Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
825/07.6TTTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
FIXAÇÃO DA INCAPACIDADE
SINISTRADO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Data do Acordão: 07/09/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: D.L. Nº 341/93,DE 30/09; 140º DO CÓDIGO PROCESSO TRABALHO
Sumário: I – Nos termos do artº 140º, nº1, do C.P.Trabalho, é ao juiz que compete fixar a natureza e grau de desvalorização sofrido por um sinistrado em acidente de trabalho.

II – Constituindo o exame por junta médica uma forma de prova pericial, está o mesmo sujeito à regra da livre apreciação pelo juiz, atento o disposto nos artºs 389º do C.Civ., 591º e 655º do CPC.

III – Tendo sido atribuída ao sinistrado uma IPATH, nada impede que possam ser aplicados os factores correctivos previstos na instrução geral nº 5 da TNI /Tabela Nacional de Incapacidades), uma vez verificados os pressupostos nela previstos.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Em processo emergente de acidente de trabalho, procedeu-se à tentativa de conciliação na fase conciliatória do processo, no âmbito da qual autor e seguradora ré não se conciliaram apenas porque não estiveram de acordo com o grau de incapacidade fixado no exame médico realizado nessa mesma fase.

Ambos requereram, então, exame por junta médica.
Reunida a junta médica, os srs. peritos que a constituíram declararam por maioria que o sinistrado é portador de uma IPP de 23,98% com IPATH, em consequência das lesões sofridas no acidente de trabalho objecto destes autos.

Após esse parecer, a Srª juíza do tribunal a quo proferiu sentença, na qual declarou que “ponderando a maioria do parecer pericial e os demais elementos constantes dos autos que o não infirmam, consideramos o autor curado mas portador de IPP de 0,23968, com I.P.A.T.H desde o dia seguinte ao da alta, que lhe foi conferida em 09/06/08” e condenou (após rectificação requerida pelo sinistrado) a ré seguradora a pagar ao sinistrado: a) pensão anual e vitalícia no montante de 6.322,00 €, devida desde o dia 17 de Março de 2008, pagável em duodécimos arredondados ao euro superior e na residência do sinistrado; b) os subsídios de férias e de natal, no valor de 1/14 da pensão anual supra fixada, pagos, respectivamente, nos meses de Maio e de Novembro do ano a que disserem respeito; c) a título de subsídio por elevada incapacidade permanente, a quantia de 4.630,80 €; d) quantia de 24,94 €, a título de despesas de transportes; e) a quantia de 327,78 €, a título de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária sofridos; f) juros de mora à taxa legal (4%), até integral e efectivo pagamento, sobre as quantias vencidas e atrás referidas.

É desta decisão que, inconformada, o autor veio vem apelar.

Alegando, conclui:

1- O parecer da Junta Médica, enquanto prova pericial, não é vinculativo para o tribunal.

2- Actuando aqui o principio da livre apreciação pelo tribunal, nos termos dos artigos 389° do Código Civil [a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal], e 655°, nº 1 do CPC [o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto], a qual se baseia na sua prudente convicção sobre a prova produzida, isto é, em regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência.

3- Contudo, isto não quer dizer que o juiz pode fixar a força probatória das respostas dos peritos de forma arbitrária e discricionária, sendo certo que apenas significa que ele não está vinculado a quaisquer regras ou critérios legais.

4- Ora, no nº 5, alínea a), das Condições Gerais da TNI, estipula-se que "sempre que se verifique perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente, os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados com uma multiplicação pelo factor 1,5, se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho, ou tiver 50 anos ou mais."

5- Não obstante, a aplicação da mencionada bonificação deve ser efectuada sempre que se verifique perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que o sinistrado ocupava com carácter permanente e desde que se verifique um dos seguintes requisitos:

a) se a vítima não for reconvertível em relação ao seu posto de trabalho; ou

b) Que o sinistrado tenha mais de 50 anos.

6- O sinistrado nasceu em 19/03/1945 e teve alta clínica em 16/03/2008, contando, nesta data, com a idade de 63 anos, menos 3 dias.

7- Assim, salvo o devido respeito, discorda-se da decisão recorrida, por se entender que apesar de ser atribuída ao sinistrado a IPATH nada impede que às lesões por ele apresentadas sejam aplicados os factores correctivos previstos na instrução geral nº 5 constante do preâmbulo da TNI e, nomeadamente, a aplicação do factor de 1,5 uma vez que se verificam os pressupostos previstos nas al. a) e b) da referida instrução, em especial o facto de o sinistrado ter mais de 50 anos de idade, o que só por si, constitui um fundamento para aplicação do referido factor.

8- A IPP de 23,968%, que foi atribuída ao sinistrado pela Junta Médica - e que foi fixada na decisão recorrida - deve, pois, ser bonificada pelo factor 1,5 - apesar de existir IPATH.

9- Seguindo-se, consequentemente, a correcção dos valores atribuídos a título de pensão anual vitalícia e subsídios.

Não houve contra-alegações.

  Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto no sentido de que assiste razão ao recorrente.


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II- FUNDAMENTAÇÃO

De facto               

É de considerar assente a seguinte matéria relevante para a análise do recurso:
1- Na tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo autor e seguradora ré não se conciliaram apenas porque não estiveram de acordo com o grau de incapacidade fixado no exame médico realizado nessa mesma fase.
2- Ambas as partes requereram, então, exame por junta médica para apreciação do grau de incapacidade do autor resultante das lesões sofridas no acidente de trabalho dos autos, ocorrido em 14/10/2006.
3- Reunida a junta médica, os srs. peritos que a constituíram declararam, por maioria, que sinistrado é portador de uma IPP de 23,98% com IPATH, nos termos do respectivo auto, a fls. 205 e segs. do processo.
4- O sinistrado autor nasceu no dia 19/03/1945.


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De direito

É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como decorre do estatuído nos artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil.

Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver se pode equacionar basicamente da seguinte forma: se tendo sido atribuída ao sinistrado a IPATH, mesmo assim devem ser aplicados os factores correctivos previstos na instrução geral nº 5 da TNI, nomeadamente a aplicação do factor de bonificação de 1,5 uma vez que se verificam os pressupostos previstos na al. a) da referida instrução, em especial o facto de o sinistrado ter mais de 50 anos de idade.

Vejamos:

Importa, em primeiro lugar sublinhar, que tendo em conta a data do acidente é aplicável a Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo DL nº 341/93, de 30 de Setembro.

A instrução geral nº 5 al. a) da TNI determina que “sempre que se verifique perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente, os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados com uma multiplicação pelo factor 1,5, se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais”.

Quer o laudo da Junta Médica realizada, quer a sentença recorrida não aplicaram o factor 1,5 previsto na TNI.

Nos termos do art.140º nº1 do C. P. Trabalho é ao juiz que compete fixar a natureza e grau de desvalorização. Constituindo o exame por junta médica uma forma de prova pericial está o mesmo sujeito à regra da livre apreciação pelo Juiz, atento o disposto nos arts. 389º do Código Civil e 591º e 655º do C. P. Civil. Por isso, não está o juiz impedido de fixar grau de incapacidade diferente daquele a que chegaram os peritos médicos, nem o factor de bonificação a que alude o nº5 al. a) das Instruções da TNI é da exclusiva competência daqueles peritos (v. Ac. da Relação do Porto de 22/5/2006, in CJ, t. III, p. 229).

Como refere o Ex.mo PGA no seu parecer, o exame por Junta Médica (fls. 205 a 208) tem implícito o entendimento que a bonificação de 1,5 não é de atribuir quando o sinistrado tenha IPATH. Na verdade, no quesito 7º, perguntava-­se: “o sinistrado, face às sequelas que apresenta encontra-se incapaz para exercer o seu trabalho habitual de motorista de pesados (IPATH), ou pode exercer o seu trabalho habitual, mas com esforços acrescidos por ter diminuição de função imprescindível ao desempenho do posto de trabalho, beneficiando portanto do factor de bonificação 1,57?” (v. fls. 186). A tal quesito, a Junta Médica, por maioria, respondeu da seguinte forma: "sim (IPATH); prejudicado”. Por sua vez, o perito da seguradora, ao mesmo quesito respondeu que o sinistrado não estava afectado de IPATH - mas de IPP de 24,56% -, mas porque eram necessários “esforços acrescidos (…)beneficia da aplicação do factor 1,5”.

Assim, o entendimento que subjaz ao laudo da Junta médica é o de que, tendo sido atribuída IPATH, não há que aplicar o factor de bonificação 1,5. Tal entendimento é também o que parece resultar sufragado na decisão impugnada.

Será assim?

A controvérsia tem sido alimentada pela posição sustentada pela Relação do Porto em vários Acórdãos, designadamente no de 22/5/2006 (acima citado) e no de 26/1/2009, in CJ-online, refª 2221/2009 – este com um voto de vencido -, de acordo com a qual o factor de bonificação de 1,5 apenas é aplicável para os casos em que não sendo de aplicar IPATH, o sinistrado continua a desempenhar a mesma função, mas agora com redobrado esforço, atendendo à limitação física que a lesão ou lesões lhe provocam. Embora a mesma Relação, também tenha decidido noutro sentido (v. por exemplo o Ac. de 14/4/2008, in www.dgsi.pt, proc. 0746935, com um voto de vencido), com a posição de que a referida bonificação é também aplicável nos casos de IPATH.

O Supremo Tribunal de Justiça tem, todavia, entendido – pronunciando-se sobre a controvérsia - que nada justifica que se faça uma interpretação diferente da referida instrução da TNI quando estamos ou não perante uma situação de IPATH, não se compreendendo que se trate de modo diferente uma situação em que o sinistrado continue a desempenhar o seu trabalho habitual com mais esforço e uma situação em que esteja impedido permanente e absolutamente de o realizar, uma vez que em qualquer dos casos, haverá sempre que ter em conta o esforço que é exigido ao trabalhador para o desempenho de outros trabalhos, quando o mesmo está afectado de uma IPATH, traduzido, como não pode deixar de ser, no esforço que terá de desenvolver para se adaptar a novas funções, quanto mais não seja quando o trabalhador já ultrapassou os 50 anos, devendo tal esforço ser também compensado com a aplicação do factor de bonificação. Neste sentido, por todos, v. o recente Ac. do STJ de 19-03-2009, in www.dgsi.pt, proc. 08S3920.

Assim o entendemos, também.

Ora, no caso verifica-se que o sinistrado tinha mais de 50 anos de idade.
Por isso, na fixação do grau de incapacidade permanente devia ter sido levado em conta o factor 1,5 de bonificação, previsto na instrução geral nº 5 al. a) da TNI.

Assim, a incapacidade do sinistrado devia ter sido fixada em 0,35952 (1,50 x 23,968) e a pensão anual em € 6.599,00, assim calculada:

€ 11.537,84 x 50% = € 5.768,92

€ 11.537,84 x 70% = € 8.076,488

€ 8.076,488 - € 5.768,92 = € 2.307,568

€ 2.307,568 x 35,952% = € 829,61684

€ 5.768,92 + € 795,94 = € 6.598,5368.

Procede, pois, a apelação em conformidade.


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III- DECISÃO

         Termos em que se delibera dar provimento ao recurso e, em consequência, altera-se a sentença recorrida, fixando-se em 35,952% a IPP do recorrente, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, condenando-se a ré seguradora a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia de € 6.599,00, com início de vencimento reportado a 17/3/2008, no mais mantendo aquela sentença.

Custas na acção e no recurso a cargo da ré seguradora.