Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1485/09.5TBACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO COSTA
Descritores: FALTA DE PAGAMENTO DE PREPARO INICIAL
FALTA DE ENTREGA
APOIO JUDICIÁRIO
PETIÇÃO INICIAL
Data do Acordão: 10/13/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCOBAÇA - 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 474º, Nº 1, AL. F), DO C.P.C E ARTº 213º, Nº 1, DO C.P.C.
Sumário: 1 – A secretaria deve recusar a petição inicial que não se mostre acompanhada do documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão de apoio judiciário, naquela modalidade;

2 – Deve ser também recusada a distribuição da petição inicial que não se mostre acompanhada de igual documento;

3 – Nos casos em que a petição inicial, não obstante não vir acompanhada daquele documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça ou da concessão de apoio judiciário, foi distribuída, deve o juiz do processo, logo que a falta for detectada, mandar notificar os autores para, no prazo de dez dias, sob pena de a instância se extinguir, juntarem o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do apoio judiciário, naquela modalidade.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

A... e mulher, B... , intentaram, no Tribunal Judicial da Comarca de Alcobaça, a presente acção especial de insolvência, pedindo que seja declarada a insolvência dos requerentes com a exoneração do passivo restante, seguindo-se os demais termos.

Os requerentes não juntaram documento comprovativo de pagamento da taxa de justiça inicial devida nem de terem requerido o apoio judiciário, na modalidade de isenção de pagamento de taxas e encargos.

Distribuída a acção e conclusos os autos, veio a ser neles vertido despacho que indeferiu liminarmente a petição inicial apresentada, com o fundamento de que os requerentes não estão isentos do ónus de pagamento de custas judiciais.

Inconformados com o assim decidido, interpuseram os Autores recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de apelação e efeito meramente devolutivo.

Alegaram, oportunamente, os apelantes, os quais finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

1ª – “O Tribunal “ad quo” indeferiu liminarmente a douta petição de insolvência por considerar que os requerentes, ora recorrentes, não estando isentos do ónus de pagamento de custas judiciais, não se mostram auto-liquidada a taxa de justiça e não documentaram ter sido requerido o benefício do apoio judiciário;

2ª – A decisão recorrida fundamentou o indeferimento liminar da petição de insolvência com recurso a uma interpretação errónea do disposto nos artigos 474º, al. f), 467º, nº 3 e 5 do Código de processo Penal e ainda no novo Regulamento das Custas Judiciais, aprovado pelo DL. 34/2008 de 26 de Fevereiro;

3ª – O Tribunal “ad quo” por um lado recusou aos ora recorrentes a oportunidade, que lhes devia ter sido concedida, de suprir a falta do pagamento da taxa de justiça inicial, por outro lado não atendeu ao regime especial previsto no Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE);

4ª – Se a petição inicial a que falte o prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou o documento que ateste a concessão do apoio judiciário não for recusada, quando devia sê-lo (ut al. f) do artº 474º CPC), não deve, porém, ser distribuída;

5ª – Tendo, porém, ocorrido o recebimento e distribuição de tal petição inicial, a secretaria deve notificar o autor para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido;

6ª – A Meritíssima Juiz não pode, ao verificar a falta do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou do documento que ateste a concessão do apoio judiciário, indeferir, sem mais, a petição inicial, pois esse indeferimento só poderá ocorrer com sustento nos fundamentos que a lei prevê. (NO caso em apreço o CIRE);

7ª – A lei concede, sempre, às partes uma oportunidade de sanar a situação;

8ª – O processo de Insolvência é um processo especial, e como tal, nos termos do nº 1 do artº 463º do CPC, regula-se pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns e, em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo ordinário;

9ª – Uma decisão de apresentação à insolvência não é um acto de gestão corrente constituindo uma decisão com sérias implicações na vida. A preocupação da lei é que o tribunal se certifique de que não ocorrem vícios insupríveis, nem faltam requisitos legais, para evitar que seja declarada a insolvência e prossigam processos em situações totalmente anómalas;

10ª – Os requerentes vêm aos autos apresentar-se à Insolvência requerendo nos termos da al. a) do nº 2 do artigo 23º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas a Exoneração do Passivo Restante;

11ª – A exoneração do passivo restante visa resolver as situações de sobreendvidamento, desobrigando os devedores, pessoas singulares, do pagamento de créditos que não foram integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento;

12ª – Face ao exposto no nº 1 do artigo 248º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas “O devedor que apresente um pedido de exoneração do passivo restante beneficia do diferimento do pagamento das custas até à decisão final desse pedido…”;

13ª – O nº 4 do mesmo diploma refere que “O benefício previsto no nº 1 afasta de qualquer outra forma de apoio judiciário ao devedor, salvo quanto à nomeação e pagamento de honorários de patrono”;

14ª – As custas do processo de Insolvência são um encargo da massa falida;

15ª – A lei não contempla, na Tabela II anexa ao novo Regulamento das Custas Judiciais, aprovado pelo DL. 34/2008 de 26 de Fevereiro, a Insolvência;

16ª – Os requerentes, ora recorrentes, beneficiam de Apoio Judiciário na modalidade de Diferimento do pagamento de custas no termos do nº 1 do artigo 248º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas;

17ª – Caso assim não se entenda, deverão ser notificados pagarem a taxa de justiça em falta;

18ª – Logo, a douta petição inicial não deve ser indeferida liminarmente”.

Não foi apresentada contra-alegação.


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O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artºs 684º, n.º 3, e 685º-A, n.º 1, do C. de Proc. Civil, na versão introduzida pelo Dec. Lei nº 303/2007, de 24/8.

De acordo com as apresentadas conclusões, a questão a decidir por este Tribunal resume-se a saber se os apelantes beneficiam do apoio judiciário e, na negativa, se deviam ser notificados para pagar a taxa de justiça em falta.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.


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OS FACTOS E O DIREITO

Os factos a ter em consideração na decisão do recurso são basicamente aqueles que decorrem do relatório supra, para os quais se remete.

Os apelantes vieram requerer, na apresentada petição inicial, que seja declarada a sua insolvência com a exoneração do passivo restante. Não demonstraram ter pago a taxa de justiça inicial devida nem disseram e comprovaram que lhes foi concedido ou, pelo menos, requereram a concessão do apoio judiciário na modalidade que abarcasse a isenção daquele pagamento.

O despacho recorrido, perante a constatação de tal omissão, optou por indeferir liminarmente a petição inicial.

Parece-nos, adiantando a decisão, que o entendimento subjacente ao despacho recorrido não é de sufragar. Vejamos.

Não existem dúvidas de que os processos de insolvência estão sujeitos a custas e ao pagamento da correspondente taxa de justiça (vide artºs 302º a 304º do CIRE).

E dúvidas não subsistem também de que os apelantes, ao invés do que uma leitura menos atenta das conclusões da sua alegação recursiva (vide conclusão 16ª) dá a entender, não beneficiam de qualquer modalidade de apoio judiciário. Não o alegaram e muito menos comprovaram.

O artº 248º do CIRE, epigrafado de «apoio judiciário», no qual fundam aquela sua afirmação, não concede o benefício do apoio judiciário a quem quer que seja, limitando-se a conferir ao devedor que apresente um pedido de exoneração do passivo restante o benefício do diferimento do pagamento das custas até à decisão final desse pedido (nº 1), ou o pagamento em prestações das custas e a obrigação de reembolsar o Cofre Geral dos Tribunais das despesas e remunerações do administrador da insolvência e do fiduciário que aquele Cofre tenha suportado (nº 2). Este preceito não aproveita, pois, à pretensão dos apelantes.

A solução a dar à questão de que trata o presente recurso tem de se colher no Código de Processo Civil (C.P.C.), aplicável subsidiariamente ao processo de insolvência (artº 17º do CIRE), e no Regulamento das Custas Processuais (aprovado pelo Dec. Lei nº 34/2008, de 26/2), aqui aplicável.

Segundo o artº 14º, nº 1, deste Regulamento, o pagamento da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou realizar a comprovação desse pagamento, juntamente com o articulado ou requerimento (em sentido idêntico dispõe o artº 150º-A do C.P.C.).

Nos termos do artº 467º, nº 3, do C. P. C. (na redacção do Dec. Lei nº 34/2008), o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.

Com o Dec. Lei nº 183/2000, de 10/8, o pagamento da taxa de justiça inicial (actual taxa de justiça única) passou a ser feito pelas partes antes da propositura da acção, o que implica a sua prévia liquidação em função da tabela de custas, e a posterior apresentação, com a petição inicial, do documento que o prova, ressalvados os casos de apoio judiciário, a obter nos Serviços da Segurança Social, provando o autor a sua obtenção (vide Lebre de Freitas, C.P.C. Anotado, 2ª ed., vol. 2º, 253). A falta desta prova determina a recusa do recebimento da petição pela secretaria (artº 474º, nº 1, al. f), do C.P.C.) ou a recusa de distribuição pelo juiz que a ela preside (artº 213º, nº 1, do C.P.C.).

Como decidiu a Relação do Porto, no seu acórdão de 2/2/2004 (www.dgsi.pt, Proc. JTRP00036188), a secretaria deve recusar o recebimento da petição inicial se não vier acompanhada de documento comprovativo do prévio pagamento de taxa de justiça inicial ou do documento que atesta a concessão do apoio judiciário. Só assim não será nos casos previstos no nº 4 do artº 467º do C. de Proc. Civil. Nesses casos, se o autor estiver a aguardar a decisão sobre a concessão do benefício do apoio judiciário, deve juntar documento comprovativo de que requereu aquele benefício.

O artº 476º do C. P. C., sob a epígrafe «Benefício concedido ao autor», dispõe, porém, que o autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na al. f) do artº 474º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo. O documento a que se reporta a primeira parte daquela alínea f) é nem mais nem menos que o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida.

No caso presente, a petição inicial da insolvência, não obstante vir desacompanhada do comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão de apoio judiciário naquela modalidade, foi recebida pela secretaria, a qual a devia ter rejeitado, indicando por escrito o fundamento da rejeição e dando disso notícia aos Autores.

E, pela mesma razão, não devia ter sido admitida à distribuição a apresentada petição. Mas foi-o.

Caso tivesse havido, primeiro, recusa de recebimento pela secretaria e, depois, rejeição da distribuição da apresentada petição inicial, os Autores, ora apelantes, tinham a faculdade, que aquele artº 476º lhes confere, de, nos dez dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a confirmasse, de juntar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida.

Mas igual faculdade tem de lhes ser reconhecida nos casos em que a petição, indevidamente, foi recebida pela secretaria e, depois, admitida à distribuição. O juiz da causa, nesses casos, quando se dê conta das cometidas omissões (recusa de recebimento e de distribuição) deve mandar notificar os autores em falta para, no prazo de dez dias, efectuarem, querendo, o pagamento da omitida taxa de justiça, sob pena de a instância se extinguir.

Indeferir liminarmente, nesses casos, a petição, sem conceder aos autores a faculdade de suprirem a omissão cometida, como fez o despacho recorrido, era sancioná-los pela falta de cuidado daqueles que, na secretaria, deviam ter recusado a petição e de quem admitiu a petição à distribuição.

Como decidiu já esta Relação, no seu acórdão de 3/5/2006 (www.dgsi.pt, Proc. 995/06), tendo a omissão do documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou do documento que ateste a concessão de apoio judiciário passado em claro, no exame preliminar da secretaria e, igualmente, do distribuidor, acabando a petição inicial por ser recebida, deveria o autor ter sido convidado, pelo Tribunal, logo que a falta foi notada e sob a cominação de a instância se extinguir, a juntar o respectivo documento.

Procedem, assim, ainda que parcialmente, as conclusões da alegação dos apelantes, pelo que o despacho recorrido tem de ser revogado, a fim de ser substituído por outro que mande notificar os ora apelantes a apresentarem, no prazo de dez dias, sob pena de a instância se extinguir, o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do apoio judiciário.


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Sumário:

1 – A secretaria deve recusar a petição inicial que não se mostre acompanhada do documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão de apoio judiciário, naquela modalidade;

2 – Deve ser também recusada a distribuição da petição inicial que não se mostre acompanhada de igual documento;

3 – Nos casos em que a petição inicial, não obstante não vir acompanhada daquele documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça ou da concessão de apoio judiciário, foi distribuída, deve o juiz do processo, logo que a falta for detectada, mandar notificar os autores para, no prazo de dez dias, sob pena de a instância se extinguir, juntarem o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do apoio judiciário, naquela modalidade.


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DECISÃO

Nos termos expostos, decide-se julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, a fim de ser substituído por outro que mande notificar os ora apelantes, conforme supra ficou explanado.

Sem custas, dado não existir parte vencida.