107º do RGIT.
Existem outros elementos de interpretação que apontam neste sentido.
Na sistematização do RGIT existe uma parte (título II, capítulo II) das “contra-ordenações fiscais” (art. 113º e segs.) onde encaixa o abuso de confiança fiscal de menos de 7.500 € (art. 114º nº 1).
Porém, o RGIT deixa de fora a previsão das contra-ordenações contra a Segurança Social.
É (ainda) o Decreto-Lei 64/89 de 25.2 que estabelece o regime sancionatório da Segurança Social e define as contra-ordenações nesta matéria (sem prejuízo da existência de outros diplomas que prevêem contra-ordenações contra a Segurança Social em matérias que não estão relacionadas com a entrega das contribuições devidas).
Nesse diploma não existe qualquer contra-ordenação por falta de entrega das contribuições à Segurança Social.
Consequentemente, a entender-se que o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social foi despenalizado, cria-se um espaço de absoluta impunidade para comportamentos bem mais censuráveis do que aqueles que são tipificados como contra-ordenações contra a Segurança Social.
Por outro lado, o art. 113º da Lei 64-A/2008, de 31.12 (Lei do Orçamento de 2009) integra-se na sua secção II –“Procedimento e Processo Tributário” do Capítulo XI –“Procedimento, processo tributário e outras disposições”, enquanto as alterações legislativas que o OE contempla para o regime da Segurança Social se inserem no seu Capítulo V –“Segurança Social” (art.s 55º e seguintes) e, nesta parte é que poderia –deveria – caber qualquer alteração aos crimes contra a segurança social.
Acresce, como bem salienta o Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer “…ser esta a melhor hermenêutica face às distintas proveniências e destinatários dos montantes em causa, e valores tutelados em cada um dos crime, pois, como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 15/10/2003,
Enquanto nos crimes fiscais os deveres impostos aos contribuintes convergem para a revelação da real capacidade contributiva de cada um e de todos os cidadãos obrigados a pagar impostos, tendo em vista a realização da igualdade e justiças tributárias, reconduzindo-se assim a um mais amplo bem jurídico tutelado, qual seja "a confiança da administração fiscal na verdadeira capacidade contributiva do contribuinte";
Já no crime de Abuso de Confiança contra a Segurança Social, não é o Estado/Administração Fiscal o destinatário desses montantes, mas sim o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, com personalidade jurídica e património próprio, dotado de autonomia administrativa e financeira para a gestão dos interesses de segurança social que lhe estão cometidos defender e prosseguir, e cujo orçamento próprio assenta fundamental e prioritariamente nas receitas provenientes das prestações sociais resultantes dos descontos efectuados, sendo pois esta efectiva arrecadação o bem jurídico tutelado”.
Assim, presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como impõe o art. 9º do Código Civil, tem de se concluir que o art. 113º da referida lei não procedeu a qualquer despenalização dos crimes de abuso de confiança contra a segurança social.
Questões de Facto – ausência de prova dos factos 7 a 11
A este propósito a Recorrente limita-se a afirmar na motivação:
Salvo o devido respeito, que, como se sabe, é muito, em que provas se louvou a sentença para dar como provada a matéria constante dos pontos 7, 8, 9, 10 e 11 dos "Factos provados"?
A verdade é que, efectivamente, não foi feita nenhuma prova sobre tais factos para serem dados como provados, a não ser que se entenda que existe uma presunção inilidível ou consequência directa dos mesmos decorrente da provada não entrega das contribuições à Segurança Social dos montantes comprovadamente em dívida pela sociedade arguida, o que não se aceita que possa suceder.
Cabia à acusação fazer prova dos factos constantes do libelo, o que não conseguiu lograr ou obter a mínima alusão em audiência, pelo que não poderão os mesmos ser dados como provados e justificadores de uma sentença condenatória da ora recorrente.
Assim sendo, deveriam os ditos pontos da matéria fáctica ser julgados não provados, o que determinaria a absolvição da recorrente da acusação que contra a mesma foi formulada.
E, nas suas conclusões conclui … repetindo integralmente o que afirmou na motivação.
Apreciando.
A Recorrente afirma discordar da matéria de facto dada como provada.
A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: na “revista alargada” de âmbito mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º nº2 do Código de Processo Penal; através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º nº3, 4 e 6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido artigo 410º, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento [[v]].
 No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nº 3 e 4 do art. 412º do Código de Processo Penal.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa [[vi]].
Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder à tríplice especificação estabelecida no artigo 412º nº 3 do Código de Processo Penal:
Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
A especificação dos “concretos pontos de facto” traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.
A especificação das “concretas provas” corresponde à indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida.
Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretende, dos vícios previstos no artigo 410º nº2 do Código de Processo Penal e das razões para crer que aquela permite evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430º do Código de Processo Penal).
 Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (nº 4 e 6 do artigo 412º do Código de Processo Penal). É nesta exigência que se justifica, materialmente, o alargamento do prazo de recurso de 20 para 30 dias, nos termos do artigo 411º nº4 desse diploma. 
Como realçou o S.T.J., em acórdão de 12 de Junho de 2008 [[vii]], a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
· A que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
· A que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;
· A que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso;
· A que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do nº 3 do citado artigo 412º) [[viii]].
No caso vertente, como se viu, nem na motivação nem nas conclusões a Recorrente menciona sequer quaisquer depoimentos prestados ou qualquer outro meio de prova que ponham em crise a convicção formada pelo tribunal a quo, pelo que ficou claramente aquém das exigências de especificação legalmente impostas para o recurso amplo sobre a matéria de facto.
Efectivamente, a Recorrente não cumpriu minimamente o ónus de especificação das concretas provas gravadas, com indicação (concretizada) das passagens das gravações em que se fundava a impugnação e que são aquelas que o tribunal deveria ouvir (para além de outras que reputasse de relevantes), caso fosse suscitada, no recurso, a impugnação ampla da matéria de facto.
Assim, tal como sustenta o Ministério Público na sua resposta deve o recurso ser rejeitado nesta parte, considerando-se assente a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida [[ix]].
*
Ainda assim, salientando que, in casu está a invocação de absoluta ausência de prova, importa salientar que estão em causa os factos respeitantes à intenção criminosa:
7) Os arguidos … e … não efectuaram os pagamentos acima discriminados à Segurança Social, fazendo suas e da sociedade as referidas quantias, utilizando-as em proveito daquela sociedade e em proveito próprio, integrando-as no seu património e obtendo, desse modo, vantagens patrimoniais e benefícios que sabiam ser indevidos e proibidos por lei;
8) Aqueles arguidos, após não terem entregado pela primeira vez os montantes destinados à Segurança Social que haviam deduzido nas referidas remunerações, praticaram o mesmo tipo de conduta ao longo dos meses seguintes, porquanto virtude de não terem sido sujeitos a inspecção regular por parte dos competentes serviços de fiscalização da Segurança Social, se convenceram de que a actuação que vinham levando a cabo estava a ser bem sucedida, o que os motivou à reiteração da prática descrita, deforma homogénea, ao longo do período de tempo referido;
9) Actuaram, pois, da forma descrita, movidos pela facilidade com sucessivamente logravam concretizar os seus intentos;
10) Em todos aqueles períodos de tempo, sabiam os arguidos que o montante gastaram e utilizaram em seu proveito próprio pertencia ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Viseu e a este devia ter chegado juntamente com as folhas das remunerações processadas;
11) Agiram sempre os arguidos … e … de modo livre e consciente, com o propósito deliberado – e que concretizaram – de deduzir as mencionadas quantias e de as não entregar às instituições da Segurança Social, tendo feito reverter e despendido em benefício da sociedade arguida, sua representada, as quantias deduzidas e, indirectamente, proveito próprio, assim enriquecendo, desde logo, o seu património e o da sociedade, em igual montante e prejudicando a segurança social, pelo menos, em valor equivalente.
A invocação da ausência de prova sobre o elemento subjectivo do tipo pode, tal como a prova sobre os outros elementos do tipo, fundamentar-se na impugnação da matéria de facto e, então, continua a ser exigida a observância do disposto no nº 3 do art. 412º do Código de Processo Penal, já que a norma não prevê qualquer excepção. Na realidade, “o cumprimento das exigências estabelecidas nos nºs 3 e 4 do artigo 412.º não se prefigura como um ónus de natureza puramente secundário ou formal mas antes como requisito essencial para a delimitação da inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto” [[x]].
Porém, a argumentação de ausência de prova também se pode basear no erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º nº 2 al. c) do Código de Processo Penal.
Conforme escreve o Professor Manuel Cavaleiro de Ferreira [[xi]], “se a intenção é vontade e esta é acto psíquico, acto interior são, contudo, grandes as dificuldades para dar praticabilidade a conceitos que designam actos internos, de carácter psicológico e espiritual. Por isso se recorre a regras da experiência, que as leis utilizam quando elas podem dar aos conceitos maior precisão”. Também a jurisprudência considera que “as presunções naturais são o produto das regras de experiência que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido, quando um facto é a consequência típica de outro” [[xii]]. É exactamente por a prova da intenção se basear fundamentalmente nas regras da experiência que a discordância sobre a prova da intenção se alicerça, por regra, na existência desse erro na apreciação da prova.
Aliás é a esse eventual erro na apreciação da prova – e só – que a Recorrente se refere na sua motivação e conclusões, onde questiona apenas a existência de “uma presunção inilidível ou consequência directa … decorrente da provada não entrega das contribuições à Segurança Social dos montantes comprovadamente em dívida pela sociedade arguida”.
Verificação da existência dos vícios do art. 410º do Código de Processo Penal: Insuficiência da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova.
O Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto pela seguinte ordem: primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada e, depois e se for o caso, dos vícios do nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal.
Cumpre, então, agora, apreciar da existência de algum desses vícios. 
Estabelece o art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento [[xiii]].
Existe o vício previsto na alínea a) do nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal quando a factualidade dada como provada na sentença não permite, por insuficiência, uma decisão de direito ou seja, quando dos factos provados não possam logicamente ser extraídas as ilações do tribunal recorrido. A insuficiência da matéria de facto determina a incorrecta formação de um juízo, porque a conclusão ultrapassa as respectivas premissas[xiv]. Dito de outro modo: quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto com relevo para a decisão [[xv]].
Existe o vício previsto na alínea b), do n.º 2 do art. 410.º quando há contradição entre a matéria de facto dada como provada, entre a matéria de facto dada como provada e a matéria de facto dada como não provada, entre a fundamentação probatória da matéria de facto, e ainda entre a fundamentação e a decisão [[xvi]].
Finalmente, ocorre o vício previsto na alínea c), do nº 2 do art. 410º quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente[xvii]. Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido.
No caso vertente, não se verificam os vícios da sentença a que se refere a al. b) do art. 410º do Código de Processo Penal.
*
Merece análise mais detalhada, por ter sido expressamente invocada, a existência de ”insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” e do “erro notório na apreciação da prova” a que afinal se resume a invocada ausência de prova.
A questão da insuficiência da matéria de facto, tal como a Recorrente a configura, prende-se com a constatação de nos pontos 2 e 3 da matéria assente não se concretizarem os factos concretos que exemplifiquem comportamentos próprios e típicos de alguém que exerça o cargo de gerente, apenas se efectuando uma descrição conclusiva, desacompanhada de qualquer factualidade que a sustente.
É a seguinte a matéria em causa: 
2- A gerência da sociedade esteve, desde sempre e designadamente período contributivo compreendido entre Maio de 1999 e Novembro de 2001, a carga de …, sendo certo que este arguido, apesar de ter renunciado à gerência em 11 de Setembro de 2000, continuou desde essa data a exercer de facto a gerência da sociedade arguida, em conjunto com a arguida … que, na mesma data, foi nomeada gerente;
3- Durante esses períodos e no exercício das respectivas funções, eram os arguidos … e … e dirigiam as actividades da sociedade arguida ( ... )
Não se verifica na redacção dos factos em apreço a substituição de factos por conceitos jurídicos ou sínteses conclusivas.
A gerência (de direito) decorre dos documentos juntos aos autos e é, conceptualmente perceptível pelo homem médio, com o seu significado comum ou corrente.
Por outro lado, as funções de gerente estão sucintamente objectivadas no facto 3, como sendo as de dirigir as actividades da sociedade, realidade suficientemente clara e concretizada para não suscitar dúvidas já que nos autos não está em causa a concreta dimensão assumida pelas funções de gerência, não se verificando, por isso, a invocada natureza conclusiva.
Essa concretização de que eram os arguidos que dirigiam as actividades da sociedade é suficiente para, numa perspectiva jurídica se possa concluir que a gerência era efectivamente exercida pelos arguidos.
Por vezes o conceito normativo enunciado na lei é igual ou idêntico ao conceito empírico, ou seja, há palavras de uso tão generalizado que, apesar de conterem conceitos de direito, envolvem, por aquilo mesmo, um certo conhecido conceito de facto. Por isso mesmo, vem doutrinária e jurisprudencialmente sendo entendimento dominante que a matéria de facto se estende a todo o domínio das coisas e fenómenos naturais, incluindo os actos e factos humanos, e que, por exclusão, a matéria de direito abarca tudo o mais [[xviii]].
Conclui-se, assim, que a matéria assente em apreço traduz verdadeiros factos e é bastante para que se conclua que a Recorrente tinha o domínio da acção, como fez a sentença recorrida.
Aliás, essa factualidade resulta da prova produzida em audiência, conforme se afirma na sentença recorrida, embora a propósito da fundamentação de direito (na parte supra transcrita), não se vislumbrando, por isso, qualquer erro notório na apreciação da prova, nesta parte.  
Também não se verifica o vício do erro notório na apreciação da prova na parte que respeita à intenção dos arguidos.
Analisando essa parte da decisão recorrida à luz das regras da experiência verifica-se não ser patente qualquer erro – notório ou não – na apreciação da prova.
Como se afirma no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10.12.08 [[xix]], os factos que o arguido pretende impugnar não são factos materiais e empíricos (Günther Jakobs, “La Pena Estatal: Significado e Finalidad”, Tradução de Manuel Cancio Meliá e Bernardo Feijoo Sánchez, Thompson, Civitas, 2006, pag. 142) sobre que possa recair uma prova directa e imediata, isto é sobre que o tribunal possa fazer recair qualquer dos meios de prova institucionalmente consentidos. Tratando-se de factos ou realidades subjectivas, do domínio da vontade e da intencionalidade actuante da pessoa, a capacidade probatória queda peada pela impossibilidade de o tribunal perscrutar o íntimo do indivíduo quando realiza e executa a acção ilícita. Os factos que exprimem ou desprendem sentimentos, vontades ou intenções hão-de reverberar dos enunciados fácticos propostos ao tribunal para aferição da conduta ilícita que lhe está adstrito valorar e julgar. 
Decorre da motivação de facto e da parte da motivação inserida na motivação de direito e supra referida que a Recorrente actuava de facto como a gerente que era de direito e tinha conhecimento da falta da entrega das contribuições à Segurança Social pelo que, recorrendo às regras da experiência, podia – e devia – o tribunal a quo concluir pela actuação dolosa da Recorrente, nos termos dos factos provados 7 a 11.
Prescrição da dívida tributária
Invoca ainda a Recorrente a superveniência de uma sentença datada de 20.10.08 (de que junta cópia não certificada e sem nota de trânsito) proferida em apenso de oposição à execução fiscal instaurada contra … – Gestão e Serviços, Ldª e revertida contra … que declarou extintas por prescrição as dívidas por contribuições à Segurança Social respeitante aos anos de 98, Novembro e Dezembro, Janeiro e Outubro a Dezembro de 1999 e todo o ano de 2000.
Sustenta que a dita sentença tem reflexos no pedido de indemnização civil e na determinação da pena.
Todavia, sem razão.
Sem prejuízo de se notar desde logo a falta de razão da Recorrente por as cópias juntas não serem certificadas nem terem nota de trânsito, por a decisão destes autos ser anterior à agora junta e por não se poder sustentar a litispendência em relação à ora Recorrente, já que esta não é parte naqueles autos e não existe identidade da causa de pedir [[xx]], importa verificar a admissibilidade de junção dos documentos neste momento processual.
E, manifestamente, não é este o momento próprio para procurar fazer prova, nem a invocação da superveniência do elemento de prova ora junto altera essa inadmissibilidade. Nos termos do art. 165º nº 1 do Código de Processo Penal “o documento deve ser junto … até ao encerramento da audiência” em primeira instância [[xxi]], sob pena de se permitir que o Tribunal de recurso julgue como Tribunal de julgamento, apreciando novas provas que venham a ser apresentadas. Por outro lado, é no termo do julgamento em 1ª instância que “finda a produção da prova” (art. 360º do Código de Processo Penal) e no Tribunal de recurso apenas pode haver, com as limitações legais, nos termos do art. 430º do Código de Processo Penal, “renovação da prova” e não a produção de provas novas ou o “alargamento dos meios de prova produzidos no julgamento” [[xxii]-[xxiii]].
Medida da pena
Os argumentos invocados pela Recorrente para procurar pôr em crise a medida da pena que lhe foi fixada no tribunal a quo fundam-se no facto de na graduação se ter atendido à conduta individualmente mais grave praticada, no valor de € 407,31 e desse montante estar extinto por prescrição obrigando a tomar um valor inferior como critério aferidor da medida da pena e a ponderar um desvalor decorrente da quantia efectivamente em dívida à Segurança Social, ter sofrido abaixamento significativo.
Como se viu, as razões invocadas não levam à alteração da decisão do tribunal a quo, não tendo o recurso merecido provimento nessa parte.
Consequentemente, esses argumentos não podem levar à alteração da medida da pena.
Por outro lado, analisada a decisão recorrida constata-se que a pena concreta que foi fixada é justa, equilibrada e tão benevolente quanto a situação concreta justificava. 
III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.


[i] Com algumas especificidades no que respeita à impugnação da matéria de facto, como afirma o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005 “a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões. Esta posição mantém a sua actualidade com a versão introduzida pela Lei 48/07 de 29.8 ao Código de Processo Penal que manteve a divergência entre a redacção dos nºs 2 e 3 do art. 412º do Código de Processo Penal.
[ii] “As entidades empregadoras que, tendo deduzido no valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social” praticam esse crime.
[iii] “…são punidas com as penas previstas nos nºs 1 e 5 do artigo 105º”.
[iv] Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2004, pg.s 173 e 174.
[v] Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.)
[vi] Acordãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14.307, Proc. 07P21, e de 23.507, Proc. 07P1498, em www. dgsi.pt.
[vii] Proc. 07P4375, em www.dgsi.pt.
[viii] Também neste sentido o Acórdão da Relação de Lisboa, de 10.10.07, noproc. 8428/2007-3, em www.dgsi.pt.
[ix] Não havendo lugar direito a convite ao aperfeiçoamento dessa motivação como também salienta o Ministério Público na sua resposta, por referência ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.3.06, no proc. 06P461, em www.dgsi.pt e ao acórdão do Tribunal Constitucional nº 140/04 (IIª Série do DR, de 17.4.04).
[x] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22.10.08, no proc. 1121/03.3TACBR.C1, em www.dgsi.pt. 
[xi] Direito Penal Português - Parte Geral -I Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa
[xii] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.2.05, no proc. 04P4721, em www.dgsi.pt., 
[xiii] Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., pg. 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., pg. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., pg. 77 e ss.
[xiv] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.05.1998, Proc. nº 98P212, em www.dgsi.pt.
[xv] Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., pg. 69.
[xvi] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2.ª ed., pg. 340 e ss.
[xvii] Germano Marques da Silva, ob. cit., pg. 341 e ss. e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.10.96, Proc. nº 045267, www.dgsi.pt.
[xviii] Como se afirma no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.11.03, no proc. 3853/03, a propósito da evolução doutrinária e jurisprudencial do emprego de termos com significado corrente e também normativo, no âmbito do processo civil: 
[xix] No proc. 87/05.0IDCBR.C1, em www.dgsi.pt.
[xx] “Enquanto no processo executivo o pedido emerge do não pagamento pontual de obrigações fiscais, o fundamento que suporta o pedido de indemnização formulado nos presentes autos é a prática de um crime de abuso de confiança fiscal pelo que não possa ocorrer litispendência entre o processo de execução fiscal e o pedido de indemnização civil enxertado no processo penal”, conforme sumariado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.5.08, no proc. 14/03.9IDAVR.C1, disponível em www.dgsi.pt, salientando a diferente causa de pedir.
[xxi] Como especificado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.11.94, em CJ (STJ) II, T. 3, pg. 262, que apenas reconhece a excepção do recurso extraordinário de revisão. 
[xxii] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20.12.89, no BMJ 392, pg. 526. 
[xxiii] Tal como afirmámos no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7.5.08, no proc. 50/06.3GCCTB.C1, disponível em www.dgsi.pt.