Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CARLOS QUERIDO | ||
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR INDEFERIMENTO LIMINAR ACÇÃO | ||
Data do Acordão: | 04/20/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | PAMPILHOSA DA SERRA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ART.383 CPC | ||
Sumário: | I. Tendo o requerente da providência instaurado previamente a acção declarativa, no âmbito da qual, após realização do contraditório e produção de prova, o tribunal concluiu que não logrou provar os fundamentos de facto e de direito da sua pretensão, encontrando-se em recurso a decisão ali proferida, face à natureza instrumental da providência e à necessidade de um juízo de favorabilidade para o seu deferimento (pressuposição de que será favorável ao requerente a decisão a proferir na respectiva acção principal), revela-se correcta a decisão de indeferimento da providência sem produção de prova. II. Com efeito, sob pena de total subversão da natureza instrumental da providência cautelar, não se vislumbra a possibilidade de opor à prova produzida com contraditório e com toda a solenidade, na acção declarativa com processo ordinário, a prova a produzir na providência, meramente indiciária e sem audição da parte contrária. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório J (…), industrial da construção civil, residente (…) instaurou por apenso à acção com processo ordinário nº. 22/05.5TBPPS, contra (…) e (…), ambos residentes (…) o presente procedimento cautelar de arresto, sem audiência prévia dos requeridos, requerendo o arresto da casa de habitação, sita na Rua (…), freguesia de (…), inscrita na matriz predial urbana da freguesia de (…) sob o artigo ... e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra, sob o nº ... – (…) ali inscrito a favor dos requeridos através da apresentação nº40, de 9 de Março de 1995. Em síntese, alega que: no âmbito da acção de que estes autos são apenso, solicitou a condenação dos aí Réus, aqui requeridos, no pagamento da quantia global de € 41.497,97 euros, acrescida dos juros de mora até á data do cumprimento; essa acção, nesta data, ainda se encontra pendente de recurso, entretanto, interposto pelo Autor, aqui requerente; já há algum tempo que os requeridos vêm alienando o seu património pessoal a favor de terceiros e, neste momento, a casa de habitação dos demandados é o único bem que lhes é conhecido e se mostra desonerado; o requerente mostra-se receoso que os requeridos procedam à venda do prédio urbano mencionado, perdendo, assim, a única garantia patrimonial que podia sustentar o pagamento do valor que lhe é devido. Recebido o requerimento inicial, foi o mesmo objecto de indeferimento liminar, constando do referido despacho judicial: «[…] resulta demonstrado no âmbito da Acção ordinária, de que estes autos são apenso, que há uma dívida resultante de mão de obra e materiais incorporados, para execução dos trabalhos referidos na matéria aí dada como assente, que importou em € 30.257,21 euros, e que não foi paga pela (…) ao Autor, aqui Requerente. Mas o contrato aí referenciado não foi celebrado entre o aqui Requerente e os aqui Requeridos. Foi celebrado entre o Requerente e a extinta sociedade acima referida. A dívida, de acordo com as regras de responsabilidade, maxime, pelo pagamento das responsabilidades sociais, são da dissolvida Sociedade por quotas de responsabilidade limitada ao património SOCIAL e não dos aqui requeridos. […] como ficou mencionado, o direito de crédito dado como assente é da extinta sociedade para com o aqui requerente e não dos requeridos para com este último. De todo o modo, não se mostrando definitiva a sentença prolatada nos Autos de que estes são apenso, nenhum direito de crédito se nos afigura existir na esfera jurídica, ainda que de modo provável, do Requerente em relação aos Requeridos. Por um lado, devido aos dois intervenientes no contrato obrigacional, a saber: o aqui requerente e a citada extinta sociedade por quotas, de que foram sócios gerentes os aqui requeridos. Por outro lado, a sentença ainda não se mostra transitada, pelo que, o reconhecimento de que um “hipotético direito de crédito” do Requerente sobre os Requeridos, pela via do RECURSO, afigura-se-nos configurar, no contexto enunciado, uma mera Expectativa – um pouco longe de ser concretizada, face à materialidade dada como assente, na acção nº. 22/05.5, de que o negócio foi celebrado entre o aqui requerente e a extinta sociedade por quotas. Até à decisão a ser proferida pelo V. Tribunal da Relação de Coimbra, o Requerente apenas é possuidor de uma expectativa de vir a adquirir um direito de crédito sobre os dois Requeridos e nada mais. Essa expectativa não encerra, como acima referenciado e fundamentado, qualquer tutela legal. Deste modo, atendendo ao pedido e causa de pedir invocados e documentos juntos e face à fundamentação expendida, consideramos não se encontrarem reunidos os pressupostos de procedência da presente providência cautelar de arresto». 1- Decorreu no Tribunal Judicial da Comarca da Pampilhosa da Serra, o processo nº 22/05.5TBPPS, instaurado pelo recorrente, contra os recorridos (…) e (…) réus no referido processo, ao qual o presente procedimento cautelar será apenso. 2- Foi pedida a condenação dos aí réus, aqui recorridos, no pagamento da quantia global de 41.497,97 euros, acrescida dos juros de mora, visto que houve um incumprimento contratual por parte dos recorridos. Conforme consta da matéria de facto provada do processo atrás referido: 3- O recorrente, no exercício da sua actividade acordou com a já extinta sociedade comercial (…), Lda., verbalmente, em meados do ano de 2000, a execução de trabalhos de construção civil, os quais compreendiam, ainda, o fornecimento de materiais necessários à sua execução (vid. quesitos 1 a 9 da base instrutória, dados como provados na referida sentença). 4- Tal empreitada importou na quantia global de 30.257,21€, conforme factura nº3 (que se juntou no procedimento cautelar de ARRESTO) (vid. quesito 10 da base instrutória, provado na referida sentença); 5- A extinta sociedade recebeu a obra executada pelo recorrente, assim como a factura nº3, enviada por este ao contabilista, em 31 de Dezembro de 2001, sem que delas tenha apresentado qualquer reclamação (vid. quesito 13, provado na referida sentença). 6- Sucede que, apesar de ter mandado efectuar os trabalhos supra mencionados ao recorrente e de os ter aceite, os recorridos, legais representantes da extinta Sociedade, têm vindo a eximir-se ao seu pagamento (vid. quesito 19, provado na referida sentença). 7- A factura enviada pelo recorrente à extinta sociedade venceu-se em 31 de Dezembro de 2001, foi contabilizada e tida em conta nos custos de construção do imóvel (vid. quesito 20 e 24, provados na referida sentença). 8- Assim sendo, os recorridos, na qualidade de sócios gerentes e de liquidatários da (…). Não podiam desconhecer que o montante da factura nº3, de 31 de Dezembro de 2001,lançado nas contas encerradas, não se encontrava pago (vid. quesito 27, provado na referida sentença). Acresce que: 9- Não existe qualquer documento apenso, nas contas da sociedade, que legitime a nulidade dessa factura, podendo-se concluir que há, necessária e obrigatoriamente, um saldo positivo em caixa no valor correspondente ao da referida factura nº3 (30.257,21€). 10- Tal conclusão se retira do parecer do TOC, (…) junto às alegações do recurso de apelação nº 22/05.5TBPPS.C1. 11- Neste sentido, já se tinha pronunciado, em 27 de Setembro de 2007, enquanto perito nomeado pelo tribunal – na acção indicada na conclusão nº1 –, afirmando que a factura nº3 passada à ..., Lda. se encontra lançada, efectiva e claramente, na contabilidade da Sociedade, a crédito na conta de Fornecedores nº 2210002, pertencente à referida firma de (…). 12- Mencionou também que, o lançamento daquela factura na contabilidade da referida Sociedade beneficiou-a em: redução nos seus resultados Operacionais e, simultaneamente, no IRC e na redução no IVA do período. Importa esclarecer que: 13- Os recorridos subscreveram, em 14 de Junho de 2002, uma declaração de dissolução e liquidação da sociedade, por escritura pública no Cartório Notarial da .... 14-Declararam, de livre vontade e sem qualquer coacção, que a dissolvida e liquidada sociedade não tinha qualquer activo, nem passivo, encerrando contas, onde havia sido lançada a factura nº3. 15- Efectivamente, os recorridos ao subscreverem a declaração supra referida, tendo plena consciência de que tal é inverídico, induzindo, astuciosamente, o Sr. Ajudante de Notário em erro, evidenciaram uma clara intenção de obter para si um enriquecimento ilícito, causando, assim, ao recorrente um prejuízo patrimonial. 16- Na verdade, trata-se de uma declaração que não tem eficácia perante terceiros (hipotéticos credores/devedores sociais), de mera responsabilidade dos sócios, de uma declaração “res inter alios acta”, ou seja, sem eficácia “erga omnes”. 17- Não se pode afirmar que através do registo da extinção da Sociedade, ainda que por documento autêntico, fizeram os recorridos prova plena dos factos referidos na declaração exarada por motivo de liquidação, como impõe o art. 157º/2 do C.S.C, tendo desta forma sido violada esta disposição legal (vid. neste sentido o Ac. do STJ de 26/06/2008, transcrito no corpo destas alegações). 18- Independentemente da declaração feita pelos liquidatários e o registo dessa mesma declaração, na verdade a sociedade tinha de facto activo (havia bens/valores para partilhar). 19- Impendia sobre os recorridos, na sua qualidade de liquidatários, o dever de pagar todas as dívidas da sociedade, assim como, evidenciar, no relatório da liquidação, a existência de uma dívida para com o recorrente. 20- Pelo que foi violado o art. 154ºC.S.C pela douta sentença recorrida. 21- Consequentemente, os recorridos, na qualidade de liquidatários, ao indicarem falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos, são pessoalmente responsáveis para com os credores cujos direitos não tenham sido satisfeitos ou acautelados. 22- Não atenderam, assim, os recorridos à disposição legal plasmada no art. 158º do C.S.C, que assim também foi desrespeitada pelo tribunal a quo. 23- Está, integralmente, provado pelos relatórios periciais, supra mencionados, que a factura nº3 da firma do recorrente, no valor de 30.257,21€, em 31/12/2001,tinha sido contabilizada nas contas da ..., Ldª., encontrando-se ainda por liquidar. 24- Logo, existia activo aquando da escritura de liquidação da (…)LDª.. 25- Assim, é de concluir que há, necessária e obrigatoriamente, um saldo positivo em caixa no valor correspondente ao da referida factura nº3. 26- É manifesto que os recorridos agiram culposa e intencionalmente quando aprovaram as contas da extinta sociedade, onde a factura nº3 foi lançada e não paga e declararam que a (…), Lda. não possuía quaisquer dívidas. 27- A declaração dos recorridos na escritura de dissolução da sociedade, segundo a qual a extinta sociedade não possuía qualquer passivo indicia a prática de crimes previstos e puníveis no Código Penal - Os recorridos agiram com clara intenção de causar prejuízo ao recorrente e ao próprio Estado em matéria de evasão fiscal. 28- Face a este contexto, o recorrente teve de agir com celeridade e oportunidade a fim de acautelar os seus legítimos direitos actuais e futuros que espera ver reconhecidos pelo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra a proferir. 29- Na verdade, os recorridos, já há algum tempo, que vêm alienando o seu património pessoal a favor de terceiros, tendo já procedido á venda de todos os bens que possuíam no Concelho da .... 30- Sendo certo que se ausentaram, há cerca de seis meses a esta parte, para o Concelho de Faro. 31- Os recorridos possuem no Concelho de Coimbra, mais propriamente na Rua (…), em (…) freguesia de (…), Concelho e Comarca de Coimbra, um prédio urbano que foi, até há cerca de meio ano, quando estes se ausentaram para Faro, a sua casa de morada de família, não lhe sendo conhecidos pelo recorrente, quaisquer outros bens, para além do prédio urbano supra identificado. 32- Teve o recorrente conhecimento que, em Outubro de 2009 através de vizinhos dos recorridos, que estes, há cerca de seis meses a esta parte se haviam mudado para Faro, onde passaram a residir e para onde levaram todos os móveis que possuíam na sua casa de habitação. 33- Tendo, ainda, o recorrente informação de que os recorridos colocaram à venda a sua casa de habitação, nesta data completamente devoluta. 34- Depois de partirem para Faro, os recorridos deixaram incumbida de lhes endereçar toda e qualquer correspondência que fosse enviada para a sua residência em (…), a vizinha do prédio contíguo ao seu, (…), a quem deixaram as chaves do mesmo. 35- No entanto, apesar de terem solicitado àquela que lhes endereçasse toda a correspondência, os recorridos apenas lhe facultaram a morada da farmácia de que o filho é proprietário, na cidade de Faro, desconhecendo esta onde os recorridos efectivamente habitam. 36- Face a este circunstancialismo, e dada a falta de património dos recorridos para acautelar o pagamento dos seus compromissos financeiros para com o recorrente, viu-se este na necessidade de instaurar o procedimento cautelar para Arresto, nos termos do art. 406º do CPC. 37- O referido arresto funciona como meio de evitar a dissipação do único bem capaz de fazer face à dívida dos recorridos perante o recorrente. 38- O justo receio da perda da garantia patrimonial face a uma expectativa legitima da existência de um direito de crédito envolve uma acepção de temor, acompanhada de incerteza (que constitui um facto inconsumado a produzir no futuro, posto que presumível) situação que se verifica in casu. 39- São requisitos da procedência do pedido de arresto preventivo a prova de que: a) «é provável a existência do crédito», isto é, não que o seu crédito é certo, indiscutível, mas antes que há probabilidades de ele existir; b) se justifica o seu receio de perder a garantia patrimonial, isto é, que qualquer pessoa de são critério, em face do modo de agir do devedor, colocado no seu lugar, também temeria vir a perder o seu crédito não se impedindo imediatamente o devedor de continuar a dispor livremente do seu património (vid. Ac. desta Relação de 13/11/79, B.M.J. nº 293º, 441, e Ac. da Relação do Porto de 21/11/91, B.M.J. nº 411º, 651 e vid. Professor Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol.2º, 119/120). 40- Assim, encontram-se, de facto preenchidos os requisitos deste procedimento cautelar, violando, assim, a douta sentença, salvo melhor opinião, a disposição legal plasmada no artigo 406º do CPC. 41- Há um justo receio da perda da garantia patrimonial, comprovado pelo comportamento dos recorridos, nomeadamente alienação de bens e mudança de residência. 42- A douta sentença da qual se recorre evidencia que de facto há um divida, no valor de 30.257,21 euros, não paga pela (…)LDª. ao recorrente, reconhecida no âmbito da Acção ordinária, de que estes autos são apenso. 43- Considera também o tribunal a quo que o contrato de empreitada foi celebrado entre o recorrente e a extinta sociedade, o que eximiria de responsabilidades os recorridos. 44- Contudo, ao contrário do plasmado, na sempre douta sentença, há responsabilidade dos recorridos pelo pagamento das dívidas da sociedade, conforme já atrás se alegou de fls. 5 a 9 do corpo destas alegações. 45- Consequentemente, os recorridos ao indicarem falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos, são pessoalmente responsáveis para com os credores cujos direitos não tenham sido satisfeitos ou acautelados (violando, assim, o art.158ºC.S.C, que a douta sentença também violou). 46- Do facto de não se mostrar definitiva a sentença prolatada nos autos (de que estes serão apenso), não pode concluir-se que o direito de crédito do recorrente não exista. 47- Deste modo, ao contrário do considerado pela douta sentença, há uma legítima expectativa do reconhecimento do crédito do apelante pelo Tribunal ad quem. 48- Pelo que, estão reunidos todos os pressupostos para o decretamento da providência cautelar de Arresto, sendo a pretensão do recorrente merecedora de tutela legal. I - O artigo 383.º do Código de Processo Civil consagra as características instrumentalidade e da dependência do procedimento cautelar relativamente à acção principal. II - Nestes termos, o procedimento surge para servir o fim da acção principal. III - Assim sendo, a relação entre o processo cautelar e o processo principal (de que aquele depende) é uma relação instrumental, o que significa que a providência cautelar é emitida no pressuposto de vir a ser favorável ao autor a decisão a produzir no processo principal. IV - Por isso mesmo é que tendo tido lugar o julgamento da matéria de facto no processo principal de que a providência cautelar é dependência, com a produção do respectivo acórdão com as respostas aos quesitos, isso basta para indeferir a providência cautelar, não devendo o juiz, neste caso, dar cumprimento ao artigo 400.º do Código de Processo Civil (recolha de prova). V - Admitir tese contrária seria desvirtuar a finalidade da providência cautelar, já que o requerente dela acabaria por conseguir com a providência aquilo que não logrou com a acção principal de que ela é dependência e no qual buscou a mesma medida, mas definitiva.
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