Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3/10.7TBPPS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
INDEFERIMENTO LIMINAR
ACÇÃO
Data do Acordão: 04/20/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PAMPILHOSA DA SERRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.383 CPC
Sumário: I. Tendo o requerente da providência instaurado previamente a acção declarativa, no âmbito da qual, após realização do contraditório e produção de prova, o tribunal concluiu que não logrou provar os fundamentos de facto e de direito da sua pretensão, encontrando-se em recurso a decisão ali proferida, face à natureza instrumental da providência e à necessidade de um juízo de favorabilidade para o seu deferimento (pressuposição de que será favorável ao requerente a decisão a proferir na respectiva acção principal), revela-se correcta a decisão de indeferimento da providência sem produção de prova.

II. Com efeito, sob pena de total subversão da natureza instrumental da providência cautelar, não se vislumbra a possibilidade de opor à prova produzida com contraditório e com toda a solenidade, na acção declarativa com processo ordinário, a prova a produzir na providência, meramente indiciária e sem audição da parte contrária.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
J (…), industrial da construção civil, residente (…) instaurou por apenso à acção com processo ordinário nº. 22/05.5TBPPS, contra (…) e (…), ambos residentes (…) o presente procedimento cautelar de arresto, sem audiência prévia dos requeridos, requerendo o arresto da casa de habitação, sita na Rua (…), freguesia de (…), inscrita na matriz predial urbana da freguesia de (…) sob o artigo ... e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra, sob o nº ... – (…) ali inscrito a favor dos requeridos através da apresentação nº40, de 9 de Março de 1995.
Em síntese, alega que: no âmbito da acção de que estes autos são apenso, solicitou a condenação dos aí Réus, aqui requeridos, no pagamento da quantia global de € 41.497,97 euros, acrescida dos juros de mora até á data do cumprimento; essa acção, nesta data, ainda se encontra pendente de recurso, entretanto, interposto pelo Autor, aqui requerente; já há algum tempo que os requeridos vêm alienando o seu património pessoal a favor de terceiros e, neste momento, a casa de habitação dos demandados é o único bem que lhes é conhecido e se mostra desonerado; o requerente mostra-se receoso que os requeridos procedam à venda do prédio urbano mencionado, perdendo, assim, a única garantia patrimonial que podia sustentar o pagamento do valor que lhe é devido.
Recebido o requerimento inicial, foi o mesmo objecto de indeferimento liminar, constando do referido despacho judicial:

«[…] resulta demonstrado no âmbito da Acção ordinária, de que estes autos são apenso, que há uma dívida resultante de mão de obra e materiais incorporados, para execução dos trabalhos referidos na matéria aí dada como assente, que importou em € 30.257,21 euros, e que não foi paga pela (…) ao Autor, aqui Requerente.

Mas o contrato aí referenciado não foi celebrado entre o aqui Requerente e os aqui Requeridos. Foi celebrado entre o Requerente e a extinta sociedade acima referida.

A dívida, de acordo com as regras de responsabilidade, maxime, pelo pagamento das responsabilidades sociais, são da dissolvida Sociedade por quotas de responsabilidade limitada ao património SOCIAL e não dos aqui requeridos.

[…] como ficou mencionado, o direito de crédito dado como assente é da extinta sociedade para com o aqui requerente e não dos requeridos para com este último.

De todo o modo, não se mostrando definitiva a sentença prolatada nos Autos de que estes são apenso, nenhum direito de crédito se nos afigura existir na esfera jurídica, ainda que de modo provável, do Requerente em relação aos Requeridos. Por um lado, devido aos dois intervenientes no contrato obrigacional, a saber: o aqui requerente e a citada extinta sociedade por quotas, de que foram sócios gerentes os aqui requeridos.

Por outro lado, a sentença ainda não se mostra transitada, pelo que, o reconhecimento de que um “hipotético direito de crédito” do Requerente sobre os Requeridos, pela via do RECURSO, afigura-se-nos configurar, no contexto enunciado, uma mera Expectativa – um pouco longe de ser concretizada, face à materialidade dada como assente, na acção nº. 22/05.5, de que o negócio foi celebrado entre o aqui requerente e a extinta sociedade por quotas.

Até à decisão a ser proferida pelo V. Tribunal da Relação de Coimbra, o Requerente apenas é possuidor de uma expectativa de vir a adquirir um direito de crédito sobre os dois Requeridos e nada mais.

Essa expectativa não encerra, como acima referenciado e fundamentado, qualquer tutela legal.

Deste modo, atendendo ao pedido e causa de pedir invocados e documentos juntos e face à fundamentação expendida, consideramos não se encontrarem reunidos os pressupostos de procedência da presente providência cautelar de arresto».
Não se conformando com a decisão, veio o requerente interpor recurso de apelação, apresentando alegações que culminam com as seguintes conclusões:

1- Decorreu no Tribunal Judicial da Comarca da Pampilhosa da Serra, o processo nº 22/05.5TBPPS, instaurado pelo recorrente, contra os recorridos (…) e (…) réus no referido processo, ao qual o presente procedimento cautelar será apenso.

2- Foi pedida a condenação dos aí réus, aqui recorridos, no pagamento da quantia global de 41.497,97 euros, acrescida dos juros de mora, visto que houve um incumprimento contratual por parte dos recorridos.

Conforme consta da matéria de facto provada do processo atrás referido:

3- O recorrente, no exercício da sua actividade acordou com a já extinta sociedade comercial (…), Lda., verbalmente, em meados do ano de 2000, a execução de trabalhos de construção civil, os quais compreendiam, ainda, o fornecimento de materiais necessários à sua execução (vid. quesitos 1 a 9 da base instrutória, dados como provados na referida sentença).

4- Tal empreitada importou na quantia global de 30.257,21€, conforme factura nº3 (que se juntou no procedimento cautelar de ARRESTO) (vid. quesito 10 da base instrutória, provado na referida sentença);

5- A extinta sociedade recebeu a obra executada pelo recorrente, assim como a factura nº3, enviada por este ao contabilista, em 31 de Dezembro de 2001, sem que delas tenha apresentado qualquer reclamação (vid. quesito 13, provado na referida sentença).

6- Sucede que, apesar de ter mandado efectuar os trabalhos supra mencionados ao recorrente e de os ter aceite, os recorridos, legais representantes da extinta Sociedade, têm vindo a eximir-se ao seu pagamento (vid. quesito 19, provado na referida sentença).

7- A factura enviada pelo recorrente à extinta sociedade venceu-se em 31 de Dezembro de 2001, foi contabilizada e tida em conta nos custos de construção do imóvel (vid. quesito 20 e 24, provados na referida sentença).

8- Assim sendo, os recorridos, na qualidade de sócios gerentes e de liquidatários da (…). Não podiam desconhecer que o montante da factura nº3, de 31 de Dezembro de 2001,lançado nas contas encerradas, não se encontrava pago (vid. quesito 27, provado na referida sentença).

Acresce que:

9- Não existe qualquer documento apenso, nas contas da sociedade, que legitime a nulidade dessa factura, podendo-se concluir que há, necessária e obrigatoriamente, um saldo positivo em caixa no valor correspondente ao da referida factura nº3 (30.257,21€).

10- Tal conclusão se retira do parecer do TOC, (…) junto às alegações do recurso de apelação nº 22/05.5TBPPS.C1.

11- Neste sentido, já se tinha pronunciado, em 27 de Setembro de 2007, enquanto perito nomeado pelo tribunal – na acção indicada na conclusão nº1 –, afirmando que a factura nº3 passada à ..., Lda. se encontra lançada, efectiva e claramente, na contabilidade da Sociedade, a crédito na conta de Fornecedores nº 2210002, pertencente à referida firma de (…).

12- Mencionou também que, o lançamento daquela factura na contabilidade da referida Sociedade beneficiou-a em: redução nos seus resultados Operacionais e, simultaneamente, no IRC e na redução no IVA do período.

Importa esclarecer que:

13- Os recorridos subscreveram, em 14 de Junho de 2002, uma declaração de dissolução e liquidação da sociedade, por escritura pública no Cartório Notarial da ....

14-Declararam, de livre vontade e sem qualquer coacção, que a dissolvida e liquidada sociedade não tinha qualquer activo, nem passivo, encerrando contas, onde havia sido lançada a factura nº3.

15- Efectivamente, os recorridos ao subscreverem a declaração supra referida, tendo plena consciência de que tal é inverídico, induzindo, astuciosamente, o Sr. Ajudante de Notário em erro, evidenciaram uma clara intenção de obter para si um enriquecimento ilícito, causando, assim, ao recorrente um prejuízo patrimonial.

16- Na verdade, trata-se de uma declaração que não tem eficácia perante terceiros (hipotéticos credores/devedores sociais), de mera responsabilidade dos sócios, de uma declaração “res inter alios acta”, ou seja, sem eficácia “erga omnes”.

17- Não se pode afirmar que através do registo da extinção da Sociedade, ainda que por documento autêntico, fizeram os recorridos prova plena dos factos referidos na declaração exarada por motivo de liquidação, como impõe o art. 157º/2 do C.S.C, tendo desta forma sido violada esta disposição legal (vid. neste sentido o Ac. do STJ de 26/06/2008, transcrito no corpo destas alegações).

18- Independentemente da declaração feita pelos liquidatários e o registo dessa mesma declaração, na verdade a sociedade tinha de facto activo (havia bens/valores para partilhar).

19- Impendia sobre os recorridos, na sua qualidade de liquidatários, o dever de pagar todas as dívidas da sociedade, assim como, evidenciar, no relatório da liquidação, a existência de uma dívida para com o recorrente.

20- Pelo que foi violado o art. 154ºC.S.C pela douta sentença recorrida.

21- Consequentemente, os recorridos, na qualidade de liquidatários, ao indicarem falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos, são pessoalmente responsáveis para com os credores cujos direitos não tenham sido satisfeitos ou acautelados.

22- Não atenderam, assim, os recorridos à disposição legal plasmada no art. 158º do C.S.C, que assim também foi desrespeitada pelo tribunal a quo.

23- Está, integralmente, provado pelos relatórios periciais, supra mencionados, que a factura nº3 da firma do recorrente, no valor de 30.257,21€, em 31/12/2001,tinha sido contabilizada nas contas da ..., Ldª., encontrando-se ainda por liquidar.

24- Logo, existia activo aquando da escritura de liquidação da (…)LDª..

25- Assim, é de concluir que há, necessária e obrigatoriamente, um saldo positivo em caixa no valor correspondente ao da referida factura nº3.

26- É manifesto que os recorridos agiram culposa e intencionalmente quando aprovaram as contas da extinta sociedade, onde a factura nº3 foi lançada e não paga e declararam que a (…), Lda. não possuía quaisquer dívidas.

27- A declaração dos recorridos na escritura de dissolução da sociedade, segundo a qual a extinta sociedade não possuía qualquer passivo indicia a prática de crimes previstos e puníveis no Código Penal - Os recorridos agiram com clara intenção de causar prejuízo ao recorrente e ao próprio Estado em matéria de evasão fiscal.

28- Face a este contexto, o recorrente teve de agir com celeridade e oportunidade a fim de acautelar os seus legítimos direitos actuais e futuros que espera ver reconhecidos pelo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra a proferir.

29- Na verdade, os recorridos, já há algum tempo, que vêm alienando o seu património pessoal a favor de terceiros, tendo já procedido á venda de todos os bens que possuíam no Concelho da ....

30- Sendo certo que se ausentaram, há cerca de seis meses a esta parte, para o Concelho de Faro.

31- Os recorridos possuem no Concelho de Coimbra, mais propriamente na Rua (…), em (…) freguesia de (…), Concelho e Comarca de Coimbra, um prédio urbano que foi, até há cerca de meio ano, quando estes se ausentaram para Faro, a sua casa de morada de família, não lhe sendo conhecidos pelo recorrente, quaisquer outros bens, para além do prédio urbano supra identificado.

32- Teve o recorrente conhecimento que, em Outubro de 2009 através de vizinhos dos recorridos, que estes, há cerca de seis meses a esta parte se haviam mudado para Faro, onde passaram a residir e para onde levaram todos os móveis que possuíam na sua casa de habitação.

33- Tendo, ainda, o recorrente informação de que os recorridos colocaram à venda a sua casa de habitação, nesta data completamente devoluta.

34- Depois de partirem para Faro, os recorridos deixaram incumbida de lhes endereçar toda e qualquer correspondência que fosse enviada para a sua residência em (…), a vizinha do prédio contíguo ao seu, (…), a quem deixaram as chaves do mesmo.

35- No entanto, apesar de terem solicitado àquela que lhes endereçasse toda a correspondência, os recorridos apenas lhe facultaram a morada da farmácia de que o filho é proprietário, na cidade de Faro, desconhecendo esta onde os recorridos efectivamente habitam.

36- Face a este circunstancialismo, e dada a falta de património dos recorridos para acautelar o pagamento dos seus compromissos financeiros para com o recorrente, viu-se este na necessidade de instaurar o procedimento cautelar para Arresto, nos termos do art. 406º do CPC.

37- O referido arresto funciona como meio de evitar a dissipação do único bem capaz de fazer face à dívida dos recorridos perante o recorrente.

38- O justo receio da perda da garantia patrimonial face a uma expectativa legitima da existência de um direito de crédito envolve uma acepção de temor, acompanhada de incerteza (que constitui um facto inconsumado a produzir no futuro, posto que presumível) situação que se verifica in casu.

39- São requisitos da procedência do pedido de arresto preventivo a prova de que: a) «é provável a existência do crédito», isto é, não que o seu crédito é certo, indiscutível, mas antes que há probabilidades de ele existir; b) se justifica o seu receio de perder a garantia patrimonial, isto é, que qualquer pessoa de são critério, em face do modo de agir do devedor, colocado no seu lugar, também temeria vir a perder o seu crédito não se impedindo imediatamente o devedor de continuar a dispor livremente do seu património (vid. Ac. desta Relação de 13/11/79, B.M.J. nº 293º, 441, e Ac. da Relação do Porto de 21/11/91, B.M.J. nº 411º, 651 e vid. Professor Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol.2º, 119/120).

40- Assim, encontram-se, de facto preenchidos os requisitos deste procedimento cautelar, violando, assim, a douta sentença, salvo melhor opinião, a disposição legal plasmada no artigo 406º do CPC.

41- Há um justo receio da perda da garantia patrimonial, comprovado pelo comportamento dos recorridos, nomeadamente alienação de bens e mudança de residência.

42- A douta sentença da qual se recorre evidencia que de facto há um divida, no valor de 30.257,21 euros, não paga pela (…)LDª. ao recorrente, reconhecida no âmbito da Acção ordinária, de que estes autos são apenso.

43- Considera também o tribunal a quo que o contrato de empreitada foi celebrado entre o recorrente e a extinta sociedade, o que eximiria de responsabilidades os recorridos.

44- Contudo, ao contrário do plasmado, na sempre douta sentença, há responsabilidade dos recorridos pelo pagamento das dívidas da sociedade, conforme já atrás se alegou de fls. 5 a 9 do corpo destas alegações.

45- Consequentemente, os recorridos ao indicarem falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos, são pessoalmente responsáveis para com os credores cujos direitos não tenham sido satisfeitos ou acautelados (violando, assim, o art.158ºC.S.C, que a douta sentença também violou).

46- Do facto de não se mostrar definitiva a sentença prolatada nos autos (de que estes serão apenso), não pode concluir-se que o direito de crédito do recorrente não exista.

47- Deste modo, ao contrário do considerado pela douta sentença, há uma legítima expectativa do reconhecimento do crédito do apelante pelo Tribunal ad quem.

48- Pelo que, estão reunidos todos os pressupostos para o decretamento da providência cautelar de Arresto, sendo a pretensão do recorrente merecedora de tutela legal.

II. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se numa única questão: saber se a verosimilhança do direito invocado pelo requerente da providência (existência de um crédito sobre os requeridos), ficou ou não prejudicada pela decisão proferida na acção principal.

1. Fundamentos de facto
Com relevância para a decisão a proferir, ficaram provados na acção com processo ordinário nº. 22/05.5TBPPS, de que estes autos constituem apenso, os seguintes factos:
1. O Autor intentou contra a Sociedade por quotas, (…)Ld.ª, a acção com processo ordinário n.º 107/03.2 TBPPS, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca da Pampilhosa da Serra – al. a ).
2. Quando a acção referida em a) foi proposta, ou seja, em 17 de Dezembro de 2003, ainda não tinha sido publicado no Jornal oficial o registo de encerramento da liquidação da Ré, o que ocorreu em 21-09-2000 – al. b).
3. Consequentemente, foi proferida sentença no sentido da absolvição da instância da Ré (a qual foi confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10 de Dezembro de 2004) – al. c); cuja decisão transitou em julgado em 05/01/05 – al. d).
4. O autor é industrial de construção civil, dedicando-se à actividade industrial de construção de imóveis, em regime de empreitada, com fins lucrativos – al. e).
5. No âmbito da acção supra referida, o Autor intentou ao tempo contra a (…), Ld.ª (hoje liquidada), a identificada acção judicial tendo pedido que ela fosse condenada a pagar ao Autor: a quantia de €37210,56 euros referente a trabalhos e materiais incorporados na obra; juros de mora vencidos, acrescidos dos vincendos, à taxa de 12% ao ano, contados a partir de 1 de Dezembro de 2003, até à data do pagamento e integral quitação ao autor da quantia em débito (com custas e procuradoria pela, ao tempo, Ré) – al. f ).
6. Os Réus (…) e (…) dissolveram a (…) Ld.ª, por escritura de dissolução de sociedade do dia 14 de Junho de 2002, celebrada no Cartório Notarial da ..., perante o ajudante do notário em substituição deste por, ao tempo, se encontrar vago o lugar de notário – al. g).
7. Os Réus declararam nessa escritura de dissolução, sob sua inteira responsabilidade, que a dissolvida sociedade não tinha qualquer passivo, nem existiam quaisquer bens no activo, a partilhar – al. h).
8. Conforme consta da referida escritura de dissolução de Sociedade, os Réus, sócios gerentes e liquidatários da (…), Ld.ª, encerraram as contas e aprovaram-nas na data da celebração da escritura de dissolução - al. i).
9. No exercício da sua actividade industrial, o Autor acordou com a já extinta sociedade comercial (…), Ld.ª, verbalmente, em meados do ano de 2000, a execução dos seguintes trabalhos de construção civil, tendo a mão-de-obra e os materiais incorporados pelo autor para execução de todos os trabalhos importado na quantia global de € 30.257,21 (trinta mil duzentos e cinquenta e sete euros e vinte um cêntimos), conforme factura n.º 3, junta como documento n.º 1 – quesito 10.
10. O Autor executou, dentro das melhores regras da arte, todos os trabalhos referidos nos artigos antecedentes, acordados com o Réu (…), ao tempo sócio gerente da agora extinta sociedade (…), Ld.ª incorporando nos mesmos os materiais necessários à sua execução – quesito 11.
11. O Autor entregou ao contabilista da extinta sociedade (…) Ld.ª, em 31 de Dezembro de 2001, a factura que constitui o documento anexo ao documento n.º 1 – quesito 12.
12. A extinta sociedade (…), Ld.ª, recebeu a obra executada pelo autor, assim como a factura, entregue pelo Autor ao contabilista desta sociedade, sem que delas tenha apresentado qualquer reclamação, sendo certo que contabilizou os valores apresentados pelo Autor a título de mão-de-obra e de materiais incorporados para execução dos trabalhos – quesito 13; que levou a custos do imóvel, cujas fracções, há muito já vendeu – quesito 14
13. Os trabalhos executados pelo autor e acima descritos, que podem ser facilmente observados no local, foram mandados executar pelo réu (…), na qualidade de sócio gerente da agora extinta sociedade (…) Ld.ª, num prédio de que, ao tempo, aquela extinta Sociedade era proprietária, sito (…), freguesia e Concelho da ... – quesito 15.
14. Apesar de ter mandado executar os trabalhos acima descritos ao Autor e de os ter aceite, o legal representante da extinta sociedade (…) Ld.ª, (…), tem vindo a esquivar-se ao seu pagamento, ao Autor – quesito 19.
15. A factura enviada pelo Autor à extinta sociedade (…) Ld.ª, acima referida, venceu-se em 31 de Dezembro de 2001 – quesito 20.
16. Os trabalhos executados pelo Autor e os materiais por este incorporados na obra foram previamente acordados entre o Autor e a ora extinta Ré, (…), e, posteriormente, aceites pelos aqui ora Réus – quesito 21; que haviam requerido, em devido tempo, à Câmara Municipal da ..., as alterações ao projecto que deram origem à execução daqueles trabalhos – quesito 22.
17. A extinta Sociedade Ré (…), Ld.ª, através dos seus legais representantes - Réus na presente acção - aceitou os trabalhos executados pelo Autor e aprovou o seu custo, aquando do envio, por parte do Autor, da respectiva factura – quesito 23.
18. Factura essa que a extinta (…) contabilizou e levou a custos da construção do imóvel – quesito 24.
19. Nas contas mencionadas em I), havia sido lançada a factura mencionada no art°. 12 - quesito 26.
20. Os réus, na qualidade de sócios gerentes da (…), Ld.ª e de seus liquidatários não podiam ignorar que o montante da factura n.º 3, de 31 de Dezembro de 2001, lançado nas contas encerradas, não se encontrava paga - quesito 27.
21. A acção com processo ordinário nº. 22/05.5TBPPS, de que estes autos constituem apenso, foi julgada improcedente, tendo o autor (aqui apelante) interposto recurso que aguarda decisão neste Tribunal.
22. Consta dos fundamentos da referida decisão:
«… como não temos provado que existia activo, não é possível responsabilizar os Réus como liquidatários (cfr. sobre esta matéria o ac. STJ de 26-06-2008, CJ (STJ) XVI-II-138); e, como não há prova de que tenham sido partilhados bens, também não podem os antigos sócios, ora Réus, ser responsabilizados, porque, face aos factos provados nada receberam na sequência da liquidação
Quanto ao enriquecimento sem causa.
Valem as mesmas considerações, pois não se provou que os sócios, os Réus, como pessoas distintas da sociedade, tenham tido algum enriquecimento por causa do não pagamento da factura.».

2. Fundamentos de direito
2.1. A ausência do requisito “verosimilhança do direito”, face à prova já produzida na acção principal
A grande questão que surge na apreciação deste recurso, resume-se a saber em que medida a decisão já proferida na acção principal, pode ou não inviabilizar a providência cautelar, face à relação de instrumentalidade e de dependência desta em relação àquela.
Em síntese: 1) o ora Apelante intentou a acção definitiva, com processo ordinário, contra os ora Apelados, pedindo a sua condenação no pagamento de uma dívida da sociedade de que estes eram sócios; 2) a referida acção foi julgada improcedente, tendo o M.º Juiz considerado que o autor não fez prova na acção, da existência de activo social, o que não permitiu a responsabilização dos Réus como liquidatários, já que também não foi feita prova de partilha de bens; 3) na mesma acção, considerou-se que não fez o autor (ora apelante) prova de que os réus (sócios da sociedade) tivessem tido algum enriquecimento decorrente do não pagamento da dívida em causa; 4) com estes fundamentos foi a acção julgada improcedente, encontrando-se em fase de recurso.
A questão enunciada equaciona-se in casu, nestes termos: depois de produzida prova com toda a solenidade formal e com respeito pelo contraditório, na acção declarativa, onde foram declarados não provados os factos alegados pelo autor (ora apelante), será viável a produção de prova, agora meramente indiciária e sem contraditório, na providência cautelar, susceptível de afastar a conclusão a que se chegou na acção?
A resposta à questão enunciada passa por uma breve análise dos conceitos de instrumentalidade e de dependência consagrados no n.º 1 do artigo 383.º do CPC.
De acordo com o normativo em apreço «o procedimento cautelar é sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção declarativa ou executiva.»
Como se refere no acórdão deste Tribunal de 8.04.2008[1], as providências cautelares estão dependentes de uma acção pendente ou a instaurar posteriormente, acautelando ou antecipando provisoriamente os efeitos da providência definitiva, na pressuposição de que será favorável ao requerente a decisão a proferir na respectiva acção principal.
A “instrumentalidade hipotética” referida por alguns autores para qualificar o processo cautelar, significa que a providência é emitida na pressuposição ou na previsão da hipótese de vir a ser favorável ao autor a decisão a proferir no processo principal[2].
A apontada pressuposição de favorabilidade da pretensão do requerente da providência entra inevitavelmente em crise com a falência da sua argumentação na acção definitiva, nomeadamente quando a mesma decorre do facto de não ter logrado produzir naquela sede processual, a prova que aqui se pretende meramente indiciária.
Em acórdão de 30 de Setembro de 1999[3], cujo sumário de transcreve, o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre uma questão em tudo idêntica à que se discute nestes autos, concluindo:

I - O artigo 383.º do Código de Processo Civil consagra as características instrumentalidade e da dependência do procedimento cautelar relativamente à acção principal.

II - Nestes termos, o procedimento surge para servir o fim da acção principal.

III - Assim sendo, a relação entre o processo cautelar e o processo principal (de que aquele depende) é uma relação instrumental, o que significa que a providência cautelar é emitida no pressuposto de vir a ser favorável ao autor a decisão a produzir no processo principal.

IV - Por isso mesmo é que tendo tido lugar o julgamento da matéria de facto no processo principal de que a providência cautelar é dependência, com a produção do respectivo acórdão com as respostas aos quesitos, isso basta para indeferir a providência cautelar, não devendo o juiz, neste caso, dar cumprimento ao artigo 400.º do Código de Processo Civil (recolha de prova).

V - Admitir tese contrária seria desvirtuar a finalidade da providência cautelar, já que o requerente dela acabaria por conseguir com a providência aquilo que não logrou com a acção principal de que ela é dependência e no qual buscou a mesma medida, mas definitiva.
O n.º 4 do artigo 383.º do CPC estabelece o princípio da ineficácia das decisões de facto e de direito, proferidas no procedimento cautelar, relativamente ao processo principal, nestes termos: «Nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da acção principal.»
Na fundamentação do aresto do STJ citado supra, é feita uma breve análise da relação entre a natureza instrumental da providência e o juízo de favorabilidade subjacente ao seu deferimento (pressuposição de que será favorável ao requerente a decisão a proferir na respectiva acção principal), concluindo-se que a ineficácia da providência cautelar em relação à acção principal não é recíproca, já que a decisão proferida no processo principal tem influência no procedimento cautelar, ainda que não transitada.
Refere-se no citado acórdão, que na providência cautelar, factores como o carácter sumário e perfunctório das diligências probatórias, a celeridade imposta pela natureza e objectivos da providência, até mesmo o critério usado na formação da convicção do julgador, levam a que a decisão proferida tenha uma natureza precária, insusceptível de influenciar a decisão na acção definitiva (principal).
Conclui-se, no entanto, que se assim é na influência da providência em relação ao processo principal, já não o deverá ser no caso contrário, ou seja, a influência que o processo principal pode ter no procedimento cautelar.
Por isso, o juiz deve ponderar os elementos e as decisões constantes do processo principal, porque rodeadas de maiores solenidade, contraditório e garantias de acerto do que a prova sumária feita no procedimento cautelar.
Na argumentação expendida no douto acórdão do STJ que temos seguido de perto, refere-se um último argumento: acresce que o n.º 4 do artigo 383.º do CPC «veda a influência da decisão do processo cautelar, na apreciação do processo principal, mas não inibe o contrário, isto é, que na apreciação deste o juiz não possa servir-se dos elementos constantes daquele. Mesmo que tenha sido interposto recurso
No mesmo sentido, veja-se a posição de Abrantes Geraldes[4] «parece claro que, na emissão de decisão cautelar, o juiz não deixará de ponderar a decisão favorável ou desfavorável proferida no processo principal, mesmo que ainda não tenha transitado em julgado. É evidente que apenas será viável a instauração de um procedimento cautelar, quando ainda seja previsível obter, através da acção de que depende, a confirmação do direito ou da forma de tutela que provisoriamente reclama o requerente. Embora não existam obstáculos formais à dedução de uma pretensão provisória em situações em que na acção principal tenha sido proferida decisão desfavorável ao requerente, ainda não transitada em julgado, este facto é, no entanto, revelador da falta de um dos requisitos substantivos: a verosimilhança acerca da existência do direito. Se é certo que nas providências cautelares basta a verificação da provável existência do direito, a sua negação resultante de um processo com as garantias do contraditório e propiciador de maior segurança jurídica constituirá um obstáculo de muito difícil transposição à dedução e decretamento de uma medida cautelar».
Em suma, dos apontamentos jurisprudenciais e doutrinários expostos resulta a seguinte conclusão aplicável a estes autos: tendo o requerente da providência instaurado previamente a acção declarativa, no âmbito da qual, após realização do contraditório e produção de prova, o tribunal concluiu que não logrou provar os fundamentos de facto e de direito da sua pretensão, encontrando-se em recurso a decisão ali proferida, face à natureza instrumental da providência e à necessidade de um juízo de favorabilidade para o seu deferimento (pressuposição de que será favorável ao requerente a decisão a proferir na respectiva acção principal), afigura-se correcta a decisão de indeferimento da providência sem produção de prova.
Com efeito, sob pena de total subversão da natureza instrumental da providência cautelar, não se vislumbra a possibilidade de opor à prova produzida com contraditório e com toda a solenidade, na acção declarativa com processo ordinário, a prova a produzir na providência, meramente indiciária e sem audição da parte contrária.
Decorre do exposto que não merece provimento a tese do Apelante, devendo manter-se a decisão recorrida, com os fundamentos que antecedem.
Bastaria, salvo o devido respeito, para fundamentar a improcedência do recurso, as razões processuais que antecedem.
Haverá no entanto que enunciar as razões substantivas que se seguem.

2.2. A não verificação dos requisitos de mérito da providência, face à prova produzida na acção
Concluímos anteriormente, que a prova produzida na acção declarativa definitiva (sem prejuízo da possibilidade de a decisão poder vir a ser revogada em sede de recurso) não é susceptível de ser posta em causa com produção de prova meramente indiciária e sem contraditório, na providência cautelar, instrumental e dependente da acção.
Ora, na acção declarativa o tribunal considerou que não ficou provado que tenham sido partilhados bens da sociedade devedora e que os sócios (réus) alguma coisa tenham recebido na sequência da liquidação, não se tendo ainda provado que tenham tido algum enriquecimento decorrente do não pagamento da factura das obras realizadas pelo autor.
Como se refere no acórdão do STJ de 26.06.2008[5], após dissolução e liquidação da sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha.
A declaração, feita na escritura de dissolução e liquidação de uma sociedade por quotas, pelos seus sócios, de que a sociedade não tem activo nem passivo e de que não há bens a partilhar, não vincula os credores sociais, porque não coberta pela força probatória material que, no art. 371º do CC, é reconhecida aos documentos autênticos.
Em acção pendente contra a sociedade, uma vez operada, em consequência da sua extinção, devidamente registada, a substituição desta pelos sócios, impende sobre o autor – para lograr a responsabilidade destes – o ónus de alegar e provar que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados entre os sócios, em detrimento da satisfação do seu crédito.
Tais factos, de acordo com o acórdão citado, são constitutivos do direito do credor da sociedade extinta, a obter dos sócios o montante do seu crédito, «até ao montante que receberam na partilha»[6].
Em conclusão: sem prejuízo da possibilidade de o ora Apelante obter ganho de causa em sede de recurso, face à prova produzida e à decisão sobre a matéria de facto proferida na acção declarativa de que estes autos são apenso, revela-se correcta a decisão impugnada, que indeferiu a providência sem realização de prova.
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III. Decisão
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, e, em consequência, em manter a douta decisão recorrida.
Custas pelo Apelante.


[1] Proferido no Agravo n.º 759/05.9TBMGL.C.C1 (http://www.dgsi.pt)
[2] Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, 8.ª edição, pág. 287
[3] In Boletim do Ministério da Justiça, n.º 489, pág. 294
[4] Invocada no acórdão do STJ de 30.09.1999 – in Temas da Reforma do Processo Civil, III, pág. 130
[5] Proferido no processo n.º 08B1184 (http://www.dgsi.pt)
[6] No mesmo sentido, vejam-se os seguintes arestos: acórdão do STJ de 15.11.2007, proferido no processo n.º 07B3960 (http://www.dgsi.pt); acórdão do STJ de 23.04.2008, proferido no processo n.º 07S4745 (http://www.dgsi.pt); e acórdão RP, de 30.04.1998, BMJ 476/490.