Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2414/08.9TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
SERVIDÃO ADMINISTRATIVA
SERVIDÃO DE GÁS
INDEMNIZAÇÃO
RECURSO
Data do Acordão: 03/03/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL – 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 1º, 3º, 4º, 5º, 16º, NºS 3 E 7, E 17º, Nº 6, DO D. L. Nº 11/94, DE 13/01; E D.L. Nº 374/89, DE 25/10 (NA REDACÇÃO DO D. L. Nº 8/2000, DE 8/02).
Sumário: I – Tendo em conta o interesse público subjacente ao serviço de gás natural, compete exclusivamente às respectivas concessionárias optar, com vista à implantação e exploração das infra-estruturas, pela aquisição dos imóveis por via negocial ou pelo recurso ao regime de servidões previsto no D. L. nº 11/94, ou ao das expropriações por causa de utilidade pública, nos termos do Código das Expropriações.

II – As servidões de gás têm por finalidades: a) permitir a ocupação do solo e do subsolo na exacta medida requerida pela instalação das infra-estruturas necessárias às actividades do gás natural; b) permitir, em cada momento, às entidades titulares dos direitos de construção ou exploração dos componentes do sistema referidos nas alíneas do nº 1 do artº 4º o efectivo exercício desses poderes, nomeadamente a passagem e a ocupação temporária de terrenos ou outros bens em virtude das necessidades de estudo, construção, ampliação, vigilância, exploração, conservação e reparação das infra-estruturas afectas às concessões de serviço público relativas ao gás natural; c) garantir a eficiência e a segurança no funcionamento das infra-estruturas afectas às concessões de serviço público relativas ao gás natural; d) garantir a segurança das pessoas e dos bens nas áreas a que se refere o artº 4, nas zonas com estas confinantes, bem como em quaisquer outras potencialmente abrangidas pelos riscos inerentes e previsíveis do funcionamento das várias instalações e equipamentos.

III – A determinação do montante da indemnização é feita, de acordo com o nº 3 do artº 16º do D.L. nº 11/94, por acordo das partes ou, na falta dele, por arbitragem.

IV – Desta arbitragem há recurso para os tribunais, nos termos do Código das Expropriações (artº 17º, nº 6).

V – No processo de determinação, cálculo e pagamento da indemnização pela constituição de servidão de gás a fase contenciosa do processo só se inicia com a interposição de recurso da decisão arbitral, sendo que o Cód. Expropriações só subsidiariamente se aplica.

VI – O prazo de 20 dias de recurso para os tribunais (artº 52º, nº 1, do C. E.) só começa a contar a partir da notificação da decisão arbitral, a qual pode ser efectuada pela entidade em cujo âmbito se constituiu e funcionou a arbitragem (não havendo lugar a toda a tramitação prevista no artº 51º do CE) – a Direcção-Geral de Energia e Geologia.

VII – Não é prematuro o recurso da decisão arbitral proferida em processo de determinação, cálculo e pagamento da indemnização pela constituição de servidão de gás interposto pelos proprietários do prédio onerado pela servidão, na sequência da notificação que lhes tenha sido feita pela DGEG.

Decisão Texto Integral:          Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

         1. RELATÓRIO

         A... e mulher B... , residentes em X......., Pombal, interpuseram contra C... (sucessora da D... ), com sede na EN 116, Y.... (Edifício D....) – Vila de Rei – BUCELAS, recurso da decisão de 9 de Julho de 2008 da Comissão Arbitral constituída pela Direcção-Geral de Energia (DGE)[1] que fixou em € 5.979,99 (cinco mil novecentos e setenta e nove euros e noventa e nove cêntimos) a indemnização relativa à constituição de uma servidão de gás onerando o seu prédio rústico denominado Quinta da Moita, localizado na freguesia de Pelariga, concelho de Pombal, inscrito na matriz predial rústica sob os artigos 1123, 1124, 1125, 1126 e 1127 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal sob o nº 2310, a fls. 168-vº do Livro B-6.

         Pediram a procedência do recurso e a condenação da recorrida a pagar-lhes a indemnização de € 37.866,94 e ainda as prestações mensais vincendas resultantes da colocação de postes (ou “caixas”) na parcela de terreno objecto da servidão administrativa.

         Foi proferido despacho liminar de indeferimento que, dado o seu interesse para a decisão, se transcreve:

         “A.... e mulher, B...., vieram interpor recurso da decisão arbitral de 9 de Julho de 2008, que fixou o valor da indemnização pela constituição de uma servidão administrativa sobre uma parcela de que são proprietários, a favor da C....

         Alegaram as razões da sua discordância quanto ao valor indemnizatório proposto pela expropriante, e a final peticionaram a condenação desta a pagar-lhes o montante de 37.866,94€ e ainda as prestações mensais vincendas resultantes da colocação de postes (ou caixas) na parcela de terreno objecto da servidão administrativa.

         Dispõe o artigo 16.° n.° 7 do DL 11/94, de 13 de Janeiro – diploma que regula o regime aplicável às servidões necessárias à implantação e exploração das infra-estruturas das concessões de serviço público relativas ao gás natural, no seu estado gasoso (GN) ou líquido (GNL) – que da decisão da comissão arbitral haverá recurso para os tribunais, nos termos do Código das Expropriações.

         Nos termos do artigo 51° n.º 1 do Código das Expropriações a entidade expropriante remete o processo de expropriação ao tribunal da comarca da situação do bem expropriado ou da sua maior extensão no prazo de 30 dias, a contar do recebimento da decisão arbitral, acompanhado de certidões actualizadas das descrições e das inscrições em vigor dos prédios na conservatória do registo predial competente e das respectivas inscrições matriciais, ou de que os mesmos estão omissos, bem como da guia de depósito à ordem do tribunal do montante arbitrado ou, se for o caso, da parte em que este exceda a quantia depositada nos termos da al. b) do nº 1 ou do nº 5 do artigo 20; se não for respeitado o prazo fixado, a entidade expropriante deposita, também, os juros moratórios correspondentes ao período a atraso (..,).

         E prevê o n.° 5 do mesmo artigo, que depois de devidamente instruído o processo e de efectuado o depósito (…), o juiz, no prazo de 10 dias, adjudica à entidade expropriante a propriedade e posse, salvo, quanto a esta, se já houver posse administrativa, e ordena simultaneamente a notificação do seu despacho, da decisão arbitral e de todos os elementos apresentados pelos árbitros, à entidade expropriante e aos expropriados e demais interessados, com indicação, quanto a estes, do montante depositado e da faculdade de interposição de recurso a que se refere o artigo 52º.

         A propósito do recurso da decisão arbitral dispõe o artigo 52.° n.° 1 que o mesmo deve ser interposto no prazo de 20 dias a contar da notificação realizada nos termos da parte final do n. ° 5 do artigo anterior.

         Do exposto conclui-se que a entidade administrativa (expropriante), após instruir o processo, deve remetê-lo para Tribunal, após o que se seguirá despacho judicial, além do mais, a adjudicar-lhe a parcela expropriada e ordenar a notificação da decisão arbitral e demais elementos fornecidos pelos árbitros aos expropriados, apenas se iniciando o prazo para interpor recurso com tal notificação.

         Ora, no presente caso, o processo administrativo de expropriação não foi ainda remetido a juízo pela entidade expropriante, sendo certo que os expropriados recorrentes também não requereram tal remessa (art. 51.° n.° 2 do CE). E, por isso, não foi proferido o despacho a que alude o n.° 5 do artigo 51.° do CE, não se tendo iniciado o prazo para recurso.

         Na medida em que foi interposto antes do tempo, o presente recurso é, pois, extemporâneo.

         Termos estes em que vai indeferido liminarmente.

         Inconformados, os recorrentes interpuseram novo recurso, agora para esta Relação, formulando na alegação apresentada as conclusões seguintes:

         1) Os recorrentes apresentaram recurso da decisão arbitral proferida no âmbito da constituição de servidão administrativa sobre vários prédios de que são titulares, destinada à implantação e exploração das infra-estruturas de transporte de gás natural.

2) Tal recurso foi considerado extemporâneo.

3) A notificação da decisão arbitral foi efectuada pela Direcção-Geral de Energia e Geologia à concessionária e proprietários dos prédios servientes, no cumprimento do disposto no diploma que regula a constituição de tais servidões.

4) No domínio da constituição das servidões de gás a lei aplicável é o Decreto - Lei nº 11/94, de 13 de Janeiro.

5) Este diploma é lei especial em relação ao Código das Expropriações.

6) O Código das Expropriações não se aplica às “servidões de gás”.

7) Não tem aplicação às servidões administrativas (servidões de gás) o disposto no artigo 51º do Código das Expropriações, não ocorrendo qualquer acto de adjudicação nem a exigência legal de as partes serem notificadas por via judicial.

8) Foi entendimento do Supremo Tribunal de Justiça que só nos casos em que a lei imponha acto judicial de adjudicação deve a notificação da decisão arbitral ser notificada pelo tribunal. – Acórdão do STJ, de 3/7/2008, Processo 08B1763 (in www.dgsi.pt).

9) O procedimento para a constituição destas servidões tem natureza administrativa e a fase jurisdicional só tem lugar se alguma das partes recorrer da decisão arbitral.

10) O artigo 17º/6 do DL 11/94 ao fazer alusão a “tribunais” pretendeu dizer que a fase jurisdicional só se inicia com a interposição do recurso da decisão arbitral, a qual é levada ao conhecimento das partes pela autoridade administrativa (DGEE).

11) A remissão na sua parte final para o Código das Expropriações apenas releva para os aspectos atinentes ao prazo e âmbito do respectivo recurso.

12) Assim, porque validamente notificados da decisão arbitral pela autoridade administrativa (DGEE), ter-se-á de concluir que o recurso da decisão arbitral foi tempestivamente apresentada.

13) Ao decidir pela extemporaneidade do recurso apresentado, o Tribunal “a quo” fez uma errada interpretação e aplicação ao disposto nos artigos 17º/6 do DL 11/94, de 13 de Janeiro e dos artigos 51º e 52º do Código das Expropriações.

PEDIDO

Nestes termos, porque a decisão fez errada interpretação e aplicação da lei, deve, em provimento do presente recurso, ser revogada a decisão recorrida, julgando tempestiva a apresentação do recurso da decisão arbitral proferida no âmbito da constituição de servidão administrativa (servidão de gás), tudo conforme à lei e á JUSTIÇA.

Admitido o recurso e ordenada a subida, nada havendo que a tal obste, cumpre apreciar e decidir.


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         Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foi colocada uma só questão: a de saber se o recurso apresentado pelos proprietários do prédio onerado pela servidão administrativa (de gás) no mesmo referida é ou não extemporâneo (por prematuro).


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         2. FUNDAMENTAÇÃO

         2.1. De facto

         A factualidade e incidências processuais relevantes para a decisão do recurso são as que constam do relatório antecedente que aqui se dá por reproduzido.


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         2.2. De direito

O regime de importação de gás natural liquefeito (GNL) e de gás natural (GN), a armazenagem de GNL e o tratamento, transporte e distribuição de GN ou de gases de substituição encontra-se definido no Decreto-Lei nº 374/89, de 25/10, cuja redacção actualmente vigente lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 8/2000, de 08/02, que, feitas as alterações, aditamentos e revogações pretendidas, procedeu à sua republicação.

As actividades de transporte e importação de gás natural, no estado gasoso ou liquefeito, e de distribuição de gás natural e dos seus gases de substituição são exercidas, mediante concessão ou licença, por empresas legalmente constituídas e para o efeito vocacionadas (artºs 1º e 2º, nº 1).

As concessionadas são exercidas em regime de serviço público e em exclusivo, enquanto as licenciadas podem ser exercidas em regime de serviço público ou privativo (artº 2º, nºs 2, 3 e 4)

É da competência do Conselho de Ministros a aprovação das concessões a atribuir, estabelecendo a natureza e âmbito das mesmas (artº 3º).

A construção, manutenção e reparação das instalações, gasodutos e redes de distribuição do gás que integrem os projectos das concessionárias são efectuadas por estas, que suportam os respectivos custos (artº 5º, nº 1).

Também o Decreto-Lei nº 11/94, de 13 de Janeiro, regula a matéria em análise, estabelecendo o regime aplicável às servidões necessárias à implantação e exploração das infra-estruturas das concessões de serviço público relativas ao gás natural, no seu estado gasoso (GN) ou líquido (GNL), e dos seus gases de substituição, genericamente denominadas de «servidões de gás» (artº 1º, nº 1).

Tendo em conta o interesse público subjacente ao serviço de gás natural, compete exclusivamente às respectivas concessionárias optar, com vista à implantação e exploração das infra-estruturas, pela aquisição dos imóveis por via negocial ou pelo recurso ao regime de servidões previsto no Decreto-Lei nº 11/94 ou ao das expropriações por causa de utilidade pública nos termos do Código das Expropriações (CE) – artº 3º.

Por não terem interesse para o caso que nos ocupa, não dedicaremos atenção à aquisição por via negocial e ao regime das expropriações por utilidade pública, antes concentrando a análise no regime das servidões de gás.

Nos termos legais (artº 4º) ficam sujeitos a servidões de gás os prédios rústicos ou urbanos que não tenham sido objecto de expropriação ou de aquisição por via negocial e que sejam abrangidos pelos projectos de traçado aprovados para: (a) gasodutos de transporte de GN, estações de compressão, postos de redução de pressão e respectivas infra-estruturas; (b) instalações de produção, armazenagem, tratamento ou condicionamento de gás a enviar às redes de distribuição, bem como pelos postos de compressão, redução de pressão, controlo e medida que façam parte das redes de distribuição e das respectivas infra-estruturas; (c) terminais de recepção, armazenagem e regasificação de GNL e respectivas infra-estruturas.

As servidões de gás têm por finalidades (artº 5º): (a) permitir a ocupação do solo e do subsolo na exacta medida requerida pela instalação das infra-estruturas necessárias às actividades do gás natural; (b) Permitir, em cada momento, às entidades titulares dos direitos de construção ou exploração dos componentes do sistema referidos nas alíneas do n.° 1 do artigo 4º o efectivo exercício desses poderes, nomeadamente a passagem e a ocupação temporária de terrenos ou outros bens em virtude das necessidades de estudo, construção, ampliação, vigilância, exploração, conservação e reparação das infra-estruturas afectas às concessões de serviço público relativas ao gás natural; (c) Garantir a eficiência e a segurança no funcionamento das infra-estruturas afectas às concessões de serviço público relativas ao gás natural; (d) Garantir a segurança das pessoas e dos bens nas áreas a que se refere o artigo 4º, nas zonas com estas confinantes, bem como em quaisquer outras potencialmente abrangidas pelos riscos inerentes e previsíveis do funcionamento das várias instalações e equipamentos.

É claro que, traduzindo-se numa clara limitação ao direito de propriedade, a constituição das servidões de gás não pode deixar de dar lugar à pertinente indemnização dos proprietários dos prédios com elas onerados, ficando, nos termos do artº 11º do Decreto-Lei nº 374/89 e do artº 16º do Decreto-Lei nº 11/94, a obrigação de pagamento a cargo da concessionária ou licenciada.

A determinação do montante da indemnização é feita, de acordo com o nº 3 do artº 16º do Decreto-Lei nº 11/94, por acordo das partes ou, na falta dele, por arbitragem.

Contudo, o exercício dos poderes conferidos pelas servidões de gás não depende de prévio início ou conclusão dos processos de determinação, cálculo e pagamento das correspondentes indemnizações (artº 10º, nº 1), sem prejuízo de, nos casos de existência de elementos de facto susceptíveis de desaparecerem e cujo conhecimento seja de interesse para aqueles processos, ser realizada, a requerimento de qualquer das partes e previamente ao exercício dos poderes conferidos pelas servidões de gás, por perito escolhido de entre os constantes da lista oficial do distrito da localização do imóvel, uma vistoria ad perpetuam rei memoriam (artºs 10º e 11º).

Tenha ou não havido lugar à realização da vistoria referida, inexistindo acordo sobre o montante da indemnização, qualquer das partes interessadas poderá requerer à Direcção-Geral de Energia (DGE) a constituição da arbitragem, a qual integra três árbitros, designados um por cada uma das partes e o terceiro por acordo de ambas ou, na falta deste, pela DGE (artº 17º, nºs 1 e 2).

A decisão dos árbitros que é dada em conferência, servindo de relator o terceiro árbitro, é tomada por maioria ou, não sendo possível obtê-la desse modo, valerá como tal a média aritmética dos laudos que mais se aproximarem, ou o laudo intermédio se as diferenças forem iguais (artº 17º, nºs 4 e 5).

         Da decisão há recurso para os tribunais, nos termos do Código das Expropriações (artº 17º, nº 6).

         Chegados a este ponto, isto é, proferida a decisão dos árbitros, a questão que se coloca é a de saber por quem é efectuada a notificação aos interessados, a partir de cuja data começará a correr o prazo de recurso para os tribunais, nos termos do Código das Expropriações.

As hipóteses são duas: ou pela DGE, entidade em cujo âmbito se constituiu e funcionou a arbitragem; ou pelo tribunal, nos termos do nº 5 do artº 51º do CE [aplicável ao recurso por remissão do artº 17º, nº 6 do Decreto-Lei nº 11/94 e, subsidiariamente, a todo o processo, nos termos do 25º do mesmo Decreto-Lei e do artº 8º, nº 3 do próprio Código das Expropriações (aprovado pela Lei nº 168/99, de 18/09)].

À semelhança do que sucede no processo de expropriação litigiosa, o processo de determinação, cálculo e pagamento da indemnização pela constituição de servidão de gás, fora dos casos de acordo, também comporta uma fase administrativa e uma fase contenciosa.

No processo de expropriação a fase contenciosa começa com a remessa do processo ao tribunal, nos termos do artº 51º do CE, cujo teor é o seguinte:

         1- A entidade expropriante remete o processo de expropriação ao tribunal da comarca da situação do bem expropriado ou da sua maior extensão no prazo de 30 dias, a contar do recebimento da decisão arbitral, acompanhado de certidões actualizadas das descrições e das inscrições em vigor dos prédios na conservatória do registo predial competente e das respectivas inscrições matriciais, ou de que os mesmos estão omissos, bem como da guia de depósito à ordem do tribunal do montante arbitrado ou, se for o caso, da parte em que este exceda a quantia depositada nos termos da alínea b) do n.° 1 ou do n.° 5 do artigo 20.°; se não for respeitado o prazo fixado, a entidade expropriante deposita, também, juros moratórios correspondentes ao período de atraso, calculados nos termos do n.º 2 do artigo 70.°, e sem prejuízo do disposto nos artigos 71.° e 72.°.

         2- Se o processo não for remetido a juízo no prazo referido, o tribunal determina, a requerimento de qualquer interessado, a notificação da entidade expropriante para que o envie no prazo de 10 dias, acompanhado da guia de depósito, sob cominação de o mesmo ser avocado.

         3- Decorrendo o processo perante o juiz, nos termos previstos no presente Código, este, após entrega do relatório dos árbitros, notifica a entidade expropriante para proceder ao depósito da indemnização no prazo de 30 dias; não sendo efectuado a depósito no prazo fixado, determina-se o cumprimento do disposto na parte final do n.° 1 anterior, com as necessárias adaptações.

         4- Se os depósitos a que se referem os números anteriores não forem efectuados nos prazos previstos, é aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 71.º.

         5- Depois de devidamente instruído o processo e de efectuado o depósito nos termos dos números anteriores, o juiz, no prazo de 10 dias, adjudica à entidade expropriante a propriedade e posse, salvo, quanto a esta, se já houver posse administrativa, e ordena simultaneamente a notificação do seu despacho, da decisão arbitral e de todos os elementos apresentados pelos árbitros, à entidade expropriante e aos expropriados e demais interessados, com indicação, quanto a estes, do montante depositado e da faculdade de interposição de recurso a que se refere o artigo 52.º.

         6- A adjudicação da propriedade é comunicada pelo tribunal ao conservador do registo predial competente para efeitos de registo oficioso.

         No regime das expropriações litigiosas, ao qual se refere o artº 51º do CE, a intervenção do tribunal imediatamente após a emissão da decisão arbitral justifica-se pela necessidade de ser adjudicada a propriedade e, nos casos em que não tenha sido conferida anteriormente posse administrativa, também a posse da parcela expropriada. Faz sentido, nessas circunstâncias, que só depois da adjudicação e com a notificação desta se faça a notificação da decisão arbitral e se alertem os expropriados e demais interessados para a possibilidade de recurso.

         No caso do processo de determinação, cálculo e pagamento da indemnização pela constituição de servidão de gás nada há a adjudicar, uma vez que, como foi já referido, sem prejuízo da realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam, o exercício dos poderes conferidos pela servidão não depende de prévio início ou conclusão daquele processo (artº 10º, nº 1 do Decreto-Lei nº 11/94).

         No processo de determinação, cálculo e pagamento da indemnização pela constituição de servidão de gás a fase contenciosa só com a interposição de recurso da decisão arbitral se inicia, sendo que o CE só subsidiariamente se aplica[2].

         Neste sentido se decidiu no Acórdão da Relação de Évora de 31/01/2008[3], confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/07/2008[4], em cujo sumário se pode ler que “a expressão «Da decisão haverá recurso para os tribunais, nos termos do Código das Expropriações» (artº 17º, nº 6 do DL 11/94, de 13/01) como remate final dos procedimentos previstos nos números anteriores do mesmo preceito, não permite outra leitura que não seja a de que a fase jurisdicional só se inicia com a interposição de recurso da decisão arbitral cujo teor deve ser levado ao conhecimento da parte pela mesma entidade (a Direcção-Geral de Energia), aplicando-se o Código das Expropriações unicamente a aspectos relacionados, por exemplo, com o prazo e âmbito do recurso interposto”.

         Afigura-se-nos, pois, que a notificação da decisão arbitral em processo de determinação, cálculo e pagamento da indemnização pela constituição de servidão de gás se insere ainda na fase administrativa, só subsidiariamente se aplicando à mesma o CE. E, não se verificando as circunstâncias que no processo de expropriação justificam que tal notificação seja feita pelo tribunal, nada obsta a que a mesma seja feita pela entidade em cujo âmbito se constituiu e funcionou a arbitragem, ou seja, pela DGE.

         Claro que, assim sendo, o prazo, de 20 dias (artº 52º, nº 1 do CE), de recurso para os tribunais, se começará a contar a partir dessa notificação, não havendo lugar a toda a tramitação prevista no artº 51º do CE. E a remessa do processo administrativo, com os elementos pertinentes, nos termos devidamente adaptados daquela disposição legal, será feita em momento posterior, por determinação do juiz ou iniciativa da concessionária.

         Aplicando quanto se expendeu ao caso “sub judice”, é claro que o recurso dos proprietários do prédio onerado com a servidão de gás – A.... e B.... – porque interposto na sequência da notificação da decisão arbitral que lhes foi feita pela DGE não é extemporâneo por prematuro.

         Logram êxito, portanto, as conclusões da alegação dos recorrentes, o que conduz à procedência da apelação e à revogação da decisão recorrida.


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         Atento o disposto no artº 713º, nº 7 do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:

         I- O Código das Expropriações é subsidiariamente aplicável ao processo de determinação, cálculo e pagamento da indemnização pela constituição de servidão de gás (artºs 17º, nº 6 e 25º do Decreto-Lei nº 11/94, de 13/01 e 8º, nº 3 do Código das Expropriações aprovado pela Lei nº 168/99, de 18/09).

         II- No processo de determinação, cálculo e pagamento da indemnização pela constituição de servidão de gás a fase contenciosa só com a interposição de recurso da decisão arbitral se inicia, situando-se a notificação daquela decisão ainda na fase administrativa e competindo, por isso, à Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG).

         III- Não é prematuro o recurso da decisão arbitral proferida em processo de determinação, cálculo e pagamento da indemnização pela constituição de servidão de gás interposto pelos proprietários do prédio onerado pela servidão na sequência da notificação que lhes foi feita pela DGEG.


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         3- DECISÃO

         Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, em revogar a decisão recorrida.

         Sem custas [artºs 2º, nº 1, al. g) do Cód. Custas Judiciais e 4º, nº 1, al. a) do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24/08].


[1] Embora actualmente a designação correcta do departamento governamental em causa seja Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), continuaremos a tratá-lo, por facilidade, por DGE.
[2] Acórdãos do STJ de 24/09/1996 (Proc. 96A417, relatado pelo Cons. Fernando Fabião) e de 28/01/1997 (Proc. 96A421, relatado pelo Cons. Martins da Costa), in www.dgsi.pt/jstj.
[3] Proc. 2812/07-3, relatado pelo Des. Abrantes Mendes, in www.dgsi.pt/jtre.
[4] Proc. 08B1763, relatado pelo Cons. João Bernardo, in www.dgsi.pt/jstj.