Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FERNANDO CHAVES | ||
Descritores: | ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
Data do Acordão: | 01/14/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | CASTELO BRANCO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO O RECURSO DO ARGUIDO; PARCIALMENTE PROVIDO O RECURSO DA DEMANDANTE CÍVEL | ||
Legislação Nacional: | ART.ºS 358.º, 379.º, 410.º, 127.º, DO CPP; ART.ºS 47.º, 69.º, DO CP; ART.º 496.º DO CC | ||
Sumário: | I - O nosso processo penal, de estrutura basicamente acusatória integrado por um princípio de investigação, admite que, sendo a descrição dos factos na acusação uma narração sintética, nem todos os factos ou circunstâncias factuais relativas ao crime acusado possam constar desde logo dessa peça, podendo surgir durante a discussão factos novos que traduzam alteração dos anteriormente descritos, matéria regulada nos artigos 303.º, 358.º e 359.º que distinguem entre “alteração substancial” e “alteração não substancial” dos factos descritos na acusação ou pronúncia. II - Se a alteração dos factos for não substancial, isto é, não determinar uma alteração do objecto do processo, o tribunal pode investigar e integrar no processo factos que não constem da acusação ou da pronúncia e que tenham relevo para a decisão da causa, exigindo-se, porém, que ao arguido seja comunicada a alteração e que se lhe conceda, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa (n.º 1 do artigo 358.º), ressalvando-se os casos em que a alteração derive de factos alegados pela defesa (n.º 2). III - A lei não impõe, aquando da comunicação da alteração de factos, nos termos do n.º 1 do artigo 358.º, a indicação dos meios de prova, o que bem se compreende por se tratar de factos indiciados e não factos provados, perante os quais a defesa, se assim o entender, ainda pode apresentar novos meios de prova, o que o arguido, no caso em apreço, não fez. IV - Os factos provados e não provados que devem constar da fundamentação da sentença são todos os factos constantes da acusação e da contestação, os factos não substanciais que tenham resultado da discussão da causa e os factos substanciais resultantes da discussão da causa e aceites nos termos do artigo 359º do CPP. V - Através da fundamentação da matéria de facto da sentença há-de ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal. VI - O exame crítico deve indicar no mínimo, e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal. VII - A nulidade, resultante da falta ou insuficiência da fundamentação, só ocorre quando não existir o exame crítico das provas e não também quando forem incorrectas ou passíveis de censura as conclusões a que o tribunal a quo chegou posto que, percebidas as razões do julgador, podem os sujeitos processuais, com recurso, quando tal for necessário, ao registo da prova, argumentar para que o tribunal de recurso altere a matéria de facto fixada mas aqui já se está em sede de impugnação da matéria de facto e não de nulidade da sentença. VIII - A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. IX - Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada. X - No que respeita ao erro notório na apreciação da prova, tal vício verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. XI - Trata-se de um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial. XII - O princípio in dubio pro reo encerra uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa pelo que a sua violação exige que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido. XIII - À semelhança do que sucede com os vícios consagrados no n.º 2 do artigo 410.º, em sede de recurso a violação do princípio in dubio pro reo apenas ocorre quando tal vício resulte da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, pois o recurso não constitui um novo julgamento, antes sendo um remédio jurídico. XIV - Na aferição do quantitativo diário da pena de multa, o julgador deve não só ter em conta os rendimentos mensais do arguido, sejam próprios ou do que o mesmo beneficie, mas toda a situação económica e financeira de que o mesmo disponha, designadamente o património que se lhe apresente disponível e os seus encargos. XV - Assim, pode servir como factor de ponderação o facto de o arguido viver em casa própria, assim como se deverá fazer uma consideração diferenciada dos encargos, distinguindo aqueles que revelam custos indispensáveis para a sustentação do condenado e dos seus familiares dependentes, os quais devem ser deduzidos no rendimento, daqueles que revelam alguma prodigalidade ou luxúria e que não devem beneficiar da mesma ponderação dedutiva, antes pelo contrário, o que tudo aconselha a que os quantitativos mínimos sejam reservados para aquelas pessoas que vivem abaixo ou no limiar da subsistência, escalonando-se a partir daí todos os demais. XVI - A proibição de conduzir veículos motorizados como pena acessória que é deve ser graduada, tal como a pena principal, segundo os critérios gerais de determinação das penas que decorrem dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal. XVII - A pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas dirige-se também, ao menos em alguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação( Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 88 e 232). XVIII - Nos danos não patrimoniais, não há uma indemnização verdadeira e própria, mas, antes, uma reparação, a atribuição de uma soma em dinheiro que se julga adequada para compensar e reparar dores ou sofrimentos, através do proporcionar de certo número de alegrias e satisfações que as minorem ou façam esquecer. XIX - O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante), segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização – artigos 494.º “ex vi” artigo 496.º n.º 3 do Código Civil -, aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda, etc. XX- Sempre que uma vítima, apesar dos cuidados e tratamentos clínicos e de reabilitação instituídos, fica portadora de um qualquer estado deficitário de natureza anátomo-funcional ou psico-sensorial a título definitivo, estará em causa a avaliação da incapacidade permanente. XXI - Para o efeito, há que distinguir a incapacidade permanente geral - também designada como incapacidade genérica ou funcional - da incapacidade permanente profissional - nos casos em que o indivíduo desempenha qualquer actividade profissional. XXII - A mera afectação da pessoa do ponto de vista funcional, isto é, sem se traduzir em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios, como dano biológico, porque determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado. XXIII - O maior esforço que é necessário despender para obter o mesmo rendimento deverá ser considerado relativamente à duração provável da vida activa da demandante. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
I – Relatório 1. No processo comum com intervenção do tribunal singular registado sob o n.º 72/11.2GDSRT, do Tribunal Judicial da Sertã, o arguido A..., com os sinais dos autos, foi acusado da prática, em autoria material e em concurso efectivo, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário previsto e punido pelo artigo 291.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal, um crime de omissão de auxílio previsto e punido pelo artigo 200.º, nºs 1 e 3 do Código Penal, um crime de ofensa à integridade física grave por negligência previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1 e 148.º, nºs 1 e 2 ex-vi artigo 144.º, b) do Código Penal, uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 24.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, e) do Código da Estrada, uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 25.º, n.º 1, c) e 145.º, n.º 1, e) do Código da Estrada, uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 25.º, n.º 1, d) e 145.º, n.º 1, e) do Código da Estrada, uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 13.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, f) do Código da Estrada e uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 89.º, nºs 1 e 2 e 146.º, g) do Código da Estrada. * Ao abrigo do disposto nos artigos 71.º, 74.º e 77.º do Código de Processo Penal foi deduzido pedido de indemnização civil por B... , a qual pede que a “ H..., S. A.”, em virtude dos factos praticados pelo arguido, seja condenada a pagar-lhes a quantia global de 68.310,79 euros, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida dos juros legais a contar da notificação do pedido civil à demandada. * Ao abrigo das citadas disposições legais foi deduzido pedido de indemnização civil pelo “Centro Hospitalar do Médio Tejo, E.P.E.” contra a “ H..., S. A.”, o qual reclamou o pagamento das despesas com os cuidados de saúde prestados à ofendida B... no total de € 2.037,34, acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a notificação até efectivo e integral pagamento. * A “ H..., S. A.” deduziu, nos termos do disposto no então artigo 330.º do Código de Processo Civil, o incidente de intervenção acessória provocada do arguido, o qual foi admitido, tendo sido citado o arguido que nada disse. * Realizado o julgamento, após ter sido efectuada a comunicação de uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação assim como de uma alteração de qualificação jurídica, foi proferida a sentença de fls. 420 a 452 com o seguinte dispositivo: «Nestes termos, julgo a acusação pública parcialmente procedente em consequência do que, em convolação da mesma, decido: - Condenar o arguido A... pela prática de um crime de condução perigosa agravada pelo resultado, p. e p. pelos artigos 291º, nº1, al. a), 294, nº3, 285º, por referência aos artigos 143º, nº1, 148º, nºs 1 e 3, ex vi do artigo 144º, al. a), todos do Código Penal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa; - Condenar o arguido A... pela prática de um crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo artigo 200º, nº1 e 2, do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa; - Em cúmulo jurídico, condenar o arguido A... na pena única de 400 (quatrocentos) dias de multa, à razão diária de € 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos), perfazendo um total de € 3.000,00 (três mil euros); - Condenar o arguido A... na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 10 (dez) meses, ao abrigo do disposto no art.º 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal; - Absolver o arguido da prática autónoma de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143º, nº1, e 148º, nº1 e 2, ex vi do artigo 144º, al. b), do Código Penal; - Absolver o arguido da prática da contra-ordenação a que aludem os artigos 13º, nº1, e 145º, nº1, al. f), do Código da Estrada; - Absolver o arguido da prática da contra-ordenação a que aludem os artigos 89º, nºs 1 e 2, e 146º, al. g), do Código da Estrada. Mais decido: - Julgar o pedido de indemnização cível formulado pela demandante B... parcialmente procedente e, em consequência, condenar a demandada “ H..., SA” a pagar àquela a quantia de € 21.175,95 (vinte e um mil, cento e setenta e cinco euros e noventa e cinco cêntimos), acrescida de juros à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos desde a data de notificação do respectivo pedido de indemnização cível até integral e efectivo pagamento. - Absolver a demandada “ H..., SA” do demais peticionado pela demandante B.... Decido ainda: - Julgar o pedido de indemnização formulado pelo demandante “Centro Hospitalar do Médio Tejo, EPE” totalmente procedente e, em consequência, condenar a demandada “ H..., , SA” a pagar àquele a quantia de € 2.037,34 (dois mil e trinta e sete euros e trinta e quatro cêntimos), acrescida de juros à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos desde a data de notificação do respectivo pedido de indemnização cível até integral e efectivo pagamento. * Vai ainda o arguido condenado no pagamento das custas criminais, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça a seu cargo (artigo 513º, nº 1 do Código de Processo Penal, e 8º, nº9, do RCP). Custas no pedido cível deduzido pela demandante B... a cargo da demandante e da demandada na proporção dos respectivos decaimentos (artigo 527º, nº1 e 2, do CPC, ex vi 523º do CPP). Custas no pedido cível deduzido pelo demandante Centro Hospitalar do Médio Tejo, EPE” a cargo da demandada (artigo 527º, nº1 e 2, do CPC, ex vi 523º do CPP). * Notifique o arguido para proceder à entrega da carta de condução na Secretaria deste Tribunal, no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado da sentença, sob pena de, não o fazendo, poderá incorrer na prática de um crime de desobediência, nos termos do disposto nos artigos 69.º, n.º 3, e 348.º, do Código Penal. Vai ainda o arguido advertido de que caso conduza veículos com motor durante o período de inibição incorre na prática de um crime de violação de proibições ou interdições, previsto e punível pelo art.º 353.º, do Código Penal. * Comunique à ANSR e ao IMTT. * Após trânsito, remeta boletins à DSIC (artigo 5º, nº1, al. a), da Lei nº57/98, de 18 de Agosto). * Dentro de 24 horas após o trânsito em julgado da presente sentença, remeta, por termo nos autos, certidão ao Ministério Público, a fim de ser remetida de imediato ao Comando-Geral da Polícia de Segurança Pública (artigos 39º, nº1, e 38º, nºs 3 e 4, da Lei nº7/90, de 20 de Fevereiro – Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública). * Notifique e deposite (artigo 372º, nº5, do Código de Processo Penal).» * 2. Inconformados com a decisão, dela interpuseram recurso o arguido A... e a demandante B..., retirando das respectivas motivações as seguintes conclusões: 2.1. Recurso interposto pelo arguido A... (transcrição): «1 - A alteração não substancial dos factos levada a cabo pelo Tribunal a quo é completamente omisso quanto à especificação dos factos em que se concretiza a circulação do arguido sem prestar “atenção devida e cautelas necessárias”, a qual traduz em si própria um conceito jurídico, o qual seria necessário demonstrar através de elementos consubstanciadores do preenchimento de tal conduta. 2 - O juiz, na comunicação que faz ao arguido dos novos factos, ainda que estes não alterem a qualificação jurídica, tem de ser claro, dar a conhecer ao arguido todos esses factos constitutivos da não alteração substancial, que sempre tem algo de substancial ou relevante, pois caso contrário não seriam atendidos na sentença pelo que não se justificaria tal comunicação. 3 - Sendo tal situação grave por os factos objecto desta alteração, serem relevantes para a condenação do arguido pelo crime de condução perigosa, como se alcança de fls.18, onde se pode ler: “sendo de salientar que a forma como conduziu, num local onde passavam diversos transeuntes, no decurso de festas locais e a velocidade desajustada, era idóneo a provocar até mais vitimas e, bem assim, múltiplos danos”. E perguntamos qual forma? É que o julgador ao referir que o arguido “circulava sem prestar a atenção devida e cautelas necessárias ao restante tráfego” não se quis referir à velocidade, pois que, a referência à velocidade é feita por acréscimo à falta de atenção. 4 - Ausência de fundamentação, que constitui portanto uma claríssima violação do artigo 61º, nº 1 e 97.º do Código de Processo Penal, bem como do artigo 205º da Constituição. 5 - É ainda manifesta a falta de indicação dos meios de prova de onde resultam tais indícios, afirmando apenas que os mesmos resultam da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, ou seja, toda a prova documental e testemunhal que consta do processo, constituindo nulidade esta não explicitação ou fundamentação. 6 - Donde a condenação do recorrente - ínsita na sentença -, pelos factos que não integravam a acusação, constitui a nulidade do artigo 379º nº 1, alínea b), do CPP pois esta alteração ocorreu fora do caso e condições do artigo 358º, do mesmo diploma. 7 - Tendo em consideração a conjugação da prova produzida, o Recorrente, não se conforma com a apreciação da prova realizada pelo douto Tribunal a quo, relativamente aos factos dados como provados sob os pontos 5º, 6º, 14º, 18º, 19º, 20º, 21º e 22º, 35º, por considerar que houve factos que foram incorrectamente julgados, padecendo do vicio de insuficiência para a decisão da prova e falta de exame critico da mesma, nos termos dos artigos 410º, nº2, al. a), contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, nos termos do artigo 410º, nº1, al. b) e erro notório na apreciação da prova, a que se refere o artigo 410º, al. c) conjugado com o artigo 379º, al. a) e c) do artigo 374º, nº2, todos do CPP. 8 - Em concreto no que se refere ao ponto 3, o douto Tribunal a quo dá como provado o que o veiculo XV, se encontrava devidamente estacionado à direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do arguido, fazendo uma interpretação errónea do artigo 48º, nº4 do Código da Estrada, dizendo que o mesmo permite que os veículos dentro das localidades parem dentro da faixa de rodagem, desde que o mais próximo possível do respectivo limite direito paralelamente a este e no sentido da marcha. 9 - Atenta a vinculação do julgador à Lei, no caso às disposições do Código da Estrada, em particular do artigo 48º, bem como à prova documental nos autos e ainda a prova testemunhal referida na fundamentação e onde refere o douto Tribunal a quo assentar a sua convicção, não podia ter sido dado o ponto 3 como provado. 10 - Ao faze-lo, dúvidas não podem restar, que houve um erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a al. a) do artigo 410º do CPP, pois que, o tribunal a quo violou as regras da experiencia e efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, baseada em juízos ilógicos e contraditórios, bem como uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, previsto no art.410, nº2, al. b) do CPP, patente da leitura entre o ponto 3 e 5 dos factos dados como provados, os quais são incompatíveis entre si, assim como, entre o ponto 3 daqueles factos e a própria fundamentação, de modo a que apenas um deles pode persistir. 11 - Dá em como provado no ponto 3, que a ofendida se preparava para entrar no veiculo quando se deu o embate, facto que não deveria ter sido dado como provado, por da prova produzida, não ter resulta tal facto, como claro e inequívoco, havendo nesta parte, também um erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410ç, al a) do CPP. 12 - Face a toda à prova produzida, o douto Tribunal a quo deveria ter dado como provado: 3º - Nas circunstâncias de tempo modo e lugar em 1º e 2º, o veículo com a matrícula XV (...) propriedade da ofendida, marca “Land Rover”, modelo ”LIGAF(“, Discovery 2.5 TDI”, que se encontrava indevidamente estacionado, em ocupação parcial da faixa de rodagem do lado direito atento o sentido de marcha do arguido, sendo o espaço livre para o veiculo conduzido pelo arguido passar muito reduzido, face aos veículos que se encontravam em ocupação também em ocupação parcial da faixa de rodagem no lado contrario ao que o veiculo XV se encontrava estacionado e à circulação de peões em ambos os lados pela faixa de rodagem. 13 - No que respeita ao ponto 5 e 6 dos factos dados como provados, refere-se o seguinte: “5º - Mais, o arguido circulava na referida artéria sem prestar a atenção devida e cautelas necessárias ao restante tráfego, nomeadamente ao de peões e imprimia ao seu veiculo velocidade não concretamente apurada mas que, dadas as características da via no momento - situada no interior de uma localidade, no decurso das festividades locais de Pisão Cimeiro, com veículos estacionados em ocupação parcial da faixa de rodagem em ambos os sentidos de marcha e com circulação de peões em ambos os lados pela faixa de rodagem - fizeram com que o arguido não conseguisse controlar o seu veiculo e evitar o embate na ofendida, como efectivamente sucedeu, nem tão pouco imobilizar o seu veiculo em tempo útil perante ao aparecimento de qualquer obstáculo na via.” E 6º - Com efeito por força das circunstancias referidas em 5º, inopinadamente e sem que nada o fizesse prever, o arguido não conseguiu reduzir a velocidade que imprimia ao veiculo que conduzia e foi embater com o espelho retrovisor do lado direito no corpo da ofendida B..., mais concretamente, no seu braço esquerdo, entalando-o na porta esquerda da viatura “XV”. 14- Embora conduzisse com uma taxa de álcool superior ao legalmente permitido, não pode senão discordar do ponto 5º dado como provado, no sentido que actuou sem prestar a atenção devida e cautelas necessárias ao restante tráfego, nomeadamente de peões e que dadas as características da via no momento fizeram com que o arguido não conseguisse controlar o seu veiculo e evitar o embate na ofendida, nem tão pouco imobilizar o seu veiculo em tempo útil perante ao aparecimento de qualquer obstáculo na via. 15 - Foi feita prova documental e testemunhal das concretas circunstâncias da via, que não foram tomadas devidamente em consideração pelo douto Tribunal. 16 - Assim, como não foi tomada em conta, a Lei no que respeita às regras de circulação de peões, bem assim, as contradições nos próprios depoimentos das testemunhas, quer entre elas e as restantes, em particular, no caso das testemunhas, B... e C.... 17 - Bem como, houve na apreciação do ponto 5º e 6º uma total e injustificada desconsideração pelas declarações prestadas pelo arguido, assentando a convicção do julgador apenas e tão só em 3 testemunhas, a ofendida, B..., seu marido C... e a testemunha D.... 18 - A explicação do douto Tribunal reside e concentra-se apenas e tão só na falta de cuidado do arguido, sem contudo, demonstrar em que se consubstancia tal falta, e na velocidade excessiva, atenta as características da via, e o excesso de álcool, desprezando sequer a análise de outras, que atenta a prova produzida são susceptíveis de justificar o acidente. 19 - Não podia o douto Tribunal a quo deixar de considerar todos os elementos que lhe foram dados a conhecer, ignorando-os, principalmente, por não ter sido dado como provado: que o arguido circulava em excesso de velocidade; que foi por via de o arguido conduzir acusando uma taxa de álcool superior ao legalmente permitido que se deu o acidente, que no local onde se deu o acidente havia boa iluminação, que a ofendida se preparava para entrar no veiculo XV fazendo atenção ao tráfego, nomeadamente, de veículos, que foi não foi por via do empurrão dado pelo seu marido, C... que ficou com o braço entalado na porta do XV, Que o veiculo XV se encontrava em local próprio para o estacionamento de veículos, Que se encontrava devidamente sinalizado, com as luzes do carro acesas, Que a ofendida ou qualquer outro peão, usavam coletes retro-reflectores. 20 - Atentas todas as concretas especificidades e circunstancias acidente, o recorrido não podia ter agido com outros cuidados para actuando com a diligência que um condutor normal teria tido. 21 - Face às regras da experiência comum, a vivência de todos nós em relação ao quadro fáctico apontado, em particular de festividades locais, à prova produzida, em concreto as declarações do arguido, na parte em que refere que abrandou para deixar passar os peões que circulavam do seu lado esquerdo, é nosso humilde entendimento que o douto Tribunal a quo fez uma apreciação incorrecta ao dar como provado o ponto 5º,e ao imputar a produção do acidente à falta de atenção e cautelas do arguido para com o restante tráfego, mormente de peões e ao considerar que o mesmo imprimia velocidade excessiva. 22- Bem como, ao faze-lo, sem qualquer fundamentação, já que, para além da ofendida, não houve qualquer outro interveniente no acidente. E muito menos dizendo, qual foi a falta concreta de atenção para com o restante tráfego e muito menos em relação a que outras pessoas houve a omissão de atenção e cautelas. 23 - Por outro lado, à contradição notória, entre o facto dado como provado neste ponto 5º e no ponto 6º, onde é referido, que não obstante, as circunstancias descritas, inopinadamente, isto é, de maneira súbita, extraordinariamente, e sem que nada o fizesse prever, o arguido não conseguiu reduzir a velocidade que imprimia, indo embater no corpo da ofendida com o espelho retrovisor do lado direito! 24 - Apesar da minuciosa regulamentação das provas efectuada pelo CPP, salvo os casos em que a lei define critérios de apreciação vinculada, vigora o principio geral de que a prova é apreciada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador - Art.127º do CPP. 25- O principio da livre apreciação da prova, conjugado com o dever de fundamentação das decisões dos tribunais, exige uma apreciação motivada, critica e racional, fundada nas regras da experiência mas também nas da lógica e da ciência. Devendo ser objectivada e motivada. O que não sucede na presente sentença. Violando assim o douto Tribunal a quo, o artigo 127º do CPP. 26 - Donde, após a análise crítica, motivada e exaustiva de todos os meios de prova validamente produzidos e a sua valoração em conformidade com os critérios legais, era forçoso ao tribunal a quo concluir que subsistem outras perspectivas probatórias igualmente verosímeis e razoáveis havendo então que decidir por aquela que favorece o réu, fazendo uso do Principio in dubio pro reo. 27 - Tendo em consideração, o processo de formação da convicção do tribunal explicitado na douta sentença, a partir dos meios de prova aí indicados, com apelo às regras de experiência e aos critérios lógicos e racionais, só pode o recorrente concluir que houve erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a al. c) do artigo 410º do CPP, já que a apreciação que faz dos pontos 4 e 5 dos factos dados como provados, é manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios e na violação do princípio ” in dubio pro reo" e o disposto no nº 2 do art. 32º da Constituição da Republica Portuguesa, pelo que, não deveria ter sido dado como provados o ponto 5º. 28 - Quanto ao ponto 6º dos factos provados, importa ainda referir que o douto Tribunal a quo dá como provado que o veículo que o arguido conduzia foi embater com o espelho retrovisor do lado direito no corpo da ofendida B..., mais concretamente, no seu braço esquerdo, entalando-o na porta esquerda da viatura XV. 29 - Não há dúvida que o espelho retrovisor do lado direito do veiculo do arguido ficou danificado. Contudo, da prova produzida, não resulta como certo que tenha ido embater no braço esquerdo da ofendida. 30 - Da prova produzida não é precisa a forma como ocorreu o embate e a dinâmica do mesmo, já que as versões apresentadas pela ofendida, pelo seu marido, C..., e pela testemunha D..., são totalmente contraditórias. 31 - Donde devia o douto Tribunal a quo ter dado apenas como provado, o seguinte: 4º/5º - Dadas as características da via no momento, situada no interior de uma localidade, no decurso das festividades locais de Pisão de Cimeiro, com veículos estacionados em ocupação parcial da faixa de rodagem em ambos os sentidos de marcha e com circulação de peões em ambos os lados pela faixa de rodagem, não obstante, o arguido prestar atenção devida e cautelas necessárias ao tráfego, mormente de peões, inopinadamente, e de forma não concretamente apurada, causou uma lesão no antebraço esquerdo da ofendida, mais concretamente, no cotovelo. 32- Há clara insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quanto ao ponto 6º, ocorrendo um vício previsto no artigo 410º, nº 2, al. a) do CPP. 33 - O Tribunal a quo atenta a prova produzida também não poderia ter dado como provado o ponto 7º e 20º dos factos provados, pois que dos mesmos não resulta qualquer fuga ou falta de assistência à vitima por parte do arguido, o qual no momento do embate não se apercebe de ter havido qualquer lesão decorrente do mesmo para a ofendida. 34 - O julgador dá como provado este concreto facto, fazendo tábua rasa das declarações prestadas pelo arguido. Assentando toda a sua convicção apenas nas declarações da ofendida e do marido, sendo que mesmo e. Declarações essas a nosso ver, totalmente exacerbadas dos factos e contraditórias entre si, e os factos dados como provados. 35 - Ao dar como provado o ponto 7 e 20º, houve por parte do douto Tribunal a quo um erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a al. c) do artigo 410º do CPP. Assim como na violação do artigo 32º, nº 2 da CRP. 36 - Donde deverão ser os pontos 7 e 20 da matéria assente ser julgada em sede de recurso, não provados. 37 - Foi ainda dado como provado:”14º - À data do acidente, o piso encontrava-se seco e limpo, sendo que as condições climatéricas eram boas e existia iluminação publica”. 38 - O facto de o douto Tribunal a quo apenas referir que no local existia iluminação pública, não corresponde à de forma exacta e precisa à globalidade da prova que foi produzida quanto a este particular aspecto. 39 - Isto porque resulta à saciedade da prova testemunhal e documental que o local onde ocorreu o acidente a iluminação pública existente era reduzida. 40 - Donde entende o recorrente não se mostra feito o exame critico das provas imposta pelo art. 374º, nº 2, do C. Processo Penal, e a consequente insuficiência da fundamentação determina, nos termos do art. 379º, nº 1, a), do mesmo código, a nulidade da sentença. 41 - Os factos dados como provados em 19º, 21º e 22º, constitui uma repetição dos factos já dados como provados no ponto 5º e 6º, apenas noutra linguagem. 42 - Quanto impugnação destes factos como provados, por se considerarem uma reiteração remete-se para todo quanto foi dito na impugnação dos pontos 5º e 6º dados como provados, 43 - Em particular do que respeita ao perigo, por se considerar que colocado numa posição de apreciação ex ante, não poderá o cidadão médio, o bom pai de família, afirmar que da actuação do arguido, relativamente à forma como conduzia e atentas as concretas características da via no momento em que ocorreu o embate, seria normal e legítimo esperar-se, ser previsível, que estava a colocar real e concretamente em perigo a ofendida ou os demais utentes da estrada, no momento dos factos. 44 - Donde não poderia o douto Tribunal a quo dar como provado os pontos 19º, 21º e 22º, pelas mesmíssimas razões que apontamos na impugnação dos pontos 5º e 6º, para o qual remetemos na integra a nossa fundamentação e os vícios intrínsecos aí apontados. 45 - O recorrente não pode ainda conformar-se com o facto dado como provado no ponto 35º, por o mesmo estar em total contradição com a prova documental junta aos autos em que assentou a convicção do tribunal quanto às lesões da ofendida, em particular os relatórios pereciais e clínicos a fls .332 e 338. 46 - Ao dar como provado o ponto 35º, incorreu uma vez mais o douto tribunal a quo num erro notório na apreciação da prova, a que refere o artigo 410º, al a) do CPP. 47 - Atenta a discordância com a matéria de facto dada como provada, pelas razões melhor expostas na motivação do recurso, não pode o recorrente conformar-se com a subsunçãojurídico-penal. 48 - A factualidade dada como provada na sentença recorrida deveria ter sido qualificada juridicamente como preenchendo o tipo legal de crime do artigo 292.º, nº 1 do Código Penal, pois, o facto em que se alicerçou toda a acusação pública para imputar ao arguido a prática do crime previsto e punido pelo artigo 29 1º, nº 1 294º, nº3, 285º, por referencia aos artigos 143º, nº1, 148º, n.ºs 1 e 3, ex vi do artigo 144º, al a) e punido pelo artigo 69º, nº1, al. a), todos do CP não ficou no entender do recorrente provado em sede de audiência de discussão e julgamento. 49 - O art.º 291º visa punir todas as condutas que se mostrem susceptíveis de lesar a segurança da circulação rodoviária e que coloquem em perigo bens jurídicos como a vida e a integridade física de outrem ou bens patrimoniais alheios de elevado valor. 50 - No caso é imputada ao condutor a criação de uma situação de perigo concreto para os referidos bens tutelados, através da primeira forma de actuação, ou seja, pela al. al, dada a falência probatória dos factos atinentes ao excesso de velocidade ou outra qualquer infracção rodoviária, não tendo assim resultado provada a violação grosseira de qualquer das regras de circulação a que alude a alínea b) do n.º 1 do art.º 291.º do Código Penal. 51 - Não basta, a insegurança na condução ou a violação grosseira das regras de circulação rodoviária, tornando-se necessário que da análise das circunstâncias do caso concreto se deduza a ocorrência de um perigo concreto (excerto do Ac. do TRL de 30.10.2006, relatado pelo Desembargador Filomena Lima e sumariado em www.dgsi.pt) - negrito e sublinhado nosso, o que no caso não se verificou. 52 - Não ficou demonstrado da prova produzida, que o acidente tenha, como causa adequada, o álcool ingerido pelo condutor ou que, pelo menos, essa ingestão de álcool tenha sido uma das causas do acidente. Donde não pode sem mais, tal situação, constituir presunção natural ou judicial de que foi a causadora do acidente. 53 - A explicação do douto Tribunal reside e concentra-se apenas e tão só na falta de cuidado do arguido, sem contudo, demonstrar em que se consubstancia tal falta, e na velocidade excessiva, atenta as características da via, e o excesso de álcool, mas podem existir outras, aliás várias. 54 - Sendo uma das quais, a falta de cuidado da própria ofendida. Podia e devia a ofendida, ter provido para se fazer a sua entrada no veiculo, apenas após o marido ter retirado o carro da berma e em local onde o pudesse fazer em segurança ou pelo menos quando não houvesse qualquer veiculo a circular naquela via. Ao que acresce a circunstância, de a ofendida ter o seu veiculo indevidamente estacionado. 55 - Concorrendo assim, para a produção do acidente. 56 - A forma como ocorreu o acidente não ficou devidamente esclarecida já que as versões apresentadas pela ofendida e pelo seu marido, C..., são totalmente contraditórias, como de resto, resulta da exposição constante à impugnação dos pontos 5º e 6º da matéria de facto dada como provada. 57 - Contradições que o douto Tribunal a quo deveria ter atentado e relevado, para efeitos de dar total credibilidade à versão apresentada pelo arguido, mas que ao invés foi apenas valorada no sentido de imputar culpa exclusiva ao arguido, desconsiderando totalmente a forma como a ofendida, com total falta de cuidado, se fazia entrar no veiculo XV, que se encontrava indevidamente estacionado. 58 - Ora, no caso em concreto, salvo o devido respeito, entende o recorrente que a prova produzida não permite concluir com segurança que seria razoável esperar que daguela condução se seguiria necessariamente ou pelo menos muito provavelmente, um perigo concreto para os referidos valores! 59 - Efectivamente, da descrição factual resulta que o arguido produziu um resultado danoso, ao ofender fisicamente a ofendida, mas não resulta qualquer elemento, concreto, de facto que permita considerar que o arguido “circulava na referida artéria sem prestar atenção devida e cautelas necessárias ao restante tráfego”, ou “condução imprudente” ou que “não tenha adoptado os cuidados necessários a um condutor prudente” e assim criando perigo, como entende o douto Tribunal a quo, entendimento com o qual não podemos senão discordar, e a impugnar a matéria de facto dada como provada. 60 - Por outro lado, suscitando-se dúvidas quanto ao modo como ocorreu o embate, que não afasta a possibilidade, atenta a prova produzida, mormente, do marido da ofendida, C..., que o mesmo ao empurra-la tenha produzido a lesão, é nosso humilde entendimento, que não se encontram preenchidos os elementos objectivos do crime pelo qual o recorrente foi condenado. 61 - - Sendo a conduta do arguido subsumível à norma incriminadora do artigo 291º do CP, é nosso entender, que a mesma foi praticada apenas a título de negligência, bem como negligente foi a criação do perigo, pelo que a moldura penal abstracta aplicável sempre teria que ser a prevista no nº 4 da mesma disposição legal. 62 - Ainda que assim não se entenda, sempre deverão Vossas Excelências considerar que o arguido actuou com dolo de acção e negligência quanto ao evento de perigo, caindo a situação subjudice na previsão do n.º 3 do art.º 291.º do Código Penal. 63 - As cicatrizes que a ofendida ostenta, não constituem uma desfiguração grave, de modo que não poderá ser feita a agravação do resultado, devendo o arguido, por conseguinte ser apenas punido por um crime de condução de veiculo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º do CP, ou quando muito, pelo crime de Condução Perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo artigo 291º, nº4, ou quando muito pelo nº3 do mesmo artigo. 64 - Não se encontrando preenchidos os requisitos do artigo 144º do CP, não pode igualmente o arguido ser condenado por um crime de ofensas a integridade física grave, devendo ser absolvido deste crime. 65 - O recorrente não preencheu com a sua conduta os elementos do crime de omissão de auxilio, pois que não teve consciência de que existia uma situação objectiva de perigo para a integridade física da pessoa da ofendida, sendo de notar que após ter conhecimento do sucedido procurou saber do estado da situação da ofendida. 66 - O recorrente deve ser absolvido do crime de omissão de auxílio. 65 - O recorrente discorda da taxa diária da multa que foi aplicada ao arguido, considerando, que a que vier a ser aplicada não deverá ser de 5€ por dia, único valor que se reputa adequado com base na situação económica apurada. 66 - O recorrente discorda quer da aplicação da sanção acessória, por considerar que a sua aplicação in casu não se justifica, atento o peso que a restante condenação terá já para a vida do recorrente, o qual irá sofrer para além das privações decorrentes da inibição de conduzir, um processo disciplinar. 67 - O recorrente não se conforma com valor da indemnização fixada de 16.500,00€, por se situar muito além dos padrões da normalidade e razoabilidade por que se devem pautar as decisões judiciais. 68 - Considera o arguido que houve concorrência de culpa na produção do acidente, assim como houve uma valorização excessiva do dano estético considerando as declarações da própria ofendida e seu marido. 69 - Atendendo ao quadro circunstancial real, entende o recorrente por razoável, a fixação de 9.00000€ para indemnizar os danos não patrimoniais decorrentes do dano estético e dores sofridas.
Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Excelências muito doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a douta decisão recorrida, sendo substituída por outra que contemple as conclusões acima apresentadas. Decidindo deste modo, farão Vossas Excelências, aliás como sempre, um acto de INTEIRA E SÂ JUSTIÇA.» 2.2. Recurso interposto pela demandante B... (transcrição): «1 - O acidente dos autos causou lesões graves à Recorrente que sofreu uma intervenção cirúrgica no antebraço esquerdo, oito dias de internamento hospitalar e doença durante quase um ano (330 dias a que acrescerão 15 dias para retirada do material de osteossintese). 2 - E a recorrente ficou com as seguintes sequelas depois de curada: rigidez do punho esquerdo e cicatrizes operatórias de cerca de 20 cm. cada no braço esquerdo. 3 - Ficou também com desalinhamento do pulso esquerdo em relação ao braço, 4 - Tendo ficado com um dano estético de grau 4 em 7. 5 - E foi de 5 em 7 o seu quantum doloris. 6 - A recorrente ficou com um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psiquica de 5 pontos 7 - Visto que ficou com rigidez articular do punho esquerdo com flexão limitada aos 45°, extensão limitada aos 30°, supinação limitada aos 30° e diminuição da força muscular. 8 - À data do acidente a recorrente tinha 56 anos de idade e era professora. 9 - Além das tarefas da sua profissão de professora, a recorrente, antes do acidente dos autos, executava também todas as tarefas da lida doméstica da sua casa. 10 - Em virtude das sequelas sofridas, a recorrente tem dificuldade no lavar da louça e a tocar acordeão. 11 - A Recorrente tinha e tem no tocar de acordeão um dos seus maiores prazeres. 12 - Por causa do sinistro, a recorrente passou por grandes incómodos e sofrimentos designadamente durante o internamento hospitalar, e que ainda hoje sente, nomeadamente nas mudanças de tempo e quando faz esforços com a mão esquerda. 13 - A demandante sofre de grande desgosto por ter ficado com as limitações físicas que o acidente lhe causou - tanto mais que ficou impedida de obter nos termos em que conseguia antes um dos maiores prazeres da sua vida: tocar acordeão. 14 - Considerando que as indemnizações por danos não patrimoniais devem ter alcance significativo e que os défices funcionais devem ser compensados mesmo que não se traduzam na perda efectiva do rendimento do trabalho, será adequado aumentar a indemnização atribuída à Recorrente para 49.675,95 €: os 4.675,95 € gastos pela Recorrente por causa do acidente, 20.000,00€ para compensação dos seus danos não patrimoniais e 25.000,00 € para indemnização do défice funcional com que ficou a Recorrente. 15 - A douta sentença recorrida violou o disposto nos artºs 496º e 562º do C. Civil Pelo que deve ser revogada e substituída por decisão que aumente para 49.675,95 € a indemnização global dos danos sofridos pela Recorrente. Para se fazer JUSTIÇA» 3. O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela manutenção do julgado relativamente à parte crime. 4. Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal([i]), emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder. 5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, não houve resposta. 6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão. * II - FUNDAMENTAÇÃO 1. A sentença recorrida 1.1. Na sentença proferida na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos (transcrição): «1º - No dia 24 de Julho de 2011, pelas 1h10m, na Rua Rainha Santa Isabel (antiga Rua Principal), em Pisão Cimeiro, Vila de Rei, área desta Comarca, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, marca “BMW”, de matrícula JD (...), propriedade do arguido e conduzido pelo mesmo e o peão B.... 2º - O arguido circulava no sentido da antiga Estrada Nacional nº2 para o centro da localidade de Pisão Cimeiro, a velocidade não concretamente apurada. 3º - Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas em 1º e 2º, a ofendida B... preparava-se para entrar na porta do lado esquerdo do veículo com a matrícula XV (...), marca “Land Rover”, modelo “LJGAF8, Discovery 2.5 TDI”, que se encontrava devidamente estacionado, à direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do arguido. 4º - O arguido A... conduzia com uma TAS de 2,20g/l, a que corresponde uma TAS de 1,54g/l, após dedução do erro máximo admissível nos termos da Tabela anexa à Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro. 5º - Mais, o arguido circulava na referida artéria sem prestar a atenção devida e cautelas necessárias ao restante tráfego, nomeadamente ao de peões, e imprimia ao seu veículo velocidade não concretamente apurada mas que, dadas as características da via no momento – situada no interior de uma localidade, no decurso das festividades locais de Pisão Cimeiro, com veículos estacionados em ocupação parcial da faixa de rodagem em ambos os sentidos de marcha e com circulação de peões em ambos os lados pela faixa de rodagem – fizeram com que o arguido não conseguisse controlar o seu veículo e evitar o embate na ofendida, como efectivamente sucedeu, nem tão pouco imobilizar o seu veículo em tempo útil perante ao aparecimento de qualquer obstáculo na via. 6º – Com efeito, por força das circunstâncias referidas em 5º, inopinadamente, e sem que nada o fizesse prever, o arguido não conseguiu reduzir a velocidade que imprima ao veículo que conduzia, e foi embater com o espelho retrovisor do lado direito no corpo da ofendida B..., mais concretamente, no seu braço esquerdo, entalando-o na porta esquerda da viatura “XV”. 7º – Apesar de se ter apercebido da violência do embate e da gravidade das consequências do mesmo, o arguido colocou-se de imediato em fuga, não providenciando como sabia e poderia, no sentido de ser prestada assistência à ofendida B.... 8º – Do sinistro resultaram danos materiais em ambos os veículos intervenientes e ferimentos no peão B.... 9º – Após o sinistro, a ofendida B... foi transportada pelos Bombeiros Voluntários de Vila de Rei para o Hospital de Abrantes, onde ficou internada oito dias e submetida a uma intervenção cirúrgica. 10º – Em concreto, do atropelamento supra descrito, resultou para a vítima B... fractura dos ossos do antebraço esquerdo (cúbito e rádio). 11º – As lesões supra descritas determinaram, adequada e necessariamente, para a ofendida B..., de forma directa e necessária, 330 (trezentos e trinta) dias de doença para a consolidação médico-legal, 38 (trinta e oito) dos quais com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional. 12º – Do sinistro resultaram ainda para B..., como consequências permanentes, rigidez do punho e cicatrizes operatórias. 13º – No local do acidente, a estrada configura uma recta, o piso é regular, a faixa de rodagem tem cerca de 3,55m de largura, as bermas são em terra, medindo a da direita 0,90m e a da esquerda 1,30m. 14º – À data do acidente, o piso encontrava-se seco e limpo, sendo que as condições climatéricas eram boas e existia iluminação pública. 15º – No local, não existe sinalização vertical ou horizontal. 16º – O local onde se deu o acidente situa-se dentro de localidade, pelo que a velocidade permitida e, não existindo sinalização em contrário, é de 50km/h para veículos ligeiros de passageiros. 17º – O ponto provável do embateu corresponde a cerca de 3,00m de distância do início da berma esquerda. 18º – O arguido actuou sabendo que não podia conduzir na via pública qualquer veículo após ter ingerido bebidas alcoólicas em quantidades susceptíveis de ultrapassar o limite legal de teor de álcool no sangue e, não obstante, não se coibiu de actuar da forma descrita. 19º – Mais, sabia o arguido que desrespeitava as mais elementares regras da circulação estradal e prudência rodoviária, com perfeito conhecimento que com a sua conduta perturbava a segurança das comunicações e colocava em perigo a vida e a integridade física de todos os demais utentes da via por onde circulava. 20º – O arguido A... tinha ainda pleno conhecimento que tinha o dever de prestar assistência à lesada B... e não ignorava que a omissão da mesma era proibida e punida por lei. 21º – Ao conduzir o veículo supra descrito, o arguido não adoptou os cuidados necessários a um condutor prudente, sendo certo que disso era capaz, revelando assim incúria e desrespeito pelos demais utentes da via e pelas mais elementares regras estradais, a que estava obrigado e era capaz para evitar o resultado da sua conduta que podia e devia prever como possível. 22º – Por via dessa conduta inconsiderada, inerente a uma condução imprudente, e bem sabendo ser aquela proibida por lei, o arguido não foi capaz de desviar ou fazer parar o veículo que conduzia no espaço livre e visível à sua frente, vindo assim a embater no corpo da vítima B... e, posteriormente, no veículo em que aquela se preparava para entrar, o “XV”. 23º – O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 24º – À data do acidente dos autos, o veículo JD (...) estava segurado na demandada “ H...” pelo contrato de seguro titulado pela apólice nº4101010007514. 25º – No Hospital de Abrantes, onde foi internada, a demandante B... foi sujeita a intervenção cirúrgica, designadamente, osteossíntese dos ossos do antebraço esquerdo, com placa e parafusos. 26º – A demandante teve alta do Serviço de Ortopedia no dia 31.07.2011, oito dias depois do seu internamento, tendo passado ao regime de tratamento ambulatório, com acompanhamento do Serviço de Consultas Externas do Centro Hospitalar do Médio Tejo. 27º – Na sequência do sinistro, a demandante B... cumpriu um programa de tratamentos de fisioterapia, tendo sofrido 330 dias de doença, 38 dos quais com incapacidade para trabalhar. 28º – Ademais, na sequência do sinistro, a demandante B... ficou com as seguintes sequelas das lesões sofridas: rigidez articular do punho esquerdo com flexão limitada aos 45º, extensão limitada aos 30º, supinação limitada aos 30º e diminuição da força muscular. 29º – A data de consolidação das lesões sofridas pela demandante B... é fixável em 17.06.2012. 30º – O período de Défice Funcional Temporário Total é assim fixável num período de 330 dias, aos quais deverão ser acrescidos 15 dias na sequência de extracção do material de osteossíntese. 31º – O período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total é fixável em 330 dias, aos quais deverão ser acrescidos 15 dias na sequência de extracção do material de osteossíntese. 32º – O quantum doloris é fixável num grau de 5/7. 33º – O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixável em 5 pontos. 34º – As sequelas sofridas pela demandante são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares. 35º – O dano estético sofrido pela demandante é fixável no grau de 4/7, correspondente a duas cicatrizes no braço esquerdo, diametralmente opostas, com cerca de 20 cm cada, e com desalinhamento do pulso em relação ao braço. 36º – À data do acidente a demandante tinha 56 anos de idade. 37º – Além das tarefas da sua profissão de professora, a demandante, antes do acidente dos autos, executava também todas as tarefas da lida doméstica da sua casa. 38º – Em virtude das sequelas sofridas, a demandante B... tem dificuldade no lavar da louça e a tocar acordeão. 39º – A demandante B... tinha e tem no tocar de acordeãoum dos seus maiores prazeres. 40º – Por causa do acidente, a demandante B... gastou as seguintes quantias: - € 194,22 no pagamento de consultas de fisioterapia; - € 3.675,00 no pagamento de 135 sessões de fisioterapia; - € 55,60 no pagamento de consultas e taxas moderadoras; - € 69,73 no pagamento de medicamentos; - € 71,00 em meios auxiliares de diagnóstico. 41º – Por causa do acidente, a demandante efectuou pelo menos: - 140 kms em duas viagens de Casais de Revelhos a Tomar e regresso para consultas, em Agosto de 2011; - 320 kms em Outubro seguinte, de Casais de Revelhos a Lisboa, à clínica indicada pela demandada “ H...”, e regresso; - 280 kms em quatro viagens de Casais de Revelhos a Tomar e regresso, para consultas nos dias 7.11.2011, 9.01.2012, 9.04.2012 e 18.06.2012; - 1620 kms em 135 deslocações de Casais de Revelhos a Abrantes e regresso para tratamentos de fisioterapia; tudo num total de 2.360 kms. 42º – Na certidão do auto de ocorrência referente ao acidente, a demandante B... despendeu a quantia de € 44,00. 43º – O veículo “XV”, em consequência do acidente, ficou com o lado esquerdo danificado, tendo sido orçado em € 325,24 o custo da respectiva reparação. 44º – Por causa do sinistro, a demandante B... passou por grandes incómodos e sofrimentos, designadamente, dores sofridas durante o internamento hospitalar, e que ainda hoje sente, designadamente nas mudanças de tempo e, bem assim, quanto faz esforços com a mão esquerda. 45º – A demandante sofre de desgosto por ter ficado com as limitações físicas que o acidente lhe causou. 46º – Na sequência do acidente de viação em causa nestes autos, a ofendida B... foi assistida, no dia 24.07.2011, no “Centro Hospitalar do Médio Tejo, EPE”, tendo ficado internada até ao dia 31.07.2011. 47º – Também na sequência do referido acidente, a ofendida foi ainda assistida no CHMT nos dias 29.08.2011, 7.11.2011, 9.01.2012, 9.04.2012 e 18.06.2012. 48º – Por força do dito acidente, o demandante “Centro Hospitalar do Médio Tejo, EPE”, no exercício da sua actividade, prestou à ofendida B... os serviços médicos descritos nas facturas de fls. 229-231, com os números 11007572, 12004518 e 12005867, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente: - do dia 24.07.2011 até ao dia 31.07.2011: procedimentos no ombro, cotovelo ou antebraço, excepto procedimento major nas articulações sem cc, no valor de € 1.827,14; - no dia 29.08.2011: episódio de consulta no valor de € 31,00; - no dia 7.11.2011: antebraço, duas incidências, no valor de € 11,10; - no dia 7.11.2011: episódio de consulta, no valor de € 31,00; - no dia 9.01.2012: episódio de consulta, no valor de € 31,00; - no dia 9.01.2012: cotovelo, duas incidências, no valor de € 10,80; - nos dias 9.01.2012, 9.04.2012 e 18.06.2012: antebraço, duas incidências, no valor de € 11,10; - nos dias 9.04.2012 e 18.06.2012: episódio de consulta, no valor de € 31,00; tudo originando uma despesa hospitalar no valor total de € 2.037,34. 49º – Até à presente data, o demandante “Centro Hospitalar do Médio Tejo” ainda não foi ressarcido, sequer parcialmente, do montante referido em 48º. Mais se apurou que: 50º - O arguido é polícia de profissão, exercendo funções na Esquadra da PSP de Queluz há cerca de 7 anos. 51º - Aufere um salário mensal na ordem dos € 1.000,00, podendo ascender a um montante de € 1.150,00 a € 1.200,00 em virtude de suplemento de gratificados. 52º - Reside com a esposa em casa arrendada, despendendo mensalmente a quantia de € 500,00 para pagamento da respectiva renda. 53º - A esposa é proprietária de uma clínica estética, a qual tem um trabalhador assalariado e um prestador de serviços. 54º - O agregado familiar do arguido despende mensalmente a quantia de € 150,00 a €160,00 em consumos básicos de água, electricidade e gás. 55º - O agregado familiar do arguido é ainda composto por dois menores, cunhados do arguido, com as idades de 8 e 13 anos de idade. 56º - A esposa do arguido encontra-se grávida, à espera do primeiro filho do casal. 57º - O arguido é proprietário do veículo de marca “BMW” referido em 1º, o qual não se encontra na sua disponibilidade em virtude de ter sido sujeito a outro acidente de viação. 58º - Para amortização do empréstimo contraído para a aquisição do veículo referido em 57º, o arguido despende mensalmente a quantia de € 396,00. 59º - O arguido despende ainda mensalmente a quantia de € 200,00 para amortização de um crédito de natureza pessoal. 60º - O arguido é proprietário de um veículo de marca “Renault”, modelo “Clio”. 61º - Não tem antecedentes criminais, nem cadastro rodoviário.»
1.2. Quanto a factos não provados consta da sentença recorrida(transcrição): «i)Que o arguido circulasse a uma velocidade superior a 50km/h. ii) O arguido não manteve das bermas e passeios a distância devida de modo a não causar acidentes. iii) A demandante B..., em virtude das sequelas com que ficou das lesões que sofreu, está parcialmente impedida de efectuar a lida doméstica da sua casa, designadamente de fazer a cama, as limpezas dos pavimentos, das casas de banho, da cozinha e dos vidros de sua casa. iv) A demandante B... carece de contratar terceira pessoa para realização de tarefas domésticas. v) Antes do sinistro, a demandante tocava viola, o que deixou de poder fazer. vi) A demandante deixou de poder tocar acordeão. vii) A intervenção cirúrgica de extracção do material de osteossíntese ascende a um valor de € 3.500,00. viii) A demandante B... despendeu a quantia de € 86,60 no pagamento de consultas e taxas moderadoras. ix) Na sequência do acidente, a demandante B... ficou com a roupa que vestia inutilizada, designadamente calças, camisola e camisa, no valor global de € 75,00. x) A demandante B... efectuou 180kms em Agosto de 2011, em três viagens entre Vila Nova de Mil Fontes – onde se encontrava com a família a passar férias – e Odemira, para serviço de pensos.»
1.3. O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição): «A convicção do Tribunal relativamente aos factos que considerou provados fundou-se na apreciação livre e crítica da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, de acordo com o preceituado no artigo 127º do Código de Processo Penal. No caso concreto, o arguido optou por prestar declarações, confirmando as circunstâncias de tempo e lugar do sucedido e tendo esclarecido que, no dia do acidente em causa nos autos, se encontrava em Pisão Cimeiro, com a família, em confraternização desde a hora do almoço. Acrescentou que, ao longo do dia, foi ingerindo bebidas alcoólicas tendo, pouco antes do sinistro, resolvido retirar o seu veículo do local onde se encontrava, porquanto estaria mal estacionado. Referiu ainda que, no momento do acidente, a via em causa se encontrava com automóveis estacionados de ambos os lados, ocupando assim parcialmente a via nos dois sentidos. Mais referiu que, aquando do sucedido, circulavam várias pessoas do lado esquerdo da via, atento o seu sentido de marcha, pelo que abrandou a marcha ao passar pelos peões e encostou à sua direita. Acrescentou ainda que a via era mal iluminada, que circulava a menos de 50km/h, mas também que vinha com o rádio alto e com as janelas fechadas. Invocou ainda ter ouvido um embate, mas não ter sentido qualquer interferência ao nível da condução, nem ter visto nada de anormal pelo seu retrovisor esquerdo e central, dado que, nessa circunstância não olhou para o retrovisor direito. Acrescentou que só posteriormente se apercebeu que o seu espelho retrovisor direito se encontrava “pendurado”, sendo que imobilizou a sua viatura a cerca de 40 a50 metros do local do embate, altura em que foi abordado pelo marido da vítima que então lhe alertou para o sucedido. Referiu que, nesta sequência voltou ao local do acidente, tendo tentado falar com a vítima e aí aguardado pela chegada dos Bombeiros e da GNR. Além do mais, o arguido admitiu ainda saber que não lhe era permitido conduzir após a ingestão de bebidas alcoólicas, sendo certo que resolveu “arriscar” ao iniciar a condução. Sem prejuízo, a versão do arguido não colhe na totalidade. Com efeito, resultou com segurança da prova produzida que, no momento do sucedido, circulavam peões de ambos os lados da via, e não apenas do lado esquerdo, atento o sentido de marcha do arguido. Tal circunstância de resto foi confirmada pela própria ofendida B..., mas também pelas pessoas que, no momento do sinistro, a acompanhavam, designadamente, o seu marido C... e D..., seu vizinho. Pela forma como depuseram as testemunhas em referência, relatando os factos com muito pormenor e objectividade, lograram as mesmas convencer o tribunal da sua versão dos factos. Aliás, independentemente da ligeira discrepância verificada entre o depoimento da ofendida e do seu marido no tocante à posição do corpo daquela no momento do embate (designadamente se aquela se encontrava de frente ou de costas para o veículo “XV”), a verdade é que resultou inegável que o embate em causa nos autos se deu entre o espelho retrovisor direito do veículo conduzido pelo arguido e o cotovelo esquerdo da ofendida, como que entalando o respectivo braço contra a porta do veículo XV. Tais discrepâncias são assim irrelevantes para o tribunal, surgindo até como naturais em face de um evento traumático ocorrido num contexto inesperado, e que remonta já ao ano de 2011. Assim sendo, não teve o tribunal quaisquer dúvidas em dar como provada a factualidade constante da acusação, designadamente no tocante à dinâmica do acidente e bem assim às suas causas. Com efeito, no caso, temos que o arguido seguia com uma TAS relevante em termos criminais, sendo de todos conhecidos os efeitos do álcool ao nível da segurança rodoviária. Tais efeitos, de resto, foram explicados com muita propriedade pela testemunha I..., médico indicado pela demandada “ H...”, designadamente no que tange à diminuição da visão periférica e, sobretudo, à incapacidade para tomar decisões em contexto de condução, associada a uma euforia facilitadora da ocorrência de acidentes. Por outro lado, resultou da prova produzida, mais concretamente do depoimento prestado por C..., que o arguido, assim que imobilizou a sua viatura, foi de imediato verificar o estado do seu retrovisor direito, sendo certo que, como o próprio também o confirmou, aquele acabou por cair nessa sequência. Também a própria ofendida esclareceu que, assim que se deu o embate, foram vários os transeuntes que de imediato dela se abeiraram. Deste modo, face a todo este circunstancialismo, conclui o tribunal que o arguido agiu efectivamente tolhido pelos efeitos do álcool, sendo que, face aos mesmos, não só encetou uma condução desajustada às circunstâncias do local, designadamente em matéria de velocidade, como face à presença de peões não foi capaz de tomar a decisão correcta, isto é de abrandar de imediato, antes tendo optado por inflectir à direita, com o que acabou por provocar o sinistro em apreço. Por outro lado, entende o tribunal que, após tal embate, o arguido ficou efectivamente ciente do sucedido. Com efeito, pese embora o mesmo tenha referido ter apenas ouvido um som de um embate, a verdade é que, mesmo não tendo, como disse, verificado de imediato o espelho direito, sempre ao menos pelos demais espelhos poderia e deveria ter avistado a movimentação imediata e natural de pessoas após o embate e em socorro da vítima. Mais, tendo o arguido imobilizado a sua viatura alguns metros à frente e aí ido de imediato verificar o estado do seu espelho, é entender do tribunal que o mesmo não tinha como não saber da ocorrência do embate ocorrido instantes antes, tanto mais que ainda percorreu uma considerável distância com o espelho “pendurado”. Aliás, a este propósito, ficou clara a intencionalidade de fuga do arguido por via do relato assertivo e pormenorizado da testemunha C..., que relatou a reacção daquele aquando da abordagem que lhe fez, após ter conseguido alcançar a viatura “JD”, o que fez correndo no encalço do arguido. Assim, no caso, temos que após ter abordado o arguido, a testemunha C... logrou entrar no veículo “JD” por forma a evitar que o arguido se ausentasse e, bem assim, para que o mesmo se regressasse ao local do sinistro. Porém, porquanto na manobra de arranque o arguido embateu noutra viatura existente no local, a dita testemunha acabou por sair do veículo, confiante de que o arguido já não mais se ausentaria, o que não sucedeu, dado que o mesmo acabou por reiniciar a marcha, sozinho, sendo mais à frente barrado pelos transeuntes que evitaram a consumação da fuga. Por outro lado, saliente-se ainda que face ao disposto no artigo 48º, nº4, do CE, as viaturas que se encontravam no local, designadamente o “XV”, não se encontravam mal estacionadas (efectivamente, dispõe o artigo 48º, nº4, do CE, que “dentro das localidades, a paragem e o estacionamento devem fazer-se nos locais especialmente destinados a esse efeito e pela forma indicada ou na faixa de rodagem, o mais próximo possível do respectivo limite direito, paralelamente a este e no sentido da marcha”). Por sua vez, face à ocupação das bermas que no caso se verificava, também não se vislumbra que os peões transitassem em violação de qualquer preceito legal, atento até o disposto no artigo 99º, nº2, al. b), do CE, sendo certo que nenhuma factualidade se apurou no sentido de que os ditos peões circulassem com imprudência ou de modo a prejudicar o trânsito de veículos (a este propósito, dispõe o artigo 99º, nº1, do CE, que “os peões devem transitar pelos passeios, pistas ou passagens a eles destinados ou, na sua falta, pelas bermas”; por sua vez, preceitua a al. b), do nº2, do mesmo artigo que “os peões podem, no entanto, transitar pela faixa de rodagem, com prudência e por forma a não prejudicar o trânsito de veículos, nos seguintes casos: (…); b) Na falta dos locais referidos no nº1 ou na impossibilidade de os utilizar”. Assim, pese embora não tenha sido possível apurar com exactidão a velocidade a que seguia o arguido, face à prova produzida e ao contexto do sucedido, designadamente à condução do arguido sob o efeito do álcool, conduzindo com música alta e num contexto de festa, temos que a única explicação razoável para o sinistro é a de que o mesmo se deveu à diminuição das capacidades de decisão, em contexto de condução derivada de um estado etílico, associada a uma velocidade inadequada às condições da via naquele momento, pois que, de outro modo, não se vislumbra como, estando o arguido numa recta, e perante um tempo seco e limpo, não tivesse sido capaz de reduzir a velocidade de modo atempado e adequado a evitar o embate ocorrido. Por outro lado, acresce ainda que “em matéria de circulação rodoviária, sujeita a apertada regulamentação, dado o perigo criado pela utilização da máquina automóvel e da velocidade que envolve, tem-se admitido que a infracção de norma de trânsito, constitui presunção (natural, ou judicial) de que não foi cumprido o dever de cuidado específico imposto pela norma violada, desde que o resultado seja daqueles que a lei ou regulamento quis evitar, ou se situe dentro do âmbito dos interesses protegidos pela norma – neste sentido AC. RC de 06.03.2002, na CJ, tomo II/2002, p. 42. Isto sob pena de se transformar a prova, em tribunal, dos pressupostos dos crimes cometidos no âmbito do trânsito rodoviário, em tarefa impossível, ou lotaria forense, como já foi chamada.” – cf. neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.05.2004, proc. 501/04, in www.dgsi.pt. Assim, no tocante à condução pelo arguido sob o efeito do álcool, teve o tribunal em consideração a confissão do mesmo, conjugada o teor do talão de fls. 9, correspondente ao resultado do teste quantitativo de detecção de álcool no sangue, realizado em instrumento de medição aprovado e definido por lei como adequado à medição do álcool no sangue. Sem prejuízo, ao nível da matéria provada, teve já o tribunal em consideração a alteração operada ao artigo 170º, nº1, al. b), do Código da Estrada, pela Lei nº72/2013, de 3 de Setembro, do qual agora resulta que “quando qualquer autoridade ou agente de autoridade, no exercício das suas funções de fiscalização, presenciar contraordenação rodoviária, levanta ou manda levantar auto de notícia, o qual deve mencionar: a) (…); b) O valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infracção for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares”. Além do mais, conforme entendimento jurisprudencial recente, deverá considerar-se tal redacção como interpretativa da anterior, no âmbito da qual era conhecida a querela existente quanto ao desconto ou não do erro máximo admissível aquando do controlo da taxa de alcoolemia (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.01.2014, proc. nº295/12.7SGPRT.P1, in www.dgsi.pt, onde se conclui que a nova lei tem natureza interpretativa e, também por isso, retroactiva; cf. ainda o artigo 13º, nº1, do Código Civil, o qual prescreve, ademais, que “a lei interpretativa integra-se na lei interpretada (…)”). Isto posto, ainda no que tange às condições e características da via, em especial no dia em apreço, bem assim às respectivas circunstâncias de tempo e lugar, teve o tribunal igualmente em consideração as declarações prestadas pelas testemunhas E... e F..., elementos da GNR que acorreram à situação, devidamente conjugadas com os elementos documentais juntos aos autos, designadamente o auto de notícia de fls. 2-2verso, a participação de acidente de viação de fls. 10-11verso e, bem assim, o relatório de ocorrência dos Bombeiros de Vila de Rei, constante de fls. 73-74, e a reportagem fotográfica de fls. 76-81. Isto posto, no tocante aos danos materiais sofridos pelos veículos “JD” e “XV”, teve o tribunal em consideração as declarações do próprio arguido quanto ao veículo em que seguia, conjugadas com as declarações de C..., proprietário do “XV”, no que revelou conhecimento directo dos factos e detalhe no respectivo relato. Já no tocante à assistência dada no local à ofendida B..., o tribunal valorou o depoimento das testemunhas E... e G..., elementos dos Bombeiros que acorreram ao local na sequência do sinistro e que confirmaram o subsequente transporte da ofendida B... para o Hospital de Abrantes. No que concerne às lesões, sequelas e aspectos médicos e/ou clínicos relativos à sinistrada B..., teve o tribunal em consideração os elementos clínicos de fls. 39-40 e 48-60, o relatório pericial de fls. 114-117, os elementos clínicos de fls. 164-174 e 192, as fotografias de fls. 217, e os relatórios periciais de fls. 332-339, tudo elementos cujo teor e valor probatório saiu incólume em sede de audiência de julgamento. Já no que tange à idade da ofendida, teve o tribunal em consideração do documento de fls. 176, correspondente à cópia certificada do respectivo Cartão do Cidadão. Por sua vez, no que concerne ao conhecimento do arguido relativamente à proibição inerente à sua conduta, sem prejuízo da sua expressa confissão no tocante à proibição de conduzir sob o efeito do álcool, importa salientar que factos como os que foram elencados na acusação pública são facilmente identificáveis pelo cidadão comum como proibidos, sendo ainda certo que o concreto arguido, no caso, tem especiais deveres de conhecimento da lei, tanto mais que exerce há vários anos funções como agente da PSP. No que tange ao número da apólice de seguro em causa nos autos, teve o tribunal em consideração, uma vez mais, o auto de notícia, o qual faz fé em juízo e cujo teor, conforme referido, saiu incólume em sede de audiência de julgamento, e bem assim no teor de fls. 269-272. Já no que respeita à profissão da ofendida, à execução que fazia das lides domésticas de casa e bem assim ao prazer que para a mesma advinha do tocar de acordeão, teve o tribunal em consideração as suas próprias declarações, as quais reputamos de sinceras, sem laivos de exagero, no que foi secundada pelo seu marido C... e por J..., este vizinho e amigo do casal. Do mesmo modo, o tribunal estribou a sua convicção no depoimento da ofendida e das referidas testemunhas no tocante às dificuldades actualmente sentidas pela ofendida no que tange ao lavar de louça (actividade no âmbito da qual, volta e meia, “parte um prato”) e ao tocar de acordeão (no que agora lhe é exigido um esforço suplementar ao nível da abertura e fecho do ar proveniente do fole, gesto de execução musical este que exige intervenção necessária do braço esquerdo). No que tange às despesas em que a ofendida B... incorreu, teve o tribunal em consideração o teor dos documentos juntos com o respectivo pedido cível, a fls. 179-212, com excepção do documento de fls. 197, correspondente a uma simulação de factura não paga pela ofendida, conforme explicado com propriedade pela testemunha L... dos serviços administrativos/contabilidade do “Centro Hospitalar do Médio Tejo”. Tais despesas, de resto, foram também confirmadas pela própria ofendida e pelo respectivo marido, no que revelaram sinceridade e objectividade. Quanto aos quilómetros percorridos pela ofendida, teve, uma vez mais, o tribunal em consideração o depoimento do marido daquela, o qual, sem prejuízo da factualidade que se deu como não provada a este propósito, revelou pormenor e cuidado na sua análise. Já no que tange ao orçamento relativo aos danos na viatura “XV”, sem prejuízo das considerações de direito que à frente se tecerão, teve o tribunal em consideração o teor do orçamento elaborado pela própria seguradora, “ H...”, a fls. 214-216. Relativamente aos incómodos e desgosto sofridos pela ofendida B..., resultam os mesmos demonstrados, desde logo, face às regras da experiência comum, como uma evidência tendo em conta as dores, lesões e sequelas sofridas, mas também a necessidade, intensidade e duração dos necessários tratamentos, o que, sem prejuízo, resultou bem espelhado do teor das suas declarações e bem assim do depoimento do respectivo marido. Já no que tange aos danos invocados pelo “Centro Hospitalar do Médio Tejo, EPE”, teve o tribunal em consideração o teor dos documentos constantes de fls. 229-231, os quais foram devidamente analisados, explicados e confirmados pela já mencionada testemunha L..., funcionária dos respectivos serviços administrativos/contabilidade, a qual logrou salientar que as inerentes quantias ainda se encontram em dívida. Isto posto, no que concerne à situação pessoal, profissional e sócio-económica do arguido, teve o tribunal em consideração os respectivos esclarecimentos, relativamente aos quais não se vislumbram razões para neles não fazer fé. Finalmente, foi tido em consideração o teor do CRC de fls. 384 e do RIC de fls. 28.
Já no que tange à factualidade que se deu como não provada, resultou a mesma da total ausência de prova em sede de audiência de julgamento. Com efeito, no que tange à velocidade a que seguia o arguido, conforme supra já se aflorou, não foi possível apurar a mesma com rigor, sem prejuízo da sua evidente desadequação face às circunstâncias que envolveram o sinistro e, bem assim, às características da via. Do mesmo modo, face ao apuramento de que, nas circunstâncias de tempo e lugar do sucedido, existiam veículos estacionados de ambos os lados da via, ocupando as respectivas bermas, não podia o tribunal, em rigor, imputar ao arguido qualquer tipo de desadequação da respectiva condução que tivesse por referência a manutenção da devida distância para as bermas ou passeios. Por sua vez, deu o tribunal como não provados os impedimentos invocados pela ofendida B... ao nível da realização da lida da casa face, desde logo, às suas próprias declarações, pois que, instada, logo começou por afirmar que, mesmo depois do sinistro, continua a “fazer de tudo”, sem prejuízo das dificuldades que o tribunal, aí sim, deu como provadas. Assim, mau grado as apuradas dificuldades da ofendida no tocante a lavar a loiça e também a tocar acordeão, nenhum outro impedimento se apurou no tocante à realização das lides domésticas da casa e inerentes limpezas. Do mesmo modo, e consequentemente, não se apurou que a ofendida careça de terceira pessoa para a realização de tais tarefas, tal como também não se provou que aquela tocasse qualquer outro instrumento antes do sinistro, designadamente viola (instrumento a que nenhuma testemunha aludiu, nem tão pouco a própria ofendida). Também no tocante aos custos de uma eventual intervenção cirúrgica de extracção do material de osteossíntese, foi nenhuma a prova produzida em sede de audiência de julgamento, motivo pelo qual não tinha o tribunal como não dar tal factualidade por não provada. Quanto ao montante despendido pela ofendida em consultas e taxas moderadoras, o tribunal deu como não provado o valor de € 86,60, mas como provado o valor de € 55,60, em virtude da já mencionada e fundamentada desconsideração, para este efeito, do teor do documento de fls. 197 (simulação de factura). Já no que diz respeito à alegada inutilização da roupa da ofendida, importa referir que nenhuma testemunha se referiu a tal circunstância, não tão pouco a própria ofendida, sendo ainda de salientar que as calças exibidas em sede de audiência de julgamento pelo marido da ofendida não se encontravam destruídas ou inutilizadas. Do mesmo modo, é de referir que, no seu relato a propósito dos quilómetros percorridos, não foi feita pelo marido da ofendida qualquer referência a Vila Nova de Mil Fontes, motivo pelo qual a atinente factualidade foi dada como não provada.» * 2. Apreciando 2. 1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso([ii]), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso([iii]). Assim, atenta a conformação das conclusões formuladas, importa conhecer das seguintes questões, organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência: Recurso interposto pelo arguido A...: - nulidade da sentença nos termos do artigo 379.º, n.º 1, b), por violação do disposto no artigo 358.º, n.º 1; - nulidade da sentença nos termos do artigo 379.º, n.º 1, a), por violação do disposto no artigo 374.º, n.º 2; - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; - contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; - erro notório na apreciação da prova; - violação do princípio in dubio pro reo; - enquadramento jurídico-penal dos factos; - quantitativo diário da pena de multa; - pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.; - indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela ofendida B...; - concorrência de culpas na produção do acidente.
Recurso interposto pela demandante B...: - indemnização pelos danos não patrimoniais; - indemnização pelos danos patrimoniais futuros (dano biológico)
2.2. Recurso interposto pelo arguido A... 2.2.1. Da nulidade da sentença nos termos do artigo 379.º, n.º 1, b) por violação do disposto no artigo 358.º, n.º 1. Segundo o recorrente a sentença padece da nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 379.º porque o tribunal a quo não foi claro na comunicação dos factos que consubstanciam a alteração não substancial, assim como não indicou os meios de prova em que se baseou para essa alteração. Um processo penal como o nosso, de estrutura basicamente acusatória integrado por um princípio de investigação, admite que, sendo a descrição dos factos na acusação uma narração sintética, nem todos os factos ou circunstâncias factuais relativas ao crime acusado possam constar desde logo dessa peça, podendo surgir durante a discussão factos novos que traduzam alteração dos anteriormente descritos, matéria regulada nos artigos 303.º, 358.º e 359.º que distinguem entre “alteração substancial” e “alteração não substancial” dos factos descritos na acusação ou pronúncia. Para essa distinção releva a definição constante do artigo 1.º, n.º 1, f), segundo a qual se considera alteração substancial dos factos “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”. A alteração não substancial de factos define-se por exclusão de partes sendo, portanto, aquela que não tiver por efeito a imputação ao arguido de crime diverso ou a agravação do limite máximo da pena aplicável, pressuposta, evidentemente, a sua relevância para a decisão da causa. O artigo 359.º rege para a alteração substancial e determina que tal alteração da factualidade descrita na acusação não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implica a extinção da instância. Tratando-se de novos factos autonomizáveis em relação ao objecto do processo, a comunicação da alteração ao Ministério Público vale como denúncia (n.º 2), ressalvando-se a possibilidade de acordo entre o Ministério Publico, o arguido e o assistente na continuação do julgamento se o conhecimento dos factos novos não determinar a incompetência do tribunal (n.º 3), concedendo-se então ao arguido, a requerimento, um prazo para preparação da defesa não superior a 10 dias, com o consequente adiamento da audiência, se necessário (n.º 4). Diversamente, se a alteração dos factos for não substancial, isto é, não determinar uma alteração do objecto do processo, então o tribunal pode investigar e integrar no processo factos que não constem da acusação ou da pronúncia e que tenham relevo para a decisão da causa, exigindo-se, porém, que ao arguido seja comunicada a alteração e que se lhe conceda, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa (n.º 1 do artigo 358.º), ressalvando-se os casos em que a alteração derive de factos alegados pela defesa (n.º 2). O artigo 379.º, n.º 1 estabelece as situações em que uma sentença é nula, sendo uma delas, no que ora interessa, a prevista na sua alínea b), o que sucederá quando se “condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º”. Ínsito a tais preceitos encontra-se subjacente o princípio do contraditório, o qual, encarado no ponto de vista do arguido, pretende assegurar os seus direitos de defesa com a abrangência imposta pelo artigo 32.º, nºs 1 e 5 da Constituição da República, no sentido de que nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão deve ser proferida, sem que previamente tenha sido precedida de ampla e efectiva possibilidade de ser contestada ou valorada pelo sujeito processual contra o qual aquelas são dirigidas([iv]). Trata-se, no fundo, do “direito de ser ouvido”, enquanto direito de se dispor de uma efectiva oportunidade processual para se tomar uma posição sobre aquilo que o afecta([v]). No caso em apreço, o arguido foi acusado da prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário previsto e punido pelo artigo 291.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal, um crime de omissão de auxílio previsto e punido pelo artigo 200.º, nºs 1 e 3 do Código Penal, um crime de ofensa à integridade física grave por negligência previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1 e 148.º, nºs 1 e 2 ex-vi artigo 144.º, b) do Código Penal, uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 24.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, e) do Código da Estrada, uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 25.º, n.º 1, c) e 145.º, n.º 1, e) do Código da Estrada, uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 25.º, n.º 1, d) e 145.º, n.º 1, e) do Código da Estrada, uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 13.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, f) do Código da Estrada e uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 89.º, nºs 1 e 2 e 146.º, g) do Código da Estrada, tendo sido, posteriormente, na sequência da comunicação de alteração da qualificação jurídica, imputada ao arguido a prática de um crime de condução perigosa agravada pelo resultado previsto e punido nos termos das disposições conjugadas dos artigos 291.º, n.º 1, a), 294.º e 285.º, com referência aos artigos 143.º, n.º 1, 148.º, nºs 1 e 3 ex-vi artigo 144º, alínea a), e punido ainda pelo artigo 69.º, n.º 1, a), todos do Código Penal. Nos artigos 4º, 5º, 6º, 7º e 8º da acusação consta o seguinte: «4. O arguido A... conduzia com uma TAS de 2,20 g/l. 5. Mais, o arguido circulava na referida artéria sem prestar a atenção devida e cautelas necessárias ao restante tráfego, nomeadamente o de peões, e imprimindo ao seu veículo uma velocidade seguramente desadequada para o local e superior a 50 km/h, atentas as características específicas da via em que circulava, dado que se tratava de uma localidade, circulavam vários peões na via pública (uma vez que decorriam as festas da localidade de Pisão Cimeiro) e existiam veículos estacionados em ambos os lados da via. 6. Além disso, tal velocidade não lhe permitia a imobilização do veículo automóvel que conduzia em tempo útil, perante o aparecimento de qualquer obstáculo na via. 7.O arguido também não manteve das bermas e passeios a distância devida de modo a causar acidentes. 8. Por força destas circunstâncias, inopinadamente e, sem que nada o fizesse prever, o arguido não conseguiu reduzir a velocidade que imprima ao veículo que conduzia, e foi embater com o espelho retrovisor do lado direito, no corpo da ofendida B..., mais concretamente, no seu braço esquerdo, entalando-o na porta esquerda da viatura “XV”.» Por despacho proferido em 10 de Abril de 2014, no decurso da audiência de julgamento, por considerar, tendo em conta a prova produzida, que se verificava a possibilidade de se virem a dar como provados alguns factos que não constavam da acusação, nem foram alegados pela defesa, o Mmo. Juiz a quo, invocando o disposto no n.º 1 do artigo 358.º, comunicou ao arguido o seguinte conjunto de factos: «o arguido circulava na artéria referida na acusação pública sem prestar atenção devida e cautelas necessárias ao restante tráfego, nomeadamente ao de peões, e imprimia ao seu veículo velocidade não concretamente apurada mas que, dadas as características da via no momento – situada no interior de uma localidade, no decurso das festividades locais de Pisão Cimeiro, com veículos estacionados em ocupação parcial da faixa de rodagem em ambos os sentidos de marcha e com circulação de peões em ambos os lados pela faixa de rodagem – fizeram com que o arguido não conseguisse controlar o seu veículo e evitar o embate na ofendida, como efectivamente sucedeu, nem tão pouco imobilizar o seu veículo em tempo útil perante ao aparecimento de qualquer obstáculo na via.» Ao contrário do que alega o arguido, como resulta do cotejo entre a descrição de factos constante da acusação e aqueles que foram comunicados pelo tribunal, o que se prende com a circulação do arguido sem prestar «atenção devida e cautelas necessárias» não configura uma alteração de factos levada cabo pelo tribunal a quo pois trata-se de matéria que já constava do artigo 5º do libelo acusatório. Aliás, quando se menciona que «o arguido circulava sem prestar a atenção devida e cautelas necessárias ao restante tráfego» está a consignar-se na matéria de facto uma conclusão que se encontra devidamente materializada no artigo 8º da acusação. A decisão recorrida não alterou, portanto, o objecto do processo tal como este se encontra definido na acusação de fls. 138 e seguintes, nem referiu factos ou circunstâncias factuais que o recorrente desconhecesse e não tivesse logrado contraditar. Por outro lado, ao contrário do que parece entender o recorrente, a lei não impõe, aquando da comunicação da alteração de factos, nos termos do n.º 1 do artigo 358.º, a indicação dos meios de prova, o que bem se compreende por se tratar de factos indiciados e não factos provados, perante os quais a defesa, se assim o entender, ainda pode apresentar novos meios de prova, o que o arguido, no caso em apreço, não fez. Frederico Isasca chama justamente a atenção para a circunstância de a produção da prova ser algo que pressupõe que os factos sobre que recai façam parte do objecto do processo, o que, no caso do artigo 358º, só é possível após a comunicação ao arguido da alteração e da concessão dos direitos de defesa que o preceito impõe. Assim refere este autor, “[n]ão é, pois, correcto, neste contexto, falar-se de factos provados ou não provados. O mais que se poderá afirmar é que estão indiciados ou fortemente indiciados”([vi]). Improcede, portanto, a invocada nulidade.
2.2.2. Da nulidade da sentença nos termos do artigo 379.º, n.º 1, a), por violação do disposto no artigo 374.º, n.º 2. Segundo o recorrente a sentença enferma de nulidade, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º, com referência ao n.º 2 do artigo 374.º, por falta de exame crítico das provas relativamente à iluminação do local onde ocorreu o acidente (ponto 14º dos factos provados). De acordo com o disposto no citado preceito legal é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º. Como é sabido, a sentença divide-se em três partes: o relatório, a fundamentação e o dispositivo (artigo 374.º). A fundamentação é composta pela enumeração dos factos provados e não provados bem como pela exposição completa mas concisa das razões, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (artigo 374.º, n.º 2). Os factos provados e não provados que devem constar da fundamentação da sentença são todos os factos constantes da acusação e da contestação, os factos não substanciais que tenham resultado da discussão da causa e os factos substanciais resultantes da discussão da causa e aceites nos termos do artigo 359.º([vii]). A fundamentação da sentença penal decorre da exigência de total transparência da decisão, desta forma possibilitando aos seus destinatários e à própria comunidade a compreensão dos juízos de valor e de apreciação levados a cabo pelo julgador e o controlo da actividade decisória pelo tribunal de recurso. E por isso a lei fulmina com nulidade a sentença que não contenha as menções referidas no n.º 2 do artigo 374.º, isto é, quando não contenha a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, das razões de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Através da fundamentação da matéria de facto da sentença há-de ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal. Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo([viii]). Portanto esse exame crítico deve indicar no mínimo, e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal. O que é essencial é que através da leitura da sentença se perceba por que razão o tribunal decidiu num sentido e não noutro, garantindo-se que a decisão sobre a matéria de facto não foi fruto de capricho arbitrário do julgador ou de mero “palpite”. Assim, sob pena de nulidade, a sentença, para além da indicação dos factos provados e não provados e dos meios de prova, há-de conter também “os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, ao cabo e ao resto, um exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal colectivo num determinado sentido”([ix]). Nisto se esgota a questão da nulidade da sentença por falta de exame crítico das provas. Esta nulidade só ocorre quando não existir o exame crítico das provas e não também quando forem incorrectas ou passíveis de censura as conclusões a que o tribunal a quo chegou posto que, percebidas as razões do julgador, podem os sujeitos processuais, com recurso, quando tal for necessário, ao registo da prova, argumentar para que o tribunal de recurso altere a matéria de facto fixada mas aqui já se está em sede de impugnação da matéria de facto e não de nulidade da sentença. Posto isto, dir-se-á que a fundamentação da matéria de facto da sentença recorrida deixa claramente explicitado o iter da decisão e as razões da valoração efectuada, estruturada nos elementos de prova documental e testemunhal que referencia e analisa de forma racional, lógica e crítica, assim como nas regras da experiência que menciona e não são questionadas, indicando de forma clara, minuciosa e exaustiva a formação da convicção do tribunal. No que respeita aos factos dados como provados no ponto 14º resulta claro da fundamentação de facto que, para além das declarações prestadas pelo arguido e pela ofendida bem como dos depoimentos das testemunhas C... e D..., teve o tribunal igualmente em consideração as declarações prestadas pelas testemunhas E... e F..., elementos da GNR que acorreram à situação, devidamente conjugadas com os elementos documentais juntos aos autos, designadamente o auto de notícia de fls. 2-2verso, a participação de acidente de viação de fls. 10-11verso e, bem assim, o relatório de ocorrência dos Bombeiros de Vila de Rei, constante de fls. 73-74, e a reportagem fotográfica de fls. 76-81. Improcede, portanto, a invocada nulidade.
2.2.3. Dos vícios do n.º 2 do artigo 410.º De acordo com o disposto no artigo 410.º, n.º 2, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. Em qualquer das referidas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos estranhos àquela para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento([x]). Os vícios do artigo 410.º, n.º 2 são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Neste caso, o objecto da apreciação é apenas a peça processual recorrida. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão. Saliente-se que este vício reporta-se à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, a qual já cai no âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito. Também a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde com uma suposta insuficiência dos meios de prova para a decisão de facto tomada. Para que exista aquele vício é necessário que a matéria de facto fixada se apresente insuficiente para a decisão proferida por se verificar uma lacuna no apuramento da matéria necessária para uma decisão de direito. Não ocorre esse vício quando o tribunal investigou tudo o que podia e devia investigar. A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Existe tal vício quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do Tribunal([xi]). Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada. Em causa está a discordância lógica entre os factos provados, ou entre estes e os não provados, ou na própria motivação da matéria de facto ou entre esta e a decisão. No que respeita ao erro notório na apreciação da prova, tal vício verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O apontado vício é aquele que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade, que é patente, só podendo relevar se for ostensivo, inquestionável e perceptível pelo comum dos observadores ou pelas faculdades de apreciação do “homem médio”. O vício existe quando se dão por provados factos que, face às regras de experiência comum e à lógica corrente, do homem médio, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos([xii]). Trata-se de um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial. Os vícios do artigo 410.º, n.º 2 não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questão do âmbito da livre apreciação da prova, princípio ínsito no citado normativo. Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é essa convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos. No caso em apreciação, alega o recorrente que, tendo em consideração a conjugação da prova produzida, não se conforma com a apreciação da prova realizada pelo tribunal a quo relativamente aos factos dados como provados sob os pontos 3º, 5º, 6º, 7º, 14º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º e 35º por entender que foram incorrectamente julgados, padecendo do vício de insuficiência para a decisão da prova, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova. Analisadas as conclusões e a respectiva motivação, afigura-se-nos que o recorrente incorre numa confusão muito frequente ao confundir o âmbito dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, com o recurso versando a matéria de facto, isto é, com o chamado erro de julgamento, pois o que o recorrente questiona é o modo como o tribunal a quo valorou a prova produzida, ou seja, o uso que o tribunal recorrido fez do princípio da livre apreciação da prova. Como já salientava o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1991, se o recorrente alega vícios da decisão recorrida a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º, mas fora das condições previstas nesse normativo, afinal impugna a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecido da regra da livre apreciação da prova inserta no artigo 127.º([xiii]). O recorrente confunde o âmbito dos vícios que invoca com o erro de julgamento que existe “quando o tribunal considera provado um determinado facto, sem que tivesse sido feita prova do mesmo e como tal deveria ter sido considerado como não provado; ou quando se dá como não provado um facto, que em face da prova produzida, deveria antes ter sido considerado provado”([xiv]). Apenas assim se compreende que invoque os vícios previstos no n.º 2 do artigo 410.º como corolário da sua apreciação da prova produzida, chamando à colação elementos externos ao texto da decisão recorrida, confundindo, pois, vícios da decisão judicial com o erro de julgamento. Trata-se, na verdade, de opções processuais distintas, reclamando tratamento diferenciado. A divergência entre o que na sentença se deu como provado e aquilo que deveria ter sido dado como provado traduz erro de julgamento da matéria de facto, sindicável pelo tribunal superior se tiver havido documentação da prova produzida em audiência e o recorrente interessado na respectiva impugnação observar, em sede de recurso, o que dispõe o artigo 412.º. A arguição deste vício nos termos legalmente previstos desencadeia a reapreciação da matéria de facto à luz da prova produzida em audiência e pode conduzir à alteração da factualidade provada. Já a arguição dos vícios previstos no artigo 410.º pressupõe que estes resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, portanto, sem recurso à reapreciação da prova produzida em audiência, não permitindo sindicar a matéria de facto nos termos amplos em que o consente a invocação de erro de julgamento mediante impugnação da matéria de facto provada, e conduzirá, normalmente, ao reenvio do processo para novo julgamento, total ou parcial. De todo o modo, diga-se que, do texto da sentença recorrida, por si só ou conjugado com os ditames da experiência comum, não resulta a verificação dos apontados vícios posto que daquele decorre que os factos nele considerados como provados constituem suporte bastante para a decisão a que se chegou e dele não resulta qualquer incompatibilidade entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão, assim como nele não se detecta qualquer equívoco ostensivo contrário a facto do conhecimento geral ou ofensivo das leis da física, da mecânica, da lógica ou de conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos. Improcede, portanto, a invocação dos referidos vícios.
2.2.4. Da violação do princípio in dubio pro reo O nosso regime jurídico processual-penal consagra no artigo 127.º o princípio da livre apreciação da prova. A livre apreciação da prova pressupõe que esta seja considerada segundo critérios objectivos que permitam estabelecer o substrato racional da fundamentação da convicção. O princípio in dubio pro reo constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos: em tal situação, impõe-se que o Tribunal decida pro reo, a favor do arguido, pois. Como acentua Jescheck “serve para resolver dúvidas a respeito da aplicação do direito que surjam numa situação probatória incerta”([xv])ou, dito de outro modo, significa que a persistência de dúvida razoável, após a produção de prova, tem de actuar em sentido favorável ao arguido([xvi]). A dúvida que há-de levar o tribunal a decidir «pro reo», tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária. Por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal([xvii]) ([xviii]). Não é assim toda a dúvida que justifica a absolvição com base neste princípio. Mas apenas aquela em que for inultrapassável, séria e razoável a reserva intelectual à afirmação de um facto que constitui elemento de um tipo de crime ou com ele relacionado, deduzido da prova globalmente considerada (…) A própria dúvida está sujeita a controlo, devendo revelar-se conforme à razão ou racionalmente sindicável, pelo que, não se mostrando racional, tal dúvida não legitima a aplicação do citado princípio([xix]). A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do Tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, argumentada, coerente, razoável([xx]). Daí que o tribunal de recurso só poderá censurar o uso feito desse princípio (in dubio) se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido([xxi]). O princípio in dubio pro reo encerra, portanto, uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa pelo que a sua violação exige que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido. À semelhança do que sucede com os vícios consagrados no n.º 2 do artigo 410.º, em sede de recurso a violação do princípio in dubio pro reoapenas ocorre quando tal vício resulte da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, pois o recurso não constitui um novo julgamento, antes sendo um remédio jurídico. No caso em apreço, o recorrente apela ao princípio in dubio pro reo essencialmente como corolário da sua apreciação da prova, sendo que, em momento algum, resulta da sentença recorrida que relativamente aos factos provados e objecto dos autos, o tribunal se defrontou com dúvidas que resolveu contra o recorrente ou demonstrou qualquer dúvida na formação da convicção e, ademais, se impunha que a devesse ter tido. Improcede, portanto, também esta questão.
2.2.5. Do enquadramento jurídico-penal dos factos Sustenta o recorrente que a factualidade dada como provada na sentença recorrida deveria ter sido qualificada juridicamente como preenchendo o tipo legal de crime do artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, pois o facto em que se alicerçou toda a acusação pública para imputar ao arguido a prática do crime previsto e punido pelo artigo 291.º, n.º 1, 294.º, n.º 3 e 285.º, por referencia aos artigos 143.º, n.º 1, 148.º, nºs 1 e 3 ex-vi do artigo 144.º, a) e punido pelo artigo 69.º, n.º 1, a), todos do CP, não ficou, no entender do recorrente, provado em sede de audiência de discussão e julgamento, assim como sustenta que deve ser absolvido do crime de omissão de auxílio. Como liminarmente se poderá concluir, resultando improcedente o recurso no que respeita à alteração da matéria de facto a partir da invocação dos vícios do n.º 2 do artigo 410.º, a qual se mantém intangível, o mesmo terá que necessariamente improceder também no que se refere a esta pretensão, sendo que as lesões sofridas pela ofendida B..., das quais resultaram como consequência permanente rigidez articular do punho esquerdo com flexão limitada aos 45º, extensão limitada aos 30º, supinação limitada aos 30º e diminuição da força muscular, bem como duas cicatrizes que, em face da sua extensão, configuração, zona atingida e visibilidade, constituem um dano estético fixável no grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, correspondem ao conceito de desfiguração grave e permanente previsto na lei. Por conseguinte, uma vez que os factos provados preenchem o tipo objectivo e subjectivo dos crimes de condução perigosa agravada pelo resultado e de omissão de auxílio, já analisados na sentença recorrida, não merece qualquer censura a condenação do recorrente. Improcede, portanto, esta questão.
2.2.6. Do quantitativo diário da pena de multa No que concerne ao montante diário da multa estabelece o artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal que «cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais». A este respeito importa ter em conta que a multa é uma pena pelo que o montante diário da mesma deve ser fixado em termos de tal sanção representar um real sacrifício para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar([xxii]). Como salienta Taipa de Carvalho «a multa enquanto sanção penal, não pode deixar de ter um efeito preventivo e, portanto, não pode deixar de ter uma natureza de pena ou sofrimento, isto é e por outras palavras, não pode o condenado na multa deixar de a “sentir na pele”»([xxiii]). Na aferição do quantitativo diário o julgador deve não só ter em conta os rendimentos mensais do arguido, sejam próprios ou do que o mesmo beneficie, mas toda a situação económica e financeira de que o mesmo disponha, designadamente o património que se lhe apresente disponível e os seus encargos. Assim, pode servir como factor de ponderação o facto de o arguido viver em casa própria, assim como se deverá fazer uma consideração diferenciada dos encargos, distinguindo aqueles que revelam custos indispensáveis para a sustentação do condenado e dos seus familiares dependentes, os quais devem ser deduzidos no rendimento, daqueles que revelam alguma prodigalidade ou luxúria e que não devem beneficiar da mesma ponderação dedutiva, antes pelo contrário, o que tudo aconselha a que os quantitativos mínimos sejam reservados para aquelas pessoas que vivem abaixo ou no limiar da subsistência, o que não é seguramente o caso do arguido, escalonando-se a partir daí todos os demais. Nestes termos, considerando os factos apurados sobre a situação económica e financeira do arguido, afigura-se adequado o quantitativo diário de € 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos) fixado pelo tribunal a quo. Improcede, portanto, também esta questão.
2.2.7. Da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor Insurge-se o recorrente também contra a pena acessória aplicada pelo tribunal recorrido por considerar que a sua aplicação in casu não se justifica, atento o peso que a restante condenação terá para a vida do recorrente, acrescentando que deve quando muito ser graduada no seu limite mínimo, isto é, em três meses. Segundo o disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime previsto no artigo 291.º. A proibição de conduzir veículos motorizados como pena acessória que é deve ser graduada, tal como a pena principal, segundo os critérios gerais de determinação das penas que decorrem dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, já referenciados. No entanto, apesar da identidade de critérios, tratando-se de realidades complementares e distintas, não pode deixar de se ter conta a natureza e finalidades próprias da pena acessória de modo a que a pena acessória aplicada em concreto se mostre ajustada às suas finalidades específicas dentro do programa político-criminal em matéria dos fins das penas enunciado pelo artigo 40.º do Código Penal. Sendo certo que a pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas dirige-se também, ao menos em alguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação([xxiv]). Daí que a determinação da pena acessória deva operar-se mediante recurso aos critérios gerais consignados no artigo 71º do Código Penal com a ressalva de que a finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita na medida em que a sanção acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral([xxv]). A pena acessória a aplicar ao arguido será a que resultar da concretização dos critérios enunciados no artigo 71.º do Código Penal, ou seja, num primeiro momento apura-se a moldura abstracta da pena e num segundo momento a medida concreta da mesma. Ainda na vigência da versão originária do Código Penal, ensinava o Prof. Figueiredo Dias, no plano de lege ferenda, que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados tem como pressuposto material «a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável», circunstância essa que «vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto. Por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa» pelo que deve esperar-se desta pena acessória «que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano», desempenhando, assim, uma função adjuvante da pena principal, reforçando e diversificando o conteúdo sancionatório da condenação([xxvi]). Deste modo, considerando o elevado grau de ilicitude emergente dos factos, a elevada intensidade do dolo na forma de dolo directo, as prementes necessidades de prevenção geral e as necessidades de prevenção especial que, in casu, não se afiguram particularmente relevantes, pois o arguido não tem antecedentes criminais e encontra-se inserido familiar, social e profissionalmente, entende-se ser de manter a pena acessória aplicada ao arguido pelo tribunal a quo. Assim, tudo ponderado, observados que foram os critérios legais no que respeita aos factores relevantes para a determinação da medida da pena, não se vislumbra qualquer motivo para reduzir o período de proibição de conduzir veículos com motor fixado pelo tribunal a quo. Improcede, portanto, esta questão.
2.2.8. Da indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela ofendida/demandante B... Insurge-se o recorrente igualmente contra o montante de € 16.500 arbitrado pela sentença recorrida para a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela ofendida/demandante B... por entender que é razoável o valor de € 9.000. Discutida a causa, apurou-se que, como consequência directa e necessária do embate ocorrido, a demandante B... sofreu fractura dos ossos do antebraço esquerdo (cúbito e rádio), lesões que lhe determinaram 330 (trezentos e trinta) dias de doença para a consolidação médico-legal, 38 (trinta e oito) dos quais com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional. No Hospital de Abrantes, onde foi internada, a demandante B... foi sujeita a intervenção cirúrgica, designadamente, osteossíntese dos ossos do antebraço esquerdo, com placa e parafusos. A demandante teve alta do Serviço de Ortopedia no dia 31.07.2011, oito dias depois do seu internamento, tendo passado ao regime de tratamento ambulatório, com acompanhamento do Serviço de Consultas Externas do Centro Hospitalar do Médio Tejo. Na sequência do sinistro, a demandante B... cumpriu um programa de tratamentos de fisioterapia, tendo sofrido 330 dias de doença, 38 dos quais com incapacidade para trabalhar. A demandante B... ficou com as seguintes sequelas das lesões sofridas: rigidez articular do punho esquerdo com flexão limitada aos 45º, extensão limitada aos 30º, supinação limitada aos 30º e diminuição da força muscular. A data de consolidação das lesões sofridas pela demandante B... é fixável em 17.06.2012 e o período de Défice Funcional Temporário Total é fixável num período de 330 dias, aos quais deverão ser acrescidos 15 dias na sequência de extracção do material de osteossíntese. O período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total é fixável em 330 dias, aos quais deverão ser acrescidos 15 dias na sequência de extracção do material de osteossíntese. O dano estético sofrido pela demandante é fixável no grau de 4/7. O quantum doloris é fixável num grau de 5/7. O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixável em 5 pontos. As sequelas sofridas pela demandante são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares. À data do acidente a demandante tinha 56 anos de idade. Além das tarefas da sua profissão de professora, a demandante, antes do acidente dos autos, executava também todas as tarefas da lida doméstica da sua casa. Em virtude das sequelas sofridas, a demandante B... tem dificuldade no lavar da louça e a tocar acordeão. A demandante B... tinha e tem no tocar de acordeãoum dos seus maiores prazeres. Por causa do sinistro, a demandante B... passou por grandes incómodos e sofrimentos, designadamente, dores sofridas durante o internamento hospitalar, e que ainda hoje sente, designadamente nas mudanças de tempo e, bem assim, quanto faz esforços com a mão esquerda. A demandante sofre de desgosto por ter ficado com as limitações físicas que o acidente lhe causou. Todos estes factos se traduzem em danos não patrimoniais. Na verdade, não restam dúvidas que aquelas dores e as cicatrizes operatórias assim como o incómodo, o sofrimento e o desgosto e o subsequente abalo moral e prejuízo estético, se analisam em danos de natureza não patrimonial quer se opte pela formulação negativa, que inclui nesta categoria todos aqueles que não atingem os bens materiais do sujeito passivo ou que, de qualquer modo, não alteram a sua situação patrimonial([xxvii]), quer pela formulação positiva, segundo a qual o dano não patrimonial ou dano moral tem por objecto um bem ou interesse sem conteúdo patrimonial, insusceptível, em rigor, de avaliação pecuniária. A indemnização não visa então propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido([xxviii]). Além disso, tais danos são indemnizáveis porque têm a gravidade bastante para merecer a tutela do direito - artigo 496º, n.º 1 do Código Civil. Nestes danos não patrimoniais, não há uma indemnização verdadeira e própria, mas, antes, uma reparação, a atribuição de uma soma em dinheiro que se julga adequada para compensar e reparar dores ou sofrimentos, através do proporcionar de certo número de alegrias e satisfações que as minorem ou façam esquecer([xxix]). O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante), segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização – artigos 494.º “ex vi” artigo 496.º n.º 3 do Código Civil –, aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida([xxx]). A jurisprudência dos Tribunais Superiores tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização ou compensação por danos não patrimoniais para responder actualizadamente ao comando do artigo 496.º do Código Civil tem que ter um alcance significativo e não meramente simbólico de forma a assegurar uma efectiva possibilidade compensatória, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar([xxxi]). Aplicando as considerações expostas ao caso vertente, tendo presente o período de défice funcional temporário total, a graduação do quantum doloris e do prejuízo estético, assim como os padrões de indemnização que vêm sendo adoptados pela jurisprudência, julga-se adequada a quantia de € 16.500, arbitrada pelo tribunal recorrido, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela ofendida/demandante B.... Improcede, portanto, esta questão.
2.2.9. Da concorrência de culpas na produção do acidente Considera o arguido que houve concorrência de culpas na produção do acidente alegando que a sentença não faz uma única referência ao facto de o veículo para onde a ofendida se preparava para entrar se encontrar indevidamente estacionado, parcialmente na berma e outra parte na faixa de rodagem daquela via. Apreciando a matéria de facto descrita dir-se-á que acompanhamos a sentença recorrida quando considera haver culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel na produção do acidente. Discutida a causa ficou provado que, no dia 24 de Julho de 2011, pelas 1h10m, na Rua Rainha Santa Isabel (antiga Rua Principal), em Pisão Cimeiro, Vila de Rei, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, marca “BMW”, de matrícula JD (...), no sentido da antiga Estrada Nacional nº2 para o centro da localidade de Pisão Cimeiro, a velocidade não concretamente apurada. Nas descritas circunstâncias de tempo, modo e lugar, a ofendida B... preparava-se para entrar na porta do lado esquerdo do veículo com a matrícula XV (...), marca “Land Rover”, modelo “LJGAF8, Discovery 2.5 TDI”, que se encontrava devidamente estacionado, à direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do arguido. O arguido A... conduzia com uma TAS de 2,20g/l, a que corresponde uma TAS de 1,54g/l, após dedução do erro máximo admissível nos termos da Tabela anexa à Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro. Mais ficou provado que o arguido circulava na referida artéria sem prestar a atenção devida e cautelas necessárias ao restante tráfego, nomeadamente ao de peões, e imprimia ao seu veículo velocidade não concretamente apurada mas que, dadas as características da via no momento – situada no interior de uma localidade, no decurso das festividades locais de Pisão Cimeiro, com veículos estacionados em ocupação parcial da faixa de rodagem em ambos os sentidos de marcha e com circulação de peões em ambos os lados pela faixa de rodagem – fizeram com que o arguido não conseguisse controlar o seu veículo e evitar o embate na ofendida, como efectivamente sucedeu, nem tão pouco imobilizar o seu veículo em tempo útil perante ao aparecimento de qualquer obstáculo na via. Com efeito, por força das referidas circunstâncias, inopinadamente, e sem que nada o fizesse prever, o arguido não conseguiu reduzir a velocidade que imprimia ao veículo que conduzia e foi embater com o espelho retrovisor do lado direito no corpo da ofendida B..., mais concretamente, no seu braço esquerdo, entalando-o na porta esquerda da viatura “XV”. Ao contrário do que afirma o recorrente, a sentença recorrida refere-se ao estacionamento do veículo com a matrícula XV (...) em que a ofendida se preparava para entrar ao considerar que, face ao disposto no artigo 48.º, n.º 4 do Código da Estrada, as viaturas que se encontravam no local, designadamente o “XV”, não se encontravam mal estacionadas. Como resulta do disposto no citado artigo, dentro das localidades, a paragem e o estacionamento devem fazer-se nos locais especialmente destinados a esse efeito e pela forma indicada ou na faixa de rodagem, o mais próximo possível do respectivo limite direito, paralelamente a este e no sentido de marcha. Assim, ao contrário do que parece entender o recorrente, dentro das localidades, quer a paragem, quer o estacionamento pode ser efectuado na faixa de rodagem, desde que seja o mais próximo possível do respectivo limite direito, paralelamente a este e no sentido de marcha. Por outro lado, como sublinha a decisão recorrida, em face da ocupação das bermas, também não se vislumbra que os peões transitassem em violação de qualquer preceito legal, atento o disposto no artigo 99.º, n.º 2, b) do Código da Estrada, sendo que nenhuma factualidade se apurou no sentido de que os ditos peões circulassem com imprudência ou de modo a prejudicar o trânsito de veículos. O n.º 1 do citado artigo 99.º estabelece que os peões devem transitar pelos passeios, pistas ou passagens a eles destinados ou, na sua falta, pelas bermas, acrescentando o n.º 2 que os peões podem, no entanto, transitar pela faixa de rodagem, com prudência e por forma a não prejudicar o trânsito de veículos, designadamente, na falta dos locais referidos no n.º 1 ou na impossibilidade de os utilizar - alínea b). Destarte, nada se mostra de censurável na conduta da ofendida B..., abrigada pelo chamado princípio da confiança, segundo o qual os condutores, neste caso, os peões, não são, em regra, obrigados a prever ou a contar com a negligência de outrem, por não ser normal, típico, que as pessoas infrinjam as normas do Código da Estrada ou, de um modo geral, faltem aos seus deveres([xxxii]). Em suma, culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel, ora arguido, já que não se demonstrou que o peão tivesse contribuído minimamente para a eclosão do sinistro. Improcede, portanto, esta questão.
2.3. Do recurso interposto pela demandante B... 2.3.1. Da indemnização pelos danos não patrimoniais A demandante questiona o montante de € 16.500 arbitrado pela sentença recorrida para a compensação pelos danos não patrimoniais por si sofridos por entender que o valor correcto seriam os peticionados € 20.000. Valendo aqui as considerações já acima expendidas acerca da fixação da indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante B... reitera-se que a quantia de € 16.500, arbitrada pelo tribunal recorrido, se afigura adequada. Improcede, portanto, esta questão.
2.3.2. Da indemnização pelos danos patrimoniais futuros No âmbito dos danos patrimoniais, a título de danos futuros, a recorrente reclama o arbitramento da quantia de € 25.000 decorrente de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (anteriormente designado por incapacidade permanente geral) de 5 pontos. Seguindo de perto um artigo do Prof. Duarte Vieira, intitulado “A missão de avaliação do dano corporal em direito civil”, precisemos, a este respeito, alguns conceitos([xxxiii]). Sempre que uma vítima, apesar dos cuidados e tratamentos clínicos e de reabilitação instituídos, fica portadora de um qualquer estado deficitário de natureza anátomo-funcional ou psico-sensorial a título definitivo, estará em causa a avaliação da incapacidade permanente. Para o efeito, há que distinguir a incapacidade permanente geral – também designada como incapacidade genérica ou funcional – da incapacidade permanente profissional – nos casos em que o indivíduo desempenha qualquer actividade profissional. A primeira, refere-se às limitações que as lesões comportam do ponto de vista dos actos e gestos correntes do dia, daqueles actos e gestos que são comuns a todo e qualquer indivíduo – levantar-se, tratar da sua higiene pessoal, vestir-se, alimentar-se, deslocar-se, etc. – independentemente da sua idade, do seu estatuto social, de ser profissionalmente activo ou não. É esta incapacidade que deve começar por ser avaliada, dentro do princípio da reparação integral do dano, pois só assim se garante que todos os indivíduos estão em pé de igualdade e que tal princípio é respeitado. Ao avaliar-se a incapacidade geral, atende-se a uma situação base comum a todos os indivíduos, a actos e gestos que todos temos de realizar diariamente, procedendo-se a uma avaliação suplementar da incapacidade profissional sempre que o indivíduo tenha uma profissão cujo desempenho seja afectado pelas lesões, uma vez que neste caso há um prejuízo suplementar relativamente ao cidadão em situação absolutamente similar mas em ocupação profissional. Ambas as incapacidades podem ser totais ou parciais, sendo totais se a situação em que o sinistrado ficou não deixou margem para qualquer actividade significativa e parciais se essa situação é compatível com alguma actividade. É costume avaliar-se essas incapacidades em termos de taxas percentuais, embora não sendo a medicina uma ciência exacta e, consequentemente, de difícil, senão impossível, tradução matemática, tais percentagens têm apenas um valor indicativo e não absoluto. E devem ser apreciadas mais pelo lado positivo do que pelo lado negativo, ou seja, o que importa é avaliar a capacidade restante do sinistrado – o que o indivíduo pode fazer – o que permitirá um melhor conhecimento da verdadeira situação do mesmo. No caso em apreço, apurou-se que a demandante ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual embora impliquem esforços acrescidos. Não estamos perante uma situação de incapacidade para o trabalho em geral, nem para o exercício da profissão da demandante porque do que se trata é de uma incapacidade funcional geral, embora com repercussões na sua actividade profissional, na medida em que lhe vai exigir maior esforço do que aquele que lhe seria exigido se não fosse essa incapacidade. Todavia, importa considerar que a mera afectação da pessoa do ponto de vista funcional, isto é, sem se traduzir em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios, como dano biológico, porque determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado([xxxiv]). O referido dano biológico, de cariz patrimonial, justifica a indemnização, para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial, mas as regras de cálculo da indemnização por via das usuais fórmulas e tabelas financeiras não se ajustam, como é natural, a esta situação([xxxv]). No caso vertente importa ter em consideração a circunstância de, por causa das lesões corporais sofridas, a demandante ter ficado afectada de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos quando tinha cinquenta e seis anos de idade. O maior esforço que é necessário despender para obter o mesmo rendimento deverá ser considerado relativamente à duração provável da vida activa da demandante. Ademais, no rendimento do trabalho a considerar como base do cálculo indemnizatório em causa não pode deixar de relevar a sua vertente líquida de impostos, em termos de equidade. No entanto, como tem salientado a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, finda a vida activa do lesado por incapacidade permanente, não é razoável ficcionar que a vida física desaparece nesse momento ou com elas todas as necessidades, é que atingida a idade da reforma, isso não significa que a pessoa não continue a trabalhar ou simplesmente a viver ainda por muitos anos, como, aliás, é das regras da experiência comum([xxxvi]). Assim, mantendo-se o dano biológico para além da vida activa, é razoável que, no juízo de equidade sobre o dano patrimonial futuro, se apele à esperança média de vida e não apenas à duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal de reforma ([xxxvii]). Considerando a situação de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que a demandante ficou afectada, a sua idade, a profissão e as regras da probabilidade normal do devir das coisas, a conclusão deve ser no sentido de que se está perante um dano futuro previsível em razão do maior esforço que lhe vai ser exigido no exercício da sua profissão bem como para exercer as várias tarefas e actividades gerais quotidianas. O cálculo da indemnização devida pelo referido dano funcional que afecta a demandante terá que ser essencialmente determinado à luz dos referidos factos e com base nos juízos de equidade a que se reporta o artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil. Assim, perante este quadro fáctico, em que se ignora o devir das coisas, com recurso a um juízo de equidade, julga-se adequado fixar esta vertente de indemnização na quantia de € 15.000,00. Em síntese, dir-se-á que a demandante B... tem direito a receber a quantia de € 15.000, a título de indemnização por danos patrimoniais futuros. Esta obrigação de indemnização é manifestamente pecuniária, sendo, assim, devidos juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento([xxxviii]). Por conseguinte, procede, em parte, o recurso interposto pela demandante.
* III – DISPOSITIVO Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação nos seguintes termos: a) julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, confirmar, nesta parte, a sentença recorrida. b) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela demandante B... e, consequentemente, condenar a demandada “ H..., S.A.” a pagar-lhe a quantia de € 15.000 (quinze mil euros), a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento, mantendo, quanto ao mais respeitante ao pedido de indemnização civil, a sentença recorrida; * As custas na parte crime serão suportadas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC. * As custas na parte cível serão suportadas pela demandante e pela demandada na proporção do decaimento. * * Coimbra, 14 de Janeiro de 2015
(Fernando Chaves - relator) (Orlando Gonçalves - adjunto)
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