Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2446/20.9T9CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA
DESCRIÇÃO DOS FACTOS INDICIADOS E NÃO INDICIADOS
IRREGULARIDADE
OFENSA A PESSOA COLETIVA
FACEBOOK
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Data do Acordão: 01/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE COIMBRA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 283º, 307º, 308º, N.º 2, E 123º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; ART. 187º, N.º 1, DO CÓDIGO PENAL.
Sumário:
1. Tratando-se não de um despacho de pronúncia, mas antes de um despacho de não pronúncia, a alegada falta de fundamentação por falta de menção dos factos suficientemente indiciados e não indiciados não se traduz numa nulidade insanável e de conhecimento oficioso.

2. A omissão desta enunciação no despacho de não pronúncia constitui mera irregularidade.

3. Se a decisão impugnada não inclui a descrição dos factos não indiciados de forma autonomizada e destacada da discussão dos indícios e, por isso, não cumpre estritamente a exigência de fundamentação de facto, mas se, dada a simplicidade dos acontecimentos descritos na acusação, pode extrair-se do despacho recorrido que o JIC julgou não indiciada a conduta imputada às arguidas na acusação, pois que, ao negar a existência de indícios da prática do um determinado crime por falta de tipicidade, a decisão impugnada indica como não indiciado globalmente o comportamento dos ditas arguidas narrado na acusação particular da assistente, está formal e suficientemente escorreita a estrutura do despacho de não pronúncia.

4. A ofensa prevista no tipo de crime do artigo 187º, nº 1, do CP, não pode ser cometida, senão pela afirmação ou propalação de factos, estando excluída a possibilidade – prevista para os crimes de difamação e de injúria – de ser cometido através da emissão de juízos de valor ou com palavras ofensivas.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra:

            I - RELATÓRIO
           
             1. O DESPACHO RECORRIDO

Na Instrução requerida pela assistente no Pº 2446/20.9T9CBR no Juízo de Instrução Criminal de Coimbra (JUIZ ...) – comarca de Coimbra -, por despacho de 19 de Fevereiro de 2023, foi decidido:  
«Não pronunciar as arguidas:
1.ª) AA, agente de execução, titular da cédula profissional nº ...69, com domicílio profissional no Largo ..., ... ....
2.ª) BB, agente de execução, titular da cédula profissional nº ...56, com domicílio profissional na Rua ..., ... ....
3.ª) CC, agente de execução, titular da cédula profissional nº ...70, com domicílio profissional na Rua ..., Loja ..., ... ....
4ª) DD, agente de execução, titular da cédula profissional nº ...96, com domicílio profissional no Largo ..., ... ...,
Pelo crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo artº 187º, nºs 1 e 2 al- a) do Código Penal, com referência ao artº 183, nos 1, al. a) e 2, ambos do Código Penal, imputado a cada uma, e determinar o arquivamento dos autos».

            2. O RECURSO
Inconformada, a assistente A..., LDª,  sociedade por quotas, com o número de pessoa colectiva ...84, com sede na Avenida ..., ..., Freguesia ..., ..., ... e ..., ..., recorreu deste despacho de não pronúncia, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1º. «A decisão instrutória deve elencar, de forma exaustiva, todos os factos dados como “indiciados / provados” e não indiciados.
2º. A isso obriga o disposto no artº 283º nº 3, alínea b), por remissão do artº 308º nº 2, ambos do CPP.
3º. A decisão recorrida é omissa na formulação do referido “enunciado” dos factos indiciados/provados e não indiciados.
4º. O que impede a sua sindicância estando viciada da nulidade decorrente do disposto artigo 283º nº 3, aplicável ex vi do artigo 308° nº 2, que ora se invoca.
(…)
11º.    Em nosso modesto entender impunha-se a prolação de despacho de pronúncia uma vez que existem indícios que justificavam a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação.
12º. Está em apreço nos autos o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo artº 187º, nos 1 e 2 al- a), com referência ao artº 183º, nºs 1, al. a) e 2, ambos do Código Penal
13º. O legislador veio, assim, autonomizar a protecção dos valores inerentes à pessoa colectiva – credibilidade, prestígio e confiança – relativamente aos crimes contra a honra de pessoas singulares (artºs 180º e 181º CP).
14º- São elementos do tipo objectivo deste ilícito: a) a afirmação ou propalação de factos inverídicos; b) susceptíveis de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança da pessoa colectiva, corporação, organismo ou serviço; c) não tendo o agente fundamento para, em boa fé, reputar tais factos de verdadeiros.
15º- O teor dos factos imputados à Assistente bem como o modo da sua actuação, propalados pelas arguidas num “grupo de Facebook”, preenche, de forma inquestionável, o “elemento objectivo do tipo” do crime em apreço.
16º- Com efeito, estamos perante factos inverídicos, que em boa fé as arguidas não podiam reputar como verdadeiros, que pelo seu “conteúdo” atingem com particular e especial incidência a credibilidade, confiança e prestígio da Assistente, tendo em particular consideração a actividade que desenvolve – recuperação de crédito-.
17º- Agrava a conduta das arguidas o facto de terem feito uso de uma rede social online – Facebook - que potenciou a divulgação dos factos publicados.
18º- E o facto de ser um grupo fechado não mitiga a gravidade do “meio utilizado”, uma vez que para além de ser um grupo com elevado número de membros, foram também inúmeras as partilhas efectuadas “fora do grupo”.
19º- Tanto assim que foi grande o impacto da propalação de tais factos, junto de clientes, potenciais clientes e inúmeras pessoas conhecidas.
20º- Importa relembrar que estamos numa fase processual que não visa alcançar a demonstração da realidade dos factos, mas antes e tão só, indícios, de que o crime foi eventualmente cometido.
21º- Em face dos elementos de prova indiciária existentes nos autos, importa concluir pela probabilidade de vir a ser aplicada às arguidas uma pena.
22º- Devia, pois, ter sido proferido despacho de pronúncia, pelos factos dos autos e que integram a prática do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo artº 187º, nos 1 e 2 al- a), com referência ao artº 183º, nos 1, al. a) e 2, ambos do CP, por forma a submeter as arguidas a julgamento.
23º- Ao assim não decidir, a decisão recorrida violou o disposto, designadamente, nos artºs 283º, nº 3-b), 308º, nº 2, 127º, 286º, 287º e 308º todos do CPC e artºs 187º, nºs 1 e 2-a) e 183º, nºs 1-a) e 2 estes do CP.

Nestes termos, nos mais de Direito e com o mui douto suprimento de V. Exas., deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando a decisão recorrida, substituindo-a por outra que pronuncie todos os arguidos pela prática dos crimes, como supra se requer».

            3. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que o recurso não merece provimento, defendendo o despacho em 1ª instância.

4. Também respondeu ao recurso a arguida AA, a qual pediu igualmente a sua improcedência.

5. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se neles, corroborando as contra-alegações do Magistrado do Ministério Público de 1ª instância, sendo seu parecer no sentido da negação de provimento ao recurso.

6. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, doravante CPP, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, alínea b) do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso

(…)
Estas conclusões (deduzidas por artigos, nas palavras da lei) não devem trazer nada de novo; os fundamentos têm de estar no corpo motivador e são aqueles e só aqueles que são resumidos nas conclusões.
Assim sendo, são estas as questões a decidir por este Tribunal:
· Há algum vício formal na elaboração do despacho de não pronúncia?
· Há suficiência de indícios da verificação dos pressupostos de que depende a aplicação de uma pena às 4 arguidas pela prática de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo artigo 187º do CP?
· Se sim, deveria ter sido proferido o competente DESPACHO DE PRONÚNCIA por esta incriminação?

            2. DO DESPACHO RECORRIDO

            2.1. O tribunal a quo proferiu o Despacho de Não Pronúncia, deixando escrito o seguinte: (transcrição, com SISTEMATIZAÇÃO nossa para melhor compreensão):


«1. Relatório


A assistente A..., sociedade por quotas, com o número de pessoa colectiva ...84, com sede na Avenida ..., ..., Freguesia ..., ..., ... e ..., ...,
Deduziu acusação particular contra as arguidas :

1.ª) AA, agente de execução, titular da cédula profissional nº ...69, com domicílio profissional no Largo ..., ... ....
2.ª) BB, agente de execução, titular da cédula profissional nº ...56, com domicílio profissional na Rua ..., ... ....
3.ª) CC, agente de execução, titular da cédula profissional nº ...70, com domicílio profissional na Rua ..., Loja ..., ... ....
4ª) DD, agente de execução, titular da cédula profissional nº ...96, com domicílio profissional no Largo ..., ... ...,
Imputando-lhe o alegado e descrito a fls. 570 ss, que subsume à prática, por cada uma das Arguidas, em autoria material, de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo artº 187º, nos 1 e 2 al- a) do Código Penal, com referência ao artº 183, nos 1, al. a) e 2, ambos do Código Penal.
*
A Digna Magistrada do MP, a fls. 566 não acompanhou a acusação particular com os fundamentos que aqui se reproduzem;
    *
Inconformadas com a acusação contra si deduzida vieram as seguintes arguidas requerer a abertura da instrução:
I - A arguida AA, a fls. 581 ss, alegando em síntese:
- A arguida não praticou o crime imputado pois a Requerente é agente de execução e faz parte de um grupo privado no Facebook, titulado “Agentes de Execução e Solicitadores“, sendo que se trata de um grupo restrito onde se incluem agentes de execução, advogados e solicitadores e que tem como fim o esclarecimento de dúvidas entre os vários colegas de trabalho e partilha de conhecimentos , como sucedeu por parte de DD quando perguntou se alguém conhecia a empresa “ B...” pelo que a Requerente consultou o site público das publicações on-line de actos societários, “ publicações .mj.pt”, site esse que qualquer pessoa comum tem acesso, bastando apenas colocar o nome da empresa e limitou-se a partilhar a informação disponível   e até essa data não conhecia a Assistente e julga que as demais colegas de grupo de trabalho também não a conheciam e isto ate ser noticiada em programa televisivo; a arguida copiou exactamente a informação que o site lhe forneceu e nada mais tendo apenas se limitado a fornecer uma informação pública e não teceu quaisquer comentários injuriosos difamatórios ou caluniosos a respeito da Assistente; as suas menções no grupo são meramente informativas      pelo que não se encontram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime imputado, sendo que também não tem qualquer fundamento a agravação com fundamento em publicidade e calúnia, pois a informação decorreu num grupo restrito e se saiu para fora do grupo desconhece a arguida quem a passou sendo que as afirmações feitas não merecem qualquer tipo de censurabilidade em sede jurídico penal;
Com tais fundamentos conclui requerendo a sua não pronúncia e pelos factos alegados em sede de artºs 40º a 57º formula pedido de indemnização contra a Assistente e que aqui se reproduz no valor de 25 000 euros pela prática de crime de injúria;

II- As arguidas DD e BB, a fls. 695 ss, alegando em síntese:
            - As conversas imputadas às arguidas foram retiradas de um grupo privado do Facebook destinado a agentes de execução e solicitadores e a cujo conteúdo só podem aceder os respectivos membros  do qual nem a Assistente nem os seus sócios fazem parte; as arguidas não proferiram qualquer expressão ofensiva ou susceptivel de ofender a credibilidade, prestígio ou confiança da assistente sendo uma mera conversa entre agentes de execução sobre o que se ouviu dizer sobre a forma de actuação da Assistente na cobrança de créditos e sua opinião sobre a mesma; parte das conversas respeita ao que está disponível no site da empresa e se constata que efectivamente a Assistente tem “ homens vestidos de azul, letras brancas com dizeres ,  Diligência Judicial” , usa “ sinais de trânsito” e em conformidade com respertivo site e ainda os documentos que junta; não é feita referência a factos ofensivos inverídicos sobre a Assistente e o seu modo operandi na área das cobranças; é do conhecimento público já que foi objecto de reportagens emitidas no programa da RTP “ Sexta às 9” sob os temas “Dividas de primeira e de segunda“ e Máfia das Cobranças“ que a assistente actua de forma ilícita, designadamente agressiva e intimidatória e que alguns executados e advogados presentes em diligências foram alvo de práticas violentas e apresentaram queixas- crime contra a mesma conforme reportagens disponíveis nos links que indica a fls. 618; A actuação da Assistente foi reputada publicamente por Ordens Profissionais, concretamente pela Ordem dos Advogados cfr, reportagem do “ Sexta às 9”, havendo notícia sobre inquéritos da GNR à actuação dos seus militares durante as diligências de cobrança levadas a cabo pela Assistente; existem noticias sobre a assistente ser alvo de várias queixas e de investigação pela PJ; as conversas foram tiradas de um grupo do Facebook limitado a agentes e solicitadores de execução  onde se debatem questões relacionadas com a sua actividade profissional; trata-se de um grupo do Facebook limitado a agentes e solicitadores de execução onde se debatem questões relacionadas com a sua actividade profissional , trata-se de um grupo fechado e cujas publicações apenas têm acesso os membros actuais e convidados aceites pelos administradores, pelo que jamais os clientes e potenciais clientes da Assistente poderiam ter conhecimento dos contéudos do grupo em causa, designadamente das conversas subjacentes à acusação particular; as afirmações imputadas às arguidas mais não são do que a expressão do que tiveram conhecimento sobre a empresa e o seu modo de actuação e meras opiniões sobre a mesma e não factos que devam ser considerados inverídicos ou que não tenham fundamento para em boa-fé os reputar verdadeiros, pelo que não se mostra indiciado a pratico do tipo objectivo do crime imputado;
            Com tais fundamentos conclui requerendo a sua não pronúncia e subsequente arquivamento dos autos.
*
Foi declarada a abertura da instrução no decurso da qual foi junto com os RAIs os documentos de fls. 630 e ainda os documentos de fls. 641 a 665; foram interrogadas as arguidas DD e AA; foram juntos a solicitação das Requerentes os documentos de fls. 724 ss; 729 a 761; 773 a 780; foi junto o documento de fls. 831 a 853; foi inquirida a testemunha EE.
*
Foi realizado debate instrutório, com a observância do pertinente formalismo legal.

(…)
3.1. Dos Indícios
Imputa-se às arguidas o seguinte:

1º.
A Assistente é uma Empresa que tem por escopo social a recuperação de crédito, podendo ainda adquirir participações em sociedades com objecto diferente daquele que exerce, ou em sociedades reguladas por leis especiais e integrar agrupamentos complementares de empresas.
2º.
As Arguidas, pertencem a um “Grupo do Facebook”, denominado “Agentes de execução”, pelo que são todos eles, supostamente, Advogados.
3º.
No passado dia 10 de Dezembro de 2019, a Assistente tomou conhecimento de que os ora Arguidos, permitiram-se proferir um chorrilho de comentários, afirmações, e dislates, imputando –lhe factos inverídicos e ofensivos da imagem e bom nome da Queixosa.
4º.
Aliás, o seu comportamento insere-se num contexto altamente reprovável, de formulação generalizada de juízos e expressões pejorativos sobre a Queixosa, designadamente quanto ao modo como desenvolve e prossegue a sua actividade.
5º.
O comportamento dos Arguidos é tanto mais grave quanto é certo que fizeram uso da referida rede social online – Facebook -, que pela escala e intensidade da sua utilização potencia a divulgação dos factos publicados.
6º.
São os seguintes “as conversas e comentários” que as arguidas dos tais “agentes de execução” Facebookianos entenderam manter a propósito da Assistente:
(…)[1]
A. AA
Mas circunstâncias em que ocorreu a sua intervenção na “conversa”, ofensiva do bom nome da denunciante, publicou toda a informação acerca da sociedade, nomeadamente o nome dos seus sócios, estado civil, nome dos cônjuges, como quem diz “vejam lá quem são eles”:
SÓCIOS E QUOTAS:
QUOTA: 2.000,00 Euros
TITULAR: FF
NIF/NIPA: ...25
Estado civil: ... (a)
Nome do cônjuge: GG de bens: comunhão de adquiridos Residência/sede: Rua ... ... ...
QUOTA: 2.000,00 Euros
TITULAR: HH
NIF7NIPC: ...24 Estado civil: ... (a)
Residência/Sede: Rua ... ... ...
QUOTA: 1.000,00 Euros
TITULAR: II
NIF/NIPA:  ...93
Estado civil: ... (a)
Residência/Sede: Rua ... ...

B. BB
Já ouvi falar mal!
Metem faixas amarelas à FBI
É uma tristeza ao que deixaram isto chegar.
Os colegas que se metem nisto, devem ficar tão chocados, ao que parece não passam da primeira diligência.
DD se a colega andar pelo site, verá que eles têm homens vestidos de azul, letras brancas com dizeres Diligência Judicial.
Até sinais de trânsito.
É uma autêntica vergonha!
Ao que sei há uma queixa formalizada, ao que parece não chega.
Infelizmente
DD, costuma estar!
Mas estando ou não isto não se faz!
Esta profissão está completamente abandonada. Os Agentes de Execução idóneos, espero que muitos estão sem trabalho!
Espero que muitos idóneos tenham trabalho.
DD, na minha modesta opinião, o seu amigo deveria dirigir-se à Polícia Judiciária!
Ou uma queixa no Ministério Público. A OSAE, não pode fazer muito! A Caaj também não.

C. CC
JJ os helicópteros é o menos… Eu já tive uma situação com um cliente, e já soube de outros… e só adianto que a sorte da AE que estava na diligência foi eu não poder sair do escritório, e à hora da penhora não saber a realidade que se estava a passar, senão… não consigo perceber que haja quem se preste a TUDO!!! Mas tenho esperança que se as entidades policiais e da justiça actuem…
BB parece que ouve (sic) mortos e tudo!!! E os detectores de metais, infra vermelhos e armas… há um ano que aconteceu aqui, e ninguém na população esqueceu… ainda hoje me pergunto: como é que é possível???
JJ mandem??? Vocês não estão mesmo a ver nem a imaginar… ele nem abria a boca… até a parte do Acordo… não me vou adiantar, porque sinceramente acho repugnante.
BB não passam da 1.ª diligência??? Se fossem correctos, nem permitiam que a 1.ª se fizesse, e comunicavam às autoridades!!! Ponto. Criminoso não é só quem actua, é quem deixa actuar. Desculpem-me mas esse profissional, terei sempre vergonha de chamar colega…
Eu sugeri à minha cliente a PJ ou o MP, e principlamnte fazer queixa da AE, que um insecto pequenino já me ter informado que a investigação já existe…
DD uma outra cliente minha até ameaças recebia de madrugada, foi até ter uma depressão… e ter se passado de vez… resuttado: menos um camião na frota da empresa maravilha!!!
Pois… Imagino… esta minha cliente só me contou porque viu o aparato o ano passado à porta da outra minha cliente… porque as pessoas depois do medo, nem querem falar, pois não querem reviver tudo outra vez… e só se safa disto quem luta por fora da justiça, ou seja com as mesmas armas…
KK tem tudo!!! E “adjudicado”, o que é teu passa a ser meu!!!
DD sim, tudo é um luxo… aliás quando vejo as séries americanas… e os camiões, por vezes não são adquiridos, são… “adjudicados”… ? e não me contaram, eu é que fixo matrículas, e fui indagar o que tinha acontecido… aí percebi isto não é abuso, etc… é uma máfia portuguesa… acredito que a PJ não resolva, mas pelo menos os profissionais que fossem postos sem cédula, era só isso que achava justo. Se querem se vender, vendam o corpo na EN1.
BB sim as instalações são na margem sul, inclusive a sala e julgamentos… no início a vocação da empresa não era cobranças… eram empréstimos… em grande escala a transportadoras…
DD o problema é mesmo esse, na maioria as pessoas nada devem… entram em injunções, os executados não se opõe [sic] e vai tudo à frente… Está em fase de recurso? Mas a execução?
LL está um pouco enganada, a AE que refiro, julgo não ter grande escritório, pelo contrário… o grave é isso… ao que isto está a chegar… continuo a afirmar, é uma vergonha este vale tudo, não merecem ter o reconhecimento nem de juristas…

D. DD
Eu estou estupefacta com isto.
Tomei conhecimento desta empresa agora mesmo, através de um amigo que é executado num processo, em que esta empresa é a exequente, porque comprou o crédito.
Esse meu amigo sabe que eles entram de forma agressiva, com meios de  transporte e polícia e levam tudo à frente.
A minha dúvida é, será que têm despacho para auxílio de força pública? Ou são polícias falsos? Na diligência está algum AE? Existem colegas que fazem isto?
Também em parece a melhor solução. E fazer queixa antes que lá apareçam, uma vez que está a ser ameaçado antes do processo executivo ter entrado.
CC Solicitadora é o que está a acontecer. O meu amigo está em pânico, principalmente estando em fase de recurso, que quase garantidamente vai ganhar. Mas as ameaças são constantes. Uma vergonha.
A execução ainda não deu entrada mas já está a ser ameaçado.

7º.
A descrita conduta das Arguidas e altamente ofensiva do bom nome da Queixosa, e abalou a sua credibilidade, confiança e prestígio.
8º.
E causou impacto junto dos clientes, e potenciais clientes, que não só comentaram como procuraram indagar sobre os factos em apreço.
9º.
Os       Arguidos utilizaram expressões e imputaram factos à Queixosa que são, em si e no descrito contexto, ofensivas e capazes de ofender a sua credibilidade e prestígio e que ultrapassam em muito os limites da liberdade de expressão.
            10º.
Os Arguidos agiram de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei.
11º.
Agrava a responsabilidade dos      Arguidos o facto de terem praticado a ofensa através de “meios e em circunstâncias que facilitaram a sua divulgação”.
12º.
A Internet e as redes sociais online, ainda que comparáveis aos meios de comunicação preexistentes, acentuam, pela escala e intensidade da sua utilização, o potencial de divulgação.
*
Não se indicia com suficiência que as quatro arguidas ao proferirem os comentários supra descritos no Facebook tenham actuado com o fim de ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança que goza a Assistente na sociedade e que tenham consciência da falsidade de tais afirmações, bem como que tenham actuado de modo livre, deliberado e consciente e que soubessem que tais factos eram proibidos por lei.
Já no que concerne aos factos imputados quanto aos comentários efectuados pelas arguidas os mesmos estão descritos na queixa apresentada pela Assistente e com os respectivos logotipos do Facebook de fls. 5 a 10 verso.
Já no que concerne aos factos não suficientemente indiciados o seu teor deve-se à insuficiência de prova que nesta parte terá que beneficiar as quatro arguidas sendo que sempre em caso de dúvidas sérias e razoáveis estas terão de beneficiar atento o principio “in dubio pro reo” sendo que a prova reunida nos autos não permite formular um juízo minimamente seguro de as arguidas terem feito tais comentários com o fim de ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança que goza a Assistente na sociedade e que tivessem consciência da falsidade de tais afirmações nos termos que melhor se fundamentará na apreciação dos requisitos do crime em causa quanto à sua vertente dolosa;
Desde já cumpre referir que a Assistente enquanto pessoa colectiva, sociedade comercial por quantas não é passível de ser sujeito passivo de crime de difamação.
É nosso entendimento que com a alteração legislativa penal operada em 1995 e com o esclarecimento da reforma de 2007 o artigo 187º do Código Penal veio a consagrar uma tutela penal adequada às pessoas colectivas e deste modo afastando a aplicação ao caso do crime de difamação previsto no artº 180º do CP.
Nesta questão e com relevância para a presente situação, o Professor José de Faria Costa, na Revista de Legislação e Jurisprudência, nºs 3927 e 3928, pág. 183, já escrevia que ao “proteger — proteger penalmente — a credibilidade, o prestígio ou a confiança de uma pessoa colectiva quando ela não exerça autoridade pública e quando se sabe que essa mesma pessoa colectiva pode ser vítima de uma difamação ou injúria seria um alargamento a todos os títulos injustificado e insustentável. Pensar-se assim ou ajuizar-se desta forma seria dar maior protecção à pessoa colectiva do que à pessoa individual”, indiscriminando obtusamente et pour cause violando o Princípio da Igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.
Nesta linha e paradigmático é o Acórdão da Relação de Coimbra de 12-05-2010: “O legislador autonomizou no artigo 187º do CP a protecção dos valores inerentes à pessoa colectiva - credibilidade, prestígio e confiança - e reservou para as pessoas singulares a previsão dos arts. 180º e 181º do mesmo diploma, onde se consagram e protegem os valores tradicionais da honra e da consideração social que lhe são devidas.”
Na verdade, e continua aquele douto aresto sendo o “bem jurídico do bom-nome da pessoa colectiva (enquanto credibilidade, prestígio e confiança) protegido na incriminação do art. 187º não vemos o que sobrará para o art. 180º (sendo que não podemos aqui estar a referir-nos à honra das pessoas singulares administradores das pessoas colectivas). Cremos pois, que o legislador quis proteger a pessoa colectiva no art. 187º do Código Penal de modo completo, que, salvo melhor opinião, não se perceberia porque é que estando a legislar a posteriori sobre tal questão, ainda assim, continuasse a deixar de fora situações que seriam enquadráveis no art. 180º do mesmo Código (entendemos que o ficou de fora, designadamente os juízos de valor, foi uma opção legislativa, desde logo porque se bem se pensar os juízos se dirigirão mais às pessoas singulares que administram a pessoa colectiva do que à pessoa colectiva)”.
Aliás e neste sentido vai ainda o Acórdão da Relação de Coimbra de 04-05-2011, quando doutamente refere que é aceite: “nível jurisprudencial a tese de que após a revisão do CP de 1995 e com os esclarecimentos da revisão de 2007, a “honra”, prestígio e confiança das pessoas colectivas são protegidas pelo disposto no art. 187 do CP, respeitando os arts. 180 e 181 às pessoas singulares, pessoas física. (…) Porque se vinha entendendo que a “honra e consideração” são atributos das pessoas singulares, por serem valores eminentemente pessoais e ligados à condição humana, mas porque também havia necessidade de proteger as pessoas colectivas no seu prestígio, a revisão penal de 1995 veio introduzir o art. 187. O legislador autonomizou a protecção dos valores inerentes à pessoa colectiva - credibilidade, prestígio e confiança - e reservou para as pessoas singulares, pessoa humana a previsão dos arts. 180 e 181, onde se consagram e protegem os valores tradicionais da honra e da consideração social que lhes são devidos”.
Neste sentido também a posição de varia jurisprudência superior, de que se destaca nomeadamente, no acórdão da Relação de Coimbra de 12-03-2008 (Relator Alberto Mira), no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02-10-2002, (Relatora Isabel Pais Martins), no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-10-2007 (Relator Artur Oliveira).
Já quanto ao crime imputado com relevância para a situação dos autos dispõe o CPenal

Artigo 187º
Ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva

1 - Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias.
2 - É correspondentemente aplicável o disposto:
a) No artigo 183º; e
b) Nos nºs 1 e 2 do artigo 186º

A teleologia insíta neste artigo, como sustenta o Prof. Figueiredo Dias, Projecto da Comissão de Revisão, 1993, pág. 279 «é criminalizar acções (rumores) não atentatórios da honra, mas sim do crédito, do prestígio ou da confiança de uma determinada pessoa colectiva, valores que não se incluem, em rigor, no bem jurídico protegido pela difamação ou pela injúria».
O tipo objectivo de ilícito comporta os seguintes elementos essenciais:
a)  afirmação ou propalação de factos inverídicos;
b)  que aqueles precisos factos se mostrem capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança da pessoa colectiva, corporação, organismo ou serviço;
c)  deve o agente da infracção não ter fundamento para em boa-fé, reputar verdadeiros os factos inverídicos.
O bem jurídico protegido pela incriminação é o bom-nome do organismo, serviço ou pessoa colectiva, instituição ou corporação.
O bem jurídico protegido não é, portanto, a honra, enquanto interesse essencialmente intrínseco e inerente à dignidade da pessoa, mas antes a credibilidade dos entes aí previstos. (cfr. neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04 de Maio de 2011, disponível in www.dgsi.pt).
O tipo objectivo do ilícito previsto no artigo 187º do Código Penal consiste na difusão de factos inverídicos sobre organismo, serviço, ou pessoa colectiva que sejam susceptíveis de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança destas entidades, não tendo o agente fundamento para, em boa-fé, reputar tais factos como verdadeiros.
No que concerne ao primeiro elemento do tipo objectivo (afirmação ou propalação de factos inverídicos) e contrariamente ao que sucede nos crimes de difamação e de injúria, o crime do artº 187º apenas contempla a afirmação ou prolação de factos inverídicos e já não a formulação de juízos ofensivos da credibilidade, do prestígio ou da confiança das entidades.
Com feito, se, relativamente a pessoa singular, em sede de difamação ou de injúria, tanto importa fazer uma imputação desonrosa de um facto como formular um juízo, de igual sorte desonroso, já no âmbito da ofensa a pessoa colectiva, apenas releva a imputação de factos.
De salientar que a noção de facto “traduz-se naquilo que é ou acontece, na medida em que se considera como um dado real da experiência. Assume-se, por  conseguinte, como um juízo de afirmação sobre a realidade exterior, como um juízo de existência. (…) Um facto é, pois, um elemento da realidade, traduzível na alteração dessa mesma realidade, cuja existência é incontestável (…)” (vide Faria Costa, in op. cit., págs. 680 e 681).
Um facto é, portanto, um juízo de existência ou de realidade.
No que concerne aos factos inverídicos, importa fazer a necessária destrinça entre factos falsos e factos inverídicos. Na verdade, como faz notar o mesmo Autor, a falsidade tem neste contexto um valor de uso, uma carga de desvalor, de negação, que o emprego de inverídico não acarreta. De resto, o universo dos candidatos abarcados pela noção de inverídico mostra-se mais extenso do que o que circunscreve a própria falsidade.
Assim, para o preenchimento do tipo objectivo de ilícito, necessário se torna, desde logo, que os factos afirmados e ou propalados sejam inverídicos, ficando de fora “a afirmação ou propalação de factos verídicos, susceptíveis de ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a confiança” (vide Conselheiro O. Mendes, in O Direito à Honra e A Sua Tutela Penal, pág. 115, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12 de Maio de 2010 e ainda Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-02-2019 supra aludido, in www.dgsi.pt).
Saliente-se que determinado     facto pode, por ter essa natureza, ser declarado falso ou verdadeiro mas diversamente o juízo, por sua vez, traduz não uma apreciação acerca da existência de uma ideia ou de uma coisa mas sim ao seu valor, ao grau de êxito dessa ideia, coisa ou facto, se valorados em função do fim prosseguido, neste sentido Faria Costa, ob. cit. ibidem.
Em conformidade existe a imputação de um facto quando alguém diz a outrem que A bateu em B em determinado local e tempo, pelo que se narra apenas um acontecimento situado no espaço e no tempo.
Porém, já será a formulação de um juízo quando alguém diz a outrem que A bateu em B por revelar ser pessoa incapaz de resolver as questões a não ser através da força formulando-se um juízo sobre o carácter e a (in)capacidade do A para resolver as questões de forma socialmente adequada.
Por sua vez e concordando com Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 509), quanto ao segundo elemento que compõe o tipo objectivo de ilícito impõe que os factos inverídicos sejam idóneos a ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança da pessoa colectiva, organismo ou serviço; importando salientar que o tipo de ilícito não exige a ofensa do bom-nome da entidade, sendo suficiente o perigo dessa ofensa ocorrer, em virtude de uma conduta do agente com a potencialidade adequada para causar esse dano.
A credibilidade de uma instituição como refere Faria Costa, in op. cit. pág. 681, afere-se pelo comportamento cumpridor, diligente e pontual, mas sobretudo pela sua conduta séria revelada na actuação dos seus órgãos e membros; sendo o prestígio demonstrado pela imposição da pessoa colectiva no seu domínio específico da sua actuação, perante instituições congéneres e, por isso mesmo, perante a própria comunidade que serve e que a envolve; mostrando-se uma instituição digna de confiança quando pela sua génese e actuações posteriores se apresenta, paradigmaticamente, como entidade depositária daquele mínimo de solidez de uma moral social que faz com que a comunidade a veja como entidade em quem se pode confiar.
Por fim, e como terceiro requisito em relação ao elemento objectivo é necessário que o agente ao afirmar ou propalar factos inverídicos o faça sem ter fundamento para, em boa-fé, os reputar verdadeiros.
Mais uma vez e nesta matéria citando Faria Costa na op.cit, não é necessário, para que se verifique preenchido este elemento típico, que o agente tenha conhecimento do carácter não verídico dos factos, bastando que não tenha fundamento para, em boa-fé, os reputar verdadeiros. Contudo, se existir o conhecimento da inveracidade da imputação, o crime será perpetrado na sua  forma agravada prevista nos artigos 187º, nº 2 e 183, nº 1 alínea b), ambos do Código Penal.
Impõe-se, portanto, que o agente actue sem fundamento para, em boa-fé, reputar verdadeiros os factos que afirma ou propala, isto é, que não tenha razões sérias para aceitar o facto ou factos imputados como verdadeiros; não cabendo, pois, ao agente fazer prova da existência da “boa-fé”, uma vez que a inexistência desta é elemento constitutivo do crime”.
Por fim, e quanto ao elemento subjectivo do crime em causa, o crime é doloso, bastando, para imputação subjectiva, o mero dolo eventual, como resulta da conjugação do artigo 14º com o artigo 187º nº 1, ambos do Código Penal.
Voltando ao caso concreto, e para evitar repetições, desde já se conhece de todas as afirmações feitas pelas arguidas (mesmo da não requerente CC nos termos que se referirá adiante) verifica-se que:
Em relação à arguida AA:
A Assistente imputa-lhe o facto de nas circunstâncias em que ocorreu a sua intervenção na “conversa”, ofensiva do bom nome da denunciante, publicou toda a informação acerca da sociedade, nomeadamente o nome dos seus sócios, estado civil, nome dos cônjuges, como quem diz “vejam lá quem são eles”:
SÓCIOS E QUOTAS:
QUOTA: 2.000,00 Euros
TITULAR: FF
NIF/NIPA: ...25
Estado civil: ... (a)
Nome do cônjuge: MM
Regime de bens: comunhão de adquiridos
Residência/sede: Rua ...  ... ...
QUOTA: 2.000,00 Euros
TITULAR: HH
NIF7NIPC: ...24
Estado civil: ... (a)
Residência/Sede: Rua ... ... ...
QUOTA: 1.000,00 Euros
TITULAR: II
NIF/NIPA: ...93
Estado civil: ... (a)
Residência/Sede: Rua ... ...
Neste contexto a intervenção da arguida AA os factos que lhe são imputados e em autoria singular (a assistente em sede de acusação não imputa à arguida a comparticipação no crime, em co-autoria, pois não se alega uma actuação em comunhão de esforços e de intentos). Imputa-se a cada arguida a prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva, e não a comparticipação pelo que os factos descritos em relação à mesma, ter junto a completa identificação da Assistente e legais representantes mão implica a difusão de factos que por si são susceptíveis de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança devidos à Assistente.
Na verdade, a arguida AA na qualidade de Agente de Execução tem conhecimento de factos relativos à execução de diligências de penhoras e apreensão bens e o elemento por si junto está livremente acessível e não relata qualquer facto concreto e determinado que ponha em causa o bom nome, a competência da Assistente pelo que não existe qualquer elemento que aponte para a sua actuação dolosa, em qualquer modalidade de dolo, e muito menos que tivesse consciência da falsidade de qualquer imputação.
Em relação à arguida BB a Assistente imputa-lhe:
Já ouvi falar mal! Metem faixas amarelas à FBI
É uma tristeza ao que deixaram isto chegar.
Os colegas que se metem nisto, devem ficar tão chocados, ao que parece não passam da primeira diligência.
DD se a colega andar pelo site, verá que eles têm homens vestidos de azul, letras brancas com dizeres Diligência Judicial.
Até sinais de trânsito.
É uma autêntica vergonha!
Ao que sei há uma queixa formalizada, ao que parece não chega.
DD, costuma estar!
Infelizmente
Mas estando ou não isto não se faz!
Esta profissão está completamente abandonada. Os Agentes de Execução idóneos, espero que muitos estão sem trabalho! Espero que muitos idóneos tenham trabalho.
DD, na minha modesta opinião, o seu amigo deveria dirigir-se à Polícia Judiciária!
Ou uma queixa no Ministério Público. A OSAE , não pode fazer muito! A Caaj também não.
            Apreciando a situação concreta, e dos comentários efectuados e imputados à arguida BB de ter dito: “ Já ouvi falar mal! “ da Assistente esta arguida não concretiza que mal … pelo que não há uma concretização mas uma insinuação abstracta que não é nenhum facto . Já em todo o caso confirma-se a existências de várias queixas que envolvem a Assistente, como a informação de fls. 663 dai que não seja falso ou que não tivesse razões objectivas para tal, de que alguém fala mal da Assistente, no caso os queixosos; Em relação ao facto de a Assistente nas diligências de apreensão, de penhora ou de arresto ou de outro tipo usarem faixas amarelas à FBI, comprova-se a sua veracidade, como se atesta da prova documental realizada em sede de instrução de fls. 644 ss, os funcionários usam em diligências de apreensão e de remoção de bens faixas escritas no vestuário “diligência judicial“ e sinalizam nas via de trânsito onde se encontra o veículo a carregar os bens apreendidos para transporte com placas de “ diligência judicial”;
Por outro lado, a arguida emite um comentário, juízo de valor, uma opinião e que não constitui qualquer facto quando refere que é uma tristeza ao que deixaram isto chegar e que os colegas que se metem nisto, devem ficar tão chocados, ao que parece não passam da primeira diligência querendo com isto dizer que é o agente de execução que deve dirigir a diligência em causa e não os funcionários da Assistente pelo modo como se apresentam e como desenvolvem a diligência . tratando-se de uma opinião e não de um facto igualmente tal comentário está fora do crime imputado e do dolo do mesmo.
Imputa-se ainda a BB        ter dito parece que ouve (sic) mortos e tudo!!! E os detectores de metais, infra vermelhos e armas… há um ano que aconteceu aqui, e ninguém na população esqueceu… ainda hoje me pergunto: como é que é possível???
Mais uma vez se refere que se trata de uma opinião um comentário da intervenção dos colaboradores da Assistente e não a afirmação de uma situação real e verdadeira, pois a afirmação é feita de modo duvidoso , não se trata de afirmação de um facto . A arguida acha que os funcionários da Assistente na diligência em causa terão tido uma intervenção “ musculada” tendo a ideia que houve violência (não sabe se mortos) e que terão sido utlizados detectores de metais e infravermelhos e armas sendo que dos elementos reunidos nos autos em sede de inquérito e de instrução não existe qualquer depoimento que aponte que tais afirmações são falsas – depoimento de NN de fls. 66 aliás alude a considerações e juízos de valor, portanto opiniões e não factos que não correspondem à verdade, não relata factos falsos; também OO colaboradora da Assistente a fls. 487 apenas confirmou que os comentários feitos em sede de Facebook são de fontes restritas e pertencem a um grupo de agentes de execução - pelo que continua a existir uma ausência de prova para consciência de falsidade das informações e portanto da conduta dolosa;
Também em relação à afirmação da arguida BB de que não passam da 1.ª diligência??? Se fossem correctos, nem permitiam que a 1.ª se fizesse, e comunicavam às autoridades!!! Ponto. Criminoso não é só quem actua, é quem deixa actuar. Desculpem-me mas esse profissional, terei sempre vergonha de chamar colega…, mais uma vez não se trata de qualquer facto mas um juizo de valor, uma opinião da arguida quando considera que são os agentes de execução que se devem impor na direcção da diligência judicial, e não deixar os funcionários ou colaboradores da Assistente a imporem e ditarem o seu modo de realização, pelo que não se estando perante um facto, não integra o crime em causa, nem respectivo dolo.
Já em relação à circunstância de ter sugerido à sua cliente a PJ ou o MP, e principalmente fazer queixa da AE, que um insecto pequenino já a informou que a investigação já existe… igualmente não se trata da propalação de factos, mas sim aconselhamento jurídico de a existirem determinadas anomalias na diligência em face da possível    intervenção “ musculada “ dos funcionários da Assistente (que não relata que tenha acontecido qualquer facto determinado) e em face da inercia do próprio Agente de execução que não se impõe nem adopta poderes de direcção, a arguida terá aconselhado a queixa contra este pelo não existe crime, nem dolo;  
Já em relação à arguida CC os comentários que a mesma terá feito como:
«JJ de : os helicópteros é o menos… Eu já tive uma situação com um cliente, e já soube de outros… e só adianto que a sorte da AE que estava na diligência foi eu não poder sair do escritório, e à hora da penhora não saber a realidade que se estava a passar, senão… não consigo perceber que haja quem se preste a TUDO!!! Mas tenho esperança que se as entidades policiais e da justiça actuem…»
Mais uma vez existe um juízo de valor sobre a actuação do Agente de Execução que não se impõe na diligência, sendo que em relação ao facto de terem um helicóptero – não se constata que seja facto falso , pois tal veículo pode ser indispensável para apurar a existência de bens dos executados por exemplo numa quinta ou herdade com grande dimensão geográfica - a afirmação não põe em causa a credibilidade e bom nome da Assistente antes pelo contrario é um elogio dispor de tais meios …
A arguida efectua um comentário de “Vocês não estão mesmo a ver nem a imaginar… ele nem abria a boca… até a parte do Acordo… não me vou adiantar, porque sinceramente acho repugnante.” Mais uma vez não se trata de um facto mas de uma opinião um juizo de valor de critica ao modo de actuação do agente de execução que não se consegue impor ao dirigir a diligência e deixando os colaboradores , empregados da Assistente a imporem-se com vista à obtenção de um acordo . Não é um facto mas um juizo de valor está fora do crime em causa e do dolo.
Em relação à arguida DD a Assistente imputa-lhe os comentários de:
«DD se a colega andar pelo site, verá que eles têm homens vestidos de azul, letras brancas com dizeres Diligência Judicial.
Até sinais de trânsito.
É uma autêntica vergonha!
Ao que sei há uma queixa formalizada, ao que parece não chega.
DD, costuma estar!
Infelizmente
Mas estando ou não isto não se faz!
Esta profissão está completamente abandonada. Os Agentes de Execução idóneos, espero que muitos estão sem trabalho!
Espero que muitos idóneos tenham trabalho.
DD, na minha modesta opinião, o seu amigo deveria dirigir-se à Polícia Judiciária!
Ou uma queixa no Ministério Público. A OSAE, não pode fazer muito! A Caaj também não.
DD uma outra cliente minha até ameaças recebia de
madrugada, foi até ter uma depressão… e ter se passado de vez… resuttado: menos um camião na frota da empresa maravilha!!!
Pois… Imagino… esta minha cliente só me contou porque viu o aparato o ano passado à porta da outra minha cliente… porque as pessoas depois do medo, nem querem falar, pois não querem reviver tudo outra vez… e só se safa disto quem luta por fora da justiça, ou seja com as mesmas armas…
DD sim, tudo é um luxo… aliás quando vejo as séries americanas… e os camiões, por vezes não são adquiridos, são… “adjudicados”… e não me contaram, eu é que fixo matrículas, e fui indagar o que tinha acontecido… aí percebi isto não é abuso, etc… é uma máfia portuguesa… acredito que a PJ não resolva, mas pelo menos os profissionais que fossem postos sem cédula, era só isso que achava justo. Se querem se vender, vendam o corpo na EN1.
DD o problema é mesmo esse, na maioria as pessoas nada devem… entram em injunções, os executados não se opõe [sic] e vai tudo à frente… Está em fase de recurso? Mas a execução?
Eu estou estupefacta com isto.
Tomei conhecimento desta empresa agora mesmo, através de um amigo que é executado num processo, em que esta empresa é a exequente, porque comprou o crédito.
Esse meu amigo sabe que eles entram de forma agressiva, com meios de transporte e polícia e levam tudo à frente.
A minha dúvida é, será que têm despacho para auxílio de força pública? Ou são polícias falsos? Na diligência está algum AE? Existem colegas que fazem isto?
Também em parece a melhor solução. E fazer queixa antes que lá apareçam, uma vez que está a ser ameaçado antes do processo executivo ter entrado».
Apreciando, mais uma vez os comentários da arguida DD inserem-se essencialmente numa apreciação critica da postura passiva dos respectivos agentes de execução que em diligência por si dirigida , permitem abusos por parte dos colaboradores e empregados da Assistente , de modo a serem estes que verdadeiramente se impõe seja nas tentativas de chegarem a acordo , para pagamento e deste modo evitando a remoção dos bens ou de parte deles ; seja nos meios que usam , como vestuário onde consta dizeres como diligência judicial , sinais de transito , quando devia a ser o próprio agente de execução que no local devia autorizar ou permitir ou obter autorização judicial para o efeito ; na verdade, as fotografias de fls. 664 a 662 evidencia-se todo um conjunto de meios utilizados pela Assistente – cópias de fotografias retiradas do site da Assistente – a utilização de meios como usarem vestuário onde consta “ diligência judicial” – fls. 644, 652 a 655; “ sinal de trânsito” colocado na estrada pública a fls. 658 e 659 e 660/662.
Em relação aos comentários de a Assistente utilizar meios de intimidação ou de certa violência psicológica em diligências diligencias judiciais de apreensão de bens ou de outro tipo, mais uma vez acentua-se que a apreciação da arguida vai numa  critica dirigida ao agente de execução que se limita a assistir e não se impõe e ao não fazer nada que o impeça , deveria ser “castigado” profissionalmente, com processo disciplinar , devia ficar “sem cédula” e a arguida aconselha pessoas suas conhecidas que lhe relatam situações de tal tipo a queixarem-se a quem de direito , ao MP , à PJ ou à entidade administrativa que superintende a actuação dos AEs; Acresce que da prova documental recolhida nesta fase de instrução existem indícios suficientes da existência de várias queixas crime e de outro tipo contra a Assistente: - a fls. 663 ss em noticia do Correio da Manhã, alude-se que a “Ordem de Solicitadores condena a actuação da Assistente”, pois a empresa de recuperação de crédito B..., Ldª está a ser alvo de várias queixas que já deram origem à abertura de inquéritos na Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução; a fls. 664 também no mesmo jornal refere-se “Impunidade. Empresas de cobranças prosseguem actividade violenta“ referindo-se que empresas de recuperação de crédito de FF e PP - onde se inclui a Assistente -          se encontram a ser investigadas pela PJ, por vários arrestos violentos no entanto continuam a protagonizar penhoras ilegais; ainda a noticia de fls. 665 que acentua as queixas de ofensas à integridade física e associação criminosa de diligências judicias de apreensão ou remoção de bens ou de outro tipo;
Foram ainda solicitados a vários OPCs, como Policia judiciárias, Policia de Segurança Pública, e GNR, informação sobre inquéritos crime pendentes em que a Assistente, e respectivos legais representantes figuram como denunciados ou arguidos, e apesar da limitação de alguns elementos fornecidos em virtude do segredo de justiça, obteve-se a informação seguinte: Da Policia Judiciária – fls. 725 verso que se alude a crime de burla qualificada imputado; embora também tenham sido junto elementos que informam que a Assistente também é queixosa em vários processos – cfr. fls. 730 a 735; ainda a queixa crime contra a Assistente de fls. 741 a 760, ainda a queixa contra a Assistente de fls. 774 a 780;
Em sede de instrução foi ainda inquirida EE, advogada e que obteve a            autorização em conformidade com fls. 804  ss e que esteve em diligências judiciais de penhora de bens ou de outro tipo e que presenciou as atitudes dos legais representantes da Assistente, na localidade do distrito de Setubal e que os repectivos agentes de execução se revelaram bastantes passivos, e foi o legal representante da Assistente, o sr. PP que “ tomou conta da diligência”, e chegando mesmo a dizer que queriam dinheiro ou levavam tudo“, mas tal foi proferido em tom que considera intimidatório pois foi dito “aos berros” e na altura a testemunha quis falar com o Agente de Execução e não conseguiu e o único interlocutor da diligência era o legal representante da Assistente.
Embora a Assistente tenha junto aos autos cópia de diversos autos de penhora em que foram intervenientes elementos da Assistente, e nelas conste a realização de alguns pagamentos parciais de quantias exequendas e nada se ateste de concreto pelos agentes de execução designadamente de actos de violência, o que é certo é que os mesmos não permitem concluir que as posturas comportamentais, de “berros“ ou “gritos“ por parte dos legais representantes da Assistente e na presença dos Agentes de Execução não tenham existido e portante seja falsa tal realidade não se indiciando qualquer crime ou dolo nesse sentido.
Cumpre ainda referir que as arguidas DD e AA foram interrogadas em sede de instrução e negaram a prática dos factos.
Evidencia-se, pois que se imputa às quatro arguidas as mesmas terem propalado factos que põe em causa a credibilidade, bom nome da Assistente, mas a prova reunida em sede de inquérito em conjugação com a prova de inquérito  aponta de não terem sido recolhidos indícios suficientes de as arguida terem praticado tais factos e correspondentemente tal crime.
Como já bem referiu a Digna Magistrada do MP em sede de inquérito, o legal representante da Assistente apesar de notificado para o efeito não veio a prestar declarações         e o mesmo sucedeu em instrução não tendo comparecido a qualquer diligência, o que inequivocamente aponta no sentido de desinteresse do destino do processo.
Acresce que a Assistente em sede de Acusação particular utiliza um terminologia própria da atitude das arguidas que alude em “um chorrilho de comentários“, portanto alude expressamente a juízos de critica e de valores e não a factos em si mesmos, pelo que, logo ai se verifica que a postura das arguidas está fora do elemento objectivo do crime previsto no artº 187º do CPenal.
Por fim, o comportamento das arguidas tem de ser visto pelo contexto do principio e direito fundamental da liberdade de expressão em relação a temas de relevante interesse social, como são dos deveres dos agentes de execução no cumprimento da lei em sede de execução de diligências judiciais.
No conflito entre o direito de liberdade de expressão e/ou informação e o direito à honra e ao bom nome, ou credibilidade , prestigio ou confiança não obstante merecerem dignidade constitucional, tem-se entendido que o primeiro, devido às restrições e limites a que está sujeito, não poderá atentar contra o bom nome, reputação de outrem, ou credibilidade, salvo se estiver em causa um relevante interesse público que se sobreponha àqueles, devendo, neste caso, a informação veiculada se cingir à estrita verdade dos factos.
Também o artigo 10º da Convenção de Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH), garante o direito à liberdade de expressão estatuindo que “toda a pessoa tem direito à liberdade de expressão” que “compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de comunicar informações ou ideias sem que possa haver ingerência de autoridades públicas”.
A liberdade de expressão, consagrada no citado artigo 10º do CEDH, tem sido densificado de forma muito relevante pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) pois o pluralismo de ideias e opiniões livremente expressas, constitui um direito essencial cuja protecção é condição para a existência de uma  democracia pluralista necessária ao desenvolvimento do homem e ao progresso da sociedade.
A opinião veicula, em regra, uma convicção, uma apreciação ou um ponto de vista, e pode ser integrada por juízos directos e juízos de valor, estando a liberdade de opinião intrinsecamente ligada à liberdade de informação.
O direito de expressão consiste, portanto, no direito de manifestar e divulgar, livremente, o pensamento, enquanto o direito de informação tem um âmbito normativo mais extenso, englobando opiniões ideias, pontos de vista ou juízos de valor sobre qualquer assunto ou matéria, quaisquer que sejam as finalidades, não pressupondo um dever de verdade perante os factos.
No caso concreto os ditos comentários das arguidas foram levados no contexto de situação profissional e circulo de elementos que integram a ocupação profissional de Agentes de Execução, a qual revela ser uma ocupação de interesse pública e cujos direitos e deveres se encontram defendidos em estatutos próprios existindo uma ampla regulamentação sendo que os comentários das arguidas foram feitos através de um meio de acesso restrito, ainda que no Facebook, - como referiu a própria colaboradora da Assistente OO        a fls. 487      os comentários feitos em sede de Facebook são de fontes restritas e pertencem a um grupo de agentes de execução - e tiveram essencialmente em vista criticar a postura omissiva e bastante passiva dos respectivos Agentes de Execução que em diligências judiciais de apreensão de bens ou de outro tipo, não tomam a postura no sentido de a mesma decorrer sem excessos, designadamente pelos colaboradores e legal representantes da Assistente em face das condutas com certa violência que adoptam, e que no fundo assumem para si, os poderes de direcção da mesma em contrário do estabelecido na lei e no Direito, inserindo-se numa postura essencialmente critica de comportamentos e atitudes. Note-se que nenhuma das arguidas, em qualquer dos relatos que efectua, não alude a uma concreta atitude, no espaço e no tempo, de uma concreta diligência judicial em que tenha estado elementos da Assistente e de  concretos comportamentos        adoptados, antes insinuações muito genéricas e abstractas de situações que envolvem a Assistente, e como tal , mais uma vez se reafirma , estando perante juizo de valores e não factos.
Em todo o caso, não se comprova que o afirmado pelas arguidas seja falso ou que as mesmas não tinham motivos sérios para acreditar na sua veracidade, em face das informações dos meios de comunicação em relação a comportamentos da Assistente, retratados em jornais e em canal de televisão como a RTP.
*
Conforme já referido este tribunal irá conhecer também da parte da acusação particular em relação à arguida CC.
Também neste sentido os Acórdãos da Rc1ação de Coimbra de 9.5.l990 e de 28/11/1991, in C.J XVI, 5, 95 “Havendo instrução, o Juiz que a ela presidiu deve proferir despacho de pronúncia em relação a todos os arguidos, mesmo que só um ou algum deles a tenham requerido”.
Note-se porém e como bem refere Pedro Albergaria, Comentário Judiciário do Código Processo Penal, Tomo III. P1292, o juiz de instrução deve por principio apreciar a posição do arguido ou arguidos requerentes e só concluindo que o resultado dessa apreciação afecta a subsistência da imputação dirigida a arguido não requerente deverá dela retirar as necessárias consequências.
No caso concreto o Assistente deduziu acusação contra as quatro arguidas imputando a cada uma um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva agravadas, p. e p. nos arts. 187º, e 183º do Código Penal.
Ora e na sequência da argumentação jurídica expendida e em face dos elementos de prova reunidos nos autos, e não disponíveis em inquérito, entendeu este tribunal que a Assistente na qualidade de pessoa colectiva não é susceptivel de ser objecto de crime de difamação mas apenas do crime previsto no artº 187º do CPP , sendo que todo o teor do relatado pelas arguidas em sede de acusação particular levou à conclusão de que se está perante juízos de valores , e não de factos e como tal que não integram o crime previsto no artº 187º e em face da prova documental obtida e testemunhal o relatado pelas quatro arguidas – onde se inclui a arguida CC não requerente e que a afecta directamente - não se indicia que seja falso ou que as mesmas não tivessem motivo sério para os reputar como verdadeiros pelo que igualmente em relação a esta ultima arguida será proferido despacho de não pronúncia.
Em relação á arguida CC mesmo que não requerente e apesar da natureza facultativa desta e por ter sido produzida prova em sede de instrução de modo directo em relação à mesma faz operar o disposto no artº 307º, nº 4 do CPP segundo o qual : A circunstância de ter sido requerida apenas por um dos arguidos não prejudica o dever de o juiz retirar da instrução as consequências legalmente impostas a todos os arguidos.”
Neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de justiça de 13-04-2009 acessivel in www.dgsi.pt sendo que em relação aos arguidos não requerentes e que se encontram acusados em principio o despacho de pronúncia é meramente declarativo mas já não na parte em que a decisão instrutória é o resultado de o tribunal ter de intervir por causa do disposto no artº 307º, nº 4 do CPP como sucede no caso concreto.
*
Já em relação ao facto de a arguida AA pelos factos alegados em sede de artºs 40º a 57º do RAI formular pedido de indemnização contra a Assistente e que aqui se reproduz no valor de 25 000 euros pela prática de crime de injúria, indefere-se tal pretensão por falta de cabimento legal , pois a mesma não resulta que tenha apresentado queixa crime por tais factos e não sendo admissível em sede de processo criminal “reconvenção“, nos termos formulados.
No caso concreto, a ponderação dos elementos de prova indiciária constantes dos autos apontam no sentido de se considerar mais provável, ou altamente provável, a absolvição das arguidas do que a sua condenação o que não justifica a sua submissão a julgamento pelo alegado em sede de acusação particular – cfr. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 1974, p. 133.

4. Decisão
Pelo exposto, declaro encerrada a instrução e decido:
4.1. Não pronunciar as arguidas:
1.ª) AA, agente de execução, titular da cédula profissional nº ...69, com domicílio profissional no Largo ..., ... ....
2.ª) BB, agente de execução, titular da cédula profissional nº ...56, com domicílio profissional na Rua ..., ... ....
3.ª) CC, agente de execução, titular da cédula profissional nº ...70, com domicílio profissional na Rua ..., Loja ..., ... ....
4ª) DD, agente de execução, titular da cédula profissional nº ...96, com domicílio profissional no Largo ..., ... ...
Pelo crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo artº 187º, nos 1 e 2 al- a) do Código Penal, com referência ao artº 183, nos 1, al. a) e 2, ambos do Código Penal, imputado a cada uma, e determinar o arquivamento dos autos;
Custas a cargo da Assistente, pela não pronúncia por crime de natureza particular, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs – artº 515º, nº 1 alinea a) do CPP.
Notifique e após trânsito arquivem-se os autos».


            3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

            3.1. DAS NULIDADES
            A assistente alega que a decisão recorrida é omissa na formulação do «enunciado exaustivo» dos factos considerados indiciados/não indiciados, não explicitando o «exame crítico das provas presentes nos autos».
            Por isso, entende que a decisão está viciada de nulidade decorrente do artigo 283º, nº 3, aplicável ex vi do artigo 308º, nº 2, ambos do CPP.
            De facto, este último normativo estipula que é correspondentemente aplicável ao despacho de não pronúncia (o caso dos autos) o disposto nos nºs 2, 3 e 4 do artigo 283º, sem prejuízo do disposto na segunda parte do nº 1 do artigo 307º do CPP.
Ora, esses nºs 2, 3 e 4 do artigo 283º (acusação pelo MP) rezam assim [esclarecendo-se que apenas poderá estar em causa o nº 3, alínea b)]:
2 - Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
3 - A acusação contém, sob pena de nulidade:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
c) As circunstâncias relevantes para a atenuação especial da pena que deve ser aplicada ao arguido ou para a dispensa da pena em que este deve ser condenado;
d) A indicação das disposições legais aplicáveis;
e) O rol com o máximo de 20 testemunhas, com a respetiva identificação, discriminando-se as que só devam depor sobre os aspetos referidos no nº 2 do artigo 128º, as quais não podem exceder o número de cinco;
f) A indicação dos peritos e consultores técnicos a serem ouvidos em julgamento, com a respectiva identificação;
g) A indicação de outras provas a produzir ou a requerer;
h) A indicação do relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, quando o arguido seja menor, salvo quando não se mostre ainda junto e seja prescindível em função do superior interesse do menor;
i) A data e assinatura.
4 - Em caso de conexão de processos, é deduzida uma só acusação».
            No nosso caso, há uma acusação particular da assistente contra 4 arguidas, 3 das quais vieram requerer a abertura de instrução.
No término da Instrução, o JIC ... proferiu um DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA contra as 4 arguidas (abrangendo também a não requerente da Instrução, nos termos avisados do artigo 307º, nº 4 do CPP – cfr. ainda Assento do STJ nº 1/97, que fixou o dever de conhecer da situação de todos os arguidos que possam ser afectados pela instrução, mesmo que a não tenham requerido, e Acórdão do Tribunal Constitucional nº 226/97, de 12/3, que aferiu a não inconstitucionalidade desta doutrina).
E fê-lo em despacho que a defesa rotula de nula pois não estão enumerados os factos indiciados e não indiciados (em rigor, só haverá não indiciados, face à lógica argumentativa do dito despacho).
            Aqui chegados, há que dizer que há muito que invocamos o entendimento sufragado no Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 13/7/2021, proferido no Pº 5784/18.7T9LSB.L1-5, com relato do hoje Juiz Conselheiro Jorge Gonçalves, com a sageza e clareza a que já nos habituou (convocado também pelo Exmº Procurador da República respondente).
E assim:
            «Está em causa a questão das exigências de fundamentação das decisões instrutórias de não pronúncia.
Sobre esta matéria, conhecem-se diversas posições jurisprudenciais.
Há quem entenda que a falta de fundamentação da decisão instrutória não vem enumerada no catálogo das nulidades absolutas (art. 119º do C.P.P.), nem relativas (art. 120º do C.P.P.), nem é como tal expressamente qualificada em qualquer disposição legal, pelo que configura uma mera irregularidade, sujeita ao regime geral (de arguição e sanação) do artigo 123º do C.P.Penal. Nesta perspectiva, o legislador apenas quis acometer de nulidade a decisão instrutória que represente uma alteração substancial dos factos descritos na acusação pública ou no requerimento para abertura da instrução conducente à pronúncia, face ao previsto no artigo 309º, assim como aquela que, pronunciando, não respeite o registo legal descritivo da acusação, enunciado no artigo 283º, nº 3, mediante remissão do artigo 308º, nº 2, e nada mais. Assim, considerando-se existir deficiência na fundamentação do despacho de pronúncia ou não pronúncia, a mesma consistirá numa irregularidade, sujeita ao regime geral do artigo 123º, devendo ser atempadamente suscitada perante o juiz de instrução, sob pena de se considerar sanada (neste sentido, entre outros, o acórdão da Relação do Porto, de 10/09/2008, Processo 0813142, em www.dgsi.pt como os que venham a ser citados sem diversa indicação).
O acórdão da Relação de Lisboa, de 21/05/2015, processo 2/13.7GFPRT.L1-9, entendeu que a lei não exige a enunciação dos factos indiciados e não indiciados no despacho de não pronúncia, pelo que a omissão de tal enunciação não configura qualquer nulidade, ou mesmo irregularidade.
Outra posição, distinguindo o despacho de pronúncia do despacho de não pronúncia, considera, reportando-se concretamente à não pronúncia, que a falta de fundamentação traduzida na falta de enunciação dos factos que se consideram suficientemente indiciados e aqueles que se consideram não suficientemente indiciados, reconduz-se a uma mera irregularidade, que uns entendem estar dependente de arguição no quadro do artigo 123º, nº1, enquanto outros fazem apelo ao regime do artigo 123º, nº2, do C.P.P. e admitem o conhecimento oficioso (acórdãos da Relação de Guimarães, de 23/10/2017, processo 781/14.4GBGMR.G1, e de 27/05/2019, processo 134/17.2T9TMC.G1).
Há, finalmente, quem entenda que a falta de narração, no despacho de não pronúncia, dos factos considerados suficientemente indiciados e de outros não tidos como indiciados com suficiência, consubstancia nulidade, decorrente do disposto na alínea b) do nº 3 do artigo 283º, reportada ao nº 2 do artigo 308º, ambas as normas do C.P.P., e que tal nulidade, sendo sanável, está dependente de arguição, perante o tribunal a quo (entre outros, o acórdão da Relação de Coimbra, de 16/06/2015, processo 12/11.9GTLRA.C1), em contraponto a quem entenda, diversamente, tratar-se de nulidade de conhecimento oficioso (entre outros, o acórdão da Relação de Évora, de 01/03/2005, processo 1481/04-1).
Conhecendo a controvérsia, entendemos existirem razões para distinguir os casos de despacho de pronúncia com falta de narração dos factos indiciados, dos casos de despacho de não pronúncia deficientemente fundamentado por não conter, ainda que resumidamente, os factos que possibilitaram chegar à conclusão da suficiência ou insuficiência da prova indiciária.
É certo que o artigo 308º, nº2, do C.P.P., prescreve ser «correspondentemente aplicável ao despacho referido no número anterior o disposto no artigo 283º, nº 2, 3 e 4, sem prejuízo do disposto na segunda parte do nº1 do artigo anterior».
Aparentemente, a primeira parte do nº 2 manda aplicar aqueles números do artigo 283º tanto ao despacho de pronúncia como ao de não pronúncia.
Porém, se o conceito de indícios suficientes deve ser aplicável a qualquer destes despachos, o mesmo não acontece necessariamente com os nºs 3 e 4 do artigo 283º, pois referindo-se eles expressamente à acusação, a remissão parece referir-se ao despacho de pronúncia, que é o despacho que com aquela tem afinidades.
A não descrição dos factos acarreta a nulidade, tendo em vista o disposto no artigo 283º, nº 3, alínea b).
Esta nulidade não faz parte do elenco de nulidades descritas nas alíneas a) a f) do artigo 119º do C.P. Penal.
Ainda assim, admitimos que, quando referida a uma acusação ou ao despacho de pronúncia, tal nulidade – por omissão dos factos imputados ao arguido, pelos quais deverá responder em julgamento - seja considerada de conhecimento oficioso, tendo em vista a lógica do sistema.
Realmente, se a falta de narração dos factos na acusação pode ser conhecida oficiosamente, levando à rejeição desta como manifestamente infundada [artigo 311º, nº3, alínea b)], não faria sentido que a falta de factos no despacho de pronúncia não pudesse ser objecto do mesmo tipo de conhecimento em sede de recurso.
Por outras palavras: os casos referidos no nº 3 do artigo 311º que se contêm nas previsões das alíneas do nº 3 do artigo 283º reconduzem-se a uma forma de nulidade “sui generis”, de conhecimento oficioso.
Daí que, tratando-se, no caso, não de um despacho de pronúncia, mas antes de um despacho de não pronúncia, a alegada falta de fundamentação por falta de menção dos factos suficientemente indiciados e não indiciados, não se traduza numa nulidade insanável e de conhecimento oficioso, podendo discutir-se, o que para o presente caso não releva, se é uma nulidade sanável ou uma irregularidade».
Por outro lado, diremos que estamos do lado de quem entende que, no caso de uma não pronúncia sem enumeração devida de factos indiciados e não indiciados, estaremos perante uma mera irregularidade.
Esta Relação de Coimbra decidiu em 22/11/2023 (Pº 3397/20.2T9LRA.C1) que:
«I – O despacho de não pronúncia, enquanto acto decisório, tem que ser fundamentado, devendo especificar os motivos de facto e de direito da decisão, de forma a permitir a sua impugnação e o reexame da causa pelo tribunal de recurso.
II – Quando a decisão de não pronúncia conhecer do mérito da causa a fundamentação deve conter, também, a enumeração dos factos suficientemente indiciados e não indiciados.
III – Ao contrário do que sucede com o despacho de pronúncia, em que a não enunciação dos factos indiciados e não indiciados determina a sua nulidade, a omissão desta enunciação no despacho de não pronúncia constitui mera irregularidade, que pode ser conhecida oficiosamente por aplicação do disposto no nº 2 do artigo 123º do C.P.P.».

Acontece que no nosso caso, não é ostensivo este «pecado» de não enumeração de factos não indiciados.
Ora, se a decisão impugnada não inclui a descrição dos factos não indiciados de forma autonomizada e destacada da discussão dos indícios e, por isso, não cumpre estritamente a exigência de fundamentação de facto, mas se, dada a simplicidade dos acontecimentos descritos na acusação, pode extrair-se do despacho recorrido que o JIC julgou não indiciada a conduta imputada às arguidas na acusação, pois que, ao negar a existência de indícios da prática do crime do artigo 187º do CP por falta de tipicidade, a decisão impugnada indica como não indiciado globalmente o comportamento dos ditas arguidas narrado na acusação particular da assistente, está formal e suficientemente escorreita a estrutura do despacho recorrido.
Assim, consideramos que, embora de modo imperfeito e adoptando procedimento que não se ajusta rigorosamente ao previsto na lei, o despacho recorrido inclui a indicação dos factos não indiciados, que correspondem à narração do núcleo essencial da matéria descrita na acusação, o que nos arreda de qualquer irregularidade (que no caso nunca seria de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 123º, nº 2 do CPP pois esta imperfeição não afecta o valor do acto praticado, assente que, mesmo a considerar-se a existência de uma irregularidade, precludiu o prazo do artigo 123º, nº 1, estando sanado tal eventual vício no momento em que se recorre[2]).
Resulta com suficiente clareza do texto literal da decisão recorrida que o JIC ... entendeu não haver tipicidade no comportamento das 4 arguidas naquele grupo de Facebook, determinando que, apesar dos escritos objectivos em tal página, das suas autorias materiais, os mesmos não revelam factos inverídicos capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança devidos à assistente, não deixando de considerar que muitos dos juízos de valor não passam de meras opiniões pessoais, muitos deles até confirmados em investigações jornalísticas levadas a cabo.
 Indirectamente, acaba o JIC ... por considerar não indiciados todos os factos objectivos e subjectivos que fariam as 4 arguidas autoras materiais do crime em apreço – como bem refere a resposta do MP: «É certo que a enunciação dos factos indiciados e não indiciados e a análise da prova que o sustenta ocorre de forma relativamente dispersa ao longo do despacho recorrido, o que pode, eventualmente, ter dificultado a sua apreensão pela assistente, mas que não a impossibilita nem colide com o formalismo a que deve obedecer a decisão instrutória de não pronúncia, que é o constante do artº 94º do CPP, aplicável ex vi do artº 97º.4 do mesmo diploma legal, com a exigência acrescida de fundamentação, com especificação dos motivos de facto e de direito da decisão, nos termos do nº 5 daquele último normativo. Ora, é com base na prova produzida e nos factos relevantes que dela resultaram demonstrados e não demonstrados que o Mmº Juiz a quo não considerou como suficientemente indiciado que «as quatro arguidas ao proferirem os comentários (…) no Facebook tenham actuado com o fim de ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança que goza a assistente na sociedade e que tenham consciência da falsidade de tais afirmações, bem como tenham actuado de modo livre, deliberado e consciente e que tais factos eram proibidos por lei» e, a partir desta conclusão, a da não verificação do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, com a consequente prolação de despacho de não pronúncia – e com acerto».
A assistente percebeu bem o que foi decidido e recorreu de forma suficientemente esclarecida, sem invocar, sequer, qualquer patente nebulosidade na decisão recorrida.
Como tal, indefere-se a requerida nulidade, tida por inexistente, assente ainda que a decisão recorrida é exaustiva nas razões pelas quais não pronuncia as 4 arguidas, estando muito longe de ser considerada imotivada ou não fundamentada.

3.2. O JUÍZO INDICIÁRIO DA INSTRUÇÃO
           
            3.2.1. O juízo indiciário que se exige em sede instrutória está longe de se confundir com a certeza da culpa do agente do crime em sede de julgamento.
A INSTRUÇÃO é, de facto, uma fase processual jurisdicional e facultativa que compreende a prática dos actos necessários que permitam ao juiz de instrução proferir a decisão final (decisão instrutória) de submeter ou não a causa a julgamento.
O JIC não tem intrínsecas funções investigatórias em sentido técnico-jurídico, sendo antes o seu mister o de comprovar de forma chancelar – porque jurisdicional - uma investigação que foi feita previamente por quem é titular da acção penal.
Deste modo, o artigo 288º, nº 4 do CPP estipula que: «O juiz investiga autonomamente o caso submetido a instrução, tendo em conta a indicação, constante do requerimento da abertura de instrução, a que se refere o nº 2 do artigo anterior
Essa liberdade de investigação (mesmo oficiosa), que é reafirmada na primeira parte do nº 1 do artigo 289º, não é absoluta, estando limitada pelo objecto da acusação.
Vários doutrinadores já se têm pronunciado sobre esta «investigação» levada a cabo na fase instrutória de um processo penal.
Germano Marques da Silva opina que (Curso de Processo Penal, 2.ª edição, 2000, p. 132): «Porque, porém, se trata de fase jurisdicional, a estrutura acusatória do processo e o inerente princípio da acusação limitam a liberdade de investigação ao próprio objecto da acusação».
            Anabela Miranda Rodrigues (“O inquérito no Novo Código de Processo Penal, in Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, Almedina, 1988, p. 77) salienta, no mesmo sentido, «que se pretendeu realizar a máxima acusatoriedade possível: por um lado, sendo embora a instrução uma fase em que vigora o princípio da investigação, a autonomia do juiz não significa que tenha poderes conformadores da acusação; por outro lado, é exactamente a acusação que determina o objecto do processo».
A importância da fixação do objecto da instrução prende-se directamente, por um lado, com a estrutura acusatória do processo penal português, embora mitigada pelo princípio da investigação judicial (cf. artigo 289º, nº 1, do CPP, na fase da instrução) e, por outro, com a necessidade de assegurar todas as garantias de defesa (artigo 32º nº 1 e 5 da CRP).
             Repete-se - a fase da instrução, em processo penal, visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não uma causa a julgamento - art. 286º, nº1 do CPP -, no sentido de que não se está perante um novo inquérito, mas apenas perante um momento processual de comprovação.
A pronúncia só deve ter lugar quando tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente - artigos 283º e 308º, nº 1 do CPP.
Já na decisão instrutória de não pronúncia, o juiz decide que os autos não estão em condições de prosseguir para a fase de julgamento, por não se verificarem os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança criminais.
Adianta o art. 308º, nº 1 do CPP:
“Se até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”.
Por seu lado, o artigo 283º, nº2 do mesmo diploma - aplicável por força do disposto no nº 2 do art. 308º - estipula que “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança”.
Ora, o que se entende, nesta sede, por “indícios suficientes”?
Tem-se tal entendido como a verificação suficiente de um conjunto de factos que, relacionados e conjugados, componham a convicção de que, com a discussão ampla em julgamento, se poderão vir a provar - com um juízo de certeza e não de mera probabilidade - os elementos constitutivos da infracção por que os agentes virão a responder – Acórdão do STJ de 10/12/1992 (pr. nº 427747, consultado em http://www.dgsi.pt).
O Professor Figueiredo Dias doutrina que “os indícios só serão suficientes e a prova bastante, quando, em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável do que absolvição. (…) (…) na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final, só que a instrução preparatória (e até a contraditória) não mobiliza os mesmos elementos probatórios que estarão ao dispor do juiz na fase de julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a acusação” (Direito Processual Penal, pág. 133-134).
Indícios, no sentido da expressão contida no artigo 308º do CPP, são, assim, vestígios, presunções, suspeitas, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer de que há crime e que o responsável pela sua prática é o arguido, não sendo necessário para a pronúncia uma certeza da existência da infracção, juízo que se guarda como imprescindível para a convicção do juiz do julgamento – basta-se a lei e a doutrina dominante com um grau de suficiência e quantidade de indícios, de forma a que, todos relacionados e conjugados entre si, constituam um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é criminalmente imputado.
De facto, para a pronúncia ou para a acusação, a lei não exige a prova, no sentido da certeza moral da existência do crime, bastando-se com a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência.
Sem esquecer que no juízo de quem pronuncia, tem de estar presente a defesa da dignidade da pessoa humana, nomeadamente a necessidade da sua protecção contra intromissões abusivas na sua esfera de direitos, aqui se invocando preceitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, com incidência constitucional entre nós, tem sido entendido que esta possibilidade razoável de condenação é um possibilidade mais positiva do que negativa - o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido.
Ou seja, os indícios são suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido ou pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.
Traçando o limite de distinção entre o juízo de probabilidade e o juízo de certeza processualmente relevante, o que distingue fundamentalmente o juízo de probabilidade do juízo de certeza é a confiança que nele podemos depositar e não o grau de exigência que nele está pressuposta.
O juízo de probabilidade não dispensa o juízo de certeza porque, para condenar uma pessoa, o conceito de justiça num Estado de direito exige que a convicção se forme com base na produção concentrada das provas numa audiência, com respeito pelos princípios da publicidade, do contraditório, da oralidade e da imediação. Garantias essas que não é possível satisfazer no fim de uma fase preparatória como é a INSTRUÇÃO.
Tal significa que na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida para o julgamento final, mas apreciada em face dos elementos probatórios e de convicção constantes do inquérito (e da instrução) que, pela sua natureza, poderão eventualmente permitir um juízo de convicção que não venha a ser confirmado em julgamento.
Veja-se, no entanto, que se logo a este nível do juízo, no plano dos factos, se não puder antever a probabilidade de futura condenação, os indícios não devem ser considerados suficientes, não havendo prova bastante para a pronúncia.
Tal juízo sobre a suficiência dos indícios, feito com base na avaliação dos factos, na interpretação das suas intrínsecas correlações e na ponderação sobre a consistência das provas, contém sempre, contudo, necessariamente, uma margem (incontornável) de discricionariedade.
A opção por um despacho de pronúncia depende, pois, da existência de prova indiciária, de prima facie, de primeira mas razoável aparência, quanto à verificação dos factos que constituam crime e de que alguém é responsável por esses factos.
Não se exigindo o juízo de certeza que a condenação impõe - a certeza processual para além de toda a dúvida razoável -, é necessário, não obstante, que os factos revelados no inquérito ou na instrução apontem, se mantidos e contraditoriamente comprovados em audiência, para uma probabilidade sustentada de condenação.
A instrução não é, contudo, constituída apenas por prova indiciária.
Como explica Germano Marques da Silva, o indício é um meio de prova e todas as provas são indícios "enquanto são causas, ou consequências morais ou materiais, recordações e sinais do crime".
É neste sentido e segundo este autor que se deve interpretar o disposto no artigo 308º do CPP.
Chama-se também a atenção para o facto de, nesta fase preliminar do processo, não se visar "alcançar a demonstração da realidade dos factos”, mas apenas sinais de que o crime se verificou, praticado por determinado arguido. Como conclui Germano Marques da Silva, "as provas recolhidas nas fases preliminares do processo não constituem pressuposto da decisão jurisdicional de mérito, mas de era decisão processual quanto à prossecução do processo até à fase de julgamento".
Interpretando o exposto, nesta fase preliminar que é a instrução, não se pretende uma espécie de "julgamento antecipado" nem um juízo de certeza moral e de verdade que são pressupostos da condenação, mas tão só a verificação de existência de indícios de que determinado crime se verificou e que existe uma probabilidade séria, aferida pela positiva e objectivamente, de que o mesmo foi praticado por um ou mais arguidos, e assim se apreciando a decisão do Ministério Público ou do Assistente de acusar.
Nessa verificação deverá, contudo, o julgador interpretar criticamente e no seu prudente arbítrio os indícios recolhidos em sede de inquérito e instrução.
Em qualquer dos casos, essa verificação da suficiência de indícios não implica apreciação do mérito da acusação, no mesmo sentido em que tal ocorre na audiência de julgamento, apenas se julgando a verificação dos pressupostos de que depende a abertura da fase de julgamento.
            Ora, em julgamento muito mais se exige.
            A distinção entre fase preparatória e fase de julgamento envolve uma outra, que nela está pressuposta: a distinção entre juízo de certeza e juízo de probabilidade[3].
Para o final da fase de julgamento está reservado o juízo de certeza. Ele visa alcançar a prova dos factos alegados em juízo. No final da fase preparatória o juízo a formular é de probabilidade de futura condenação.
Como salienta Cavaleiro de Ferreira, «a prova do julgamento não é a prova para a acusação e tem alicerces numa certeza, e não numa probabilidade».
            Para condenar alguém, há que criar uma clara e inequívoca convicção de que, com base no acervo probatório analisado, os arguidos cometeram factos ilícitos, merecendo assim uma condenação jurídico-penal.
            Essa convicção de certeza, eventualmente baseada em prova directa ou indirecta, vai formar-se como resultado final de operações sequenciais de análise do puzzle indiciário: apreciação de cada elemento de prova, individualmente considerado; análise diferenciada dos diversos meios; ponderação global e compatibilização da prova coligida.
O caminho é este – é um caminho de pedras mas bem sólidas e bem sedimentadas – neste particular, recorramos ao acórdão do STJ, datado de 23/2/2011 (Pº 241/08.2GAMTR.P1.S2), escrito pela sempre avisada pena do Conselheiro Santos Cabral:
«Momento fundamental em processo penal é o julgamento com o objectivo de produzir uma decisão que comprove, ou não, os factos constantes do libelo acusatório e, assim, concretizar, ou não, a respectiva responsabilidade criminal.
Nessa concretização, o julgador aprecia livremente a prova produzida com sujeição ás respectivas regras processuais de produção aos juízos de normalidade comuns a qualquer cidadão bem como às regras de experiência que integram o património cultural comum e decide sobre a demonstração daqueles factos, extraindo, em seguida, as conclusões inerentes á aplicação do direito.
Perante os intervenientes processuais, e perante a comunidade, a decisão a proferir tem de ser clara, transparente, permitindo acompanhar de forma linear a forma como se desenvolveu o raciocínio que culminou com a decisão sobre a matéria de facto e, também, sobre a matéria de direito. Estamos assim perante a obrigação de fundamentação que incide sobre o julgador, ou seja, na obrigação de exposição dos motivos de facto e de direito que hão de fundamentar a decisão.
A mesma fundamentação implica um exame crítico da prova que se situa nos limites propostos, ente outros, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional 680/98, e que já tinha adquirido foros de autonomia também a nível do Supremo Tribunal de Justiça com a consagração de um dever de fundamentação no sentido de que a sentença há-de conter também os elementos que, em razão da experiência ou de critérios lógicos, construíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num sentido, ou seja, um exame crítico sobe as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido
Por essa forma, acabaram por obter consagração legal as opções daqueles que consideravam a fundamentação uma verdadeira válvula de escape do sistema permitindo o reexame do processo lógico ou racional que subjaz á decisão. Também por aí se concretiza a legitimação do poder judicial contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre o qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto».
         
            3.2.2. O Mº JIC ..., in casu, não estando em sede de julgamento mas de Instrução, entendeu não pronunciar as 4 arguidas que tinham sido acusadas pelo assistente, em acusação particular, pela prática do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo artigo 187º, nº 1 e nº 2, alínea a) – por referência ao artigo 183º, nº 1, alínea a) e nº 2, todos do CP -, opinando que o que consta dos autos é manifestamente insuficiente para formular um juízo de convicção minimamente sólido quanto à assacada conduta das arguidas, não considerando o seu comportamento objectivo como típico para efeitos de subsunção ao tipo legal do crime do artigo 187º do CP.
            No fundo, e na lógica do despacho recorrido, não se descobriu uma probabilidade, pelo menos, razoável, de uma futura condenação das 4 arguidas, em sede de julgamento, pelos factos e incriminação que lhe são imputados pela assistente na respectiva acusação particular (lembramos aqui que não foi esta acompanhada pelo MP), razão pela qual profere um justificado Despacho de não pronúncia.
            Decidiu assim o JIC ...:
o Não se indicia que as 4 arguidas, ao proferirem os comentários no Facebook tenham actuado com o fim de ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança de que goza socialmente a assistente, tendo consciência da falsidade dessas afirmações (excluindo o dolo na sua actuação);
o A pessoa colectiva assistente não é passível de ser sujeito passivo de crime de difamação, entendendo que a «honra» das pessoas colectivas apenas encontra resguardo criminal no tipo de crime do artigo 187º do CP;
o Tal delito apenas contempla a afirmação ou prolação de factos inverídicos e já não a formulação de juízos ofensivos da credibilidade, prestígio ou da confiança das entidades colectivas;
o A arguida AA não difundiu quaisquer factos inverídicos, limitando-se a publicar toda a informação registral sobre a assistente, passível de ser consultada por qualquer pessoa no mundo;
o A arguida BB limita-se a emitir comentários e juízos de valor pessoais sobre a actuação funcional da assistente, não revelando factos que sejam inverídicos (alguns até serão verdadeiros);
o A arguida CC só emite juízo de valor sobre a actuação de uma determinada agente de execução que não se consegue impor numa diligência;
o A arguida DD faz uma apreciação crítica da postura passiva dos respectivos agentes de execução que, em diligências, permitem abusos por parte de trabalhadores e colaboradores da assistente (o que foi confirmado pelo testemunho de EE, advogada ouvida em instrução);
o Existem várias queixas criminais contra a assistente, tendo sido investigada por órgãos de comunicação social;
o O legal representante da assistente nunca veio prestar declarações em sede de inquérito ou de instrução, apesar de para tanto notificado;
o O comportamento das arguidas tem de ser visto sob o ponto de vista do direito fundamental da liberdade de expressão em relação a temas de relevante interesse social – os comentários exarados em Facebook são de fonte restrita e tiveram essencialmente em vista criticar a postura passiva e omissiva de alguns agentes de execução, seus congéneres, perante os desmandos objectivos de responsáveis e trabalhadores da assistente;
o Enfim, não se comprova que o afirmado pelas 4 arguidas seja falso ou que as mesmas não tinham motivos sérios para acreditar na sua veracidade.
            Uma palavra sobre a estrutura dogmático-penal do delito em causa.
Estatui o nº 1 do artigo 187º do CP que “quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias”.
O bem jurídico protegido pela incriminação é o bom-nome do organismo, serviço ou pessoa colectiva, instituição ou corporação, não sendo, por isso, a honra, enquanto interesse essencialmente intrínseco e inerente à dignidade da pessoa humana, tutelando antes a credibilidade dos entes aí previstos (cfr. neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 4 de Maio de 2011, disponível in www.dgsi.pt).
“Visa o tipo legal previsto no artigo 187º do Código Penal criminalizar acções (…) não atentatórios da honra, mas sim do crédito, do prestígio ou da confiança de uma determinada pessoa colectiva, valores que não se incluem em rigor no bem jurídico protegido pela difamação ou pela injúria” (cfr. acta nº 25 da Comissão Revisora do Código Penal de 1995).
“O bom-nome assume-se, assim, como uma realidade dual. De um lado, suporte indesmentível para que a credibilidade, o prestígio e a confiança possam existir. De outra banda, resultado dessas mesmas e precisas realidades ético - socialmente relevantes” (vide Faria Costa in Comentário Penal ao Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 678).
O tipo objectivo do ilícito previsto no artigo 187º do CP consiste, assim, na difusão de factos inverídicos sobre organismo, serviço, ou pessoa colectiva que sejam susceptíveis de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança destas entidades, não tendo o agente fundamento para, em boa-fé, reputar tais factos como verdadeiros.
No que tange ao primeiro elemento do tipo objectivo (afirmação ou propalação de factos inverídicos) e contrariamente ao que sucede nos crimes de difamação e de injúria, o crime que ora nos ocupa apenas contempla a afirmação ou prolação de factos inverídicos e já não a formulação de juízos ofensivos da credibilidade, do prestígio ou da confiança das entidades.
De salientar que a noção de facto “traduz-se naquilo que é ou acontece, na medida em que se considera como um dado real da experiência. Assume-se, por conseguinte, como um juízo de afirmação sobre a realidade exterior, como um juízo de existência. (…) Um facto é, pois, um elemento da realidade, traduzível na alteração dessa mesma realidade, cuja existência é incontestável (…) ” (vide Faria Costa, in op. cit., págs. 680 e 681).
Faria Costa fala também sobre a destrinça que urge fazer entre factos falsos e factos inverídicos – “a falsidade tem neste contexto um valor de uso, uma carga de desvalor, de negação, que o emprego de inverídico não acarreta. De resto, o universo dos candidatos abarcados pela noção de inverídico mostra-se mais extenso do que o que circunscreve a própria falsidade”.
Desta forma, para o preenchimento do tipo objectivo de ilícito, necessário se torna, desde logo, que os factos afirmados e ou propalados sejam inverídicos, ficando de fora “a afirmação ou propalação de factos verídicos, susceptíveis de ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a confiança” (vide Conselheiro O. Mendes, in O Direito à Honra e A Sua Tutela Penal, pág. 115, apud Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12 de Maio de 2010 supra aludido, disponível in www.dgsi.pt).
Decorre, assim, do exposto que afirmar ou propalar factos inverídicos pressupõe que a ofensa seja feita verbalmente (cfr., neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3 de Abril de 2013, exarado no Pº 1354/12.1TAMTS.P1).
Tal aresto da Relação do Porto conclui lapidarmente que:
«I. O núcleo do bem jurídico protegido no crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva previsto no art. 187º do CP é, como diz Faria Costa, “a ideia de bom nome”, do sujeito passivo (que, desde a reforma de 2007, é o organismo ou serviço que exerçam a autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação), a qual se assume “como uma realidade dual”.
II. O tipo objectivo do ilícito previsto no art. 187º do CP exige o preenchimento dos seguintes pressupostos:
a) sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos;
b) que esses facto inverídicos (que foram afirmados ou propalados pelo sujeito activo sem ter fundamento, para, em boa fé, os reputar verdadeiros) são capazes (aptos) de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos ao sujeito passivo.
III. A credibilidade, o prestígio e a confiança do sujeito passivo aferem-se em função da sua actuação e modo como é visto pela comunidade (a partir do juízo feito pelo homem médio). A credibilidade exige cumprimento da lei, com seriedade, isenção e eficiência, o prestígio tem a ver com as qualidades do sujeito passivo, com o seu mérito designadamente quando comparado com outras entidades que desempenham idêntica actividade e a confiança com o reconhecimento do seu valor, atenta a forma correcta como actua.
IV. “Afirmar ou propalar” factos inverídicos pressupõe que a ofensa seja feita verbalmente, tanto mais que, o nº 2 do art. 187º do CP não remete para o disposto no art. 182º do CP, o que significa que o legislador não quis que esta última referida norma fosse também correspondentemente aqui (art. 187º do CP) aplicável. Mesmo em relação aos crimes previstos nos arts. 180º e 181º do CP, caso não existisse a equiparação consagrada no art. 182º do CP, a difamação ou injúria feitas, por exemplo, por escrito também não eram punidas[4].
V. No crime previsto no art. 187º do CP, considerando a qualidade do sujeito passivo (“entidade abstracta”, com determinadas características que a distinguem da pessoa singular), a “ofensa” terá que assumir relevo bastante para se poder concluir que tem aptidão para afectar o bem jurídico protegido, o que igualmente significa que terá de existir maior tolerância perante a crítica feita a uma entidade abstracta.
(...)
VII. Também não integra o tipo objectivo de ilícito previsto no art. 187º do CP afirmar ou propalar “juízos” inverídicos (mesmo sem ter fundamento, para, em boa fé, os reputar verdadeiros), ainda que esses juízos sejam capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos ao sujeito passivo (que não se confunde com a pessoa singular».
Já o segundo elemento que compõe o tipo objectivo de ilícito impõe que os factos inverídicos sejam idóneos a ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança da pessoa colectiva, organismo ou serviço; importando salientar que o tipo de ilícito não exige a ofensa do bom-nome da entidade, sendo suficiente o perigo dessa ofensa ocorrer, em virtude de uma conduta do agente com a potencialidade adequada para causar esse dano.
A construção típica do crime que ora nos ocupa diverge da dos crimes de difamação e injúria, que, enquanto crimes de dano, assentam na constatação de uma ofensa efectiva à honra (cfr. neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 509).
A credibilidade de uma instituição afere-se pelo comportamento cumpridor, diligente e pontual, mas sobretudo pela sua conduta séria e parcial revelada na actuação dos seus órgãos e membros; sendo o prestígio demonstrado pela imposição da pessoa colectiva no seu domínio específico da sua actuação, perante instituições congéneres e, por isso mesmo, perante a própria comunidade que serve e que a envolve; mostrando-se uma instituição digna de confiança “quando pela sua génese e actuações posteriores se apresenta, paradigmaticamente, como entidade depositária daquele mínimo de solidez de uma moral social que faz com que a comunidade a veja como entidade em quem se pode confiar” (Faria Costa, in op. cit. pág. 681).
No que concerne, por seu turno, à capacidade ou idoneidade de ofensa da credibilidade, do prestígio ou da confiança da pessoa colectiva, organismo ou serviço deve a mesma ser aferida de acordo com o critério objectivo da compreensão e percepção do normal homem comum.
Por fim, em terceiro lugar, é necessário que o agente ao afirmar ou propalar factos inverídicos o faça sem ter fundamento para, em boa-fé, os reputar verdadeiros. Como nos dá nota Faria Costa, não é necessário, para que se verifique preenchido este elemento típico, que o agente tenha conhecimento do carácter não verídico dos factos, bastando que não tenha fundamento para, em boa-fé, os reputar verdadeiros.
Contudo, se existir o conhecimento da inveracidade da imputação, o crime será perpetrado na sua forma agravada prevista nos artigos 187º, nº 2 e 183, nº 1 alínea b), ambos do Código Penal.
Impõe-se, portanto, que o agente actue sem fundamento para, em boa-fé, reputar verdadeiros os factos que afirma ou propala, isto é, que não tenha razões sérias para aceitar o facto ou factos imputados como verdadeiros; não cabendo, pois, ao agente fazer prova da existência da “boa-fé”, uma vez que a inexistência desta é elemento constitutivo do crime.
No que se refere ao seu elemento subjectivo, o crime é essencialmente doloso, bastando, para uma plena imputação subjectiva, o mero dolo eventual, como resulta da conjugação do artigo 14º com o artigo 187º nº 1, ambos do CP.
Com este pano de fundo, diremos que só assiste razão ao tribunal ao não pronunciar estas 4 agentes de execução que, em grupo restrito de Facebook, resolveram exercer o seu direito à indignação perante propalados comportamentos pouco ortodoxos da assistente, emitindo comentários pessoais sobre os mesmos.
            No fundo, bem ajuizou o tribunal de ... ao concluir que os comentários das arguidas não foram mais do que meros juízos de valores e, como tal, insusceptíveis de integrarem o crime em apreço, e que não se provou que o que por ali afirmaram estas profissionais fosse falso ou que as mesmas não tivessem motivos sérios para acreditar na sua veracidade, caindo por terra a possibilidade de lhes imputar, também sob o ponto de vista subjectivo, o crime em causa.
            Em sede de recuso, nada é trazido pela assistente que infirme tais conclusões – faz apenas alegações genéricas e pouco concretizadas, sendo a sua alegação é carente de fundamentação a respeito das razões pelas quais tais concretos factos seriam susceptíveis de integrar a prática do crime que a própria recorrente imputou a cada uma delas (como bem ajuíza o Exmº PGA em parecer nos autos).
            Uma última consideração sobre a fronteira entre a liberdade de expressão e a violação da hora de terceiros que é, por vezes, ténue.
            Recorrendo ao douto aresto da Relação de Guimarães datado de 21/3/2022 (Pº 2411/19.9T9VCT.G1):
            «O direito ao bom-nome e reputação, com consagração constitucional [artigo 26.° da CRP] conflitua, por vezes, com o princípio constitucional da liberdade de expressão, o qual também tem consagração constitucional.
            A Constituição da República Portuguesa reconhece, na categoria dos direitos fundamentais, a liberdade de expressão e informação. No seu artº 37.° nº 1, consagra-se: “Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações”. O que se traduz no direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento.
            Este direito tem uma grande amplitude, permitindo que se emitam juízos desfavoráveis, críticas, embora com limites, entre eles o respeito devido à honra e dignidade. Porém, estes direitos ao bom-nome e reputação e à livre expressão, que têm, em princípio, igual valor não podem ser entendidos em termos absolutos e, em caso de conflito, têm de ser harmonizados nas circunstâncias concretas, de acordo com um princípio de concordância prática.
            Portanto, a extensão da defesa da honra deve ser analisada num contexto de conflito com outros bens constitucionalmente tutelados.
            Do mesmo modo a Declaração Universal dos Direitos do Homem[5] elege como direitos fundamentais, colocando-os no mesmo plano de proteção, a personalidade jurídica (artº 6º), a honra e reputação (artº 12º), a liberdade de pensamento (artº 18º) e de opinião e expressão (19º).
            Também na Convenção Europeia dos Direitos do Homem[6] estão protegidas as liberdades de pensamento e consciência (artº 9º nº 1) e de expressão, compreendendo esta a liberdade de opinião e de transmissão de ideias, que pode, no entanto, ser objeto das restrições necessárias para a proteção da honra alheia (artº 10º).
            A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia protege a inviolabilidade da dignidade ser humano (artº 1º), as liberdades de pensamento e consciência (artº 10º) e de expressão, opinião e transmissão das ideias (artº 11º).
            Como facilmente também resulta das normas referidas, os direitos fundamentais à dignidade, honra, reputação e bom nome pessoais, por um lado, e à liberdade de opinião e expressão, por outro, têm força jurídica equivalente, o que significa que em muitas situações concretas existirão zonas de conflito ou colisão. E por isso torna-se crucial encontrar os critérios legais que permitam encontrar a solução para essa colisão.
            A Constituição não estabelece uma hierarquia de direitos fundamentais nem contém qualquer norma que diretamente resolva as situações de conflito entre eles. Contudo, ao admitir apenas as restrições estritamente necessárias para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (artº 18º nº 2) adota o critério da necessidade, do qual resulta que a limitação ao exercício do direito fundamental só é admissível se tiver em vista a proteção de outro direito fundamental e apenas na medida do estritamente necessário para atingir essa finalidade.
            A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que é direito interno de aplicação direta (foi aprovada para ratificação pela Lei nº 65/78 de 13 de Outubro, e entrou em vigor em Portugal em 9 de Novembro do mesmo ano, conforme o Aviso publicado no Diário da República de 2 de Janeiro de 1979, tendo em 7 de Abril de 1987 sido publicada a Lei nº 12/87, que procedeu à eliminação da maioria das reservas feitas em 1978 à Convenção) contém no seu artigo 10º uma regra que nos dá um critério substancialmente distinto de harmonização dos direitos em causa.
            De acordo com o que resulta da norma, a liberdade de expressão é um princípio fundamental da sociedade democrática e as restrições legalmente consentidas – como as necessárias para a proteção da honra – constituem exceções que carecem de ser interpretadas de forma estrita. Ou seja, a Convenção dá clara prevalência à liberdade de opinião e expressão, na medida em que considera excecionais as restrições consentidas.” (Cfr. Ac. Relação do Porto, de Porto, 7 de fevereiro de 2018, relatado por Manuel Ramos Soares).
            Como vemos, são frequentes as situações em que conflituam o direito à honra e o direito de expressão. Sendo este um direito também erigido à dignidade de direito fundamental (art. 37º, nº 1 da Constituição) e não estabelecendo a Constituição da República uma hierarquia dos direitos que tutela, o choque entre o direito à honra e o direito de expressão impõe a sua recíproca compressão, com observância do princípio da proporcionalidade, mas sem que qualquer possa ser objeto de destruição do seu conteúdo essencial (cfr. art. 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa).
            Trata-se, portanto, de fazer funcionar um princípio da concordância prática em que o respetivo juízo de ponderação abrange, de um lado, a adequação e necessidade do sacrifício de um direito à salvaguarda do outro, e de outro, que a solução concreta seja a que menos afeta e reduz os direitos em causa. Daí que, não raras vezes, no embate entre direito à honra e o direito à expressão se entenda que, para evitar a inutilização deste pela tutela penal daquele, deve recuar a tutela da honra, umas vezes pela atipicidade da conduta, outras pelo funcionamento de causas de exclusão da ilicitude, seja a do art. 31º, nº 2, b) do C. Penal, seja a do art. 180º, nº 2, a) do mesmo código. (Cfr. Ac. RG citado)».
            O relator deste acórdão recentemente – em 15/6/2022 - já decidiu (no Pº 113/19.5T9NLS.C1):
«1. É a protecção dos direitos relativos à integridade moral das pessoas, como a honra e a reputação, que as normas dos arts. 180º e 181º do CP visam acautelar.
2. No conceito de honra inclui-se quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior, consubstanciando-se na pretensão, constitucionalmente protegida, de não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade, mesmo enquanto homem político.
3. O exercício do direito de liberdade de expressão e de informação, ainda que a coberto da liberdade de imprensa, não justifica, só por si, a imputação a outra pessoa de factos ou a formulação de juízos ofensivos da sua honra e consideração.
4. Não é juridicamente aceitável que, em nome das liberdades de expressão, de opinião e de informação, se ofenda, injustificada e imerecidamente, a honra e a consideração de outra pessoa, mesmo que no âmbito do direito de participação na vida política e relativamente a assuntos do interesse público, como são os que se referem à gestão de uma autarquia».
Entendeu o relator que «o Direito Penal não pode tolerar que, por detrás do escudo da crónica – se for por escrito - ou da contenda política – se for oral -, e protegendo-se com a arma da construção frásica, se esconda aquilo que realmente se pretende com o texto ou com a verbalização: o ataque gratuito e de menorização da reputação pessoal do visado — cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (Proc. 53/13.OTAGVA.C1)».
Estamos a anos luz, no nosso caso, da situação que se discutiu no aresto de 2022.
Estamos, por ora, apenas a falar de comentários avulsos colocados numa página restrita do Facebook que não têm qualquer virtualidade de ser considerados factos inverídicos para os efeitos típicos da norma (uns comentários são meramente informativos, outros são apenas juízos de valor sobre a atitude de muitos agentes de execução, pares das arguidas, que se mantêm em comportamentos omissos e passivos perante os métodos propagados – basta abrir o site da assistente para nele ver helicópteros - dos funcionários da assistente, muito sob o escrutínio público dos nossos media.
Damos, assim, o nosso pleno assentimento às considerações do tribunal recorrido quanto à prova indiciária dos autos e à sua real leitura jurídico-penal.

3.2.3. Aqui chegados, e não olvidando que o Juiz de Instrução, aquando da prolação do despacho de pronúncia ou não pronúncia, deve ter presente na valoração da prova o princípio in dubio pro reo, em função das provas trazidas aos autos e da insuficiência de indícios demonstrada, não é de considerar como razoavelmente provável a futura condenação destas 4 arguidas em sede de julgamento penal pela INCRIMINAÇÃO PENAL que lhe é imputada pela assistente.
Ou seja:
No caso das 4 arguidas, sendo de admitir como muito mais provável a absolvição penal do que a sua condenação (com base na incriminação defendida pela assistente), impunha-se, de facto, a prolação de despacho de não pronúncia relativamente às mesmas, não se reconhecendo a violação pelo Mº JIC de qualquer das normas mencionada pela assistente nas conclusões da motivação do seu recurso.
De facto, a ofensa prevista no tipo de crime do artigo 187º, nº 1, do CP, não pode ser cometida, senão pela afirmação ou propalação de factos, estando excluída a possibilidade – prevista para os crimes de difamação e de injúria – de ser cometido através da emissão de juízos de valor ou com palavras ofensivas e, porque aquelas expressões utilizadas pelas arguidas que correspondem a afirmações de factos não são inverídicas, não têm, objectivamente, a virtualidade de atingir a esfera jurídica da assistente, só se podendo afirmar a falta de fundamento para o concreto recurso apresentado pela assistente, dado o facto de, decisivamente, a materialidade descrita na acusação particular não constituir crime.

3.3. Razão pela qual só resta confirmar o despacho recorrido e negar provimento ao recurso.

3.4. Diremos em sumário:
1. Tratando-se, não de um despacho de pronúncia, mas antes de um despacho de não pronúncia, a alegada falta de fundamentação por falta de menção dos factos suficientemente indiciados e não indiciados, não se traduza numa nulidade insanável e de conhecimento oficioso.
2. A omissão desta enunciação no despacho de não pronúncia constitui mera irregularidade.
3. Se a decisão impugnada não inclui a descrição dos factos não indiciados de forma autonomizada e destacada da discussão dos indícios e, por isso, não cumpre estritamente a exigência de fundamentação de facto, mas se, dada a simplicidade dos acontecimentos descritos na acusação, pode extrair-se do despacho recorrido que o JIC julgou não indiciada a conduta imputada às arguidas na acusação, pois que, ao negar a existência de indícios da prática do um determinado crime por falta de tipicidade, a decisão impugnada indica como não indiciado globalmente o comportamento dos ditas arguidas narrado na acusação particular da assistente, está formal e suficientemente escorreita a estrutura do despacho de não pronúncia.
4. A ofensa prevista no tipo de crime do artigo 187º, nº 1, do CP, não pode ser cometida, senão pela afirmação ou propalação de factos, estando excluída a possibilidade – prevista para os crimes de difamação e de injúria – de ser cometido através da emissão de juízos de valor ou com palavras ofensivas.

            III – DISPOSITIVO       

            Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação em: 
· em negar provimento ao recurso interposto pela assistente B..., LDª, e, em consequência, manter na íntegra o despacho de não pronúncia das arguidas AA, BB, CC e DD quanto ao crime p. e p. pelo artigo 187º do CP.

Custas pela assistente [artigo 515º, nº 1, alínea b) do CPP], fixando em 4 UCs a taxa de justiça (tabela III anexa ao RCP).

                                        Coimbra, 24 de Janeiro de 2024
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário, sendo ainda revisto pelo segundo e pelo terceiro – artigo 94º, nº 2, do CPP -, com assinaturas electrónicas apostas na página, nos termos do artº 19º da Portaria 280/2013, de 26/8, revista pela Portaria 267/2018, de 20/09)
Relator: Paulo Guerra
Adjunto: Isabel Valongo
Adjunto: Ana Carolina Cardoso





[1] Não se colocam aqui as fotos tiradas à página de Facebook em causa, assente que os dizeres são todos reproduzidos mais à frente no texto da decisão recorrida, tendo o relator sérias dificuldades técnicas neste particular pois todo o texto é desformatado.
[2] Notificada a 24/2/2023 da decisão de não pronúncia, acaba a assistente por só recorrer a 30 de Março de 2023, estando ultrapassado o prazo legal de 3 dias para arguir irregularidades.
[3] Citemos aqui o Colega, hoje Conselheiro Orlando Gonçalves, no Pº 80/16.7GBFVN.C1, com aresto de 23/5/2018: «Já o qualificativo de suficientes, relacionados com uma possibilidade razoável de condenação exige um esclarecimento do grau de probabilidade da condenação.
O Dr. Jorge Noronha e Silveira observa que na resposta à questão do que seja a possibilidade razoável de condenação podem distinguir-se, na doutrina e jurisprudência, três correntes fundamentais:
- uma primeira solução afirma que basta uma mera possibilidade, ainda que mínima, de futura condenação em julgamento;
- numa segunda resposta possível, é necessário uma maior probabilidade de condenação do que de absolvição;
- e uma terceira via defende ser necessária uma possibilidade particularmente forte de futura condenação.
Depois de esclarecer que certos autores advogam esta terceira interpretação da suficiência de indícios como forte possibilidade de condenação sem verdadeiramente a autonomizar da segunda interpretação referida, adota a terceira posição, mas com o sentido de que para a acusação, como para a pronúncia, se exige a mesma exigência de prova e de convicção probatória requerida pelo julgamento final, atendendo, designadamente, ao facto de naquelas primeiras fases processuais já se encontrarem recolhidas todas as provas da acusação e de o princípio da presunção da inocência vigorar para todo o processo penal. In Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, pág. 161.

O Tribunal da Relação entende que a tese que afirma a suficiência de indícios nos casos em que a possibilidade de condenação é diminuta, ou dito de outro modo, que os indícios só não seriam suficientes se a acusação fosse manifestamente infundada, não pode proceder, porquanto a posição não tem o mínimo de consagração na letra da lei e seria desproporcionada e injusta, violando desde logo a presunção de inocência do arguido.
Mas também a posição que exige nas fases da acusação e da pronúncia a mesma exigência de prova e de convicção probatória requerida pelo julgamento final, não respeita, no nosso entender, a letra e o espírito da lei.
Mais concretamente e no que respeita à fase da
instrução, nesta não se pretende alcançar a demonstração da realidade dos factos; pretende-se, tão só, recolher indícios, sinais, de que um crime foi, ou não, cometido pelo arguido.
As provas recolhidas nas fases preliminares do processo penal não constituem pressuposto da decisão jurisdicional de mérito, mas, tão só, da decisão processual no que respeita à prossecução do processo até à fase de julgamento.
No dizer do Prof. Germano Marques da Silva, nesta fase processual a lei «
… não impõe a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final.» Ou seja, «Na pronúncia o juiz não julga a causa; verifica se se justifica que com as provas recolhidas no inquérito e na instrução o arguido seja submetido a julgamento para ser julgado pelos factos da acusação». (…) Seguindo a lição do Prof. Figueiredo Dias, proferida ainda na vigência do Código de Processo Penal de 1929, consideramos que continua a ser aceitável, na interpretação do conceito normativo indícios suficientes, considerar que «… os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição». Cfr. “Direito Processual Penal”, 1º Vol. Coimbra Editora, 1974, pág. 133.
Por isso é que, quer a doutrina, quer a jurisprudência, vêm entendendo aquela «possibilidade razoável» de condenação como uma possibilidade mais positiva que negativa: o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido ou os indícios são os suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.
Para a pronúncia, não obstante não ser necessária a certeza da existência da infracção, os factos indiciários deverão ser suficientes e bastantes, por forma que, logicamente relacionados e conjugados, consubstanciem um todo persuasivo da culpabilidade do arguido, impondo um juízo de
razoável probabilidade de condenação no que respeita aos factos que lhe são imputados.
A decisão de pronúncia, tal como a de acusar, não pode ser proferida de forma apressada ou precipitada, pois sujeitar alguém a um julgamento, para além do natural incómodo, pode ser causa, se não para o próprio, para outras pessoas, de desonra e de vergonha.
Na mente do julgador deverá estar sempre presente a defesa da dignidade da pessoa humana, nomeadamente a necessidade de proteção contra intromissões abusivas na sua esfera de direitos, mormente os salvaguardados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e que entre nós se revestem de dignidade constitucional, como é o caso do bom nome e reputação do cidadão.
A suficiência dos indícios de futura condenação do arguido, aferida por um juízo de alta probabilidade, em face das regras da experiência comum e livre apreciação da prova, tem de ser compatibilizada com o princípio in dubio pro reo, pelo menos para quem defenda, como é o nosso caso, que este vigora em todas as fases do processo penal.
O princípio in dubio pro reo estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido; ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet.
O mesmo decorre do princípio da presunção da inocência, consagrado no art.32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, que estatui que “ todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”.
Em suma e na perspetiva que seguimos, afigura-se-nos que o Juiz de Instrução, na fase de instrução, aquando da prolação do despacho de pronúncia ou não pronúncia, deve ter presente na valoração da prova o princípio in dubio pro reo e, por outro lado, o tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse princípio se da decisão recorrida resultar que o mesmo Juiz - e não os sujeitos processuais ou algum deles – ao valorar a prova chegou a um estado de dúvida insanável sobre a suficiência dos indícios para o arguido vir a ser condenado e, face a tal estado, escolheu a tese desfavorável ao mesmo, pronunciando-o e submetendo-o a julgamento».
[4] Note-se que o STJ resolveu recentemente esta questão que era discutida na doutrina e jurisprudência, decidindo, em acórdão de fixação de jurisprudência, datado de 8/11/2023 (Pº 5259/19.7T9CBR.C1-A.S1), que: «O crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, previsto e punível pelo artigo 187º do Código Penal, pode ser cometido através de escrito» (nele se lê o voto de vencido da Exmª Juíza Conselheira Maria do Carmo Silva Dias, exactamente a autora do relato no por nós citado Pº 1354/12.1TAMTS.P1).

[5] Leia-se hoje «Humanos».
[6] Leia-se hoje «Humanos».