Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3007/16.2T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: OBRIGAÇÃO GENÉRICA
ABRANGÊNCIA
COMPRA E VENDA DE COISA DEFEITUOSA
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – J.C. CÍVEL DE LEIRIA – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 913º, 918º E 933º DO C. CIVIL.
Sumário: I - Obrigação genérica é aquela em que a prestação se encontra determinada apenas por referência a uma certa quantidade, peso ou medida de coisas dentro de um género, mas ainda não está concretamente determinado quais o espécime daquele género que vai servir para o cumprimento da obrigação.

II - A razão de ser da abrangência pelo art 918º do C.Civil da compra e venda de coisa genérica encontrar-se-á no facto dessa compra e venda comungar com os defeitos supervenientes de venda de coisa específica e com a venda de coisa futura, aí também abrangidos, da circunstância de os defeitos não serem preexistentes ou contemporâneos da venda mas posteriores à sua conclusão.

III - Com o que implicitamente o art 918º C. Civil coloca em evidência que na situação de compra e venda de coisa defeituosa há que distinguir duas situações: a de o vício existir no momento da venda, por um lado; e por outro, a de surgir em momento posterior. No primeiro caso (art 913º) tem de se resolver um problema de “erro”, relativo à fase estipulativa do contrato; no segundo põe-se o problema do inadimplemento (art 918º) relativo à fase executiva do contrato.

IV - No entanto, pode haver erro na compra e venda de coisa genérica, como pode haver execução defeituosa na compra e venda de coisa específica, motivo por que se deve concluir que com o diposto no art 918º o legislador não terá pretendido afastar todo o regime da venda defeituosa para a venda de coisa genérica, mas apenas evidenciar que reportou essencialmente a clássica garantia edilicia aos vícios preexistentes ou contemporâneos da conclusão do contrato e que teve essencialmente presente a venda de coisa específica.

V - Na generalidade dos casos, a compra e venda defeituosa incidente sobre coisa genérica traduz-se numa situação de execução defeituosa, à qual não são aplicáveis os ónus de denúncia dos defeitos, os respectivos prazos e a caducidade da ação.

VI – Tal como sucede na compra e venda de coisas defeituosas a que se reportam os arts 933º e ss CC, no incumprimento defeituoso o comprador tem de optar ou por não manter o contrato, resolvendo-o (ali anulando-o), se se verificarem os respectivos pressupostos, ou mantê-lo, fazendo então valer o direito à retificação do defeito ou à substituição da coisa se a mesma não for reparável, ou à redução da contraprestação. No caso de resolver o contrato tem direito a indemnização em função do interesse contratual negativo, e no caso de se orientar pelo cumprimento do contrato, tem direito a indemnização pelo interesse contratual positivo.

VII – Pretendendo o cumprimento perfeito do contrato o comprador, embora não sujeito a prazos, deve denunciar o defeito e tornar o vendedor ciente da sua ou suas pretensões, interpelando-o para o efeito, sendo que pretendendo a reparação ou substituição poderá logo interpela-lo admonitoriamente para o fazer num prazo razoável, sob pena de incumprimento definitivo dessas obrigações, podendo então recorrer a terceitos para essa reparação ou substituição e constituindo-se o vendedor em responsabilidade para com o comprador relativamente às inerentes despesas.

VIII – Enquanto esses direitos não lhe forem satisfeitos pode utilizar a exceção de não cumprimento do contrato, recusando a sua contraprestação.

IX – Só os danos do “defeito”, (próximos), ditos “circa rem” legitimarão a exceção de não cumprimento do contrato nas circunstâncias referidas, e não os danos “extra rem”, por em relação a estes não subsistir já o sinalagama funcional que se verifica em relação àqueles.

X – Opondo o comprador ao vendedor a exceção de não cumprimento do contrato, terá, no entanto, de pagar o preço em falta, embora sem juros por não estar constituído em mora, quando o vendedor o indemnize relativamente aos ditos prejuízos “circa rem” resultantes do cumprimento defeituoso.

Decisão Texto Integral:





I – P..., Lda, em 4/10/2016 interpôs ação declarativa comum contra H..., S.L. com sede em ..., Espanha, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 200.760,00€, acrescida dos juros vencidos sobre esta quantia, às respetivas taxas legais, desde 29/06/2009 até à presente data, no montante de 111.442,98€, e dos vincendos contados desde essa data à taxa legal até efectivo e integral pagamento.
Alega, em síntese, ter fornecido à R., a pedido da mesma, os bens e equipamentos constantes da fatura nº .../2009, bens e equipamentos esses que foram entregues a pedido da mesma em Azambuja, nas instalações da P..., S.A.
Para pagamento da referida fatura – com data de emissão e vencimento em 29/6/2009 - a R. entregou à A. a quantia de 150.000,00€, ficando em dívida relativamente ao remanescente, €200.760,00.
A R. contestou e deduziu reconvenção em 4/01/2017.
Em sede de contestação, defendeu-se por exceção, alegando que a A. nunca entregou atempadamente todas as peças do equipamento que havia sido encomendado, e que o equipamento fornecido apresentava defeitos, sem que a A. tivesse procedido às reparações necessárias e solicitadas. Mais alega que sendo ela a proprietária da linha de produção, foi a P..., SA – sociedade do mesmo grupo empresarial – que testou e pôs em funcionamento a referida linha, pelo que parte das reclamações e comunicações remetidas à A., apesar de serem do conhecimento e concordância dela, R., foram enviadas e dirigidas pela e à P..., e da mesma forma, parte do prejuízos que a R. sofreu em resultado da conduta da A., foram numa primeira fase suportados pela P..., a qual posteriormente imputou tais custos à R., na medida em que era ela a dona da referida linha de produção. Entende que nenhum montante é por ela devido à A. – nem a título de preço, nem a título de juros – sendo que relativamente a estes, parte dos mesmos estão prescritos, nos termos da al d) do art 310º CC.
 Em sede de reconvenção, alega que a conduta da A. ao não reparar, definitivamente, os elementos com defeito que compõem a linha de produção, impedindo a total e perfeita utilização da mesma por parte dela, lhe causou graves e avultados prejuízos, que elenca e quantifica. Conclui, pedindo que seja a A. condenada a pagar-lhe a quantia de €620.611,33, a título de indemnização pelos danos que lhe causou decorrentes dos defeitos existentes no equipamento vendido, acrescida de juros de mora desde a data do trânsito em julgado da decisão até efetivo e integral pagamento.
A A. replicou, arguindo a caducidade do direito invocado pela R., pois que a denúncia não foi por esta efectuada, mas antes pela P...; e ainda que se venham a considerar as denúncias efetuadas pela P... como preenchendo os pressupostos de denúncia previstos no artigo 916º do CC, sempre o direito que se arroga a Reconvinte se encontra extinto por efeito do decurso da caducidade. Sem conceder, mais invoca que mesmo que a pretensão da Reconvinte não tivesse caducado, não se poderia ter como extinto o direito da A. a receber o pagamento dos bens que forneceu, sob pena de abuso de direito. Sustenta ainda a irrelevância de que os eventuais prejuízos alegados tenham sido suportados pela P... e imputados pela mesma à R., uma vez que ela., A., é completamente alheia a tal relação. Igualmente sustenta que não ocorreu a prescrição integral dos juros, mantendo-se em dívida os juros vencidos há menos de cinco anos.  Quanto ao pedido reconvencional indemnizatório, para além da referida caducidade, sustenta ainda a ilegitimidade substantiva da Reconvinte para peticionar tal qual o fez nos autos, por não ser a mesma credora das perdas e danos que invoca na sua reconvenção. E impugna os alegados prejuízos sofridos pela R..
A R. apresentou resposta à réplica, onde, para além do mais, e em síntese, deduziu resposta às exceções invocadas pela A. em resposta ao pedido reconvencional, sustentando o abuso de direito desta ao invocar a caducidade das denúncias e do direito de indemnização e a ineficácia das denúncias.
Deduziu ainda a A. articulado, onde, para além do mais, sustentou a inadmissibilidade da resposta à réplica por parte da R., por a mesmo configurar, em parte, alteração da causa de pedir do pedido reconvencional, mais pedindo a condenação da R. em multa e em indemnização por litigar de má-fé.
Veio a R., ao abrigo do princípio do contraditório, responder à alegação sobre a alteração da causa de pedir e sobre a materia da litigância de má fé, entendendo que nem uma nem outra se verificam. 
Foi proferido despacho saneador com dispensa da audiência prévia.
Nele foi entendido ser de admitir o articulado de resposta pela R. às exceções invocadas pela A., «uma vez que no mesmo a R. pronuncia-se sobre exceções deduzidas pela A. relativamente às quais o tribunal sempre lhe daria oportunidade para se pronunciar (nomeadamente em audiência prévia)», referindo ainda: «Todavia, a R. aproveita esse articulado para extravasar a estrita resposta às exceções (de caducidade, de ilegitimidade substantiva e de abuso de direito) invocadas pela A., alegando novos factos que não alegara na contestação e que alteram até a causa de pedir – é o que se verifica, por exemplo, nos arts 17º a 49º (factos atinentes à compra e venda de coisa genérica) e 88º a 107º (factos respeitantes ao mandato com representação e à gestão de negócios) do articulado em apreciação». Mais referindo: «A alteração da causa de pedir não é admissível, porque não aceite pela A. e por não resultar de confissão feita por esta última e aceite pela R. (cfr arts 264º e 265º /1 NCPC. Portanto, apenas na medida em que consubstancia resposta a exceções deduzidas pela A., admito o articulado apresentado».
Foi ainda fixado o valor da causa, admitida a reconvenção, apreciada a regularidade dos pressupostos da instância, relegado o conhecimento das exceções peremptórias para a sentença, tendo sido fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizou-se a audiência final, vindo a ser proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando a R. a pagar à A. a quantia de 200.760,00€ (duzentos mil setecentos e sessenta euros); julgou parcialmente procedente a exceção de prescrição de juros, e consequentemente, declarou prescritos os juros comerciais de mora vencidos, sobre aquela quantia, entre 29/06/2009 e 17/10/2011, e declarou devidos pela R. à A. os juros comerciais de mora vencidos e vincendos sobre a quantia referida - 200.760,00€ - desde essa data de 17/10/2011, até efetivo e integral pagamento, calculados à taxa legal, condenando a R. no seu pagamento à A.; julgou a reconvenção deduzida pela R/Reconvinte  totalmente improcedente, absolvendo a  A./Reconvinda da totalidade do pedido reconvencional formulado; julgou improcedente o pedido de condenação da R., como litigante de má-fé, absolvendo-a do pedido de condenação em multa e em indemnização respetivos; e condenou  a A. e a R.em custas, fixando-se a sua responsabilidade na proporção do decaimento dos respetivos pedidos (cfr. art.º 527.º, n.º 1 e 2 do CPC).
II – Do assim decidido, apelou a R., que concluiu as respectivas alegações do seguinte modo:
...
A A. ofereceu contra alegações, sem conclusões, pugnando pela manutenção do decidido no plano factual e jurídico. 
II –  A - O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos (faz-se também aqui alusão, em sucessivas notas, aos factos que vieram a ser aditados à materia de facto provada, na sequência da procedência da impugnação da matéria de facto, de modo a poder ter-se uma visão mais integrada da totalidade da factualidade provada):
... [1]
II – B - O tribunal da 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
...
IV – Do confronto entre as conclusões das alegações e a sentença recorrida, resultam para apreciação as seguintes questões:
Na matéria de facto:
-se a sentença é nula nos termos do art 615º/1, al b), porque o tribunal não se pronunciou, nem positiva nem negativamente, a respeito da matéria de facto constante dos arts 12º e 13º da contestação;
- se a impugnação da decisão da matéria de facto operada pela R. se deverá ter como procedente, de tal modo que se julgue como provada, sendo correspondentemente aditada à matéria de facto provada a constante desses arts 12º e 13º da contestação, bem como o reconhecimento dos defeitos pela A., e que todos os custos elencados nos pontos 29 a 32 da matéria de facto provada foram suportados pela R., e, ainda, se deverá ser julgada provada a matéria de facto tida como não provada nas als c), i), k), o), p), r) e s) a z).
Na matéria de direito:
- se a obrigação adveniente da compra e venda em causa nos autos é uma obrigação genérica;
- se à compra e venda que tenha por objecto obrigação genérica se não aplica o regime do art 913º e ss CC;
- se, caso assim não se entenda, se deve concluir dos factos provado que a R. cumpriu os prazos de denúncia a que se reporta o nº 2 do art 916º CC, não havendo a considerar o do art 917º CC, porque a apelante não pediu a anulação do contrato e, em todo o caso, a obrigação de preço não se mostra totalmente cumprida;
- ainda que assim não se entenda, se se deve concluir dos factos provados que a A. sempre reconheceu os defeitos das coisas componentes da linha de montagem, motivo por que sempre se deveria entender impedida a caducidade do direito da R.;
- se a R. tem legitimidade para reclamar a indemnização.  
 Pretende a R. apelante que a sentença é nula nos termos da al b) do nº 1 do art 615º CPC, porque não se tendo pronunciado a respeito da matéria de facto alegada nos arts 12º e 13º da contestação, não teria especificado fundamentos de facto que justificam a decisão.
Na verdade, a nulidade em referência na norma invocada nada tem a ver com a situação a que a apelante se reporta.
Doutrina e jurisprudência são unânimes no sentido de que a sentença só é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto (e de direito) que justificam a decisão, quando, de todo, faltem tais fundamentos, não na sua insuficiência.
O vício a que a apelante se reporta não tem acolhimento em sede de nulidades de sentença, o que bem se compreende, na medida em que nada tem a ver com a estrutura formal da mesma, mas antes com o seu conteúdo, caindo, por isso, no âmbito do diposto no art 662º/2, al c) CPC.
Aí se diz que «a Relação deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta».
 Resulta assim dessa norma, entre o mais, que entendendo o tribunal da Relação que o tribunal da 1ª instância omitiu decisão (de facto) sobre algum ou alguns factos essencial(ais) deve, se dispuser dos elementos necessários para o fazer, proceder ao respetivo julgamento, e apenas se deles não dispuser, anular a decisão proferida pela 1ª instância.
Diz a respeito dessa norma Abrantes Geraldes [2]: «(…) Pode ainda revelar-se uma situação que exija a ampliação da matéria de facto, por terem sido omitidos dos temas de prova factos alegados pelas partes que se revelam essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo. Trata-se de uma faculdade que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a Relação se confronte com uma objectiva omissão de factos relevantes (…) A anulação da decisão da 1ª instância apenas deve ser decretada se do processo não constarem todos os elementos probatórios relevantes. Ao invés, se estes estiverem acessíveis a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas».
Do que se veio de dizer resulta que, sendo improcedente a arguida nulidade da sentença, deve este Tribunal ponderar se, tal como a apelante o entende, se verificou  omissão na 1ª instância a respeito da prova dos factos contidos nos arts 12 e 13º da contestação.
Como é evidente, e resulta das acima transcritas considerações de Abrantes Geraldes, para se falar de deficiência a este nível é necessário que esteja em causa falta de pronúncia sobre factos essenciais.
Vejamos, pois, antes de mais, o que consta das referidas alegações.
Referiu a R. no art 12º:
 «Ainda que a R. seja a proprietária da linha de produção – porquanto foi esta que a escolheu, encomendou e pagou o preço à A. – foi a P... (insista-se, sociedade do mesmo grupo empresarial) que testou e pôs em funcionamento a referida linha, pelo que parte das reclamações e comunicações remetidas à A., a que se farão referência ao longo desta contestação, apesar de serem do conhecimento e concordância da R., foram algumas enviadas e dirigidas pela e à P..., SA».
 E no art 13º:
«Da mesma forma, parte do prejuízos que a R. sofreu em resultado da conduta da A., nos termos e com os fundamentos que abaixo se detalharão, foram, em parte, e numa primeira fase, suportados pela P..., a qual posteriormente imputou tais custos à R., porquanto tais custos deveriam ser assumidos pela H... na qualidade de dona da linha de produção».   
 O invocado no art 12º da contestação, considerando o ponto de vista alegatório da R., mostra-se essencial para aferir da (existência e tempestividade) da denúncia dos defeitos dos elementos da linha de produção e de um modo geral das relações entre a R. e a P... e de uma e outra com a A., e o invocado no art 13º é obviamente essencial à matéria da reconvenção e à da legitimidade da R. para a mesma.
E que assim o é mostra-o a sentença recorrida, que, por um lado, entendeu que a  denúncia por parte da R. só ocorreu por carta datada de 20/6/2011 (cfr facto 20), e que foi intempestiva, e que as reclamações da P... à A. não se poderiam entender como denúncias eficazes, na medida em que «a denúncia dos defeitos constitui um direito que pode apenas ser exercido pelo comprador, sendo que a P... e a H... são pessoas jurídicas distintas, não se logrando provar, de resto, qualquer relação de grupo entre as referidas empresas, de acordo com os pressupostos legais da sua verificação, expressamente previstos no art 488º CSCom, relação essa que, de todo o modo, apenas foi alegada de forma vaga e conclusiva pela R., sem a alegação dos factos essenciais concretos consubstanciadores dessa invocada relação»; e, por outro, julgou a reconvenção totalmente improcedente, referindo que «da matéria de facto provada, não resulta que a R. H... tenha sofrido qualquer prejuízo, sendo que, quando muito, quem os teria sofrido teria sido a P... (cfr factos 28 a 32), a qual, como vimos, é uma pessoa jurídica distinta da R., compradora, e objectivamente alheia à relação jurídica estabelecida entre as partes».
Estas considerações da sentença recorrida mostram, à evidência, que foram omitidos dos temas da prova os factos constantes dos referidos arts 12º e 13º, o que não deveria ter sucedido, pois que os mesmos, como já se viu, se revelam essenciais para a resolução do litígio.
Nem se diga que nas referidas alegações estão em causa factos conclusivos.
 O aparente carácter conclusivo dessas alegações decorre da circunstância de nelas estarem aglomerados factos diversos, e todos eles de carácter essencial à procedência da defesa e da reconvenção.
Veja-se: 
Do art 12º extraem-se os seguintes factos:
A P... e a R. são sociedades do mesmo grupo empresarial.
 A R é proprietária da linha de produção.
 Foi a P... que testou e pôs em funcionamento a referida linha.
 Por assim ter sido, parte das reclamações e comunicações remetidas à A. foram por ela, e a ela, enviadas e dirigidas.
Tais comunicações foram sempre do conhecimento e concordância da A.
Do art 13º, por sua vez, extraem-se os seguintes factos:
Numa primeira fase foi a P... que suportou parte dos prejuízos dos reclamados defeitos da linha de produção.
Posteriormente imputou-os à R. na qualidade de dona da linha de produção.    
É verdade que a R. poderia ter alegado na contestação outros factos, instrumentais (ou mesmo concretizadores) relativamente àqueles outros, que tornassem mais consistentes os factos nucleares alegados – designadamente como era composto o grupo empresarial a que pertenciam a R. e a P... e como funcionava o sistema de imputação dos custos desta àquela. Mas não tinha que o fazer, pois que hoje à luz do CPC vigente além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz os factos instrumentais que resultem da instrução da causa e mesmo os factos complementares ou concretizadores dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido as partes a possibilidade de se pronunciar – nº 2 als a) e b) do art 5º. 
Verificada como ficou a omissão nos temas de prova dos factos referidos e a respectiva importância para a decisão da causa, vejamos se do processo constam elementos bastantes que permitam a sua prova.
 Ora, a prova a respeito desses factos foi abundante, clara e adequadamente particularizada, como se passa a evidenciar.
Da muita prova gravada a respeito desta matéria destacar-se-á a resultante das declarações de parte da legal representante da R., ... - quase todo o seu depoimento versou sobre as relações entre a R. e a P... e a forma de imputação dos custos desta àquela –,  a resultante do depoimento de ... – administrativa que prestava funções para a R. desde Novembro de 2009 e que  se pronunciou com particular razão de ciência a respeito dessa imputação – bem como a resultante dos depoimentos de ...
...
Vejamos seguidamente o que a este respeito adveio dos muitos documentos juntos aos autos.
Há nos autos dois documentos provindos da H... –  o doc nº 18 junto com a contestação (fls 72 dos autos), e o documento nº 15 junto com a contestação (fls 64) – que se mostram dirigidos à P...
O de fls 72 contém-se num papel impresso com o logotipo “H...”, é dirigido à P..., e é datado de 21/10/2011. Tem por assunto, «Nova Reclamação do funcionamento do equipamento para fabrico de tubagem até DN2000» dizendo-se nele: «Apesar dos insistentes pedidos que temos vindo a fazer ao longo dos anos para que a v/empresa ponha o equipamento acima identificado a funcionar isso ainda não se verificou. Este equipamento como sabem encontra-se na P..., SA em Azambuja a cujo universo accionista pertencemos. Vimos assim pela última vez solicitar junto da vossa empresa que procedam a todas as intervenções que acharem necessárias para que o equipamento em causa funcione e possamos fabricar os tubos. Caso V. Excias no prazo de 45 dias não procedam em conformidade iremos contactar outra ou outras empresas para procder às alterações que nós acharmos necessárias, sendo que todos os custos serão debitados à vossa empresa».
O de fls 65 contém-se num papel impresso com o logotipo da H..., é dirigida à P..., está datado de 20/6/2011 e tem por assunto “Linha Tubo O 2000 e helicóides O 400”, dizendo-se nele, entre o mais: «(…)»
Há nos autos apenas um documento dirigido pela P... à H... – o doc nº 14 junto com a contestação (fls 63 dos autos).
Contém-se (o referido doc nº 14) num papel impresso com o logotipo da P..., é dirigido “À H... (Espanha) Grupo P... , está assinado por “...”, e mostra-se datado de 13/6/2011. Tem por assunto, “Encomenda de equipamento de linha de tubo 2000 n/ref. E0480/08 e de linha de tubo 400, n/ref. E0055/03”. Entre o mais não relevante para os autos, diz-se aí: «Mais uma vez lembramos que se encontram por liquidar o montante total de 200.760,00 € referentes à encomenda E0480/08 datada de 16/12/2008 e para a qual ainda estão pendentes de pagamento: - 32.121,60 € referentes aos guinchos entregues a 10/8/2009; - 46.174,80 € referentes à tina de vácuo entregue a 6/7/2009; - 82. 354,60 € referentes ao puxo entregue a 7/7/2009; -1.204,60 € refeentes ao calibrador 1400 entregue a 6/7/2009; - 760,00 € referentes ao conta metros aplicado ao puxo entregue a 7/7/2009 ; - 38.144,40 € referentes à cabeça recuperada e que ainda não está completamente aprovada e em operação».
A generalidade dos documentos juntos à contestação, incluindo emails, ou advêm da P... e são dirigidos à P..., ou advêm desta e são dirigidos àquela (ou a pessoas pertencentes a uma ou outra). Mas o assunto é, materialmente, sempre o mesmo – a linha de produção com diâmetro 2000 ou algum dos seus componentes. Verifica-se desses emails que independentemente da respectiva proveniência e destinação, se mostra frequentemente terem seguido com conhecimento a ... ou a  ... ou a ambos.
Extrai-se dessa documentação que a A. tinha pleno conhecimento de que a linha de produção em referência, estando colocada nas instalações em Azambuja da P... - que foi quem a testou e pôs em funcionamento - pertencia à R. – caso contrário não se lhe dirigiria nos termos constantes do referido doc nº 14 junto com a contestação. Tal como dessa documentação se extrai que a A. aceitava dirigir-se à P... a respeito das sucessivas reclamações da mesma, não obstante não desconhecer que a propriedade da linha de produção não era desta. Como se extrai ainda, que as comunicações e reclamações da P... à P... eram do conhecimento e da concordância da H..., aqui R. E a própria H... se dirigiu à P... – referido doc de fls 64- em Junho de 2011, fazendo um apanhado das reclamações, das alterações que tiveram que fazer à cabeça 2000, dos gastos que tal implicou e dos prejuízos com materia prima, energia e pessoal.
Por outro lado há que assinalar que a circunstância do grupo a que pertenciam a R. e a P... não se achar constituído juridicamente – à luz da legislação portuguesa, em função das normas do art 488º e ss do C. Com – não pode obstar ao reconhecimento da sua existência factual, tanto mais que esta era do perfeito conhecimento da A., como já sobejamente se assinalou.
Não reconhecer esta realidade seria dar cobertura ao abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium  a que a R./apelante se refere na resposta à replica – pois se a A. se relacionou comercialmente durante anos com a P... a respeito dos defeitos da linha de produção, ao mesmo tempo que o fez, também a esse respeito, de modo pontual, mas aparentemente indiferenciado, com a R., aceitando de um modo geral a existência dos defeitos, não pode vir agora nos autos contradizer esse seu evidente comportamento, invocando (pouco mais ou menos) desconhecer a P... e as relações da mesma com a R. no referente à linha de produção em causa nos autos.
Razões por que se julga provado – passando a constituir o facto 4º A – que:
«Ainda que a R. seja a proprietária da linha de produção, porque foi a P..., SA - que pertence ao universo accionista daquela - que testou e pôs em funcionamento a referida linha, foi esta quem, com o conhecimento e concordância da R., dirigiu à A. a maioria das reclamações e comunicações juntas aos autos, tendo sido também à P... que a A. remeteu a maioria das respostas a essas reclamações e comunicações».
 A respeito da imputação de custos da P... à H... mostrou-se, porventura, especialmente relevante (note-se que a prova testemunhal a este respeito foi  abundantissima), o depoimento da testemunha ..., cujas funções na R. são precisamente as de controlo de fornecedores, dívida a fornecedores,  dívida de clientes, orçamentos.
...  
Há pois que aceitar, tal como a apelante o refere, que entre a R. e as restantes empresas do mesmo universo acionista foi acordado e implementado um procedimento de distribuição de custos, consoante a responsabilidade a ser assumida por cada uma das empresas face a tais custos, fazendo-se anualmente um encontro de contas entre elas.
Por assim ser, haverá que concluir relativamente a todos os custos reclamados pela R. à A. em resultado dos trabalhos de adaptação na cabeça que aaquela já tinha e de reparação na cabeça 2000 adquirida à A. bem como a outros componentes da linha de produção que aquela integrava, que os mesmos foram, numa primeira fase, suportados pela P..., mas, posteriormente, foram imputados e pagos pela R.,  proprietária como é, dessa  linha de produção .
Deste modo, há que julgar provado - passando a integrar o facto 4º-B - que:
«Numa primeira fase foi a P... que suportou os prejuízos decorrentes dos reclamados defeitos da linha de produção, mas posteriormente imputou-os à R. na qualidade de dona da linha de produção».    
Pretende a apelante (cfr conclusão s)) que porque o tribunal estava obrigado a pronunciar-se expressamente sobre o facto da A. ter sempre reconhecido que o equipamento fornecido sofria de defeitos, devia ter considerado provado que «a A. sempre reconheceu os defeitos da linha de produção de tubo diâmetro 2000» (conclusão x)).
Não se concorda neste ponto com a A.
Não está alegado na contestação ou sequer no articulado de resposta às excepções invocadas na réplica que a A. sempre reconheceu os defeitos da linha de produção de tubo O 2000. 
Esse reconhecimento, que poderia configurar-se como um facto se tivesse sido alegado, não o tendo sido, constitui nos autos um facto conclusivo – quer dizer, só se poderá ter por adquirido se se puder inferir da restante matéria de facto.
A seu tempo retornar-se-á a esta matéria.
Reclama seguidamente a apelante que o presente Tribunal, reexaminada a prova e a fundamentação do Tribunal a quo relativamente aos factos não provados contidos nas alíneas c), i), k) , o, p), r) e s) a z)   - que entende inadequada  - julgue a mesma como provada.
 Vejamos.
...
Assim, julga-se provado, passando a constituir o ponto  19º- A,  que:
 «Em 13 de Junho de 2011 a A. remeteu à R. uma carta na qual referia, entre o mais, estar por liquidar o valor de 38.144,40€ referente à cabeça recuperada e que ainda não está completamente aprovada e em operação».
...
Deve pois ter-se como provada a matéria elencada na alínea k) da factualidade não provada, que passará a corresponder ao ponto 27-A:
«Em 20/1/2014, a R. informou a “P...”, que adquirira a A., que o equipamento fornecido pela A. tinha vários defeitos e anomalias, os quais não tinham sido reparados pela A. no prazo fixado para o efeito, e que, àquela data, parte desses problemas ainda se encontravam pendentes de resolução, já que a R. continuava sem conseguir produzir tubos de 2000 mm de diâmetro».
...
Entende-se assim - esclarecendo o que incorrectamente fora alegado pela própria R., como já se sublinhou - que deve ser dado como provado, passando a constituir o ponto 29-A  que:
 «Em Outubro e Novembro de 2009, a P... contratou a empresa J..., Lda. para proceder a novas intervenções na Cabeça 1200 para que esta produzisse diâmetros até 1600, tendo despendido Euros 15.783,60 e Euros 6.420,00».
...
Deve pois dar-se como provado  - correspondendo ao ponto  29-B  da matéria de facto provada  - que:
«Em 2010 a R. efectuou uma intervenção na linha de produção, tendo adquirido à empresa A... uma nova bomba, no que despendeu o valor de €6.900,00».
...
Entende-se, pois, que deve dar-se como provado – correspondendo ao facto 33       que:
«Vários trabalhadores dedicaram-se a realizar os arranjos necessários ao funcionamento da linha de produção para que esta conseguisse entregar a encomenda a que se tinha obrigado ao seu cliente ..., bem como, foram ainda estes trabalhadores que no final desse mesmo ano de 2010 despenderam parte significativa do seu tempo de trabalho a efectuar testes na referida linha de produção para a produção de tubos com diametros superiores a 1200 mm, tendo a R. suportado, com custos de pessoal, a quantia de €28.267,65».
...
Entende-se assim que há prova suficiente e consistente para dar como provados – constituindo, respectivamente os factos 34, 35 e 36 da matéria de facto provada -  que:
 Em Maio de 2014 a R. H... celebrou um contrato com a ... para produção de tubos de 20000 mm .
  Para conseguir cumprir com essa encomenda, e em virtude da linha de produção não funcionar correctamente, a P... teve de gastar mais matéria prima, bem como houve tubos produzidos que não cumpriam as normas técnicas regulamentares por terem uma espessura superior ou inferior à regulamentar.
 Em virtude do acima referido, teve a mesma custos de produção relativamente a tubos rejeitados  no valor de €339.832,82, custos de produção por sobre-espessura, no valor de €88.136,29, custos de destroçar, no valor de €81.595,90».
Na sequência do facto que acima se deu como provado, enquanto facto 4º- B - «Numa primeira fase foi a P... que suportou os prejuízos decorrentes dos reclamados defeitos da linha de produção, mas posteriormente imputou-os à R. na qualidade de dona da linha de produção», há que concluir que «todos os custos despendidos pela Politejo e elencados nos pontos 29, 29-A, 30 a 32, 35 e 36 da matéria de facto provada, foram imputados pela P... à R. e por esta efectivamente pagos»

Passando agora para a matéria de direito.
Nas obrigações de prestação de coisa, como é o caso da obrigação de entrega na compra e venda, podem distinguir-se quanto ao seu objecto, as obrigações genéricas e as específicas.
O art 539º CC define as obrigações genéricas como aquelas «em que o objecto da prestação se encontra apenas determinado quanto ao género». O que implica que a prestação se encontra determinada apenas por referência a uma certa quantidade, peso ou medida de coisas dentro de um género, mas ainda não está concretamente determinado quais o espécime daquele género que vai servir para o cumprimento da obrigação.
 Bem diferente é a obrigação específica – nela tanto o género quanto os espécimes da prestação encontram-se determinados.
 Refere Antunes varela  [3] que é especifica a obrigação «cujo objecto mediato é individual ou concretamente fixado» e genérica «aquela cujo objecto está apenas determinado pelo seu género (mediante a indicação das notas ou características que a distinguem) e pela sua quantidade», acrescentando que a «indicação de género pode incluir um maior ou menor número de notas definidoras».
Assim, será específica «a entrega do automóvel comprado em segunda mão», será já genérica a compra de um automóvel novo – podendo o género em causa ser mais ou menos definido, através da marca, modelo, cor, etc. «A definição do género da prestação há-de porém conter o mínimo de notas necessárias para que o seu objecto seja determinável, como a lei exige, e revele a intenção das partes de se vincuream juridicamente», acrescentado que «não estaria nessas condições a obrigação de entregar um animal, um vegetal, um papel, uma coisa etc», ou , diremos nós, um mero carro novo…
O que significa que na obrigação genérica tem que ocorrer subsequentemente ao acordo das partes um processo de individualização dos espécimes dentro do género. Trata-se da chamada concentração - «a concretização, individualização ou determinação do objecto da prestação debitória dentro do género respectivo», referindo ainda Antunes Varela que, «a concentração do objecto da prestação representa um momento capital na vida da obrigação, que passa de obrigação genérica a obrigação especifica. O obrigado passa dorovante a dever apenas a coisa determinada dentro do género e já não qualquer outra do mesmo género».
Segundo Menezes Leitão[4], «a nossa lei consagrou relativamente à concentração das obrigações genéricas por escolha do devedor, como regra geral, a teoria da entrega de Jhering. Essa solução resulta do art 540º que, ao referir que enquanto a prestação for possível com coisas do género estipulado não fica o devedor exonerado pelo facto de terem perecido aquelas com que se dispunha a cumprir (…) Consagra a irrelevância geral da escolha ou do envio para efeitos de concentração da obrigação genérica. Efectivamente se o devedor continua a ter que entregar coisas do mesmo género, isso significa que a obrigação genérica ainda não se concentrou, pelo que essa concentração apenas ocorre, regra geral, com o cumprimento. É esse, também o momento da transferência da propriedade sobre as coisas objecto da obrigação genérica, já que, em face do art 408º/2, a transmissão da propriedade sobre coisas genéricas exige a sua concentração, que normalmente apenas ocorre mediante a entrega pelo devedor (art 540)», referindo-se o art 541º a situações em que «embora cabendo a escolha ao devedor, a obrigação se concentra antes do cumprimento».
Feitas estas considerações, não haverá dúvidas que na situação dos autos a obrigação de prestação da coisa objecto da compra e venda se analisa numa obrigação genérica – estavam em causa equipamentos que consistiam numa tina de vácuo “P...”, modelo “TV2000/2/4”; uma cabeça de tubo com carro de suporte da cabeça, incluída com fieira diâmetro 2000 (vulgo “cabeça de tubo 2000”); dois guinchos “P...”, modelo “MW3002”; um calibrador com diâmetro 1400, e um puxo “P...”, modelo “MT2000/16”.
A compra e venda não incidiu sobre uma específica tina de vácuo ou uma especifica cabeça de tubo 2000, com as características indicadas, mas sobre uma indeterminada tina de vácuo “P...”, modelo “TV2000/2/4, das muitas ou poucas que a A. tivesse então para venda com aquelas características, bem como uma indeterminada cabeça de tubo 2000, das muitas ou poucas que a A. tivesse então para venda com as referidas características, e assim sucessivamente relativamente aos vários componentes da linha de produção a que se reporta a factura referida, obrigando, assim  a A. à individualização dos espécimes tina de vácuo, cabeça de tubo 2000 … dentro do género indicado para cada um desses objectos e dos  demais em causa na referida venda.
Inútil é a A. pugnar pelo carácter específico da obrigação em função do facto de a R. referir, por exemplo, no art 12º da respectiva contestação, ter sido ela que «escolheu (encomendou e pagou o preço)» da linha de produção objecto do litigio nos autos, pois que esta «escolha» continua a não se referir à de uma específica cabeça de tubo 2000, mas a uma qualquer cabeça de tudo 2000 com as características desejadas pela R. das que a A. tinha então em venda, o mesmo se dizendo naturalmente relativamente às restantes coisas componentes da linha de produção.
Por outro lado, e como a apelante o evidencia, o despacho proferido em 17/5/2017 no âmbito do saneador, em que o Exmo Juiz a quo concluiu que a R. aproveitou o articulado em que se prestou a responder às excepções deduzidas pela A.  (de caducidade, de  ilegitimidade substantiva e de abuso de direito) «alegando novos factos que não alegara na contestação e que alteram até a causa de pedir» e, por isso, inadmitiu o referido articulado na medida em que extravasasse a resposta àquelas excepções, como entendeu suceder relativamente às alegações atinentes à compra e venda de coisa genérica contidas nos arts 17º a 49º, não obsta a que, este, ou outro tribunal, qualifique a obrigação emergente da compra e venda dos autos como obrigação genérica. Apenas impede este, ou outro tribunal, de utilizar, para assim concluir, novos factos que porventura a esse nível a R. tenha alegado nessa matéria de facto.
Os que alegou na contestação são obviamente suficientes para a conclusão que já se retirou -  a compra e venda dos autos incide sobre coisa genérica.
 A doutrina nacional e estrangeira e a jurisprudência espelham abundantemente as dificuldades de distinção entre “incumprimento defeituoso” e “compra e venda de coisa defeituosa”, empregando-se aqui, para a dicotomia em causa, a terminologia utilizada por Antunes Varela [5]
Na génese dessas dificuldades parece situar-se a adopção mais ou menos pura da teoria da garantia ou do cumprimento, a respeito do regime jurídico do cumprimento inexacto da compra e venda, como o reflecte Romano Martinez [6], bem como, e consequentemente, a adopção de uma concepção mais ou menos subjectiva ou objectiva  de “defeito”, relativamente à  qual o legislador português não quis tomar posição, como se entrevê do nº 2 do art 914º CC, ao fazer equivaler os vícios à falta de qualidades da coisa. Para os objectivistas o defeito verifica-se quando a coisa vendida não corresponda às características objectivas do género em que se integra, isto é, quando ela não tenha os préstimos necessários à utilização usual ou comum das coisas da mesma categoria; para os subjectivistas o defeito analisa-se na idoneidade ou não da coisa relativamente ao uso contratualmente previsto, sendo decisivo o fim que se depreende do contrato. [7]    
Toda esta problemática, como é evidente, se reflecte no regime jurídico a adoptar para a compra e venda defeituosa de coisa genérica, a ponto de, para a teoria do cumprimento, «não pode(r) haver cumprimento defeituoso de obrigação genérica – o defeito da prestação só se pode reportar a uma coisa especifica», pois, como o refere Romano Martinez[8] «a obrigação genérica transforma-se em especifica com a concentração e esta, por via de regra, verifica-se aquando do cumprimento, mas nunca depois deste (art 541º)». Com efeito, nos termos da teoria do cumprimento, «o vendedor, tanto no caso de alienação de coisa genérica, como específica, está adstrito a efectuar uma prestação sem defeito, a entregar uma coisa conforme» [9] .
Independentemente da adopção de uma ou outra das teorias acima referidas a respeito do regime jurídico do cumprimento inexacto da compra e venda, parece-nos que a nossa lei – que, como se sabe, à semelhança de outras legislações europeias,  máxime a alemã, não criou um regime genérico especifico para o incumprimento imperfeito, tratando com generalidade o cumprimento e a impossibilidade da prestação, e optando pelo estabelecimento de regimes especificos referentes a esse terceiro tipo de incumprimento a propósito da compra e venda, da empreitada e da locação [10][11]quis, à partida, que o intérprete e aplicador da lei estabelecesse uma crucial distinção entre a circunstância da desconformidade da prestação na compra e venda se situar na fase estipulativa do contrato ou antes na fase executiva do mesmo, como parece resultar da disciplina do art 918º CC .
Diz-se nessa norma, sob a epígrafe “Defeito superveniente: «Se a coisa, depois de vendida e antes de entregue, se deteriorar, adquirindo vícios ou perdendo qualidades, ou a venda respeitar a coisa futura ou a coisa indeterminada de certo género, são aplicáveis as regras relativas ao não cumprimento das obrigações». 
Refere a este respeito Calvão da Silva: «Nos defeitos com origem após a celebração de venda de coisa específica e antes da sua entrega, assim como na venda de coisa futura ou coisa genérica, aplicam-se as regras relativas ao não cumprimento das obrigações (art 918º). Evidencia isto que o legislador reporta a clássica garantia edilicia apenas aos vícios peexistentes ou contemporâneos da conclusão do contrato e tem presente a venda de coisa específica, certa e determinada».
Por isso se pode dizer que a razão de ser da abrangência pelo art 918º da compra e venda de coisa genérica - «coisa indeterminada de certo género» - encontrar-se-á no facto dessa compra e venda comungar com os defeitos supervenientes de venda de coisa específica e com a venda de coisa futura  - igualmente abrangidas nesse preceito, como se viu – da circunstância de os defeitos não serem preexistentes ou contemporâneos da venda mas posteriores à sua conclusão.
Com o que implicitamente aquele art 918º coloca em evidência que na situação de compra e venda de coisa defeituosa há que distinguir duas situações: a de o vício existir no momento da venda, por um lado; e por outro a de surgir em momento posterior. «No primeiro caso (art 913º) tem de se resolver um problema de “erro”, relativo à fase estipulativa do contrato; no segundo põe-se o problema do inadimplemento (art 918º) relativo à fase executiva do contrato» [12]
Não poderá, no entanto, entender-se que colocando a venda de coisa genérica ao lado da venda de coisa futura e da venda de coisa especifica com defeito superveniente em relação à sua conclusão, o legislador tenha pretendido afastar todo o regime da venda defeituosa para a venda de coisa genérica, mas apenas evidenciar que reportou essencialmente a clássica garantia edilicia aos vícios preexistentes ou contemporâneos da conclusão do contrato e que teve essencialmente presente a venda de coisa específica.
Quer dizer que apesar da forma como o art 918º se exprime, o seu objectivo não terá sido o de confinar o cumprimento imperfeito da compra e venda de coisas genéricas  necessária e exclusivamente ao âmbito das normas referentes genericamente ao cumprimento defeituoso da obrigação, afastando dela toda a disciplina do art 913º e ss referente à venda dos bens defeituosos [13].
Ensina Pessoa Jorge[14] que «a existência de defeitos no objecto do contrato pode suscitar um problema de erro ou de execução defeituosa (…)
Para que o defeito da coisa objecto do contrato suscite uma questão de erro, é necessário:
Se a coisa é genérica, ou seja, definida por qualidades genéricas, que estas se mostrem inadequadas ao fim que o credor se propõe, como sucederá quando se compra um motor eléctrico de potência de 10 CV para fazer mover uma máquina, ignorando-se que esta exigiria um de 15 CV;
Se a coisa é específica ou individualizada, que o credor esteja na convicção errada de ela possuir determinadas qualidades, como sucederá quando se compra um motor de 8 CV pensando-se que tem potência de 12 CV.
Haverá execução defeituosa quando:
Tratando-se de coisa genérica cujas qualidades abstractas eram adequadas ao fim visado pelo credor, o devedor entrega coisa que não tem essas qualidades, como sucede se, tendo sido encomendado um motor de potência de 15 CV, o vendedor entrega um de 10 CV;
Tratando-se de coisa especíifica, esta não era defeituosa no momento do contrato, mas adquire depois deste e antes da entrega um defeito ou perda de qualidades (defeito superviente), como acontecerá quando se compra determinado automóvel concreto (com certo número de matricula) e antes de entregue pelo vendedor, ele sofre avaria em resultado de um acidente». 
Destas referências se vê que pode haver erro na compra e venda de coisa genérica, como pode haver execução defeituosa na compra e venda de coisa específica.
Conclusões estas que não obstam a que Calvão da Silva evidencie[15]: «A conclusão a tirar é a de que a matriz verdadeiramente fundante da garantia edilicia (art 913º) está no contrato»: «se, logo no primeiro (prius) e decisivo momento da interpretação, dirigida à fixação e conteúdo declaracional com que o negócio há-de valer – se puder valer – fica averiguado que as qualidades (…).da coisa vendida, que determinaram o comprador a adquiri-la, integram o conteúdo vinculativo do contrato, é indubitável que a não coicidência das qualidades  - da qualidade devida e da qualidade real – da coisa respeita à fase dinâmica do cumprimento das obrigações, não se colocando, pois, um problema de erro em sentido técnico jurídico. Este só se porá quando, em sede interpretativa, se concluir que as qualidades determinantes da coisa não encontram expressão ou não se incorporam no contrato (…) Além, na primeira hipótese, o problema é de inadimplemento ou incumprimento imperfeito, aqui, na segunda hipótese, o problema só pode ser de erro, porque a qualidade determinante não constitui efeito negocial».
O que se verifica na prática é que, na generalidade das situações em que a prestação na compra e venda de coisa defeituosa tem por objecto coisa genérica, as qualidades dessa coisa determinaram o comprador a adquiri-la, e por isso integram o conteúdo vinculativo do contrato, com a consequência de que se a coisa determinada que é prestada as não tem, há incumprimento imperfeito. E na generalidade das situações em que a prestação na compra e venda defeituosa tem por objecto coisa especifica, as qualidades da coisa «muito embora tenham motivado e determinado realmente o comprador a adquiri-la, não entraram no conteúdo do contrato, assumindo tão só a natureza de elemento extra-negocial da motivação», e por isso, se a coisa prestada as não tem, há um problema de erro.
A garantia edilicia que decorre da disciplina das normas do art 913º e ss está moldada para situações de erro, como resulta da centralidade da anulabilidade do contrato por erro ou dolo – que decorre da remissão resultante do nº 1 dese art 913º para o «prescrito na secção precedente» - e não da sua resolução, bem como da circunstância de o comprador só poder ser indemnizado pelos danos emergentes (e nunca pelos pelos lucros cessantes), como resulta das disposições dos arts 915º e 909º, não podendo ser indeminzado sequer dos danos emergentes quando o vendedor desconhecesse sem culpa o vicio ou a falta de qualidade de que a coisa padece (arts 915º e 914º).
Tudo isto foi reflectido na perspectiva de se compreender que, porque, como se referiu, na generalidade dos casos a compra e venda defeituosa incidente sobre coisa genérica se traduz numa situação de execução defeituosa, e não de erro, natural é que à mesma não sejam aplicáveis os ónus de denúncia dos defeitos, os respectivos prazos e a caducidade da acção, assim se compreendendo que Calvão da Silva refira[16]: «Nestes casos de incumprimento imperfeito contemplados no art 918º e em que não há lugar à clássica garantia edilicia, as correspondentes e já referidas acções de direito comum não estão sujeitas aos prazos curtos de denúncia e de caducidade estatuídos nso arst 916º e 917º»  [17].
Repetindo a mesma ideia a p 75, referindo : «Já em cumprimento defeituoso não abrangido pelo art 913º, vale dizer, quando a violação culposa de deveres do vendedor não se refira a vicio intrínseco ou orgânico da coisa, a responsabilidade contratual  estará sujeita ao prazo ordinário da prescrição». 
Há que fazer notar aqui que nas situações em que esteja em causa na compra e venda de coisas defeituosas uma situação de erro   -  situações, como já se viu, em que normalmente a compra e venda terá incidido sobre coisa especifica –  optando o comprador por não anular o contrato, ou não beneficiando dos exigíveis requisitos para essa anulação  (os pressupostos da anulabilidade por erro ou dolo nos termos dos arts 251º e 247) e portanto, optando pelo seu cumprimento, desde que não requeira os remédios da redução do preço, ou da  reparação ou substituição da coisa, poderá «escolher e exercer autonomamente a acção de responsabilidade civil pelo interesse contratual positivo decorrente do cumprimento defeituoso ou inexacto presumivelmente imputável ao vendedor (arts 798º e 799º art 801º/1 )», mas nestas situações «é de aplicar o prazo curto de caducidade previsto no art 917º à acção de indemnização fundada na violação contratual positiva (…)  a fim de não se tornar ilusório e sem significado prático aquele prazo abreviado de caducidade especialmente previsto pelo legislador (…)» [18].
Aqui chegados, podemos concluir que assiste razão à R./apelante quando sustenta que estando em causa uma compra e venda defeituosa incidente sobre coisa genérica não estava obrigada a proceder à denúncia dos defeitos, e menos ainda a fazê-la nos prazos constantes do nº 2 do art 916º e a respeitar o prazo a que se reporta o art 917º de caducidade da acção para o exercício processual daqueles direitos.
Sendo este o ponto de vista deste Tribunal escusado é analisar em função da matéria de facto provada se a R. cumpriu ou não os prazos de denúncia, à luz da lei civil ou da comercial, relativamente aos reiterados defeitos da cabeça do tubo e aos referentes a outros componentes da linha de produção que, consabidamente, e como resulta do facto 6 – “apenas funciona com todos e cada um dos elementos que a compõem, sob pena de não ser possível produzir/fabricar as tubagens que a referida linha de produção se destina a produzir”.
Sempre se fará aqui referência a dois aspectos que se revelariam nucleares na matéria em causa da denúncia dos defeitos, se necessidade houvesse de a eles recorrer, o que já se excluiu: a primeira tem a ver com as exigências a esse nível do direito comercial, que seria o aqui aplicável; e a segunda reporta-se ao reconhecimento pela A. dos defeitos em causa.
Estando em causa na acção comerciantes, e sabido como é que na actividade mercantil se fazem sentir maiores exigências de segurança e celeridade do que o direito civil, ter-se-ia que atentar – como o entendeu no aspecto em causa o Exmo Juiz a quo – ao diposto no art 469º do C Com. O mesmo, «bem mais antigo do que o CC e usando, por isso, de uma linguagem técnica já em desuso», como o refere Menezes Cordeiro[19], determina que «as vendas feitas sobre amostra de fazenda, ou determinando-se só uma qualidade conhecida no comércio, consideram-se sempre como feitas debaixo da condição da cousa ser conforme à amostra ou à qualidade convencionada; e o art 471º acrescenta: «As condições referidas nos dois artigos antecedentes haver-se-ão por verificadas e os contratos como perfeitos, se o comprador examinar as cousas compradas no acto da entrega e não reclamar dentro de oito dias.  & único O vendedor pode exigir que o comprador proceda ao exame das fazendas no acto da entrega, salvo caso de impossibilidade, sob pena de se haver para todos os efeitos como verificado».
Como é evidente, a R. não estava obrigada a proceder ao exame dos bens vendidos nas sucessivas datas das respectivas entregas, que, segundo o ponto 5 ter-se-ão verificado, relativamente aos vários componentes da linha de produção – salvo a cabeça para o tubo – em 6/7/2009, 7/7/2009, 10/8/2009 – pois no tocante àquela a respectiva entrega apenas se deu em 16/9/2009.
Desde logo e como refere Antunes Vareala no parecer acima referido[20]  «o art 471º C Com  só visa as qualidades, atributos ou defeitos  da coisa observáveis à vista desarmada, detectáveis  no tal exame da coisa  pelo comprador no acto da entrega»,  e não são essas que estão em causa na acção.
Assinala Romano Martinez, por sua vez [21], que tal como sucede com o prazo de 30 dias  a que se reporta o art 916º CC,também o prazo de 8 dias do art 471º C Com,   o  prazo para a denúncia dos defeitos se deve contar a partir do respectivo conhecimento.  Refere que a letra do 471º «nada esclarece nem num sentido nem noutro, pois limita-se a dispor que, a partir do momento em que o comprador recebe a mercadoria o contrato haver-se-á como perfeito, se os defeitos não forem reclamados dentro de 8 dias; da letra da lei não se pode  inferir  que este prazo esteja relacionado com a entrega». Entende que perante a omissão do diploma mercantil, são de aplicar as correspondentes disposições do CC - art 3º C Com- e que sendo este diploma posterior, «e tendo nele o legislador assentado, claramente, no sentido de que o prazo se inicia com a descoberta, a unidade do sistema jurídico leva a interpretar o art 471º C Com  de forma análoga ao estabelecido nos arts 916º/2 e 1220º/1».
Acresce que na situação dos autos, como é muito evidente, a A. não poderia exigir à R. que a mesma no acto da entrega da cabeça – e completada que assim teria sido a entrega da linha de produção – procedesse ao exame da mesma, pois se verifiva uma situação de ”impossibilidade” para a R. assim proceder. Com efeito e como o assinala Romano Martinez [22] «quando o bem tenha de ser experimentado as circunstâncias podem impedir que a verificação seja feita de imediato» . E na situação dos autos, como resultou do que se ouviu das testemunhas, não era razoável experimentar a linha de produção sem se ter uma concreta oportunidade negocial para satisfazer, atentos os custos que esse ensaio implicaria quer a nível de matéria prima quer a nível de trabalho, tanto mais que a qualidade do tubo a produzir só é suposto que seja alcançada  em função de várias (ou muitas) horas de teste.
Seria pois em função deste muito especifico circunstancialismo que a referida existência e tempestividade da denúncia ou denúncias teria de ser analisada, e sempre no pressuposto que «a denúncia de um defeito não se estende aos demais, porque isso contrariaria a ratio da norma que impõe tal dever» e, «da mesma forma, o agravamento substancial de uma desconformidade carece de nova reclamação».[23]
Por outro lado, sendo evidente que a R. – as mais das vezes, através da Politejo como se observou no âmbito da apreciação da impugnação da matéria de facto-  procedeu a várias denúncias de defeitos,  constata-se da documentação junta aos autos e aludida na matéria de facto - e por reporte  apenas às referentes à cabeça do tubo - que a A. foi reconhecendo a necessidade da reparação da mesma, o que sempre implicaria que mesmo que essas denúncias não tivessem sido exactamente tempestivas à luz do critério acima referido, tal intempestividade passasse a ser irrelevante, em função do disposto no art 331º/2 CC .
Veja-se que constando do ponto 8 da matéria de facto que “em 28/9/2009 a P... devolveu à A. a cabeça de tubo com a menção que a mesma não funcionava   (apresentava matéria a aderir às peças, compressão demasiado alta, cabeça desequilibrada, a lista não funcionava e a resistência à volta da lista não existia, cfr pontos 9 a 12 da materia de facto), o facto da A. ter aceite essa devolução implica que haja reconhecido a necessidade de reparação da mesma.
Mais adiante, e como resulta dos pontos 15 e 16 da matéria de facto, os legais representantes da A. e da R. reuniram-se em 20/5/2010 e em resultado dessa reunião a A. comprometeu-se a, além do mais, “contactar nos próximos dias o Sr ... para que se efectue a carga da cabeça para tubo 2000”, o que demonstra que a essa data os mesmos defeitos ou outros que se verificassem na dita cabeça foram reconhecidos pela A., tanto mais que nessa reunião a R. se comprometeu  a efectuar 150.000,00€ de parte do pagamento pendente, mas não a pagar a totalidade desse valor.
Em 27 de Maio de 2011 a A. enviou um e-mail ao legal representante da R., contendo as alterações que propunha ao desenho da cabeça de tubo com vista à resolução do problema (cfr. ponto 19 da matéria de facto provada), o que mais uma vez demonstra o seu reconhecimento dos defeitos e problemas que a cabeça apresentava e a disponibilidade da A. para a reparar.
Em 13 de Junho de 2011 a A. enviou à R. uma carta na qual reclamava o pagamento do preço remanescente, sendo que relativamente à parte do preço que entendia dizer respeito à cabeça de tubo, expressamente aceitava que a mesma “ainda não está completamente aprovada e em operação” – ponto 19-A da materia de facto provada.
Segundo o ponto 24 da matéria a A. nunca reparou a cabeça do Tubo.
 A caducidade pode ser impedida, nos termos do art 331º/2 CC sempre que haja «(…) reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido».
A propósito desta norma refere Romano Martinez - criticando a interpreteção restritiva por vezes levada a efeito pela doutrina e jurisprudência no sentido de que a caducidade só é impedida se o reconhecimento tiver o mesmo efeito da sentenca[24] :-«Dever-se-á admitir que o reconhecimento do defeito, como promessas de solucionar o diferendo, constitui um impedimento da caducidade, pois não está em contradição com a letra do nº 2 do art 331º e permite evitar que se considerem como válidas situações violadoras do principio da boa fé, designadamente da regra do não venire contra factum proprium».
O cumprimento defeituoso equivale a cumprimento inexacto ou imperfeito, acarretando a desconformidade entre a prestação devida e a realizada, a insatisfação do interesse do credor, e por isso traduz-se essencialmente numa «perturbação na equivalências das prestações». [25]
A primeira consequência do incumprimento defeituoso, sendo que a culpa do devedor se presume nos termos do art 799º/1 CC, é torná-lo responsável pelo prejuízo que causa ao credor – art 798º - devendo esta responsabilidade ser entendida em sentido amplo, abrangendo não só o dever de indemnizar, mas o direito à rectificação do defeito ou à redução da contraprestação.
Assim, o credor pode exigir a eliminação do defeito, e no caso desssa eliminação não ser possível, a substituição da coisa.
Direitos estes que enquanto não forem satisfeitos legitimam pela sua parte a utilização da excepção de não cumprimento, que nas situações de cumprimento defeituoso se usa referir como exceptio non rite adimpleti contractus , implicando que o credor recuse a sua contraprestação.
E o credor, podendo diminuir a sua contra prestação em certas circunstâncias, pode ainda, perante o cumprimento defeituoso, resolver o contrato se se verificarem os pressupostos dos arts 801º e 808º, além de que tem direito a ser indemnizado pelos danos que a prestação defeituosa lhe tenha causado.
Estes danos podem revestir duas vertentes: os danos do “defeito”, (próximos),  e os subsequentes, falando-se a propósito dos primeiros, em danos circa rem e a propósito dos segundos em danos extra rem. Nestes incluem-se os danos pessoais sofridos pelo credor e os ocasionados no seu restante património, inserindo-se nestes os causados na pessoa ou no património de terceiros que o credor tenha tido de indemnizar. Nas palavras de Romano Martinez [26], que se tem vindo a seguir, incluem-se nos danos circa rem «os prejuízos decorrentes da dimunuição ou perda do valor da coisa, os custos contratuais, o valor da eliminação dos defeitos quando excpcionalmente feita pelo credor, o montante despendido em estudos, pareceres, etc, a diferença de preço que o credor teve de suportar  para adquirir um bem substitutivo, os lucros cessantes, bem como outras despesas derivadas do incumprimento» .
Esta distinção no cumprimento imperfeito destas duas vertentes de danos – extra rem e circa rem – tem utilidade para se compreender mais facilmente que apenas a indemnização por danos circa rem legitima o recurso à excepção ao não cumprimento do contrato: esta excepção «só se justifica com respeito a obrigações que se encontrem entre si numa relação sinalagmática (art 428º/1)[27] e  a indemnização por danos extra rem, sendo delitual, não se pode considerar como correspectiva do pagamento do preço ».[28]
Cumpre referir também que o credor só pode lançar mão da excepção do não cumprimento do contrato depois de tornar o devedor ciente da pretensão ou pretensões a que está adstrito.
E neste particular das pretensões que pode fazer valer, há quem entenda  que a indemnização pelo interesse contratual positivo nos termos do art 801º/2 – em função da resolução do contrato - «tem uma função complementar dos outros meios jurídicos», quer dizer o comprador só a poderá pedir subsidiariamente relativamente aos pedidos de eliminação dos defeitos, de substituição da prestação e de redução do preço [29], e quem não partilhe esse entendimento, reservando sempre ao comprador decepcionado a opção de resolver o contrato, se reunidos os pressupostos para tanto, caso em que opta pelo incumprimento do contrato, ou orientar-se pelo seu cumprimento, escolhendo então a eliminação, substituição da coisa ou redução da contra prestação.
A ideia é no entanto uma apenas – a de estabelecer o status quo ante, a situação que existiria se não tivesse se tivesse celebrado o contrato, ou o de colocar a parte lesada em circunstâncias idênticas às que se verificariam se o contrato houvesse sido pontualmente cumprido, como o assinala Romano Martinez[30] .
Com efeito, a reaparação ou substituição da coisa traduz o direito ao exacto cumprimento: «obter a reparação ou substituição da coisa é realizar especificamente o próprio direito do comprador à prestação originária, isenta de vícios, que lhe é devida».[31]
Refere a este propósito Calvão da Silva[32] que «a acção de reparação ou substituição da coisa é a acção de cumprimento, em que o comprador pede a condenação do vendedor na realização da originária prestação devida, assente portanto num estado de atraso provisório  ou (de) mora na exacto cumprimento, a que é possível seguir-se ainda, embora retardadamente, o cumprimento». 
Optando o comprador decepcionado pela eliminação do defeito tem que interpelar o vendedor para procder a essa eliminação – art 777º/1 – sendo que o vendedor só se constitui em mora «depois de transcorrido um prazo razoável, tenho em conta a natureza dos defeitos a reparar - arts 777º/2 e 805º/1», e «prevendo a eventualidade do vendedor não eliminar os defeitos, a contraparte pode concomitantemente ou em momento posterior, estebelecer um prazo equitativo, findo o qual rejeita a reparação, art 808º», sendo que a recusa antecipada do vendedor em cumprir o dispensa desse procedimento. 
Assim  procedendo, e não eliminando o vendedor o defeito no prazo fixado, ou mantendo a prestação substitutiva o mesmo vício, verifica-se incumprimento definitivo no que se reporta a esta obrigação, caso em que, mantendo-se a eliminação do defeito como possível, o comprador terá direito ao valor da reparação efectuada por terceiro – art 828º («caso contrário, a indemnização deverá corresponder ao preço  pelo qual se adquiriram bens substitutivos, ou à diferença entre o valor de mercado desses bens e o preço acordado») [33]
E terá ainda direito a indemnização de outros danos circa rem que não tenham ficado ressarcidos.
Revertamos à situação dos autos para nos centrarmos nos pedidos formulados na acção e na reconvenção.
A A. pede a condenação da R. no pagamento do preço em falta -  €200.760,00 acrescido dos juros desde 29/6/2009, data da emissão da factura  que constitui o doc nº 1 junto com a petição.
A R. sustenta a sua absolvição desse pedido e reconvém, pedindo a condenação da A. a pagar-lhe a quantia de €620.611,33 acrescida de juros desde o trânsito em julgado da decisão (que assim decidir) até efectivo pagamento.
Vejamos por referência aos factos provados, o encadeamento essencial destes, para depois se aferirem os valores que a R. conseguiu provar ao nível reconvencional, e se se deve entender ter a mesma direito à condenação da A. no seu pagamento e, simultaneamente, à sua absolvição do pedido de pagamento do remanescente do preço.
 A R. encomendou à A. a linha de produção em causa nos autos em Dezembro de 2008 – facto 1.
Os vários elementos que a compunham foram entregues em datas diversas, sendo que o último entregue foi a cabeça de tubo, em 16/9/2009  - facto 5 .
 A P... contando já ter em funcionamento no Verão de 2009 a linha de produção encomendada à A. no final de 2008 aceitou uma encomenda da empresa ... (Construções SA.) para produzir tubos  - facto 28 .
 Sucede que em 28/9/2009 a P... devolveu à A. a cabeça de tubo porque a mesma não funcionava – factos 8 e 9.
Por assim ser, e com vista a poder satisfazer a encomenda à ..., a P... suportou uma série de despesas na cabeça de tubo que já tinha (que não a adquirida à A.) de forma a permitir a produção de tubo com diâmetro 1400 mm, tendo despendido junto da F..., Lda a quantia de €19.665,00 – facto 29 . E em Outubro e Novembro de 2009  contratou a empresa ..., Lda  para proceder a novas intervenções nessa cabeça (1200), agora  para que produzisse diâmetros de 1600 mm, tendo despendido €15.783,00 e €6.420,00. – facto 27-A.
Em 2010, na sequência da reunião havida entre os legais representantes da A.e da P..., a que se reporta o facto 15, e de que resultou por parte da A. o compromisso a que se alude atrás na decisão da impugnação da matéria de facto, a R. contratou a empresa ... para efectuar uma intervenção na bomba, tendo despendido o valor de €6.900,00 - ponto  29-B  da matéria de facto provada
Vários trabalhadores dedicaram-se a realizar os arranjos necessários ao funcionamento da linha de produção para que a P... conseguisse entregar a encomenda a que se tinha obrigado junto da ..., bem como, foram ainda estes trabalhadores que, no final desse mesmo ano de 2010, despenderam parte significativa do seu tempo de trabalho a efectuar testes na referida linha de produção para a produção de tubos com diâmetros superiores a 1200 mm, tendo a R. suportado, com custos de pessoal, a quantia de €28.267,65 – ponto 34.
Os problemas na linha de produção continuaram, pelo que, em 18 de Janeiro de 2011, a P... solicitou o arranjo do puxo (ponto 17).
 A 1 de Fevereiro de 2011 a P... informou a A. que tinha realizado, em Janeiro, um ensaio à linha de produção do diâmetro 2.000 mm tendo identificado diversos problemas que nesse mesmo e-mail lhe reportava e solicitava a sua intervenção urgente, no sentido de todos estes problemas serem resolvidos, tais como: - uma fuga na parte detrás da cabeça por falta de parafusos, que entretanto foi solucionada pela A.; - uma grande dificuldade em fazer a banda azul; - uma incapacidade do puxo para o suportar o O 2000mm (ponto 18)
 Por carta datada de 20/06/2011 a Ré enviou carta à Autora informando, para além do mais, que o equipamento encomendado não funcionava, invocando, para tanto, o escorregamento do tubo nas lagartas do puxo e a irregularidade da saída do tubo da cabeça. (facto 20)
 Por email de 6/10/2011 foram reportados à Autora problemas ocorridos com ensaio da linha de PE no diâmetro de 1400, designadamente, a paragem da linha com um alarme no puxo, bloqueio na lagarta n.º 4 e destruição da guia de nylon (facto 21)
 Em 14/10/2011 a P... devolveu à Autora 14 caixas redutoras pertencentes ao Puxo, invocando o facto de as mesmas não terem funcionado (facto 22).
Foi então que a R. enviou à A. a carta datada de 21/10/2011, a qual foi por esta recepcionada, com o seguinte teor: “...” (facto 23)  
 A Autora, no entanto,  nunca reparou a cabeça do Tubo (facto 24) .
Em Março de 2012, e uma vez que os problemas na linha de produção se mantinham, a P... contratou novamente a empresa F... para o fornecimento e fabrico de duas Flanges, no valor de Euros 12.054,00, com a finalidade de alterar a cabeça do tubo 2000 - facto 30
E em Maio de 2012 solicitou à sociedade ..., Lda.,  intervenções à cabeça 2000, que implicaram inclusivamente o fornecimento de novas peças, no valor de Euros 12.379,95 e Euros 793,35 – facto 30 
Em Agosto desse mesmo ano de 2012 a P... voltou a solicitar à F... novos serviços, nomeadamente nova intervenção à cabeça de tubo 2000, no valor de Euros 15.163,67 – facto 31
 Entre, pelo menos, Dezembro de 2011 e 14 de Novembro de 2013, as partes não trocaram qualquer correspondência. –facto 26 – sendo que nessa data de 14/11/2013, a A. enviou à R. email, informando que havia sido adquirida pela empresa ..., S.A., e que tinha em conta a existência de uma Fatura Pendente de Pagamento datada de 29/06/2009, no valor de €350.760,00, pretendendo dar início à resolução de tal assunto. (facto 27)  
Em 20/1/2014 a R. informou que o equipamento fornecido pela A. tinha vários defeitos e anomalias, os quaisnão tinham sido reparados pela A. no prazo fixado para o efeito e que, àquela data, parte desses problemas ainda se encontravam pendentes de resolução, já que a R. continuava sem conseguir produzir tubos de 2000 mm de diâmetro – facto 27 –A .
 Em Maio de 2014 a R H... celebrou um contrato com a ... para produção de tubos de 2000 mm .
  Para conseguir cumprir com a encomenda, e em virtude da linha de produção não funcionar correctamente, a R. H... teve de gastar mais matéria prima, bem como houve tubos produzidos que não cumpriram as normas técnicas regulamentares  por terem uma espessura superior ou inferior à regulamentar.
 Em virtude do acima referido, a R. teve custos de produção relativamente a tubos rejeitados no valor de €339.832,82, custos de produção por sobre-espessura, no valor de €88.136,29 e custos de destroçar, no valor de €81.595,90».
Em virtude das desconformidades da cabeça do Tubo, atrás mencionadas, a linha de produção gera um gasto excessivo de matéria-prima, energia e trabalho, produzindo diversos tubos que não cumprem as especificidades técnicas e as regras de qualidade- facto 25.
Já se viu que a R., perante o defeito da coisa que lhe foi prestada, optou por manter o contrato e fazer valer a reparação da mesma, pedindo em diferentes momentos a reparação de vários dos elementos da linha de produção que apresentavam defeito, o que sucedeu especialmente relativamente à cabeça de tubo. Os defeitos não foram reparados, e a R., por carta de 21/10/2011, fixou à A. um prazo de 45 dias para proceder a essa reparação, logo a advertindo que assim não procedendo iria contactar «outra ou outras empresas para proceder às alterações que nós acharmos necessárias sendo que todos os custos serão debitados à vossa empresa». 
Com esta interpelação admonitória, nos termos do art 808º CC, converteu a mora na obrigação de reparação em incumprimento definitivo dessa obrigação, passando a estar legitimada a recorrer aos serviços de terceiros para essa reparação, visto o desrespeito da A. pelo prazo suplementar fixado.
Fiando naturalmente com direito a ser ressarcida do prejuízo que entretanto lhe foi causado pela mora da A. na reparação da cabeça de tubo que lhe adquiriu. 
Por isso deve ser ressarcida pela A. das despesas que fez junto da F..., Lda em função de alterações relativamante a uma outra cabeça de tubo que a P... tinha em sua posse (que não a adquirida à A) de forma a permitir a produção de tubo com diâmetro 1400 mm, despesa essa no valor  de €19.665,00; como lhe asiste o direito de se ver ressarcida da despesas que fez junto da ..., Lda para proceder a novas intervenções na cabeça 1200 para que esta produzisse agora diâmetros de 1600 mm, despesas essas no valor de  €15.783,00 e €6.420,00. E ainda o direito de se ver ressarcida da despesa feita junto da ... para efectuar nova intervenção, desta feita na bomba, sendo tal despesa no montante de €6.900,00. E também deve ser ressarcida do valor que pagou a trabalhadores para os mesmos procederem a arranjos na linha de produção para que a P... conseguisse entregar a encomenda a que se tinha obrigado junto da ..., bem como, no final desse mesmo ano de 2010, do valor que despendeu com esses trabalhadores para efectuarem testes na referida linha de produção para a produção de tubos com diâmetros superiores a 1200 mm, valores esses de  €28.267,65.
Todas estas despesas, umas suportadas directamente pela R (pelo menos o valor das bombas), outras pela P..., tiveram como causa a mora da A. na reparação da cabeça de O 2000.
Mas à R. assiste também o direito, depois que há muito fez saber à A. dos defeitos dos vários elementos componentes da linha de produção e que requereu a respectiva reparação, a invocar a excepção de não cumprimento do contrato, recusando-se a entregar o remanescente do preço em falta. O que fez senão antes, pelo menos após a referida reunião de 20/5/2010, em que, comprometendo-se a “efectuar 150.000 euros de parte do pagamento pendente”, ficou deliberadamente devedora dos €200.760,00 que a A. reclama na presente acção, enquanto não sobreviessem as reparações em falta.
Trata-se como o qualifica Calvão da Silva[34] de «legítimo meio de garantia e coersão defensiva que, pela suspensão do pagamento do preço, pressiona o vendedor a cumprir perfeitamente, através da reparação ou substituição, desde que a sua invocação não contrarie as regras de boa fé» 
Como se lê no Ac STJ 18/5/2006 (Alves Velho) «ao opor a execpção o excipiente suspende a execução da prestação a que está adstrito até à realização da contraprestação pela outra parte, colocando-se numa recusa provisória de cumprimento que o direito acolhe como uma causa justificativa de incumprimento em homenagem ao princípio da simultaneadade do cumprimento das obrigações recíprocas que nos contratos sinalagmáticos são também reciprocamente causais».
Ou, nas palavras do Ac STJ 24/2/99 (Peixe Pelica) «Se um vendedor duma máquina (por exemplo) entrega ao comprador (obrigado apenas a pagar o preço na totalidade muito depois da entrega) máquina com defeitos obstaculadores do funcionamento normal da mesma; e se o mesmo devedor, apesar de para tanto solicitado, não substituir ou reparar a referida máquina, o comprador tem o direito a não entregar a parte final do preço enquanto o vendedor não cumprir o dever de reparação e ou  substituição».
Depois que com a referida interpelação converteu a mora na obrigação de reparação em incumprimento definitivo dessa obrigação, tem a R. direito à indemnização dos danos provenientes do cumprimento defeituoso – art 798º CC - quantificada pelo interesse contratual positivo, que cobre, naturalmente, os danos emergentes resultantes das despesas que fez junto de terceiros para corrigir deficiências na cabeça 2000 adquirida à A,, estando nessas circunstâncias as despesas junto da F... para o fornecimento e fabrico de duas Flanges, no valor de €12.054,00; a despesa junto da ..., referente a novas intervenções à cabeça 2000, que implicaram inclusivamente o fornecimento de novas peças, nos valores de €12.379,95 e €793,35; e as despesas feitas de novo junto da F..., em Agosto desse mesmo ano de 2012, em função de nova intervenção à cabeça de tubo 2000, no valor de €15.163,67. Também os maiores custos de matéria-prima, energia e trabalho, que em virtude do incorrecto funcionamento da linha de produção lhe veio a implicar o cumprimento do contrato com a ... para produção de tubos de 2000 mm: por um lado, a quantia de €88.136,29, já que ao produzir tubos com sobre espessura, gastou mais matéria prima do que aquela que num processo normal teria necessidade de despender; por outro, à quantia de €339.832,82, porque tendo-lhe visto serem rejeitados tubos no âmbito da referida obra, resultou prejudicada em função da correspondente matéria prima, energia e trabalho no valor de 339.832,82; acrescendo que teve de os mandar destroçar, no que dependeu  €81.595,90.
No que respeita a este contrato com a ... há que fazer notar que, pese embora só tenha sido assinado em 2014, a responsabilidade da R. relativamente ao mesmo data de muito antes – 2011 – consoante o referiu a testemunha ... – altura em que iniciaram a realização do projecto para ser submetida a aprovação para essa obra, sendo inteiramente justificado que a R nessa altura contasse com a linha de produção em causa nos autos para a futura realização dos necessários tubos, sendo até por causa de obras dessa natureza e grandeza, que já anteriormente a 2011 se perspectivavam em Espanha, que a R adquiriu esta linha à A.
Todos os acima mencionados danos, os anteriores e os posteriores à referida interpelação admonitória, se configuram, em função das considerações atrás produzidas, como danos circa rem e, consequentemente, como danos que legitimam, até à respectiva satisfação, a excepção do cumprimento do contrato, já que a falta de reparação da coisa vendida continua a perturbar a relação sinalagmática querida pelas partes, de tal modo que apenas quando satisfeita a indemnização pelos mesmos, ficará restabelecido o equilíbrio prestacional rompido - o sinalagma funcional - impondo-se então o pagamento pela aqui R. da parte restante do preço em falta.
Estando em causa, como já se assinalou, danos circa rem, valem inteiramente as considerações produzidas por Antunes Varela no já citado Parecer [35] e que aqui se transcrevem pela respectiva pertinência no âmbito destes danos:  «(…) é evidente que o nexo existente  entre o direito da vendedora ao preço das rações fornecidas e o direito da compradora à indemnização pelos danos causados pelo cumprimento defeituoso da obrigação  (a cargo da vendedora) é o mesmo que ligava inicialmente o direito ao preço com o direito às rações. É o nexo sinalagmático próprio do contratos bilaterais. Nexo que, em princípio, tanto une as prestações fundamentais emergentes da celebração do contrato (sinalagma genético) como abraça as prestações da mesma natureza advenientes do desenvolvimento da relação contratual (sinalagma funcional)». Explicando melhor de imediato: «Que este vínculo de reciprocidade que liga à nascença as prestações típicas do contrato bilateral ou sinalagmático (de que é exemplo paradigmático o contrato de compra e venda) se estende, como é lógico e como é justo, às prestações resultantes da evolução da relação contratual». Mais referindo: «Não faria nenhum sentido, na verdade, que a vendedora deixasse culposamente de realizar a prestação a que se encontrava adstrita, cumprindo defeituosamente a sua obrigação e mantivesse intacto o seu direito à contraprestação, como se nenhuma falta houvesse da sua parte dentro da economia da relação contratual».
O que significa que se a R. não pode ser absolvida do pedido da A. referente ao preço em dívida, já o pode e deve ser relativamente aos juros pedidos, na medida em que, apenas quando a A. proceder ao pagamento das indemnizações acima referidas, será exigível à R. o pagamento desse preço. Não se tendo registado culpa desta no não pagamento do preço não são exigíveis juros. Refere, com efeito,  José Abrantes [36] que «as funções da excepção reconduzem-se a obstar temporariamente ao exercício da pretensão da obrigação de que é credor, sem, por sua vez, cumprir a obrigação correspectiva a seu cargo ou, sem pelo menos, oferecer o seu cumprimento simultâneo. É pois uma causa justificativa do incumprimento das obrigações: o excipiente pode legitimamente recusar a sua prestação sem com isso incorrer em mora».
Assim a solução dos autos passa por condenar a R. compradora a pagar o preço em falta referente à compra e venda da linha de produção – os €200.760,00 -  sem juros de mora - quando a A. vendedora  a ressarcir dos danos atrás referidos, cuja soma perfaz o montante de  €620.582,23.
Não se mostra possível a este Tribunal operar a compensação entre esses valores, porque esta não foi pedida e a compensação tem como requisito a declaração de vontade de compensar.
Uma última palavra ainda a respeito da legitimidade da aqui R/reconvinte.
 Como se assinalou na decisão da matéria de facto, as relações grupais entre a R. e a P... eram sobejamente conhecidas da A. Sempre que a P... agiu junto da R. no referente à linha de produção - que logo de início foi instalada pela A. nas instalações desta - fê-lo com conhecimento e concordância da R. E se numa primeira fase foi a P... que suportou os prejuízos acima referidos advenientes dos defeitos da linha de produção, posteriormente imputou-os à R. na qualidade de dona desta. Acresce que todos os custos despendidos pela P... e elencados nos pontos 29 a 37 da matéria de facto provada, foram imputados pela P... à R. e por esta efectivemente pagos. 
Deste modo, deve julgar-se em parte procedente a acção, condenando a R. a pagar à A. o valor de €200.760,00, sendo esta absolvida dos juros de mora reclamados, e condenar-se a A. a pagar à R. o valor de €620.582,23, momento esse, o desse pagamento, em que passa a ser exigível à R. pagar à A. o referido preço em divida.
V – Pelo exposto, acorda este Tribunal em, julgando parcialmente procedente a acção e a reconvenção e revogando parcialmente a sentença recorrida, condenar a A. a pagar à R. o valor de €620.582,23 acrescido de juros desde o trânsito desta decisão, como foi pedido, e condenar esta a pagar àquela, aquando do pagamento daquele valor, a quantia de €200.760,00, sem juros de mora.
Custas na 1ª instância e nesta na proporção do vencimento.
                                                                       Coimbra, 10 de Julho de 2019
(Maria Teresa Albuquerque)
(Manuel Capelo)
(Falcão de Magalhães)

Sumário:
I - Obrigação genérica é aquela em que a prestação se encontra determinada apenas por referência a uma certa quantidade, peso ou medida de coisas dentro de um género, mas ainda não está concretamente determinado quais o espécime daquele género que vai servir para o cumprimento da obrigação.
II - A razão de ser da abrangência pelo art 918º da compra e venda de coisa genérica encontrar-se-á no facto dessa compra e venda comungar com os defeitos supervenientes de venda de coisa específica e com a venda de coisa futura, aí também abrangidos, da circunstância de os defeitos não serem preexistentes ou contemporâneos da venda mas posteriores à sua conclusão.
III - Com o que implicitamente o art 918º coloca em evidência que na situação de compra e venda de coisa defeituosa há que distinguir duas situações: a de o vício existir no momento da venda, por um lado; e por outro, a de surgir em momento posterior. No primeiro caso (art 913º) tem de se resolver um problema de “erro”, relativo à fase estipulativa do contrato; no segundo põe-se o problema do inadimplemento (art 918º) relativo à fase executiva do contrato.
IV - No entanto, pode haver erro na compra e venda de coisa genérica, como pode haver execução defeituosa na compra e venda de coisa específica, motivo por que se deve concluir que com o diposto no art 918º o legislador não terá pretendido afastar todo o regime da venda defeituosa para a venda de coisa genérica, mas apenas evidenciar que reportou essencialmente a clássica garantia edilicia aos vícios preexistentes ou contemporâneos da conclusão do contrato e que teve essencialmente presente a venda de coisa específica.
V - Na generalidade dos casos, a compra e venda defeituosa incidente sobre coisa genérica traduz-se numa situação de execução defeituosa, à qual não são aplicáveis os ónus de denúncia dos defeitos, os respectivos prazos e a caducidade da acção.
VI – Tal como sucede na compra e venda de coisas defeituosas a que se reportam os arts 933º e ss CC, no incumprimento defeituoso o comprador tem de optar ou, por não manter o contrato, resolvendo-o, (ali anulando-o), se se verificarem os respectivos pressupostos, ou mantê-lo, fazendo então valer o direito à rectificação do defeito ou à substituição da coisa se a mesma não for reparável, ou à redução da contraprestação. No caso de resolver o contrato tem direito a indemnização em função do interesse contratual negativo, e no caso de se orientar pelo cumprimento do contrato, tem direito a indemnização pelo interesse contratual positivo.
VI – Pretendendo o cumprimento perfeito do contrato o comprador, embora não sujeito a prazos, deve denunciar o defeito e tornar o vendedor ciente da sua ou suas pretensões, interpelando-o para o efeito, sendo que pretendendo a reparação ou substituição poderá logo interpela-lo admonitoriamnete para o fazer num prazo  razoável, sob pena de incumprimento definitivo dessas obrigações, podendo então recorrer a terceitos para essa reparação ou substituição e constituindo-se o vendedor em responsabilidade para com o comprador relativamente às inerentes despesas.
VII – Enquanto esses direitos não lhe forem satisfeitos pode utilizar a exceção de não cumprimento do contrato, recusando a sua contraprestação.
VIII – Só os danos do “defeito”, (próximos), ditos “circa rem” legitimarão a exceção de não cumprimento do contrato nas circunstâncias referidas,  e não os danos “extra rem”, por em relação a estes não subsistir já o sinalagama funcional que se verifica em relação àqueles.
IX – Opondo o comprador ao vendedor a exceção de não cumprimento do contrato, terá, no entanto, de pagar o preço em falta, embora sem juros por não estar constituído em mora, quando o vendedor o indemnize relativamente aos ditos prejuízos “circa rem” resultantes do cumprimento defeituoso. 

***


[1] 33: «Vários trabalhadores dedicaram-se a realizar os arranjos necessários ao funcionamento da linha de produção para que esta conseguisse entregar a encomenda a que se tinha obrigado ao seu cliente ..., bem como, foram ainda estes trabalhadores que no final desse mesmo ano de 2010 despenderam parte significativa do seu tempo de trabalho a efectuar testes na referida linha de produção para a produção de tubos com diametros superiores a 1200 mm, tendo a R. suportado, com custos de pessoal, a quantia de €28.267,65».
    34 -«Em Maio de 2014, a R H... celebrou um contrato com a ... para produção de tubos de 20000 mm».
    35- «Para conseguir cumprir com essa encomenda, e em virtude da linha de produção não funcionar correctamente, a P... teve de gastar mais matéria prima, bem como houve tubos produzidos que não cumpriam as normas técnicas regulamentares por terem uma espessura superior ou inferior à regulamentar»
     36-«Em virtude do acima referido, teve a mesma custos de produção relativamente a tubos rejeitados no valor de €339.832,82, custos de produção por sobre-espessura, no valor de €88.136,29, custos de destroçar, no valor de €81.595,90».
    37 -«Todos os custos despendidos pela P... e elencados nos pontos 29, 29-A, 30 a 32, 35 e 36 da matéria de facto provada, foram imputados pela P... à R. e por esta efectivamente pagos»

[2]Recursos no Novo Código de Processo Civil», 2013, p 240
[3] - «Das Obrigações em Geral», 10ª ed, p 919
[4] - «Direito das Obrigações», Vol I, 5ª ed, p 145
[5] - «Cumprimento Imperfeiro do Contrato de Compra e Venda – A excepção do contrato não cumprido»,  Parecer  de 23/9/1985, in CJ 1987,T4, p 21 e ss  
[6] - «Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada»,  reedição de 2000, p 147 e ss. Refere que para a teoria da garantia há que distinguir as situações em que a coisa prestada defeituosa advém de uma obrigação genérica ou de uma obrigação específica – ali, «segundo a opinião maioritária, o vendedor não cumpriu o contrato na medida em que, nesse caso, estava adstrito a entregar coisa sem defeito»; aqui, «sendo a coisa específica, os partidários da teoria da garantia consideram que o vendedor  não está obrigado a entregar coisa sem defeito, porque isso seria impossível . Sobre o vendedor impende o dever de entregar a coisa tal como ela se encontra e não como deveria ser, pelo que a entrega de coisa defeituosa não constitui um caso de incumprimento contratual  e só pode dar origem a uma responsabilidade fundada na garantia».  Mostra-se partidário da teoria do  cumprimento, nos termos da qual «o vendedor tanto no caso de alienação de coisa genérica, como específica, está adstrito a efectur uma prestação sem defeito, a entregar uma coisa conforme», referindo que a tendência actual é a da unificação das modalidades de cumprimento defeituoso «na ampla noção de desconformidade».
[7] - Supõe-se corresponder a um critério misto, situado na teoria do cumprimento, o ponto de vista de Romano Martinez – p 139 obra referida – segundo o qual «o cumprimento defeituoso abrange , pois, o vicio e a falta de qualidade. O primeiro tem a ver com uma desconformidade em relação a um padrão comum; e a segunda, com uma discordância quanto a aspectos acordados» 
[8] - Obra referida, p 202
[9]  - Romano Martinez, obra referida,  p 151
[10]- Será nas regras enunciadas a propósito da empreitada que se encontrará o melhor afloramento de um regime geral da execução defeituosa, pelo menos no que respeita aos aspectos centrais desse regime – nesse sentido Pessoa Jorge, «Direito das Obrigações»,  ed AAFDL 1975/76 , p 479  
[11] - «Compra e Venda de Coisas Defeituosas- Conformidade e Segurança» , 4ª ed, p 86
[12] - Ac STJ 23/1797 (Laura Leonardo), CJ I, 291 igualmente acessível em www.dgsi.pt
[13] - Vejam-se as referências a esta norma de Romano Martinez, obra referida, p 203
[14]- «Direito das Obrigações»,p 482
[15] - Obra referida, p 53 e ss
[16] - Obra referida, p 87
[17] - Embora, como acrescenta, «sem prejuízo da boa fé impor ao comprador que accione o vendedor sem delongas desmesuradas e injustificadas no circunstancialismo do caso, sob pena de poder incorrer em abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”  
[18] - De novo, Calvão da Silva, obra referida, p 75
[19] - «Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda – A Compensação entre direitos líquidos e ilíquido , a excepção do contrato não cumprido», em Parecer que o opôs a Antunes Varela
[20] - Nota 15 a p 32
[21] - Obra referida, p 375
[22] - Obra referida, p 188
[23] - Romano Martinez, obra referida, p 332
[24]  - Obra referida, p 380/381
[25] - Romano Martinez, obra referida, p 133
[26]- Obra referida, p 238 e ss 
[27] - Que traduzam um desequilíbrio na relação sinalagmática entre o valor e a utilidade da coisa, por um lado, e o respectivo preço, por outro
[28] Neste sentido Menezes Cordeiro, «Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda , p 46 e Pessoa Jorge «Ensaio» , p 231. Há que advertir que Antunes Vareala parece, pelo menos  no Parecer acima referido não comungar desta ideia (cfr  p 33/34 desse estudo)
[29] - Assim Romano Martinez, obra referida, p 310
[30]- Obra referida, p 312
[31]-  Calvão da Silva, obra referida, p 59
[32] - Obra referida, p 62
[33] - Ainda Romano Martinez, obra referida, p 317 e 344
[34] - Obra referida, p 68
[35] - No Parecer que lhe opôs Menezes Cordeiro, põe este autor em causa essas considerações, na consideração de que os danos em referência na situação fáctica que justificou esses Pareceres não se configuravam, na sua opinião, como circa rem mas extra rem
[36] - «A Excepção de não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português», p 627