Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
494/2000.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SILVIA PIRES
Descritores: EXECUÇÃO
SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 12/19/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 285º E 291º, Nº 1, DO CPC
Sumário: I – A instância interrompe-se quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento – artº 285º CPC.

II – A interrupção da instância decorre do simples facto do processo estar parado por mais de um ano, por negligência das partes em promover os seus termos…, não havendo necessidade de despacho judicial para que possa operar a interrupção (o despacho que declare a interrupção da instância tem função meramente declarativa).

III – Quando a instância esteja interrompida durante dois anos, considera-se a mesma deserta, independentemente de qualquer decisão judicial a declará-lo – artº 291º, nº 1, CPC.

IV – Através da interrupção e da deserção da instância sanciona-se a inactividade ou passividade das partes na promoção do andamento do processo, às quais, de harmonia com o princípio do dispositivo, consagrado nos artºs 264º, nº 1, e 265º, nº 1, do CPC, compete o ónus de impulso processual nos casos especialmente impostos por lei, uma vez iniciada a instância.

V – Estando dependente o prosseguimento de uma execução sustada - nos termos do artº 871º, nº 3, do CPC – da marcha da execução onde se verifica a penhora anterior, que foi determinante da sustação daquela, não se pode entender que se inicia com o despacho de sustação qualquer prazo preclusivo que levará à interrupção e depois à extinção da instância por deserção.

VI – A interrupção da instância executiva sustada só se verificará um ano após o pagamento obtido pelo exequente na execução onde foi reclamar o seu crédito e se esse pagamento não for total.

Decisão Texto Integral: Exequente:A...

                        Executados:B...
                                           C...
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Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

A exequente instaurou execução ordinária, para pagamento de quantia certa contra os executados, visando obter o pagamento de 12.700.329$00, acrescidos de juros de mora vincendos à taxa anual de 7% desde 1.12.00 e até efectivo paga­mento, bem como do imposto de selo da Tabela Geral respeitante ao mesmo período.
Apresenta como título executivo um contrato de mútuo garantido por hipoteca de imóvel propriedade dos executados.

Citados os executados para pagarem, sob pena de se proceder à penhora, do bem hipotecado, procedeu-se à penhora deste, conforme consta do auto de fls. 45.
Com a junção da certidão de ónus e encargos incidentes sobre o bem penhorado, constatou-se a existência do registo de uma penhora anterior sobre o memo, pelo que a fls. 80 foi, em 21.9.01, proferido despacho, o qual, nos termos do disposto no art.º 871º, n.º 1, do C. P. C., sustou a execução.
Tal despacho foi proferido a 21.9.01.
A fls. 93 foi, em 1.2.02, proferido despacho, determinando que os autos ficassem a aguardar o impulso processual da exequente, sem prejuízo do prazo a que alude o disposto no art.º 285º, do C. P. Civil. Este despacho foi notificado às partes, por carta com data de 4.2.02, e em 13.3.03 é proferido novo despacho judicial com o seguinte conteúdo:
Declaro interrompida a instância.
Aguarde o decurso do prazo de deserção da mesma.
Este despacho não foi notificado.
Em 23.5.07 apresenta a exequente requerimento visando o prossegui­mento da execução.
Na sequência de tal requerimento foi proferido despacho com o seguinte teor:
Por despacho proferido em 13.3.03 foi declarada interrompida a instân­cia (fls. 103).
Desde a prolação desse despacho até 13 de Março de 2005, o exequente nada requereu.
A instância esteve, pois, interrompida por mais de dois anos.
Nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 291º, do C. P. Civil, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer despacho judicial, quando esteja interrompida por mais de dois anos.
A deserção da instância tem por efeito a sua extinção (art.º 287º al.c) do C. P. C.).
Em suma, e concluindo, a presente instância encontra-se deserta, e por isso extinta.
Assim sendo indefere-se o pretendido requerimento de penhora do ven­cimento.
Notifique.

Deste despacho veio a exequente a interpor recurso, com os seguintes fundamentos:
- Conforme evidenciam os autos, a exequente ora agravante não foi oportunamente notificada do despacho interruptivo da instância, de 13 de Março de 2003, de que apenas tomou conhecimento através do despacho de fls. 106 ora agravado, notificado sob registo de 28/05/07;
- Sendo o despacho que declara interrompida a instância uma decisão susceptível de causar prejuízo às partes, devia ter sido notificado à exequente ora agravante, sem necessidade de ordem expressa, nos termos prescritos no art.º 229°, n.º 1 do C. P. C.;
- Aliás, tendo a notificação da interrupção da instância omitida uma fun­ção informativa - n.º 2 do art.º, 228° do C. P. C., ela era obrigatória;
- Assim, não tendo sido feita tal notificação - o que traduz omissão de uma formalidade que a lei prescreve, com influência na decisão da causa, cometeu-se nulidade, nos termos previstos no art.º 201º do diploma referido;
- Não sendo necessária decisão judicial que considere deserta a instân­cia, só a partir da notificação do despacho que declare a sua interrupção é que se inicia o prazo de deserção do art.º 291°, na 1 do mesmo diploma, dado que a interrupção não opera automaticamente pelo decurso do prazo, mas tão só através do despacho que a decrete, que só vigorará a partir da sua notificação e caso não seja objecto de recurso, como é processualmente admissível, que suspenda a sua vigência;
- Assim, ao anunciar, em simultâneo, a declaração de interrupção e de deserção da instância, bem como a sua consequente extinção, sem que previamente tivesse sido notificada à ora agravante a declaração de interrupção, o Tribunal 'a quo' violou ainda o art.º 3°, n.º 3 do C. P. c., proferindo decisão - surpresa com desrespeito da possibilidade de defesa processual da exequente ora agravante.
Conclui pela revogação do despacho recorrido.

Não foram apresentadas contra alegações.
Foi proferido despacho de sustentação do despacho recorrido.

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1. Do objecto do recurso

Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das ale­gações do recorrente, cumpre apreciar a seguinte questão:
Nos termos do disposto no artigo 291º do Código de Processo Civil já ocor­reu a deserção da instância na presente execução?

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2. Os Factos:

Com interesse para a decisão do presente recurso encontram-se verifica­dos os seguintes factos processuais:
I – Com a junção da certidão de ónus e encargos incidentes sobre o bem penhorado, constatando-se a existência do registo de uma penhora anterior sobre o mesmo, foi, em 21.9.01, proferido despacho judicial, o qual, nos termos do disposto no art.º 871º, n.º1, do C. P. C., sustou a execução.
II – Na sequência de decisão proferida a fls.86 que julgou extinta a exe­cução veio a exequente, em 30.1.02, apresentar requerimento, reagindo a tal decisão e onde conclui peticionando que a mesma fosse substituída por outra que nos termos previstos no art.º 285º do C. P. C., determine que os autos fiquem a aguardar o decurso do prazo da interrupção da instância.
III – A fls. 93, foi, em 1.2.02, proferido despacho que, dando sem efeito a decisão que julgou extinta a execução determinou que os autos ficassem a aguardar o impulso processual da exequente, sem prejuízo do prazo a que alude o disposto no art.º 285º, do C. P. Civil.
IV – O despacho referido em II foi notificado às partes por carta com data de 4.2.02.
V – Em 13.3.03 é proferido despacho judicial com o seguinte conteúdo:
Declaro interrompida a instância.
Aguarde o decurso do prazo de deserção da mesma.
VI – O despacho mencionado em V não foi objecto de notificação.
VI – Em 23.5.07 a exequente apresenta um requerimento em que ale­gando não se encontrar ainda totalmente paga a quantia exequenda que foi objecto de reclamação apresentada nos termos previstos no art.º 871º, do C. P. C., por apenso aos autos de execução ordinária com o Proc.º n.º 258/00 do 3º Juízo desta comarca, requer o prosseguimento da execução, com a nomeação à penhora de 1/3 do vencimento do executado e solicitando a realização de diligências com vista à identificação de outros bens penhoráveis.
VII – A exequente foi notificada por carta registada de 15.2.07, da adju­dicação que lhe foi feita do prédio penhorado na execução 258/00, do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz.

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3. O Direito aplicável

Entende a exequente que a interrupção da instância não opera automati­camente, necessitando de despacho judicial que a declare, despacho esse que deve ser notificado às partes para que produza os seus efeitos, pelo que não tendo sido notificada do despacho que declarou interrompida a instância esta não se pode considerar deserta.
A instância interrompe-se quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento e quando a instância esteja interrompida durante dois anos, considera-se deserta, independentemente de qualquer decisão judicial – art.º 285º e 291º, n.º 1, do C. P. Civil.
Através da interrupção e da deserção da instância, sanciona-se a inactivi­dade ou passividade das partes na promoção do andamento do processo, às quais, de harmonia com o princípio do dispositivo consagrado nos artigos 264º, n.º 1 e 265º, n.º 1, ambos do C. P. Civil, compete, uma vez iniciada a instância, o ónus de impulso processual nos casos especialmente impostos por lei – ónus da promoção. [1].
É a inércia das partes em impulsionar o processo, durante mais de um ano, que está na origem da interrupção, a qual cessa se o autor requerer algum acto do processo ou do incidente de que dependa o andamento dele... – artigo 286º, do C. P. Civil.
Tem vindo a ser debatido se o despacho que declara interrompida a ins­tância por aplicação do disposto no citado artigo 285º, do C. P. Civil., tem natureza constitutiva – a interrupção só produz efeitos a partir da notificação desse despacho –  ou declarativa – a interrupção opera independentemente da data de tal despacho e mesmo que este seja posterior à sua verificação -.
No nosso entendimento o art.º 285º, do C. P. Civil., faz decorrer a inter­rupção da instância do simples facto do processo estar parado por mais de um ano, por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente de que dependa o seu andamento, dele não resultando qualquer exigência de despacho judicial para que possa operar a interrupção.
Resulta deste artigo, que ao despacho que decla­rar a interrupção da ins­tância tem de reconhecer-se uma função meramente declara­tiva, visto que o mesmo se limita a constatar a interrupção da instância devida a inércia das partes em pro­mover o processo por mais de um ano.
O que faz nascer a interrupção não é a prolação desse despacho, mas sim a inércia negligente das partes durante mais de um ano, a qual não tem de ser judi­cialmente verificada [2].
No caso presente a exequente, foi notificada, por carta registada expedida em 4-12-02, do despacho que determinou que os autos ficavam a aguardar sem prejuízo do prazo a que alude o disposto no art.º 285º, do C. P. Civil, despacho esse que foi de encontro à pretensão formulada pela exequente no requerimento por si apresentado em 30.1.02.
 No entanto, tal despacho, por não conter em si qualquer decisão, não tem força de caso julgado.
Em 13.3.03 foi proferido despacho a declarar interrompida a instância. Mas, este despacho não foi notificado às partes pelo que, também, não tem força de caso julgado.
Contudo, como acima dissemos, a interrupção da instância e a posterior deserção não necessitam de ser declaradas para que se verifiquem, bastando que decorram os prazos referidos nos art.º 285º e 291º, do C. P. Civil. Será que nesta execução tais prazos decorreram?
Para a solução desta questão temos que ter pre­sente que o facto determi­nativo da suspensão da instância nesta execução foi a aplicação do disposto no art.º 871º do C. P. Civil, por verificação da existência de uma penhora mais antiga sobre o mesmo bem.
 Se o exequente não desistir da penhora relativamente aos bens penhora­dos nos dois processos e nomear outros em sua substituição – art.º 871º, n.º 3, do C. P. Civil, na versão aplicável a esta execução –, não pode impulsionar a execução sustada enquanto se mantiver a situação de penhora anterior no outro processo.
Tal suspensão não decorreu, assim, da vontade das partes, nem a sua manutenção radica em qualquer atitude de desinteresse ou inércia do exequente.
Não sendo imputável à parte a manutenção da situação de paralisação do processo, pois o prosseguimento da execução sustada está dependente da marcha da execução onde se verifica a penhora anterior que foi determinante da sustação daquela, não se pode entender que se inicia com o despacho de sustação qualquer prazo preclusivo que levará à interrupção e depois, à extinção da instância por deserção.
Deste modo, concluímos, que não estamos perante uma situação enqua­drável no art.º 285º do C. P. Civil, e consequentemente no art.º 291º do C. P. Civil, já que o processo não estava parado por negligên­cia da exequente, mas, antes, por força da lei [3].
A interrupção da instância só se verificaria um anos após o pagamento obtido pelo exequente na execução onde foi reclamar o seu crédito, e se esse paga­mento não fosse total, caso em que determinaria a extinção por impossibilidade superve­niente da lide.

Neste contexto factual, tem de concluir-se que não se encontravam reuni­dos os pressupostos que determinavam a deserção da instância, não se encon­trando a mesma em 23.5.07 – data em que a exequente a impulsionou – deserta.
Por este motivo deve o recurso ser julgado procedente determinando-se a revogação da decisão recorrida.

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Decisão
Nos termos acima expostos decide-se revogar a decisão recorrida, a qual será substituída por outra que aprecie o requerimento apresentado pela exequente.

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Sem custas, atenta a isenção conferida aos agravados pelo art.º 2º, n.º1, g), do C. C. Judiciais

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                                                        Coimbra, 19 de Dezembro de 2007.


[1] 1 Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, pág. 329, Coimbra Editora.

[2] Neste sentido, entre outros os acórdãos:
S. T. J.:
 de 15.6.04, relatado por Silva Salazar, acessível em www.dgsi.pt , proc. n.º 04A1992;
 de 14.9.06, relatado por Duarte Soares, acessível em www.dgsi.pt , proc. n.º 06B2400
T. R. Lisboa:
  de 8.3.07, relatado por Salazar Casanova, acessível em www.dgsi.pt , proc. n.º 1436/2007.8;
  de 4.12.06, relatado por Luís Espírito Santo, acessível em www.dgsi.pt , proc. n. 7356/2006.7.

Em sentido contrário:
T. R. Porto, de 1.6.06, relatado por Gongalo Silvano, acessível em www.dgsi.pt , proc. n.º 0633112.
T. R. Coimbra:
  de 16.10.07, relatado por Ferreira de Barros, acessível em www.dgsi.pt , proc. n. 1206-C/1993.C1;
  de 3.7.07, relatado por Cardoso de Albuquerque, acessível em www.dgsi.pt , proc. n. 918/2002.C1.
[3] Neste sentido ver o acórdão do T. R. Lisboa, de 9.7.03, relatado por Olindo Geraldes, in C. J., Ano XXVIII, Tomo IV, pág. 78.