Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
76/06.7TTVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE DOCÊNCIA
ENSINO
REGIME
ASSISTENTE
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
CADUCIDADE
Data do Acordão: 05/26/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 39º DO ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE; 384º, AL. A), E 387º, AL. B), DO CÓDIGO DO TRABALHO; 24º, NºS 1 E 2, DO ESTATUTO DO ENSINO SUPERIOR PARTICULAR E COOPERATIVO, APROVADO PELO DEC. LEI Nº 16/94, DE 22/01. ARTº XX DA CONCORDATA ENTRE PORTUGAL E A SANTA SÉ
Sumário: I – O contrato de docência do Ensino Superior tem especificidades que demandam a sua subordinação a um conjunto de regras próprias – Artº 24º, nºs 1 e 2, do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, aprovado pelo Dec. Lei nº 16/94, de 22/01.
II – Porém, a Universidade Católica Portuguesa (U.C.P.) rege-se pelo artº XX da Concordata entre Portugal e a Santa Sé e por regulamentação específica daí decorrente, não se lhe aplicando o Dec.Lei nº 16/94, de 22/01 – artº 2º, nº 2, deste diploma.

III – A contratação dos docentes pela U.C.P. está subordinada a um regime especial, conforme se plasmou no artº 5º, nº 2, do Dec. Lei nº 128/90, de 17/04: “a contratação do corpo docente da UCP é feita de acordo com o Regulamento Interno, a aprovar pelos seus órgãos competentes, visando satisfazer as exigências da evolução da carreira académica dos docentes”.

IV – No que respeita à cessação dos contratos do corpo docente da UCP, aplica-se a disciplina geral do contrato de trabalho, face ao que pode, p. ex., um qualquer contrato de docência cessar por caducidade, nos termos previstos nos artºs 384º, al. a), e 387º, al. b), do Cód. de Trabalho.

V – No Estatuto da Carreira Docente da UCP está reflectido um regime muito semelhante ao estabelecido no Dec. Lei nº 448/79, de 13/11, no que concretamente respeita à exigência de evolução científica na carreira universitária, aí se impondo, como via de promoção, a necessidade de, em tempo contado, cumprir os requisitos de subida ao grau seguinte do ensino universitário: mestrado, primeiro, doutoramento depois.

VI – Os Assistentes Universitários são recrutados por contrato de provimento com seis anos de duração, sendo necessariamente titulares, no mínimo, do grau de Mestre ou equivalente.

VII – A referida duração desse tipo de contratos é prorrogável por mais dois anos, mediante autorização do Reitor, precedendo proposta do respectivo Conselho Científico, desde que o Assistente tenha em fase adiantada a investigação conducente a elaboração da dissertação de doutoramento - artº 39º, nºs 1, 3 e 5 do E.C.D. -, sendo que, uma vez requeridas as provas de doutoramento, o contrato é prorrogável até à sua realização.

VIII – Quando assim não aconteça, por esgotamento dos referidos prazos, os Assistentes em causa não poderão permanecer no exercício das suas funções, caducando os respectivos contratos de docência (nos termos do artº 29º, nº1, do Dec. Lei nº 448/79, de 13/11; 384º, al. a), e 387º, al. b), do C. do Trabalho) por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva da UCP em receber a prestação laboral desse docente.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

                                       

                                                       I –

1.

A... , casada, residente na Rua ...., instaurou a presente acção com processo comum contra Universidade Católica Portuguesa», pedindo, a final, a condenação da R. a reconhecer a invocada cessação do contrato, por caducidade, como um despedimento ilícito e a sua consequente condenação em indemnização por antiguidade, (opção formulada no início do julgamento), no pagamento das retribuições até ao trânsito em julgado da sentença e ainda no pagamento de €15.669,86, a título de prestações retributivas não pagas desde Novembro de 2002, €4.244,48, a título de IRS, €4.484 referente a encargos que tem que suportar com o seu doutoramento, na Universidade de Coimbra, e ainda €7.500 a título de danos morais, tudo com juros de mora, à taxa legal.

Alegou para o efeito, em síntese útil, que foi contratada pela ré, como assistente, em 01/10/1987, tendo leccionado na Faculdade de Letras, Centro Regional das Beiras, Pólo de Viseu.

Por carta de 7/7/2005 a ré fez cessar o contrato que mantinha com a autora, invocando que esta não tinha concluído o doutoramento. Durante alguns anos a ré pagou-lhe uma importância mensal, para além do que constava do recibo mas a partir de Novembro de 2003 deixou de pagar aquela importância.

Teve que pagar ao Fisco, relativamente a tal importância, o total de €4.244,48.

2.

A ré contestou, sustentando a licitude da cessação do contrato, pelo facto de a autora não ter concluído o doutoramento.

A autora respondeu, mantendo, no essencial, o alegado na p.i.

3.

Instruída e discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente, com condenação da R. no pagamento à A. da importância de € 12.872,91, com juros, como consta do dispositivo, a fls. 739, a que nos reportamos.

4.

Irresignada, a A. veio Apelar.

Alegando, concluiu assim:

(……………………………………………………………………………………………………………….)

5.

Logo após a notificação da sentença – e ainda antes da interposição da Apelação por banda da A. – a R., ‘UCP’ veio requerer a rectificação da decisão, conforme fls. 745.

Com a resposta da A., tal pedido foi indeferido pelo despacho de fls. 785-787.

6.

A R. respondeu, concluindo, em síntese, que nenhuma razão assiste à recorrente porquanto a UCP, reconhecida oficialmente pelo Decreto-Lei n.º 307/71, de 15 de Julho, é uma instituição criada ao abrigo do art. XX da Concordata entre Portugal e a Santa Sé, no âmbito de cuja regulamentação específica foi publicado o Decreto-Lei n.º 128/90, de 17 de Abril.

No seu art. 5.º/2 consigna-se inequivocamente que ‘a contratação do corpo docente da UCP é feita de acordo com o regulamento interno, a aprovar pelos seus órgãos’.

Na sequência de tal normativo, a R. elaborou o referido regulamento interno, que é o ‘Estatuto da Carreira Docente da Universidade Católica Portuguesa’, entrado em vigor em 1.10.1990, com base no qual tem procedido à contratação do seu corpo docente.

A A./recorrente foi contratada em 1993 e a partir da contratação dispunha de seis anos para se apresentar a doutoramento, com prorrogação de dois anos mediante autorização do Reitor.

A recorrente esteve dispensada do serviço docente e não apresentou a dissertação de doutoramento até 7 de Julho de 2005, data em que a R. lhe comunicou a cessação do contrato por caducidade.

A cessação é lícita, porque a falta da A. originou a impossibilidade absoluta e definitiva de prestar o trabalho a que se vinculou.

7.

A R., também irresignada com a parte da decisão que a condenou no pagamento à A. da quantia de € 12. 872,91, acrescida de juros de mora, veio apelar.

 Alegando, concluiu:

(……………………………………………………………………………………………………………..)

8.

A A., aqui recorrida, respondeu, concluindo, que nenhum erro material existiu na sentença que possa ter gerado um erro de cálculo.

O presente recurso tem de ser considerado extemporâneo por haverem decorrido mais de 20 dias entre a data da notificação da sentença e a da apresentação do presente recurso.

Não ficou provado que até Outubro de 2003 a R. houvesse pago à A. qualquer quantia a título de subsídio de exclusividade com reflexo nas férias e subsídio de férias e de Natal, nem que a partir de 1 de Novembro de 2003 fosse pago ‘algum subsídio de exclusividade 14 vezes no ano e feitos os necessários descontos’.

O que ficou provado foi que a R., a partir de Janeiro de 1994, desdobrou o vencimento da A., numa parte ilíquida fixa e numa outra líquida variável, parte esta que processava e pagava à recorrida como ‘ajudas d custo’, ‘bolsas’ ou ‘deslocações’…

…Mais tendo ficado provado que a R. deixou de pagar esta parte retributiva variável a partir de 1 de Novembro de 2003.

Bem se decidiu, pois, ao condenar-se a R. no pagamento da referida quantia.

                                                    ______

Recebidos os recursos e colhidos os vistos legais devidos – com o Exm.º P.G.A. a emitir Parecer, a que não houve reacção – cumpre ora decidir.

    

                                        II – DOS FUNDAMENTOS.

A – DE FACTO.

Vem seleccionada a seguinte factualidade, que assim se fixa:

(…………………………………………………………………………………………………………..)

                                                           ________

B – CONHECENDO.

1 – Da Apelação da A.

Como deflui do acervo conclusivo – por onde se afere e delimita, como é consabido, o objecto e âmbito da impugnação, por via de regra – a questão basilar que nos vem posta consiste em saber se a relação de trabalho estabelecida entre as litigantes cessou por caducidade, como se decidiu, ou, antes, por despedimento ilícito, como pretexta a A./recorrente.

Na decisão ora 'sub judicio' considerou-se, efectivamente, que a não conclusão do doutoramento por banda da A., dentro do prazo previsto no art. 39.º do Estatuto da Carreira Docente da UCP, (…à data da comunicação rescisória a A. mantinha-se como Assistente há 11 anos e alguns meses, mostrando-se largamente ultrapassado o prazo de 6 anos e da prorrogação de 2 anos prevista no n.º1 da referida previsão…), implicou o decurso do prazo do contrato e das prorrogações, ditando a sua consequente caducidade…enquanto impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber, conforme consta dos arts. 384.º, a) e 387.º, b do Cód. do Trabalho.

Não questionando a sujeição do caso decidendo à disciplina plasmada no falado Estatuto da Carreira Docente vigente na R., (ECDUCP), nem às regras do Cód. do Trabalho relativas às modalidades da cessação do contrato de trabalho, a A. apenas discorda da solução porquanto, na sua perspectiva, a argumentação usada da sentença revidenda …’radica num evidente equívoco’.

Qual?

Pretexta a Apelante que, por um lado, o art. 39.º/1 do ECD não prevê que para o exercício da actividade docente, como assistente, seja necessário obter o grau académico de doutor ao fim de determinado período de duração do contrato.

Isso acontece, sim, quanto aos assistentes estagiários, em que se prevê expressamente que não poderão permanecer em funções se, até ao termo da terceira renovação do contrato, não apresentarem a dissertação do mestrado – n.º2 do art. 40.º

Por outro lado, a decisão sob protesto, valendo-se do juízo alcançado num Aresto da Relação do Porto, persiste equivocada, já que a situação aí tratada é substancialmente diferente da presente.

Não existindo qualquer impossibilidade legal (ou material) que obste a que a A. preste funções de docente, como assistente, e que a R. receba essa prestação, a cessação do contrato, por esta unilateralmente determinada, não consubstancia a sua caducidade, mas sim um despedimento.

Será assim?

Vejamos.

A A. foi contratada pela R. para o exercício de funções docentes, primeiro (em Outubro de 1987), como ‘Assistente estagiária’ e, mais tarde, (Dezembro de 1993), como ‘Assistente em regime de dedicação plena’, contratação esta a que o Conselho Científico da Faculdade de Letras da UCP deu parecer favorável em reunião realizada em 15.1.1994 – factos assentes, ‘ut’ items 2.º, 3.º e 4.º do alinhamento/decisão de facto, a fls. 700.

Como já escrevemos noutro local (Apelação n.º301/07.7TTAVR.C1, contra a também aqui R/UCP), é pacífico o reconhecimento de que o contrato de docência do Ensino Superior tem especificidades que demandam a sua subordinação a um conjunto de regras próprias.

É o legislador que o assume e anuncia, concedendo que tal tipo de contratação não se ajusta de todo ao figurino normativo geral, que regula as relações de trabalho subordinado – cfr. Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro.

A Jurisprudência corrobora-o.

(‘A particular natureza que as funções de docência universitária revestem levou o legislador a deixar consignado no n.º2 do art. 40.º do Decreto-Lei n.º 271/89, de 19 de Agosto, diploma que aprovou o Estatuto do Ensino Superior Particular Cooperativo, que ‘o regime laboral aplicável aos docentes de estabelecimento de ensino particular constará de diploma próprio’.

Revogado aquele diploma pelo Decreto-Lei n.º 16794, de 22 de Janeiro, que aprovou o novo Estatuto daquele ensino, veio este dispor no n.º1 do art. 24.º do seu anexo que ‘o regime de contratação de pessoal docente para ministrar ensino nos estabelecimentos de ensino superior particular ou cooperativo consta de diploma próprio’, estatuindo o n.º2 do mesmo normativo que ‘o diploma a que se refere o número anterior estabelece o regime de contrato de trabalho dos docentes, bem como as condições em que se poderá recorrer ao contrato de prestação de serviços’.

Embora os aludidos diplomas próprios não tivessem sido publicados, a referência que lhes é feita implica o reconhecimento de que à contratação de docentes para o ensino superior particular ou cooperativo não se ajusta a disciplina geral reguladora das relações de trabalho subordinado’ – Sumário do Acórdão do S.T.J. de 6.4.2000, in BMJ n.º 496, pg. 139).  

É igualmente certo que o referido Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo não se aplica à R., UCP, como no-lo diz expressamente o art. 2.º/2 do Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro, que o aprovou: ‘A Universidade Católica Portuguesa rege-se pelo art. XX da Concordata entre Portugal e a Santa Sé e por regulamentação específica daí decorrente, não se lhe aplicando o disposto no presente diploma.

E se é mais seguro que a contratação dos docentes do Ensino Superior Público está sujeita a regras diversas da contratação dos docentes do Ensino Superior Particular e Cooperativo, cremos ser adquirido também que, face ao acima referido, a contratação dos docentes pela R. está subordinada a um regime especial, conforme se plasmou no art. 5.º/2 do Decreto-Lei n.º 128/90, de 17 de Abril: ‘A contratação do corpo docente da UCP é feita de acordo com o Regulamento Interno, a aprovar pelos seus órgãos competentes, visando satisfazer as exigências da evolução da carreira académica dos docentes’.

Tudo isto para dizer que – …assim legitimando ontologicamente o famigerado ECD da UCP – parece não poder deixar de assentar-se que, à míngua de uma qualquer limitação expressa, se quis realmente conferir à UCP a liberdade de definir, nesse Regulamento para que o legislador afinal e sem mais remeteu, os termos da contratação, independentemente/para além das regras de direito comum que disciplinam a relação juslaboral típica.

No que tange à cessação dos contratos – como também nos parece pacífico – aplicar-se-á a disciplina geral.

E, assim, o contrato de trabalho em causa pode cessar também por caducidade, nos termos previstos nos arts. 384.º, a) e 387.º, b), do Cód. do Trabalho.

A apelante não vai aliás fora disso.

Contrapõe apenas que, ao contrário do sustentado na argumentação que suporta a decisão sob censura, o art. 39.º/1 do Estatuto da Carreira Docente não prevê que, para o exercício da actividade docente, como assistente, seja necessário obter o grau académico de doutor, ao fim de determinado período de duração do contrato de trabalho…

…Situação prevista, sim, mas para os assistentes estagiários, que – como consta do art. 40.º/2 do mesmo ECD – ‘não podem permanecer em funções se, até ao termo da terceira renovação do contrato, não apresentarem a dissertação do mestrado’.

Ora bem.

Se, imediatamente, a tese se apresenta logicamente sustentável, tal aparente irrefutabilidade não resistirá todavia – …com o devido respeito – a uma mais detida reflexão.

Assim:

Como se deixou já referido acima, a particular natureza das funções de docência universitária, globalmente consideradas, postula uma disciplina contratual específica, a que não se adapta de todo o figurino da disciplina geral reguladora das relações de trabalho subordinado.

Estando assegurado à Igreja Católica, nos termos da Concordata de 1940, (reeditados no art. XXI da Nova Concordata, assinada em 18 de Maio de 2004), o direito de estabelecer e manter Escolas particulares paralelas às do Estado, e visando a contratação do corpo docente da UCP – ‘ut’ n.º2 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 128/90, de 17 de Abril –…’satisfazer as exigências da evolução da carreira académica dos docentes’, vemos reflectido no ECD da UCP um regime muito semelhante ao estabelecido no Decreto-Lei n.º 448/79, de 13 de Novembro, no que concretamente respeita à exigência de evolução científica na carreira universitária, aí se impondo, como via de promoção, a necessidade de, em tempo contado, cumprir os requisitos de subida ao grau seguinte do ensino universitário, mestrado, primeiro, doutoramento depois.

Esse paralelismo é patente concretamente no caso dos assistentes estagiários:

 - ‘Os assistentes estagiários não poderão permanecer no exercício das suas funções, se, no termo da 3.ª renovação do respectivo contrato, não tiverem concluído um curso de mestrado, em especialidade adequada à área científica da disciplina ou do grupo de disciplinas em que prestem serviço, ou não tiverem requerido as provas de aptidão pedagógica e capacidade científica’ – art. 29.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 448/79, de 13/11;

- …’Os assistentes estagiários não podem permanecer em funções se, até ao termo da 3.ª renovação do contrato, não apresentarem a dissertação de mestrado ou não tiverem já requerido provas de capacidade científica e aptidão pedagógica’ – n.º2 do art. 40.º do Estatuto da Carreira Docente da UCP (de que consta um exemplar a fls. 679 e ss.)

É certo que o art. 39.º do ECD (com a epígrafe ‘Duração do Contrato dos Assistentes’), não contém a cominação, expressa e categórica, constante do n.º2 do art. 40.º.

Mas isso não significa, em nosso entendimento, que a situação dos Assistentes seja substancialmente diferente, ou, melhor dito, que demande um tratamento oposto, isto é, que possa prolongar-se inconsequentemente para além dos prazos nele estabelecidos.

A sua etiologia é a mesma, ressalva a circunstância de, no caso dos Assistentes estagiários, não terem estes qualquer qualificação científica específica e/ou experiência pedagógica, o que impõe que a sua contratação seja por curtos períodos (duração de um ano, com possibilidade de renovação por três vezes, mediante parecer favorável do respectivo Conselho Científico).

Indemonstrada a apresentação da dissertação de mestrado ou não requeridas as faladas provas de capacidade científica e aptidão pedagógica até ao termo da 3.ª renovação do contrato, não há alternativa.

Já não assim no caso dos Assistentes.

Estes, sendo recrutados por contrato de provimento com seis anos de duração, são necessariamente titulares, no mínimo, do grau de Mestre ou equivalente.

A sua qualificação com o adquirido grau é uma garantia acrescida, que justifica a contratação por um período significativamente maior.

Mas, não obstante, tal não significa que possam acomodar-se, mais ou menos tranquila e seguramente: a exigência de evolução mantém-se, havendo que investir na devida investigação com vista à elaboração da dissertação de doutoramento.

Mas, atenta a sua já assegurada qualificação, gozam de uma moratória: a duração do contrato é prorrogável por mais dois anos, mediante autorização do Reitor, precedendo proposta do respectivo Conselho Científico, desde que o Assistente tenha em fase adiantada a investigação conducente a elaboração da dissertação de doutoramento – art. 39.º, n.ºs 1, 3 e 5 – sendo que, uma vez requeridas as provas de doutoramento, o contrato é prorrogado até à sua realização.

Percebe-se perfeitamente a motivação da diferença de regimes, como se deixou explicitado.

Um Assistente estagiário que não se promova, no tempo e termos sobreditos, não tem hipótese de continuar na docência.

Um Assistente, não só é contratado por um período bem mais dilatado, como, mercê da sua qualificação intermédia, beneficia da prorrogação de dois anos, desde que verificados os ditos requisitos.

Incumpridos, – e escrutinada a situação à luz da razão em que entroncam as exigências de evolução na carreira académica dos docentes – a solução, que se tem por implicitada, não pode ser diversa da prevista para os Assistentes estagiários, atento o seu paralelismo.

Não vemos que possa ser de outro modo, com o devido respeito.

…E nem nos parece estultícia sustentar-se que seria até redundante que, atenta a óbvia similitude das situações (…apenas divergem no patamar ou estádio de evolução da carreira), se tornasse mesmo necessário consignar que, uma vez esgotada a prorrogação dos dois anos, a situação não poderia manter-se…

Ao contrário do sustentado, a cessação do contrato não depende sempre e só da livre decisão e vontade do Reitor.

O que depende deste – e não apenas, porque é precedida da proposta nesse sentido do Conselho Científico – é a autorização de prorrogação do contrato por mais dois anos, para além dos seis previstos para a sua duração.

Destarte, admitida a caducidade do contrato para os Assistentes estagiários, (como também se decidiu no citado Acórdão da Relação do Porto, de 15 de Maio de 2006, in www.dgsi.pt, Proc. n.º 0516735, n.º convencional JTRP00039183, relativamente a Assistente Estagiário da Carreira Docente Universitária…não pública), por impossibilidade da R. em receber a prestação laboral do trabalhador/docente por este não possuir o grau de Mestre, prevalecem, no caso sujeito, as mesmas fundadas razões, (exigência de evolução/promoção na carreira universitária, com elaboração da dissertação de doutoramento): a docente/A., Assistente embora, não requereu as provas de doutoramento em tempo oportuno, com vista à sua realização e obtenção do imprescindível grau académico.

Como a propósito de consigna da sentença 'sub judicio', há um manifesto apelo no sentido de que as Universidades recrutem o maior número possível de docentes doutorados, obrigando-se mesmo os estabelecimentos de ensino superior a dotarem os seus quadros de um número mínimo de docentes com essa qualificação.

A UCP, à semelhança do que se pratica nas Universidades Públicas, não pode adoptar padrões de menor exigência no tocante à qualidade do ensino ministrado e ao recrutamento dos investigadores/docentes, procurando atingir os mais elevados níveis académicos, científicos e pedagógicos.

Tendo a A. sido contratada como Assistente, em regime de dedicação plena, em 17.12.1993, na sequência da aprovação nas provas de Mestrado, a duração desta nova relação de trabalho, prevista no n.º1 do art. 39.º do ECD, prolongar-se-ia por seis anos.

A A., em Julho de 2002, solicitou à R. autorização para entregar a tese de doutoramento dentro de 2 anos, (…o que evidencia, como cremos firmemente, que alguma vez tivesse admitido, em boa verdade, que não estaria sujeita a qualquer prazo para a apresentação da dissertação…), pedido que foi deferido, sabendo por isso a R. que a A. continuava a preparar a dissertação sob o seu orientador, Prof. Doutor Jorge Osório.

Com vista à sua preparação, a A. foi dispensada do serviço docente nos anos lectivos de 1997/98 e 1998/99 – Dos factos assentes.

Todavia, não obstante a A. bem saber que a R. exigia aos seus docentes/Assistentes que obtivessem o grau de doutor para continuarem a leccionar, o tempo foi passando, tendo transcorrido mais de onze anos até à comunicação da R. a fazer cessar o contrato, com efeitos a partir de 30 de Setembro de 2005 – items 45 e 46 do alinhamento de facto.

À data da outorga do contrato sujeito mostravam-se satisfeitos os respectivos requisitos, nada impossibilitando o exercício de funções.

Ultrapassados os seis anos, mais os dois previstos para a prorrogação, sem que se mostrem requeridas as provas de doutoramento, passa a faltar o preenchimento de um requisito essencial ao exercício das contratadas funções de docência, a que se faz associar, necessariamente, a sua cessação.

A impossibilidade em causa é superveniente, absoluta e definitiva, na medida em que, dependendo o preenchimento do falado requisito apenas da A., não era exigível à R. que aguardasse por mais tempo o seu cumprimento – arts. 384.º, a) e 387.º, b), do Cód. do Trabalho.

Ratificamos, por isso, o entendimento e juízo plasmados na decisão sob protesto, em cujos termos, verificada a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o empregador receber a prestação do trabalho da A., o contrato cessou por caducidade.

Como a R., fazendo cessar o contrato, pela forma que o fez, não praticou qualquer acto ilícito, não se questiona a sua responsabilidade pelas despesas posteriores alegadamente feitas pela A. com vista ao seu doutoramento na Universidade de Coimbra, ou outras, reclamadas enquanto efeito ou consequência de um pretenso despedimento ilícito.

Também sem reparo ou censura o ajuizado em conformidade.

Soçobram consequentemente as primeiras catorze asserções conclusivas.

E, não sendo, por isso, caso do reclamado despedimento ilícito, as demais, relativas à liquidação dos efeitos da putativa ilicitude, improcedem igualmente.

Resta considerar o último problema.

Pretende a Recorrente ser reembolsada do valor pago a título de IRS e juros.

A sentença 'sub judicio', enfrentando tal pretensão, indeferiu-a com os sucintos fundamentos seguintes.

A A. pagou a quantia de €4.244,48 de impostos relativamente às verbas que recebia mensalmente e que não constavam dos recibos de vencimento.

A R. comprometeu-se a suportar os encargos com os tributos e contribuições referentes a tais verbas, exigindo a assinatura de uma declaração, que a A. não assinou.

Constituindo retribuição tais importâncias, sobre as mesmas deviam ter incidido os descontos legais.

O art. 1.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 824/76, de 13 de Setembro, considerava nulas as cláusulas que transferissem o pagamento dos impostos ou de qualquer outro encargo dos contribuintes para as entidades patronais, com o objectivo claro de evitar que o trabalhador não pagasse os impostos que segundo a Lei deveria pagar, pelo que a pretensão da A., a ser satisfeita, contrariaria frontalmente essa disposição.

Com o devido respeito, não o entendemos assim.

A pretensão da A. afigura-se-nos dever ser acolhida.

Explicamos.

Como vem factualmente assente, a partir de Janeiro de 1994, inclusive, a R., através de uma ‘engenharia financeira’ implementada e imposta pelo responsável da área administrativa e financeira do Centro Regional das Beiras da Universidade Católica, Pólo de Viseu, passou a desdobrar o que pagava como retribuição à A. e demais docentes em igualdade de circunstâncias, fazendo-o em duas partes: uma, fixa e ilíquida, que constava de recibo, e outra, líquida e variável, que era paga mediante transferência bancária.

Todas as importâncias pagas pela R. a partir de Janeiro de 1994, que não constavam dos recibos, eram contabilizadas pela R. como se fossem ‘ajudas de custo’, ‘bolsas’ ou ‘deslocações’, deixando assim de sobre elas fazer incidir os descontos fiscais e da Segurança Social, sendo pagas como valores líquidos.

Em 2005 os Serviços de Fiscalização da Direcção-Geral de Contribuições e Impostos, em inspecção à R., concluíram pela obrigatoriedade de pagamento de IRS sobre as quantias recebidas da R. para além das que constavam do recibo como vencimento.

A R. comprometeu-se, perante a A. e demais docentes, a suportar todos os encargos com os tributos ou contribuições que viessem a verificar-se como devidos relativamente às importâncias pagas fora dos recibos, sendo que, para formalizar este compromisso a R. exigia dos docentes a assinatura de uma declaração por ela mesma redigida.

A R. cumpriu esse compromisso com os restantes docentes, pagando os respectivos impostos, mas não com a A…, que, por isso, se viu obrigada a pagar os impostos liquidados pelo Fisco, acrescidos de juros.

Ora, ante tudo isto, não nos parece prefigurar-se, em bom rigor, a situação a que se destinava a previsão invocada do art. 1.º/1 do Decreto-Lei n.º 824/76, por um lado, ficando por justificar, por outro, o motivo por que a R. honrou o assumido compromisso de suportar os referidos encargos com os tributos e contribuições de todos os docentes, e deixou de o fazer relativamente à A. (Sublinhados nossos).

(Não o explica, com certeza, a falada – …mas que não vimos factualizada – falta da assinatura da declaração por banda da A., já que esta, mesmo a ter sido recusada(?...), não relevaria de qualquer modo para/na assunção da responsabilidade da R., que é o que está aqui em causa!).

A razão daquela previsão do Decreto-Lei n.º 824/76 é compreensível para uma situação de normalidade de processamento das retribuições, (…em que cada um deve suportar os encargos correspondentes, fiscais e sociais), que não foi o que aqui sucedeu.

Não pode esquecer-se todavia que, no caso, a ‘engenharia’/habilidade(…) do desdobramento da retribuição foi implementada e imposta pelos serviços administrativos e financeiros da R., com claro objectivo à vista, sendo as suas ‘vantagens’ cobertas pelo pagamento líquido aos docentes da parte da retribuição paga fora do recibo sob os referidos títulos de ‘ajudas de custo’ e outros.

O assumido compromisso de suportar todos os encargos com os tributos ou contribuições que vieram a verificar-se devidos, nomeadamente a título de IRS, foi cumprido relativamente aos restantes docentes, nada justificando que seja enjeitado quanto à A.

 Essa discriminação negativa não tem fundamento.

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2 – Da Apelação da R.

Nas contra-alegações oferecidas pela A., (a que se reportam, a final, as suas primeiras quatro proposições conclusivas), vem suscitada a questão prévia da extemporaneidade do recurso interposto pela R.

O despacho de fls. 844, que admitiu as apelações, invocando a disciplina processual constante do art. 686.º/1 do C.P.C., adiantou a resposta certa, (que o nosso despacho de fls. 854, proferido no âmbito do exame preliminar a que respeita o art. 701.º, embora tabelar, implicitamente ratificou).

Ainda assim, diremos, ora expressamente, que, não obstante se ter considerado inexistir o erro/vício invocado como fundamento para o requerido, entendemos que se mantém a regra: o prazo para a interposição do recurso só começa a correr após a notificação da decisão sobre o requerimento.

O recurso foi, pois, tempestivamente interposto.

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A R. não se conforma com a sua condenação no pagamento à A. da importância de € 12.872,91, com juros de mora, por entender que os valores em causa lhe foram pagos.

Tudo visto e ponderado, é nossa convicção que a razão não está do lado da Apelante.

Conferindo a sua tese, constata-se desde logo que os pressupostos de facto em que assentam as premissas basilares do seu raciocínio não coincidem de todo com a materialidade seleccionada, sendo esta que se nos impõe, como foi estabelecida …tanto mais que nenhuma das partes impugnou a respectiva decisão.

Essa realidade de que se parte (…em alguma medida virtual), acaba por sustentar uma argumentação que se nos afigura algo sofista – com o devido respeito o consignamos – conduzindo afinal a um resultado cuja lógica e pretensa bondade não podemos acolher.

Já analisámos noutra intervenção, (Apelação n.º301/07.7TTAVR.C1, contra a também aqui R., UCP), a forma tortuosa como, a partir de certa altura, se passou a processar o pagamento dos docentes da R., e, como então, continuamos a entender, também aqui, que a retribuição mensal devida à A. foi efectivamente diminuída.

Assim, contra a solução ora impugnada, (que se serviu tão-só da factualidade fixada, como não poderia deixar de ser…), de pouco ou nada servirá fazer extrapolações de facto (de factos novos...), seja aproveitando a motivação da respectiva decisão, seja dos depoimentos prestados pelos depoentes em que a mesma se estribou…

…Quando, em boa verdade, se esquece (…ou pretende escamotear/enjeitar) o que oportunamente se chegou mesmo a confessar sobre a matéria – cfr. items 25.º a 27.º da douta contestação, a fls. 68.

A parte da sentença/decisão contra a qual a Apelante se rebela não radica, a nosso ver, em qualquer lapso manifesto, maxime no que, como se pretendeu demonstrar, não considerou que o valor que era aposto no recibo era aquele que a R. pagou à A. a título de subsidio de exclusividade.

Na sequência da lógica que vem usada, (cfr., v.g., fls. 811) – e no pressuposto, assente, de que a A. recebia da R. que quantia mensal de € 1.222.11, correspondente à categoria de Assistente em tempo integral – sendo o subsídio de exclusividade correspondente a 50% desse valor, (ou seja, a € 611,06), a retribuição mensal ilíquida auferida pela A. e constante de recibo seria apenas de…€ 611.06!

Como se deixou dito na decisão sob protesto – e bem – a parcela da remuneração que, na sequência da falada ‘engenharia financeira’ da R., não constava dos recibos, não pode deixar de considera-se parte integrante da retribuição, devendo por isso ser paga também nas férias e subsídios de férias e de Natal.

(‘Ut’ arts. 82.º/1 da LCT e 249.º do Cód. do Trabalho; arts. 6.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 874/76 e 2.º/1 do Decreto-Lei n.º 88/96 e arts. 254.º/1 e 255.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. do Trabalho).

Estava vedado à R. proceder à diminuição da retribuição por acto unilateral.

Este princípio da irredutibilidade da retribuição, que já vinha da legislação anterior, mantém consagração expressa no Cód. do Trabalho – art. 122.º/1.

Ante a factualidade estabelecida – e visto que a R. efectivamente não alegou nem provou que pagou/repercutiu a média da retribuição variável nas prestações relativas a férias e aos subsídios de férias e de Natal – o crédito liquidado na decisão em crise, a favor da A., totaliza o montante de € 12.872,91.

Sem reparo.

Tudo tratado, vamos terminar.

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                                                       III –

                                                DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, deliberam os Juízes desta Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

1Julgar parcialmente procedente a Apelação deduzida pela A., e, em consequência, revogando a sentença apenas na parte em que não acolheu a pretensão/pedido da A., formulado sob d)2, condena-se a R. no pagamento àquela da quantia de € 4.244,48, com juros desde a citação e até integral embolso.

No mais vai a sentença confirmada.

2Julgar improcedente a Apelação interposta pela R.

Custas daquela em função do decaimento.

As custas desta impenderiam sobre a R., que está isenta.