Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
68/08.1 TBVLF-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: EXECUÇÃO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
INSOLVÊNCIA
EXECUTADO
Data do Acordão: 11/03/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VILA NOVA DE FOZ CÔA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 88º DO CIRE
Sumário: No regime instaurado pelo CIRE e nos termos do seu artigo 88º, a declaração de insolvência apenas determina a suspensão da execução pendente contra a insolvente e não a sua extinção por impossibilidade superveniente da lide.
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A... intentou a presente acção executiva contra Cooperativa B..., apresentando, como título executivo, uma livrança de que é portador, subscrita pela executada, no valor de 478 500,00 euros, vencida em 19/11/2007.

Estando o crédito exequendo garantido por uma hipoteca sobre um prédio, este veio a ser penhorado, mas, por haver registo de penhora anterior, foi a execução sustada relativamente a este bem, ao abrigo do artigo 870º do CPC.

Posteriormente e antes de serem penhorados outros bens, foi junta certidão de sentença transitada em julgado que declarou a insolvência da executada, pelo que o exequente veio requerer a suspensão da execução, tendo sido proferido despacho que declarou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide.

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Inconformado, o exequente interpôs recurso deste despacho e alegou, formulando as seguintes conclusões:

1- O actual regime de insolvência previsto no CIRE apresenta uma configuração nova, não sendo possível em face da decisão de declaração de insolvência saber se os processos executivos podem ou não mais tarde ser reactivados. 

2- O artigo 88º do CIRE determina a suspensão da instância e não a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

3- Não tem aplicação no presente caso o estatuído no artigo 287 alínea e) do CPC porquanto a declaração de insolvência, enquanto tal, não constitui uma inutilidade superveniente da lide.

4- A sentença ora recorrida violou os artigos 88º do CIRE, artigos 287 alínea e) do CPC e artigo 9º do Código Civil.

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O recurso veio a ser admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

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A única questão a decidir é a de saber se a declaração de insolvência do executado determina a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide na acção executiva.

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FACTOS.

Os factos a considerar são os que constam no relatório deste acórdão.

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ENQUADRAMENTO JURÍDICO.

São credores da insolvência todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração (artigo 47º nº1 do CIRE, código da insolvência e da recuperação de empresas).

Declarada a insolvência, os respectivos efeitos processuais nas acções executivas vêm definidos no artigo 88º nº1 do CIRE, onde se estabelece que “a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes”.

Por seu lado, o artigo 287º e) do CPC dispõe: “a instância extingue-se com…a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.

Da leitura destes preceitos, desde logo se retira que o artigo 88º do CIRE, ao definir os efeitos processuais da sentença de declaração de insolvência nas acções executivas, não impõe a extinção da execução, mas sim a sua suspensão.

Por isso, haverá que apreciar se, face à regra geral prevista no artigo 287º e) do CPC, a declaração de insolvência implica necessariamente a inutilidade ou, como foi entendido na decisão recorrida, a impossibilidade superveniente da lide.

A impossibilidade e a inutilidade da lide só ocorrem se, na pendência da acção, se verificar um facto que obsta ou torna inútil a instância.

Ora, não é o que acontece no presente caso.

Desde logo, a estrutura do processo de insolvência, regulado no CIRE (DL 53/2004 de 18/3) compreende apenas uma única forma de processo judicial, o da insolvência, no qual, depois de declarada a insolvência, poderão os credores decidir o modo de satisfação dos seus créditos, através do plano da insolvência, que poderá ou não contemplar a recuperação da empresa insolvente e as respectivas condições, que poderão passar ou não pela faculdade de os credores executarem créditos após o cumprimento do plano (artigo 1º, 156 nº3 e 192º e seguintes do CIRE).

Poderá o plano de insolvência prever a não exoneração do devedor da totalidade das dívidas da insolvência remanescentes (artigo 197º c) do CIRE), podendo, após o cumprimento do plano de insolvência, ser executadas as dívidas em que não se verificou a exoneração (artigo 233 nº1 c) e d) do CIRE).

Também poderá acontecer que, já depois da declaração de insolvência, o processo seja encerrado nos termos do artigo 230º nº1 c) do CIRE, a pedido do devedor, quando deixe de se encontrar em situação de insolvência ou todos os credores prestem o seu consentimento.

Por outro lado, verificando-se a liquidação da massa insolvente, o seu encerramento não é prejudicado pela circunstância de a actividade do devedor gerar rendimentos que acresceriam à massa (artigo 182º do CIRE), património este que poderá oportunamente ser alvo de execução pelos credores cujos créditos não foram satisfeitos na insolvência e em relação aos quais não houve exoneração.

Em todos estes casos, poderá haver oportunidade para o prosseguimento das execuções suspensas (cfr. no sentido de que a declaração de falência apenas determina a suspensão da execução contra o insolvente e não a sua extinção, acórdãos da RL de 21/09/2006, processo 3352/2006-7 e de 12/07/2006, processo 3314/2006-8, em www.dgsi.pt).

Esta possibilidade, de aproveitamento da execução suspensa depois da declaração de insolvência, decorre da diferente redacção do artigo 88º do CIRE, relativamente ao artigo 154º do CPEREF (Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência), pois este último artigo não previa a suspensão da instância após a declaração de falência (apenas prevendo a impossibilidade de prosseguimento ou instauração de as acções executivas), suspensão essa que apenas era referida no artigo 29º, a propósito do despacho de prosseguimento da acção.

Existe assim uma diferença na estrutura do processo introduzida pelo CIRE, em que só há um processo de insolvência, tendo sido eliminado o processo de recuperação, passando esta a ser um dos objectivos do processo de insolvência, a par da liquidação e a ser decidida pelos credores, através do plano de insolvência.

Trata-se de um sistema em que a recuperação da empresa deixou de ser determinada judicialmente mediante a verificação de uma condição objectiva de viabilidade económica, para passar a ser uma decisão dos credores, independentemente da existência ou não de viabilidade económica (cfr. neste sentido Catarina Serra em “O novo regime português da insolvência”, págs 15 e sgts).

Esta prerrogativa dos credores faz com que, à data da declaração de insolvência, seja ainda desconhecida a forma de satisfação dos créditos da insolvência, pois trata-se de uma prerrogativa que apenas é usada depois dessa declaração e tem, naturalmente, consequências no sentido de uma maior maleabilidade e oportunidade de os credores definirem e utilizarem as acções executivas pendentes contra a insolvente.     

Conclui-se, portanto, que, com a declaração de insolvência, a execução não deverá ser extinta, mas sim suspensa.

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SUMÁRIO.

No regime instaurado pelo CIRE e nos termos do seu artigo 88º, a declaração de insolvência apenas determina a suspensão da execução pendente contra a insolvente e não a sua extinção por impossibilidade superveniente da lide. 

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DECISÃO.

Pelo exposto se decide julgar procedente o recurso e revogar a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que declare suspensa a execução.   

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Sem custas.