Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1633/08.2PBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: NULIDADE DO ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
QUESTÃO DE CONHECIMENTO OFICIOSO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
Data do Acordão: 03/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JL CRIMINAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIME
Decisão: UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTS. 118.º E SEG. DO CP; ART. 379.º, DO CPP
Sumário: I – Nas questões a apreciar pelo tribunal [de recurso], incluem-se as de conhecimento oficioso e as questões submetidas à apreciação do tribunal pelos intervenientes processuais, desde que sobre elas não esteja legalmente impedido de se pronunciar.

II – A prescrição do procedimento criminal é uma questão, no sentido supra exposto, e é oficioso o seu conhecimento.

III – Se quando a Relação proferiu o acórdão já o procedimento criminal que nos autos era exercido contra a arguida se encontrava prescrito há cinco dias, e não tendo esta questão ali sido conhecida, como era devido, padece o dito acórdão da nulidade de omissão de pronúncia, prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP.

IV – Esta conclusão não é afastada pela circunstância de a prescrição não ter sido invocada na motivação do recurso pois, quando este deu entrada em juízo, ainda aquela não tinha ocorrido.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

           


I

            Por acórdão desta Relação 8 de Novembro de 2017, foi decidido negar provimento ao recurso interposto pela arguida A... da sentença que a condenou, pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148º, nº 1, todos do C. Penal, na pena de noventa dias de multa à taxa diária de € 7, perfazendo a multa global de € 630.

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Por requerimento, via fax, de 24 de Novembro de 2017 veio a recorrente arguir a nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, tendo por objecto a prescrição do procedimento criminal. Argumenta, em síntese, nos seguintes termos: 

- Os factos ocorreram em 17 de Abril de 2008;

- A arguida foi notificada da acusação onde lhe foi imputada a prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148º, nº 1 do C. Penal, em 2 de Novembro de 2009;

- O crime imputado é punível com prisão até um ano, o que determina que o prazo de prescrição do respectivo procedimento seja de cinco anos, nos termos do disposto no art. 118º, nº 1, c) do C. Penal;

- O prazo de prescrição do procedimento interrompeu-se em 2 de Novembro de 2009, com a notificação da acusação e esteve, simultaneamente, suspenso pelo período de três anos, conforme disposto no art. 120º, nºs 1, b) e 2 do C. Penal;

- Porque após a notificação da acusação não voltou a ocorrer qualquer outra causa de interrupção do prazo de prescrição do procedimento, a prescrição do procedimento ocorreu cinco anos depois, ressalvado o período de suspensão e, portanto, a 1 de Novembro de 2017;

- Assim, o acórdão da Relação, porque proferido em data posterior à da prescrição do procedimento criminal, ao não se ter pronunciado sobre tal questão, que a arguida havia invocado em requerimento de 7 de Novembro de 2017, cometeu a nulidade invocada, cujo não conhecimento consubstancia ainda inconstitucionalidade por violação do processo equitativo e violação intolerável das garantias de defesa, assegurados pelos arts. 20º, nº 4 e 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa. 


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   A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, na resposta apresentada, entendeu não existir a apontada nulidade, quer porque a questão da prescrição do procedimento criminal não foi suscitada no recurso, e apenas o foi, em requerimento autónomo, entrado na Relação no próprio dia da conferência que decidiu o recurso, quer porque o procedimento não está prescrito, encontrando-se o respectivo prazo suspenso, nos termos do disposto na alínea e) do nº 1 do art. 120º do C. Penal e durante o período cinco anos, fixado no nº 4 do mesmo artigo, e concluiu pelo indeferimento do requerido.

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            O assistente não respondeu.

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            Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


II

            1. O art. 379º do C. Processo Penal prevê o regime privativo da nulidade da sentença penal, limitando-o a três diferentes situações, a saber, a) a falta de fundamentação, acrescendo para o processo sumário e abreviado, a falta do dispositivo, b) a condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, fora dos casos e condições previstos nos arts. 358º e 359º e, c) a omissão e o excesso de pronúncia.

            A recorrente aponta ao acórdão da Relação reclamado esta última nulidade na vertente, omissão de pronúncia, entendendo que o tribunal deixou de pronunciar-se sobre uma questão que deveria ter apreciado (cfr. alínea c) do nº 1 do artigo citado).

            Vejamos.

            Nas questões a apreciar pelo tribunal, incluem-se as de conhecimento oficioso e as questões submetidas à apreciação do tribunal pelos intervenientes processuais, desde que sobre elas não esteja legalmente impedido de se pronunciar. Entende-se por questão todo o problema concreto e não, os motivos, argumentos, pontos de vista e doutrinas expostos pelos sujeitos processuais em abono da respectiva pretensão, o que vale dizer que, só em relação ao primeiro [problema concreto], e já não, em relação a estes [argumentos], se pode equacionar a possibilidade de o tribunal ter omitido pronúncia (cfr. Oliveira Mendes, Código de Processo Penal Comentado, obra colectiva, 2014, Almedina, pág. 1182 e acs. do STJ de 24 de Outubro de 2012, processo nº 2965/06.0TBLLF.E1 e de 16 de Setembro de 2009, processo nº 08P2491, in www.dgsi.pt).

                        A prescrição do procedimento criminal é uma questão, no sentido supra exposto, e é oficioso o seu conhecimento.

            Dito isto.

2. Os factos preenchedores do tipo do crime de ofensa à integridade física por negligência imputado na acusação à arguida ocorreram no dia 17 de Abril de 2008.

O art. 118º, nº 1, c) do C. Penal fixa em cinco anos, o prazo de prescrição do procedimento criminal para os crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos. Aqui se inclui, portanto, o crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148º, nº 1 do C. Penal, com pena prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.

Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 119º, nº 1, 120º, nºs 1, b) e 2 e 121º, nº 1, b) e 2, todos do C. Penal, o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se consumou, interrompe-se e suspende-se, simultaneamente, pelo período máximo de três anos, com a pendência do procedimento após a notificação da acusação, passando a correr, depois, novo prazo de prescrição.

A Lei nº 19/2013, de 21 de Fevereiro, que alterou o C. Penal, introduziu uma nova causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, estabelecendo na alínea e) do nº 1 do art. 120º do citado código que a prescrição do procedimento criminal se suspende durante o tempo em que, a sentença condenatória, após a notificação do arguido, não transitar em julgado, fixando no nº 4 do mesmo artigo que, neste caso, a suspensão não pode ultrapassar cinco anos, ou dez anos, quando tenha sido declarada a excepcional complexidade.

O regime da prescrição do procedimento criminal, nele incluindo causas de suspensão e de interrupção, integra o regime de punição a considerar, para efeitos da aplicação ou não, da Lei Nova, nos termos e para os efeitos previstos no art. 2º, nº 4 do C. Penal. Podemos, pois, dizer que o regime aplicável à prescrição do procedimento criminal é o vigente à data da consumação do facto, salvo se lei posterior for mais favorável.

3. Os factos ocorreram a 17 de Abril de 2008, iniciando-se então a contagem do prazo normal de prescrição, que é o de cinco anos, prazo que se interrompeu com a constituição de arguida da recorrente (art. 121º, nº 1, a) do C. Penal), começando a contar de então, novo prazo de cinco anos (nº 2 do citado artigo).

A arguida foi notificada da acusação por via postal simples com prova de depósito, constando desta (fls. 105 verso) que o distribuidor do serviço postal depositou a carta no dia 29 de Outubro de 2009 o que significa que, atento o disposto no art. 113º, nº 3 do C. Processo Penal, se tem a notificação efectuada no 5º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo dito distribuidor portanto, no dia 3 de Novembro de 2009, data esta em que se interrompeu o prazo de prescrição em curso (art. 121º, nº 1, b) do C. Penal).

Por outro lado, também com a notificação da acusação se suspendeu a contagem do novo prazo normal que então se deveria iniciar, suspensão que se manteve por três anos (art. 120º, nºs 1, b) e 2 do C. Penal), o que significa que o prazo de prescrição só voltou a correr em 3 de Novembro de 2012.

E assim, não tendo entretanto ocorrido qualquer outra causa de interrupção ou de suspensão do procedimento pois, como decorre do que supra deixámos dito, a notificação à arguida da sentença condenatória, enquanto causa inovadora de suspensão, nos termos da alínea e) do nº 1 do art. 120º do C. Penal (na redacção da Lei nº 19/2013, de 21 de Fevereiro), porque Lei Nova menos favorável, não pode, in casu, ser aplicável, o prazo de cinco anos iniciado em 3 de Novembro de 2012 esgotou-se em 3 de Novembro de 2017.

Em suma, a prescrição do procedimento criminal nos autos exercido contra a arguida ocorreu a 3 de Novembro de 2017.

4. Sendo irrefutável que, quando a Relação proferiu o acórdão de 8 de Novembro de 2017, já o procedimento criminal que nos autos era exercido contra a arguida se encontrava prescrito há cinco dias, e não tendo esta questão ali sido conhecida, como era devido, padece o dito acórdão da nulidade de omissão de pronúncia, prevista na alínea c) do nº 1 do art. 379º do C. Processo Penal.

Esta conclusão não é afastada pela circunstância de a prescrição não ter sido invocada na motivação do recurso pois, quando este deu entrada em juízo, ainda aquela não tinha ocorrido.

E também não é afastada pela circunstância de o relator só ter tomado conhecimento do requerimento da arguida entrado, via fax, pelas 16h17 do dia 7 de Novembro de 2017 – um dia antes da sessão onde foi proferido o acórdão reclamado – no dia 15 de Novembro de 2017, data em que os autos lhe foram conclusos [cfr. fls. 797] portanto, sete dias depois de publicitado o dito acórdão. Na verdade, tendo o relator determinado a remessa dos autos aos vistos e à conferência, em 18 de Outubro de 2017 [cfr. fls. 736], e tendo, no dia imediato, sido inscritos em tabela para 8 de Novembro de 2017 [cfr. fls. 739], só nesta última data voltou a ter contacto com os autos, não tendo, então, sequer, conjecturado a possibilidade da ocorrência da prescrição do procedimento até porque, como se disse já, não teve conhecimento, em tempo útil para o efeito, do teor do requerimento de 7 de Novembro de 2017.

Não obstante, a prescrição do procedimento ocorreu a 3 de Novembro de 2017 pelo que o acórdão da Relação de 8 de Novembro de 2017 dela devia ter conhecido e não conheceu.

Resta assim, reconhecer a existência da nulidade cometida e declarar as consequências da mesma o que, por outro lado, afasta a verificação das apontadas inconstitucionalidades.


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III


Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar procedente a reclamação do acórdão de 8 de Novembro de 2017.

Em consequência, decidem:

A) Declarar a nulidade do acórdão de 8 de Novembro de 2017, por omissão de pronúncia tendo por objecto a prescrição do procedimento criminal.

B) Suprir a verificada nulidade, declarando extinto, por prescrição, o procedimento criminal que nos autos era exercido contra a arguida A... .

C) Reclamação sem tributação.


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Coimbra, 7 de Março de 2018


Heitor Vasques Osório (relator)


Helena Bolieiro (adjunto)