Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
326/20.7T8MGL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: NÃO CONHECIMENTO DE FACTOS ALEGADOS PELAS PARTES
ÓNUS DE ALEGAÇÃO EM SEDE DE RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
REJEIÇÃO
CORTE DE ÁRVORE
PRESUNÇÃO DE CULPA
CAUSA VIRTUAL NEGATIVA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE MANGUALDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 493.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 609.º, 2; 615.º, 1, D) E 640, 1, A) A C) E 2, A), DO CPC
Sumário: i) Não deve confundir-se a omissão de conhecimento de questões – por exemplo de pedidos, causas de pedir, excepções, -, de que trata o art. 615º, nº 1, d), 1ª parte, do NCPC, que prevê a nulidade da sentença, com a eventual não consideração de factos, alegados pelas partes, que devem ser apurados com vista à prolação da decisão de direito e solução da causa, que levam a vício da decisão da matéria de facto;
ii) Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, b) do NCPC, designadamente: que o recorrente obrigatoriamente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa; e porque razão assim seria, com análise crítica criteriosa;

iii) A omissão desses ónus, impostos no referido artigo, implica a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto;

iv) Não tendo os intervenientes/RR provado que cortaram um pinheiro seu, que apresentava pouca estabilidade, encontrando-se inclinado a ameaçar cair, e que veio a cair sobre um armazém da A., sito no prédio ao lado do daqueles, não ilidiram a presunção de culpa que sobre eles impendia (art. 493º, nº 1, do CC), de ter a seu cargo a vigilância da árvore que causou os danos no dito armazém;

v) Não tendo também demonstrado a relevância negativa da causa virtual (mesmo artigo e número, in fine), são responsáveis pelo prejuízo causado;

vi) Para o juízo de censura processual, em que a condenação duma parte como litigante de má-fé se traduz, relevam os factos dados como provados, ou seja, o cotejo entre o que a parte alegou (com relevo para o desfecho da causa) e o que, em oposição ao alegado, consta dos factos dados como provados.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. A..., Lda., com sede em ..., instaurou acção declarativa contra B... PLC – Sucursal em Portugal, com sede em ..., pedindo a condenação desta a pagar-lhe o montante de 7.820 €, acrescido de juros calculados à taxa legal, contados desde a citação até efectivo pagamento.

Alegou, em síntese, que é proprietária de um prédio rústico a confrontar com AA, no qual se encontra um armazém destinado a recolha e armazenamento de materiais e acessórios de construção civil e um edifício destinado a escritório, mais sendo proprietária de um veículo ligeiro de mercadorias. Que em Dezembro de 2019 se fez sentir um forte temporal e que o armazém existente no seu prédio foi atingido por um pinheiro proveniente do prédio rústico propriedade do AA e mulher, o qual se encontrava implantado a cerca de 10 metros do limite do prédio da autora, e com as raízes à vista. Que em Abril de 2020, o veículo automóvel com a matrícula SS-..-.., de sua propriedade, foi atingido pela queda de um pinheiro, proveniente da propriedade do AA e mulher, encontrando-se tal pinheiro implantado a cerca de 1 metro da estrema da autora, com as raízes à vista. Que, em consequência da queda dos referidos pinheiros, sofreu danos no pavilhão, cujo valor ascende a 4.790 € acrescidos de IVA, e no referido veículo automóvel, que ascendem a 3.025 €, além de outros objectos que se encontravam na referida viatura, avaliados em cerca de 1.425 €, acrescidos de IVA. O sinistro, e as respectivas consequências, ficaram-se a dever a culpa dos proprietários dos pinheiros por violação culposa do dever de conservação e vigilância, o que era do conhecimento dos proprietários dos pinheiros, pois que desde o início de 2019 foram avisados pela autora, sem que nada fizessem. Os proprietários dos pinheiros transferiram a sua responsabilidade pelos danos causados pelo seu prédio para a ré através de contrato de seguro.

A ré contestou, alegando, em suma, desconhecer se a autora é proprietária quer do prédio rústico, quer do veículo automóvel, e se o armazém mencionado se encontra naquele prédio. Que celebrou com AA um contrato de seguro que tinha, apenas, por objecto uma moradia, destinada a habitação, desconhecendo se o mesmo e mulher são igualmente donos do prédio rústico indicado pela autora. O contrato de seguro celebrado com AA não cobre os danos provocados pela queda de um pinheiro implantado no prédio rústico, mas apenas os danos ocorridos no prédio urbano destinado a habitação, concluindo ser parte ilegítima na acção. O sinistro ocorrido em Dezembro de 2019, cujos danos ocorridos foram avaliados em 479,70 €, não está coberto pela apólice em virtude de se tratar de caso de força maior.

Na sequência da contestação a autora deduziu incidente de intervenção principal provocada da Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de BB, representada por AA e mulher CC, e por DD e mulher EE, dado que se o seguro não cobrir os danos ocasionados com a queda de pinheiros a responsabilidade pertencerá àquela herança, por ser a dona do prédio rústico. Admitiu-se a intervenção nos presentes autos, como associados da ré, apenas de CC e de DD, como herdeiros de BB.

Citados, CC e marido AA e DD e mulher EE, contestaram, impugnando, ainda, o pretenso direito de propriedade da autora sobre o referido veículo automóvel, acrescentando que o mesmo não circula na via pública, não funciona e está parado, sem qualquer movimento, no prédio há mais de 20 anos, que a árvore que caiu sobre o veículo automóvel não se encontrava implantada no seu prédio, como caiu em consequência das escavações, remoção e movimento de terras feitas no prédio da autora. Que os intervenientes principais vigiavam o pinhal com assiduidade, nada fazendo supor que houvesse risco ou ameaça de queda. Por último, pediram a condenação da autora como litigante de má-fé.

Notificada para se pronunciar sobre a peticionada condenação como litigante de má-fé, a autora pugnou pela sua improcedência, alegando que os intervenientes é que estão a litigar de má-fé, e pedindo a respectiva condenação.

Foi proferido despacho saneador no qual, entre o mais, se declarou EE parte ilegítima, determinando-se o prosseguimento dos autos, figurando DD, CC e marido AA como intervenientes principais na presente acção.

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A final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, e, em consequência:

- absolveu a R. e os intervenientes principais do pedido contra si formulado pela A.;

- julgou procedente o pedido de condenação da A. como litigante de má-fé formulado pelos intervenientes principais, condenando a A. ao pagamento de multa no valor de 2 UC e em indemnização à parte contrária no montante de 250 €;

- julgou improcedente o pedido de condenação dos intervenientes principais como litigantes de má-fé formulado pela A.

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2. A A. recorreu, concluindo (em extenso número de 63 conclusões !?, pouco lineares e algo confusas) que:

1-O presente recurso vem interposto da, aliás douta sentença do Juízo de Competência Genérica ... que julgou a ação totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência absolveu os intervenientes principais do pedido contra si formulado pela Autora;

Julgou procedente o pedido de condenação da A. como litigante de má-fé formulado pelos intervenientes principais, condenando a Autora ao pagamento de multa no valor de 2 Ucs e em indemnização de 250,00 €

2- O Tribunal recorrido deu como provados factos (pontos 11, 12, 13, 14, 15) que deveriam ter sido dados não provados e não deu como provados factos relevantes (pontos C, F, H) não tendo apreciado corretamente a prova produzida.

3 – Se o tivesse feito, teria condenado os intervenientes no pagamento à A. das quantias de 3025,00 € danos no veículo e 4970,00 €, danos no armazém.

4- O tribunal não deveria concluir, como concluiu que a cobertura do armazém implantado no prédio da A. foi atingida por um ramo / pernada.

5 – Atente-se ao depoimento da testemunha FF, referiu que o pinheiro estava mesmo sobre as chapas do pavilhão.

6 – Atente-se igualmente ao depoimento da testemunha GG, que referiu ter o pinheiro caído sobre o armazém.

7- Atente-se a prova documental, nomeadamente ao relatório fotográfico elaborado pela GNR, em cujas reproduções fotográficas é bem visível o pinheiro tombado sobre a cobertura da construção.

8 – O pinheiro referido em onze estava inclinado, a segurança não era muita, tendo o R. AA sido chamado à atenção por mais que uma vez que aquele pinheiro ia cair, como caiu.

9- O facto 11 dos factos provados deve passar a ter a seguinte redação:

“Entre as 22 horas do dia 19-12-2019 e as 07,30 horas do dia 20.12.2019, a cobertura do armazém implantado no prédio da A. foi atingida por um pinheiro”.

10- O facto 13 dos factos provados deve passar a ter a seguinte redação:

- O pinheiro referido em 11 não apresentava estabilidade / segurança, encontrava-se inclinado desde 2018 sob ameaça de cair.

11- Para levar a factos provados em 15 e 16, o tribunal a quo sustentou a sua convicção no teor do comunicado técnico operacional da ANP Civil de fls. 294 a 299, tendo este teor sido esclarecido pelas testemunhas HH e II.

12- Pese embora o teor do aludido comunicado que no período compreendido ente os dias 18 e 20 de Dezembro de 2019 e de acordo com a informação disponibilizada pelo IPMA, o facto do requerimento da ora recorrente, o sentido de que esta instituição informasse, das ocorrências, do número das ocorrências, resulta uma resposta que de forma objetiva relaciona as ocorrências registadas entre os dias 18 e 20 de Dezembro de 2019 no concelho ... de 2019 no concelho ..., freguesia ..., lugar de ..., onde a ANEP Civil junta uma listagem de ocorrências desses dias e local donde se afere de forma indubitável terem apenas existido três ocorrências sendo apenas uma relativa a uma

árvore, sendo as outras relativas a doença súbita.

13- Atente-se essa queda, constante da listagem de ocorrências supra mencionada ocorre em local diverso da dos autos em concreto não ter ocorrido na freguesa de ... e lugar de ....

14- Documento não levado nem a factos provados nem a factos não provados, igualmente excluído, pois não se vislumbra no corpo da motivação da aliás douta sentença que ora se recorre.

15- Deste documento resulta nos dias 18 a 20 de Dezembro de 2019, no concelho ..., freguesia ..., verificaram-se três ocorrências, sendo duas por doença súbita e outra por queda de árvores em local diverso dos autos.

16- Deveria tal facto ser levado a factos provados, porque relevantes para a decisão da causa, o que não aconteceu, não foi levado nem aos factos provados nem aos factos não provados, nem consta da motivação a apreciação deste documento.

17- Salvo douta e melhor opinião existiu manifesta violação do artº.615 al. d) do CPC, conduzindo inexoravelmente à nulidade da sentença.

18- Se tal documento tivesse sido apreciado permitiria ao Tribunal a quo dar como provado, ou levar a factos provados, o constante no mesmo, isto é, que no hiato temporal ente os dias 18 e 20 de Dezembro de 2019, no concelho ..., freguesia ..., lugar de ..., não caiu nenhuma árvore, devido a temporal, existindo apenas duas ocorrência de doença e uma queda de árvore noutro local que não o dos autos.

19-Caso o Tribunal a quo o tivesse feito, no cumprimento estrito das funções a que está cometido, concatenada com a prova testemunhal produzida de que os pinheiros que caíram e que causaram os danos reclamados e provados não se encontravam em condições de sustentabilidade / estabilidade, tendo tombado não mercê das condições atmosféricas adversas antes a assim pela omissão do dever de zelo / vigilância do proprietário destes, omissão do dever genérico de fiscalização que impõe ao proprietário criador de uma situação especial de perigo promova à sua remoção sob pena de responder pelos causados, provenientes de tal omissão.

20- Ao descredibilizar não lhes dando qualquer relevância e idoneidade beliscou de morte uma equilibrada decisão e composição dos interesses em litígio.

21- Deveria ter sido dado como provado que o pinheiro referido em 22 se encontrava

implantado no prédio rústico identificado em 8) a cerca de um metro de estrema do prédio da A. com uma inclinação de cerca de seis metros sobre aquele com as raízes à vista

22- O Tribunal deu como não provado este facto por força do depoimento das testemunhas JJ (deve ler-se KK) e LL.

Aquela testemunha cujo depoimento se encontra gravado ficheiro 202301121111445_35175889_2871955, do minuto 17,50 ao minuto 19,45, declarou segundo o Tribunal de forma isenta, espontânea e circunstanciadas, e como tal merecedora de credibilidade, que na sequência da queda do pinheiro e com vista algo de semelhante procederam ao corte de todos os pinheiros assim que terminou o verão de 2020, juntamente com o interveniente principal AA esticaram um fio ao longo da estrema dos prédios e de uma ponta a outra dos elementos delimitadores dos prédios “de um bocadito de muro até ao outro muro” em alusão ao tipo de marcos usados pelos “antigos” e que todos os pinheiros numa extensão de cinco metros para lá da estrema foram cortadas.

Afiançou a testemunha de forma clara e peremptória que o “segundo pinheiro não cortei porque não era nosso” pois este pinheiro não se encontrava implantado no prédio identificado em 8).

23- Ora, como foi dado como provado (facto 22) durante a noite do dia 13.04.2020 o veículo (…) foi atingido pela queda de um pinheiro com cerca de 10/12 metros de altura e 40 centimetros de espessura, que tombou pela raiz (facto 23).

24- Como também resultou provado depoimento da testemunha MM, que o pinheiro foi retirado do local, pelo interveniente AA.

25- Tendo o pinheiro tombado/caído na noite de 13.04.2020 e logo retirado do local não podia ter sido cortado no Verão de 2020, porque já não existia, como refere a testemunha.

26- Assim, o depoimento da testemunha KK não pode merecer credibilidade, devendo ser desconsiderado, porquanto, contradita de forma objetiva os factos.

27- Não só factos levados a factos provados em concreto 22 a 25, como factos não provados, ponto “H”, tendo a motivação da douta sentença de que ora se recorre de forma “atabalhoada” esgrimindo-se verdades e o seu contrário.

28- A saber, existia um pinheiro que tombou pela raiz que causou danos no veículo na noite de 13/04/2020, pinheiro que foi retirado do local pelo interveniente AA, não existindo no logradouro da A. qualquer árvore, logo existe uma violação clara do ínsito no artº. 607 nº. 4 do CPC, porquanto e mais uma vez de forma “atabalhoada” o juiz não analisou criticamente as provas, não indicou as ilações tiradas dos factos instrumentais não especificou os demais fundamentos que tomou decisivo para a sua convicção.

29 – Por isso esse depoimento não pode servir para o Tribunal concluir seja o que for sobre os limites do prédio.

30- Acresce que não foi possível concluir pela concreta localização do pinheiro ou do prédio onde o mesmo se encontrava implantado, omitindo o dever de prosseguir a descoberta da verdade material, violando o disposto no artº. 411 do CPC.

31- Se o pinheiro não estava implantado no prédio referido em 8, então onde estava, em que prédio e de quem.

32- Deveria ter sido dado como provado que o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de marca ... com o número de matrícula SS-..-.. é propriedade da A.

33- Na verdade, não obstante o mesmo veículo se encontrar registado a favor da sociedade C... Lda., não é menos verdade que tal veículo foi vendido pela firma C... Ldª., á A. A... Ldª., por contrato verbal celebrado 15.05.2019.

34- É válido o contrato verbal pelo qual uma das partes vende à outra um veículo automóvel.

35- A compra e venda de veículos automóveis, não está sujeita a forma especial (cfr artº. 217 a 219 do Cod. Civl) e como o respetivo registo tem apenas efeito declarativo e não constituindo a comummente designada declaração de venda, requerimento/ formulário, pelo comprador e confirmado pelo vendedor, em impresso próprio, da aquisição do veículo por contrato verbal de compra e venda a fim de promover o respetivo registo.

36- O contrato de compra e venda de um veículo automóvel não está sujeito a qualquer formalidade especial, produzindo-se a transferência da propriedade por mero efeito do contrato, nos termos do artº. 408 nº. 1, 874 e 879 al. a) todos do Cod. Civil.

37- Andou mal o tribunal, com o devido respeito, que aliás é muito, quando de forma

precipitada, quiçá, ligeira, condenou a A. como litigante de má-fé por ter decidido pretensão cuja falta de fundamento não ignorava, no que concerne ao veículo ligeiro de mercadorias de marca ..., modelo ..., com a matrícula SS-..-.., sobre o qual caiu em 13.04.2020 um pinheiro.

Factualidade levada a factos provados sob o número 22

38- Sendo assim como realidade o é encontra-se provado a existência do veículo supra identificado, bem como provado ficou que este foi atingido pela queda de um pinheiro, com cerca de 10/12 metros de altura e 40 cms de espessura.

39- Em consequência da queda do pinheiro o veículo ligeiro de mercadorias ficou danificado cuja reparação foi orçada em 3025,00€, vidé artº. 21, 22, 23 e 24 e 25 dos factos provados.

40- Não obstante, e, salvo devido respeito, que é muito, o Tribunal não só levou a factos não provados que a A. é proprietária do veículo, como a localização do pinheiro tombado pela raiz e que atingiu o veículo.

41- Antes e assim, criou uma narrativa o Tribunal a quo conducente à condenação da A. como litigante de má-fé, ao afirmar “resulta de forma cristalina que a A. adulterou a verdade ao intitular-se como proprietário do veículo supra mencionado, visando, por conseguinte, obter uma indemnização pela ocorrência de danos que não se materializavam na sua esfera jurídica/patrimonial.

42- Esquecendo-se o Meritíssimo Juiz a quo que o registo posterior de propriedade automóvel adquirida por contrato verbal de compra e venda em face de requerimento subscrito pelo comprador e confirmado pelo vendedor, através de declaração de venda apresentada com pedido de registo.

43- Antes e assim foi o que aconteceu em caso, tal como ressalta do requerimento assinado pelo comprador e pelo vendedor, através de declaração apresentada com pedido de registo junta aos autos.

44- Não se confunda nuvem com Juno!!.

45- O que a A disse e mantém é ter efetuado uma compra verbal em 15.05.2019, tendo apenas assinado o aludido requerimento de registo automóvel em data não concretamente apurada mas seguramente posterior à data de celebração do contrato verbal de compra e venda 15.05.2019 e por maioria de razão em data posterior a emissão de cartão de cidadão do sujeito passivo.

46- Face ao supra exposto e porque o registo constitui apenas presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define, dúvidas não podem subsistir que a A. adquiriu o veículo automóvel por contrato verbal em 15.05.2019, tanto mais encontra-se nas suas instalações sobre o seu domínio, retirando a A. todas as utilidades deste, estando parado no prédio da A. há mais de vinte anos.

47- Os intervenientes principais impugnaram o direito de propriedade da Autora sobre o veículo ligeiro de mercadorias de marca ..., modelo ..., com a matrícula SS-..-... Acrescentaram que o referido veículo não circulava na via pública, não funcionava e estava parado no prédio da Autora há mais de 20 anos, ignorando há quantos anos seria paga qualquer imposto devido por tal veículo, bem

como alegram que o mesmo não tem qualquer seguro associado. Com efeito, não só estava em causa matéria controvertida, como a Autora, em sede de exercício do contraditório quanto à litigância de máfé, referiu expressamente que “Não é falta de seguro, ou de não circular na via pública, ou eventualmente não funcionar que desobriga os RR. de não responderem pelos prejuízos causados”, pelo que não é imputável aos intervenientes principais qualquer conduta susceptível de entorpecer o dever de verdade.

48- Alegaram os intervenientes principais que o pinheiro caído em 13-04-2020 sobre o veículo da Autora não se encontrava implantado no prédio de que são proprietários, o que, em face da prova produzida, resultou demonstrado.

49- A doutrina e a jurisprudência sempre consideraram entre nós que o registo tem valor meramente declarativo no processo aquisitivo de propriedade, direitos reais, funcionando como condição apenas de oponibilidade face a terceiros.

50- Com efeitos no Ordenamento Jurídico, como o nosso em que a transmissão da propriedade se caracteriza pelo princípio da consensualidade em que o registo assumiu um valor meramente declarativo, o direito de propriedade e dos demais direitos reais de gozo, constituem-se, modificam-se e extinguem-se à margem desse registo.

51- O direito não registado continua a gozar em qualquer circunstância eficácia erge omnes, sendo apenas inoponível ou ineficaz em relação a terceiro a que a doutrina lhe chama terceiros para efeitos de registo (artº. 5 do CRP), isto é numa formulação comum, aqueles que adquiriram no mesmo transmitente um direito total ou parcialmente incompatível com o direito de outrem sob o mesmo “objeto” (cfr. Manuel de Andrade teoria geral da relação jurídica Vol. 1,) facto jurídico, em especial negócio jurídico, oitava reimpressão Coimbra 1998, pp19/0i. ou, na formulação do acórdão do STJ para uniformização de jurisprudência de 18/05/1999 II terceiros, para efeitos do disposto no artº. 5 do CRP, são os adquirentes de boafé um mesmo transmitente comuns, direitos incompatíveis sobre a mesma coisa”.

52- Logo a compra e venda verbal efetuada em 15/05/2019 tem que ser considerada válida porquanto o direito de propriedade e os restantes direitos reais de gozo, constituem-se modificam-se e extinguem-se à margem do registo.

53- O registo no direito português não tem natureza constitutiva ou seja não é requisito essencial para a aquisição do direito, como também não permite suprir os vícios do negócio transmissivo nem a sua inexistência, prevalecendo nestes casos não o titular registral mas o que tem a seu favor o título substantivo.

54- No caso em apreço estamos apenas e só perante um conflito entre um sujeito que vendeu e um sujeito que comprou o veículo automóvel em 15.05.2019, tendo havido traditio da coisa, apenas não existindo o registo.

55- Não se tendo provado a nulidade da compra e venda verbal, como sujeito passivo no requerimento de registo caberia aos RR. a demonstração da inexistência de um negócio translativo da compra entre a A. e a firma C....

56- Ao exercer o seu direito, na convicção de estar a exercer um direito próprio que lhe é conferido pelo ordenamento jurídico vigente, logo de boa-fé.

57- Os pinheiros que tombaram e que provocaram danos patrimoniais no armazém e veículo da recorrente são coisas à guarda dos intervenientes, que têm sobre elas um dever de vigilância e fiscalização.

58- Aplicando-se ao caso dos autos a presunção de culpa prevista no nº. 1 do artigo 493 do Cod. Civil, os intervenientes tem o ónus de provar que dos danos não proveio de culpa sua, ou que a queda dos pinheiros sempre ocorreria ainda que sobre os pinheiros tivessem tido todos os cuidados.

59- Não se tendo apurado que os intervenientes lograram elidir tal presunção.

60- Os pinheiros estavam tombados e não se verificou qualquer acontecimento digno de nota, nomeadamente derivado de condições climatéricas adversas.

60- Não ilididos dessa presunção devem os intervenientes, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual delitual nos termos extracontratual in vigilando, indemnizar a autora dos prejuízos causados no veículo e no armazém.

62- Tendo sido provado os danos na cobertura do armazém, mas não o seu valor, deve remeter-se para liquidação de sentença.

63- Foi violado o disposto nos autos 607 nº. 4, 411 do CPC, 217 a 219 do Cod. Civil, 408 nº. 1 874 al.a) e 615 do CPC.

Termos em que deverá dar-se provimento ao recurso, revogando-se a (alias douta) sentença recorrida e condenando-se os intervenientes no pedido fixando-se o valor a indemnizar em 3.025,00 € relativa aos danos no veículo e a liquidar em execução de sentença os danos na cobertura do armazém

Assim se fazendo J U S T I Ç A

3. Inexistem contra-alegações.

II – Factos Provados

 

1 – A Autora é uma sociedade por quotas, inscrita na Conservatória do Registo Comercial com o NIPC ...19, com o objecto social construção civil e obras públicas, comércio construção de casas em madeira, compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, comercialização de materiais de construção e madeira, que tem como gerente NN, obrigando-se com a intervenção de um gerente.

2 - O prédio rústico sito em ..., União das Freguesias ..., concelho ..., a confrontar do Norte com Herdeiros de OO, do Sul com Caminho, a Nascente com Estrada e a Poente com Baldio, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...00 e descrito na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel ... sob o artigo ...88, encontra-se registado como sendo propriedade plena da Autora.

3 – No prédio identificado em 2.) encontra-se implantado um armazém não licenciado com a área de 240,00m2 destinado a recolha e armazenamento de materiais para construção civil e acessórios de construção civil, bem como um edifício destinado a escritórios, composto por dois pisos, com a área de 48,00m2 por piso.

4 – O prédio urbano sito em ..., União das Freguesias ..., concelho ..., a confrontar do Norte com N329, do Sul com BB, a Nascente com PP e a Poente com QQ, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...01 e não descrito na Conservatória do Registo Predial, encontra-se registado como sendo propriedade plena do interveniente principal AA.

5 – A Ré B... PLC – Sucursal em Portugal celebrou com o interveniente principal AA contrato de seguro do ramo 3404 ... – Motoristas Profissionais, titulado pela apólice nº ...48, o qual tinha como objecto segurado o prédio urbano identificado em 4.).

6 – O contrato de seguro identificado em 5.) teve início em 07-09-2013, com sucessivas renovações anuais, encontrando-se em vigor.

7 - O contrato de seguro identificado em 5.) tem por objecto o definido na Cláusula 2.º sob a epígrafe «Objeto e garantias do contrato», da qual resulta que «1. O presente contrato garante a obrigação de segurar os edifícios constituídos em regime de propriedade horizontal, quer quanto às frações autónomas, quer relativamente às partes comuns, que se encontrem identificados na apólice, contra o risco de incêndio, ainda que tenha havido negligência do segurado ou de pessoa por quem este seja responsável. 2. O presente contrato tem ainda por objeto a garantia da cobertura dos riscos adiante mencionados, referentes aos danos causados aos bens identificados nas Condições Particulares».

8 – O prédio rústico sito em ..., União das Freguesias ..., concelho ..., a confrontar do Norte com RR, do Sul com SS, a Nascente com Estrada e a ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...98 e descrito na Conservatória ..., Comercial e Automóvel sob o artigo ...5, encontra-se registado como sendo propriedade plena da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB.

9 – Os intervenientes principais CC e DD são herdeiros da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB.

10 – Os prédios rústicos identificados em 2.) e 8.) confrontam do Norte e do Sul entre si, respectivamente.

11 – Entre as 22h00 do dia 19-12-2019 e as 07h30 do dia 20-12-2019, a cobertura do armazém implantado no prédio da Autora foi atingida por um ramo/pernada de um pinheiro com espessura não inferior a 60cm e não superior a 95cm, e comprimento não inferior a 12 metros e não superior a 18 metros, que se encontrava implantado no prédio rústico identificado em 8.).

12 – O pinheiro referido em 11.) estava a cerca de 10 metros da estrema do prédio da Autora e tombou pela raiz.

13 – O pinheiro referido em 11.) apresentava boa estabilidade, a madeira estava rija e a brotar seiva, e aparentava encontrar-se em boas condições fitossanitárias.

14 – Do evento descrito em 11.) resultaram perfuradas pelo menos duas chapas de zinco da cobertura do armazém implantado no prédio da Autora e foi danificada parte da estrutura metálica que as sustentava.

15 – Nos dias referidos em 11.) e naquele local fez-se sentir forte temporal, com vento e chuva forte.

16 – Entre os dias 18-12-2019 e 20-12-2019, o Distrito ... estava sob o Estado de Alerta Especial de nível Laranja do Sistema Integrado de Operações de Protecção e Socorro da Autoridade Nacional de Protecção Civil e em função das condições meteorológicas previstas era expectável a possibilidade de queda de ramos ou árvores em virtude de vento forte.

17 – O pinheiro referido em 11.) foi removido e cortado, por ordem do interveniente principal AA, em data posterior ao Natal de 2019 e antes do final do ano de 2019.

18 – O evento referido em 11.) foi participado pelo interveniente principal AA à Ré B... PLC – Sucursal em Portugal em 27-12-2019.

19 - A Ré B... PLC – Sucursal em Portugal contratou uma empresa de peritagens para efectuar a averiguação e avaliação dos danos no armazém implantado no prédio da Autora.

20 – A averiguação e avaliação referida em 19.) foi efectuada em 17-01-2020 pela D..., cujo perito concluiu que “Uma vez que, a queda da árvore pela acção dos ventos, provoca danos em terceiros, o sinistro em análise e decorrentes prejuízos não se encontram contemplados ao abrigo das garantias da apólice accionada, dado que estamos perante danos causa de força maior (fenómeno natural), cuja responsabilidade não pode ser imputável ao Segurado, pelo que o apuramento de prejuízos será efectuado a título meramente informativo”.

21 – O veículo ligeiro de mercadorias de marca ..., modelo ..., com a matrícula SS-..-.., encontra-se registado como sendo propriedade da sociedade C..., Lda., tendo averbado ao registo uma penhora da Autoridade Tributária e Aduaneira – ....

22 – Durante a noite do dia 13-04-2020, o veículo descrito em 21.), que se encontrava parado no prédio identificado em 2.) e estava carregado com um número não concretamente determinado de prumos metálicos e mesas de andaimes, foi atingido pela queda de um pinheiro com cerca de 10/12 metros de altura e 40 centímetros de espessura.

23 – O pinheiro referido em 22.) tombou pela raiz.

24 – Em resultado do descrito em 22.), a cabine e o cavalete da carroçaria do veículo descrito em 21.) ficaram amolgados, e o pára-brisas quebrou-se.

25 – A reparação de cabine, bate-chapas e pintura, fornecimento e aplicação de pára-brisas, reparação de parachoque e pintura, desempenagem e reparação de cavalete da carroçaria do veículo foi orçamentada pela E..., Lda., em 3.025,00€.

26 – O evento descrito em 22.) não foi participado à Ré B... PLC – Sucursal em Portugal.

*

Factos não provados:

(…)

C – O pinheiro mencionado em 11.) apresentava pouca estabilidade, com uma inclinação de quatro metros e tinha as raízes expostas.

C-A – O pinheiro referido em 11.) apresentava boa estabilidade, a madeira estava rija e a brotar seiva, e aparentava encontrar-se em boas condições fitossanitárias.

(…)

F – Por força do evento descrito em 11.) resultaram prejuízos orçamentados no valor de 4.970,00€ acrescidos de IVA.

G – A Autora é proprietária do veículo identificado em 21.).

H - O pinheiro referido em 22.) encontrava-se implantado no prédio rústico identificado em 8.) a cerca de um metro da estrema do prédio da Autora, com uma inclinação de cerca de seis metros sobre aquele e com as raízes à vista.

(…)

*

III - De Direito

 

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC).

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Nulidade da sentença.

- Alteração da matéria de facto.

- Indemnização à A. da quantia de 3.025 €, indemnização a liquidar em sentença (e juros de mora).

- Litigância de má-fé da A.

2. Afirma a recorrente (nas suas conclusões 11. a 17.) que, para levar a factos provados os 15- e 16., o tribunal a quo sustentou a sua convicção no teor do comunicado técnico operacional da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil, de fls. 294 a 299, tendo este teor sido esclarecido pelas testemunhas HH e II. Pese embora o teor do aludido comunicado, no período compreendido ente os dias 18 e 20 de Dezembro de 2019 e de acordo com a informação disponibilizada pelo IPMA, resulta uma resposta que de forma objetiva relaciona as ocorrências registadas entre os dias 18 e 20 de Dezembro de 2019 no concelho ... de 2019, freguesia ..., lugar de ..., e onde a ANEP Civil junta uma listagem de ocorrências desses dias e local donde se afere de forma indubitável terem apenas existido três ocorrências sendo apenas uma relativa a uma árvore, sendo as outras relativas a doença súbita. É preciso atentar que essa queda, constante da listagem de ocorrências supra mencionada, ocorre em local diverso da dos autos em concreto, não ocorreu na freguesa de ... e lugar de .... Documento não levado nem a factos provados nem a factos não provados, pois não se vislumbra no corpo da motivação da sentença que ora se recorre. Deste documento resulta que nos dias 18 a 20 de Dezembro de 2019, no concelho ..., freguesia ..., verificaram-se três ocorrências, sendo duas por doença súbita e outra por queda de árvores em local diverso dos autos. Deveria tal facto ser levado a factos provados, porque relevantes para a decisão da causa, o que não aconteceu, não foi levado nem aos factos provados nem aos factos não provados, nem consta da motivação a apreciação deste documento. Salvo melhor opinião existiu manifesta violação do art. 615º, d), do NCPC, conduzindo inexoravelmente à nulidade da sentença.

A recorrente incorre em duas confusões, que importa expor sumariamente: 1ª, como se sabe, os documentos visam comprovar determinados factos, não podendo, pois, eles ser levados a factos provados ou não provados, como a recorrente afirma, antes se devendo desvelar a factualidade que eles encerram; 2ª, se o documento retrata uma determinada realidade da vida e esta não for considerada factualmente, nos factos provados ou não provados, e for factualidade importante, então poderá haver um vício da decisão da matéria de facto, mas nunca um vício da própria sentença em si.

Não se confunda a omissão de conhecimento de questões – por exemplo de pedidos, causas de pedir, excepções, -, de que trata o mencionado preceito, nº 1, d), 1ª parte, com a eventual não consideração de factos, alegados pelas partes, que devem ser apurados com vista à prolação da decisão de direito e solução da causa. 

Inexiste, por isso, a arguida nulidade.

3. Como se disse anteriormente, as conclusões de recurso da A. são extensas, pouco lineares e algo confusas.

Assim, parece-nos que a A. impugna a decisão da matéria de facto, relativamente aos factos provados 11. a 15., propondo novas redacções quanto ao 11. e 13. e a não prova dos 12., 14. e 15., com base em depoimentos testemunhais e prova documental que indica, e relativamente aos não provados C., F., G. e H., pugnando que passem a provados, com base em prova testemunhal e documental que especifica (cfr. as ditas conclusões de recurso). 

Na motivação da decisão de facto o julgador exarou que:

“Cumpre agora indicar as provas que serviram para formar a convicção do Tribunal e bem ainda proceder ao seu exame crítico, provas que são apreciadas de acordo com o princípio da livre convicção do julgador, previsto no artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil.

(…)

No que se reporta ao facto provado em 11) o Tribunal atendeu aos documentos juntos aos autos, bem como à prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.

Quanto à circunstância de o pinheiro se encontrar implantado no prédio rústico dos intervenientes principais descrito em 8.) dos factos provados está em causa matéria factual não controvertida.

Relativamente à data e hiato horário em que ocorreu a queda do pinheiro, o Tribunal valorou o auto de notícia e respectivo relatório fotográfico constante de fls. 17 a 19 dos autos, resultando do mesmo o período da ocorrência e o local dos factos, cujo teor foi confirmado pela testemunha e militar da GNR do Destacamento Territorial de Mangualde TT. De igual modo, a testemunha UU, elemento da Protecção Civil de ... que se deslocou ao local da ocorrência, ainda que não tenha logrado proceder à definição de uma data específica, situou temporalmente a queda do pinheiro sobre o armazém da Autora em finais (Dezembro) de 2019.

Quanto ao intervalo de dimensões e espessuras dado como provado, e perante a falta de qualquer outro elemento probatório que atestasse a real dimensão e espessura do pinheiro, o Tribunal socorreu-se do depoimento das testemunhas GG e UU. A primeira das referidas testemunhas atribuiu ao pinheiro a altura de 17/18 metros e a espessura de 90/95cm, ao passo que a segunda das referidas testemunhas classificou o pinheiro como sendo de médio/grande porte e atribuiu-lhe uma dimensão situada nos 12 a 15 metros, e uma espessura de cerca de 60cm de diâmetro.

Relativamente ao facto de a cobertura do armazém implantado no prédio da Autora ter sido atingida por um ramo/pernada de um pinheiro atentou-se nas fotografias juntas aos autos, concretamente no relatório fotográfico anexo ao auto de notícia da GNR ... de fls. 19, bem como nas fotografias 1, 2, 4 e 5 constantes de fls. 194 a 196. Com efeito, das referidas fotografias resulta que o tronco do pinheiro não embateu totalmente no armazém implantado do prédio da Autora, tendo esta edificação sido atingida por um ramo/pernada do pinheiro. Bem assim, a testemunha JJ, estranho ao litígio e que revelou conhecimento directo da queda do pinheiro, pois procedeu ao corte do mesmo, relatou ao Tribunal que só se encontrava uma pernada do pinheiro sobre o pavilhão implantado no prédio da Autora.

O descrito em 12) resultou provado em face da admissão por parte dos intervenientes principais, em sede de contestação, de que o pinheiro se encontrava implantado a cerca de 10 metros da estrema do prédio da Autora. De igual modo, a testemunha GG, a qual sustentou ter sido proprietário do prédio da Autora e que residia em frente ao terreno, aliado à circunstância de ser pai da sócia-gerente da Autora e de a acompanhar na gestão da vida societária, revelando desta forma ser conhecedor do local em questão, disse ao Tribunal que o pinheiro encontrava-se dentro do prédio do vizinho (intervenientes principais) a cerca de 10 metros do armazém implantado no prédio da Autora.

Quanto à queda do pinheiro pela raiz, o Tribunal formou a sua convicção com base nos depoimentos isentos das testemunhas UU e JJ, as quais, por se tratarem de pessoas estranhas à lide, mereceram credibilidade. A testemunha UU, elemento da Autoridade Nacional de Proteção Civil e com conhecimento directo da realidade que retratou em virtude de ter tido intervenção na ocorrência de queda do pinheiro, referiu a propósito da queda do pinheiro que a raiz deste cedeu, que o pinheiro terá caído pela raiz e que o mesmo não estava partido/quebrado em alguma zona. De igual modo, a testemunha JJ, que foi quem procedeu ao corte do pinheiro que se abateu sobre a edificação implantada no prédio da Autora e totalmente alheado do presente litígio, relatou ao Tribunal que o pinheiro apenas tombou e que ainda ficou seguro ao solo pela raiz.

Para prova do facto vertido em 13) o Tribunal valorou o depoimento das testemunhas MM, LL e JJ. A testemunha MM relatou ao Tribunal que o interveniente principal AA procedia à limpeza da mata todos os anos e que o ajudava algumas vezes nesse trabalho de corte de alguns pinheiros, circunstância que o habilitou a ter conhecimento directo do prédio onde se encontrava implantado o pinheiro que caiu sobre o armazém da Autora. Mais disse ao Tribunal, em alusão ao pinheiro que caiu sobre a edificação da Autora, que o mesmo “não tinha coisa de cair”, estava na vertical, sem nenhuma inclinação e num estado que descreveu como saudável, pelo que, atento o seu conhecimento directo da situação e visto tratar-se de um estranho relativamente ao litígio, mereceu credibilidade. A testemunha LL mostrou igualmente conhecer o prédio onde se encontrava implantado o pinheiro que caiu sobre o armazém da Autora, pois o mesmo é filho dos intervenientes principais CC e AA, e afirmou ao Tribunal que se deslocava ao pinhal para ir buscar pinhas e que todos os dias vê a “mata”. Relatou ao Tribunal que conhecia a árvore que caiu sobre o pavilhão da Autora, descrevendo-a como saudável, sem aparentar qualquer doença, que estava direita e que nunca viu a árvore inclinada, e, não obstante ser filho dos intervenientes principais acima referidos, depôs de forma isenta, segura e circunstanciada, pelo que o seu depoimento mereceu credibilidade da parte do Tribunal, sendo ainda certo que o seu depoimento foi ao encontro do depoimento da testemunha MM. De igual modo, a testemunha JJ, a qual conforme já referido procedeu ao corte do pinheiro que se abateu sobre a edificação da Autora e alheado do dissenso entre as partes, referiu expressamente que o pinheiro não tinha qualquer sinal de doença, o que se mostrou consonante com o descrito pelas testemunhas MM e LL, pelo que o seu depoimento mereceu igualmente credibilidade da parte do Tribunal.

No que concerne à extensão dos danos evidenciados em 14) o Tribunal valorou, desde logo, os registos fotográficos de fls. 195 a 197, nomeadamente as fotografias identificadas como 4, 5, 6 e 7, as quais, retiradas no interior da edificação da Autora, retratam os danos provocados em pelo menos duas chapas de zinco, bem como evidenciam que a estrutura que as suporta apresenta-se danificada. Considerou igualmente o Tribunal o relatório fotográfico elaborado pelo militar da GNR FF e constante de fls. 19, em particular a fotografia nº 4, com a legenda “vista do interior de armazém”, através da qual são perceptíveis os danos produzidos em pelo menos duas chapas de zinco e na estrutura que as suporta, realidade que o militar da GNR igualmente retratou em sede de audiência final. O retratado nas fotografias coincidiu com o depoimento da testemunha GG, o qual referiu que o pinheiro caído sobre o armazém da Autora provocou danos nas chapas da cobertura e a estrutura da edificação ficou danificada. De igual modo, a testemunha UU afiançou que a cobertura e a respectiva estrutura de suporte à mesma estava danificada. Bem assim, a testemunha VV, perito averiguador da D... e totalmente alheado à presente lide, relatou que observou a edificação implantada no prédio da Autora apenas do seu exterior e constatou que estariam danificadas 3 ou 4 chapas que compunham a cobertura da aludida edificação, corroborando o supra descrito e retratado nas fotografias juntas aos autos com o relatório de peritagem e constantes de fls. 61. Por último, a testemunha LL, de forma isenta e despretensiosa, afirmou que da queda do pinheiro resultaram danificadas 2 chapas, bem como os “ferros” que as suportavam.

Assim, tomando em conta os meios de prova supra expostos e perante a ausência de qualquer outro elemento probatório que atestasse o número concreto de chapas de zinco danificadas, o Tribunal somente logrou concretizar que pelo menos duas chapas de zinco ficaram danificadas com a queda do pinheiro.

Para prova dos factos vertidos em 15) e 16) o Tribunal alicerçou, desde logo, a sua convicção no teor do comunicado técnico-operacional da Autoridade Nacional da Protecção Civil de fls. 294 a 299, cujo teor foi esclarecido pelas testemunhas WW e II, a exercer funções no Comando Nacional de Emergência e Protecção Civil. Extrai-se do teor do aludido comunicado que, no período compreendido entre os dias 18 e 20 de Dezembro e de acordo com a informação disponibilizada pelo IPMA, previa-se um quadro meteorológico de precipitação forte e persistente, vento nas terras altas e no litoral, sendo expectável a possibilidade de queda de ramos ou árvores em virtude de vento forte. Mais se extrai do referido comunicado que o Distrito ... estava sob o Estado de Alerta Especial de nível Laranja do Sistema Integrado de Operações de Protecção e Socorro da Autoridade Nacional de Protecção Civil. Considerou-se ainda o depoimento da testemunha UU, o qual associou a queda do pinheiro sobre a edificação implantada no prédio da Autora às condições climatéricas sentidas à data. No mesmo sentido depôs a testemunha VV que afiançou ao Tribunal que o pinheiro caiu no prédio em consequência dos ventos fortes verificados naquela altura. Por último e em consonância com o descrito pelas testemunhas acima referidas, a testemunha LL descreveu as condições meteorológicas do dia 19 de Dezembro como “muito más”, associando as mesmas à tempestade “Elsa”. Em conjugação com todo o exposto temos que, entre os dias 18 e 20 de Dezembro de 2019, Portugal foi afectado pela tempestade/depressão Elsa, a qual se traduziu numa forte intensidade dos ventos, chuva forte e agitação marítima, e que provocaram prejuízos avultados no país, cuja ocorrência é considerada como facto notório (artigo 412º do Código de Processo Civil).

(…)

*

Não se provou o descrito em C) não só por ter-se demonstrado precisamente o contrário, conforme emana do facto provado em 13) e com base nos depoimentos a propósito expostos, como também apenas as testemunhas GG e XX o referiram. Com efeito, a testemunha GG apresentou um depoimento comprometido pela circunstância de ser pai da sócia-gerente da Autora, tendo apresentado uma versão favorável aos interesses da Autora ao dizer ao Tribunal que o pinheiro já estava caído e que só não caiu mais cedo porque estava seguro pelos outros pinheiros, mostrando-se inverosímil que, atentas as dimensões do pinheiro, este permanecesse seguro pelos ramos de outros pinheiros. Mais disse, em total contradição com os demais depoimentos que o Tribunal valorou para dar como provado o estado em que se encontrava o pinheiro (facto provado 13), que o pinheiro estava com a ponta da raiz de fora e em risco de cair. A testemunha XX aludiu a um pinheiro que estava inclinado sobre outros pinheiros, que estava inclinado sobre o pavilhão e que por isso “a segurança não era muita”. Desvalorizou-se o depoimento desta testemunha por força da relação profissional que manteve com a Autora até há 4/5 anos atrás, precisamente coincidente com a altura em que o pinheiro caiu. Acresce que a testemunha relatou que a posteriori veio a saber da queda do pinheiro sobre o pavilhão, mas não conseguiu precisar se o pinheiro tombado sobre o armazém correspondia ou não ao pinheiro que descreveu como inclinado sobre outros pinheiros.

(…)

O não provado em F) resultou da total desvalorização/falta de credibilidade do orçamento juntos aos autos pela Autora a fls. 29. Logo à partida dir-se-á que o referido orçamento foi elaborado por uma sociedade denominada F..., Lda. Determinada a junção aos autos de certidão permanente da referida sociedade no decurso da audiência final e analisado o seu teor e cotejado com a certidão permanente da Autora resultou o seguinte: tanto a sede societária como a sócia-gerente da F... são precisamente as mesmas da Autora, o que só por este aspecto permite-nos concluir que estamos perante um orçamento que se reputa como parcial, desprovido de qualquer isenção. Atente-se que no referido orçamento faz-se constar a reparação de fissuras nas paredes estruturais do pavilhão provocadas pelo sinistro (950,00€), tendo-se dado como não provado que da queda do pinheiro resultou qualquer fissura ou outro tipo de dano nas paredes do pavilhão. Refere-se expressamente no dito orçamento “fornecimento e aplicação de vigas em ferro, a aplicar na estrutura do pavilhão para recebimento das chapas metálicas degradadas da cobertura numa área de 100m2” (1.360,00€). O acabado de descrever não tem qualquer tipo de correspondência com os danos apurados, isto é, pelo menos duas chapas de zinco da cobertura do armazém implantado no prédio da Autora foram perfuradas e foi danificada parte da estrutura metálica que as sustentava. Aliás, carece de qualquer sentido a reparação da cobertura numa área de 100m2, pois isso representaria praticamente metade da área do armazém implantado no prédio da Autora, o que se mostra totalmente descabido face à dimensão dos danos que se apurou. Verdadeiramente gritante é a previsão de “pintura das paredes estruturais a reabilitar devido ao sinistro” (775,00€). Basta atentar nas fotografias de fls. 194 a 196 para se perceber que as paredes são constituídas por blocos de cimento e desprovidas de qualquer pintura.  

O descrito em G) resultou não provado atento o dado como provado no facto 21). Com efeito e em face da Certidão Permanente do Registo de Veículos de fls. 148 e 149, demonstrou-se que o veículo se encontra registado como sendo propriedade da sociedade C..., Lda., e não como sendo propriedade da Autora, mais se encontrando registada penhora a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira. Acresce que tendo o registo apenas efeito declarativo, cuja finalidade consiste em dar publicidade aos actos, constituindo o registo da propriedade uma mera presunção iuris tantum da respectiva propriedade, a Autora não logrou ilidir esta presunção do registo, isto é, a Autora não demonstrou/provou que passou a assumir um comportamento, relativamente ao veículo, que é normal no titular do direito de propriedade.

O descrito em H) resultou não provado por força do depoimento das testemunhas JJ e LL, acrescendo a circunstância de não se verificar qualquer dissídio quanto aos limites dos prédios rústicos da Autora e dos intervenientes principais. A testemunha JJ, de forma isenta, espontânea e circunstanciada, e como tal merecedora de credibilidade, explicou que, na sequência da queda do primeiro pinheiro e com vista a evitar algo de semelhante, procederam ao corte de todos os pinheiros assim que terminou o Verão de 2020. Relatou ao Tribunal que, juntamente com interveniente principal AA, esticaram um fio ao longo da estrema dos prédios e de uma ponta à outra dos elementos delimitadores dos prédios (“de um bocadito de muro até ao outro muro” em alusão ao tipo de marcos usado pelos “antigos”), e que todos os pinheiros numa extensão de 5 metros para lá da estrema foram cortados. Afiançou a testemunha de forma clara e peremptória que o “segundo pinheiro não cortei porque não era nosso”, pois este pinheiro não se encontrava implantado no prédio identificado em 8). Confrontado com as fotografias de fls. 198 e 199 (fotografias 9 a 11), a testemunha LL afirmou que existia um declive/talude com cerca de 7/8 metros a dividir os prédios da Autora e dos intervenientes principais. Afirmou de forma segura que o pinheiro que tombou sobre o veículo da Autora encontrava-se implantado no prédio do Senhor GG em alusão ao prédio da Autora, mais tendo acrescentado que seria inclusive possível que parte do terreno de cima (parte superior do talude acima referido) ainda seja propriedade da Autora. Com efeito, analisadas as fotografias acima referidas dúvidas não restam quanto ao declive existente, e, tomando como boa a descrição dos limites dos prédios da Autora e dos intervenientes principais referida por LL conjugada com a circunstância inexistir qualquer conflito quanto ao limite de ambos os prédios, o Tribunal concluiu que o pinheiro referido em 22.) não se encontrava implantado no prédio rústico identificado em 8.), mais não tendo sido possível concluir pela concreta localização ou prédio onde o mesmo se encontrava implantado.”

3.1. Em relação aos factos provados 12., 14. e 15., a A. pretende que eles passem a não provados. Mas não sabemos porquê. Ademais a A. até revela falta de foco na sua impugnação. Expliquemos estas duas partes.

Primeira. Recorde-se que a norma que regula a impugnação da matéria de facto (art. 640º do NCPC) dita que tem de observar-se os ditames fixados no seu nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, sob pena de rejeição.

Ou seja, de tal dispositivo verifica-se que a lei exige 5 requisitos:

i) Que o recorrente obrigatoriamente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

ii) Que o recorrente obrigatoriamente especifique o sentido concreto da resposta, que na óptica do recorrente, se impunha fosse dado a tais pontos;

iii) Que o recorrente obrigatoriamente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa;

iv) E por que razão assim seria, com análise crítica criteriosa;

v) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de facultativa transcrição dos excertos relevantes.  

Do corpo das alegações de recurso (e aludidas conclusões), não resulta quais as razões, com análise crítica criteriosa, para alterar os apontados factos impugnados. Motivos para isso, zero !   

Assim, a forma de impugnar praticada pela apelante não respeita a lei processual (o indicado nº 1, b), do art. 640º), não satisfaz o terceiro e quarto requisitos legais elencados. Em relação a tal matéria, importa, pois, rejeitar a mencionada impugnação.

Segunda. Nem se compreende bem a impugnação aos factos 12. e 15., pois corresponde ao alegado pela A., respectivamente, nos arts. 7º (parte) e 8º da p.i.! Nem ao facto 14.: então mas da queda do pinheiro não resultaram danos no armazém da A., que a A. até orçamentou no valor de 4.970 € !? 

Acrescente-se, ainda, que em relação ao facto 15., a A. chama à discussão o doc. de fls. 338/339, da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil, que relata as ocorrências registadas entre os dias 18 e 20 de Dezembro, e nela apenas se menciona a queda de uma árvore no dia 19.12.2019, num determinado lugar, mas não no local em análise. Ora, este documento não comprova que a árvore caiu no local referido no facto provado em 11. e por causa de ventania forte. Portanto, tal doc. não é susceptível de abalar o facto provado 15., que a própria A. alegou e viu provado.

Do exposto, vai rejeitada e indeferida a impugnação à factualidade indicada.

3.2. Quanto ao facto não provado F., também a A. não justifica, minimamente que seja, a sua prova. Inexiste qualquer argumentação.

De útil, nesta impugnação, apenas se pode retirar, conjugando os factos provados 11. e 14., que foram causados danos na cobertura do armazém e parte da estrutura metálica, do armazém pertença da A., de valor não concretamente apurado.

Assim sendo, a dita alínea F. é eliminada dos factos não provados (e fica em letra minúscula) e passa a facto provado sob 14-A., com a correspondente seguinte redacção (a negrito):

14-A. - Por força do evento descrito em 11.) e o referido em 14-, resultaram prejuízos não concretamente apurados.

3.3. Relativamente ao facto não provado G. verifica-se que a propriedade do dito veículo está registada a favor de outra pessoa (facto 21.).

A A. pugna pela comprovação do facto G. com base na sua compra verbal a essa outra pessoa e documento particular comprovativo da dita compra, como tinha alegado no art. 3º da p.i e adjuvante doc. nº 2. Acontece que tal facto e doc. foram impugnados nos arts. 15º a 19º da contestação dos intervenientes principais.

Tratando-se de um documento particular e tendo sido impugnado, competia à A. apresentar, para além do referido doc., o respectivo comprovativo probatório. O que não logrou.

Não procede, pois, esta parte da impugnação da decisão de facto. 

3.4. Remanesce, por fim, para apreciação a impugnação aos factos provados 11., 13., e não provados C. e H.

Ouvimos a prova gravada em CD, mencionada pela recorrente.

A testemunha FF, militar da GNR, que acorreu ao local, declarou ter verificado que estava o pinheiro tombado sobre as chapas do pavilhão, foram tiradas fotografias e feito um relatório de serviço sobre a situação. Lembro-me de haver um buraco provocado pelo pinheiro e a própria estrutura que sustentava a chapa terem cedido.

A testemunha GG, arrolada pela A., pai da sócia gerente da A., disse que o primeiro pinheiro já ameaçava cair em finais de 2018, 2019. Avisou o AA várias vezes. Quando o pinheiro caiu foi ele quem lhe bateu à porta dizendo-lhe que o pilheiro tinha caído e que já tinha ligado para os bombeiros e para a proteção civil. O pinheiro caiu na totalidade em cima do armazém. O pinheiro já tinha uma inclinação a 45%, e só não caiu mais rápido pelo motivo da outra rama dos outros pinheiros o segurarem. Em 2019, já apresentava algumas raízes à vista. A protecção civil tirou o que estava mais em perigo e depois o A. AA tirou o resto do pinheiro. O segundo pinheiro era do terreno do a. AA. O comandante dos bombeiros de ... alertou o A. AA do perigo de queda de pinheiros da zona de onde caiu o segundo pinheiro. A testemunha prestou depoimento favorável à A., o que foi notório quando, por diversas vezes, referiu que o lugar onde se encontrava o armazém era “o nosso terreno”.

A testemunha MM, arrolada pela A., que conhece as partes, referiu que o segundo pinheiro caiu de uma ribanceira grande para cima da carrinha. Foi ele que lá foi cortar e tirar o pinheiro a mando do Sr. AA. Quando falou com ele, ele já sabia da queda do pinheiro. Quando o Sr. AA vinha a Portugal, pois vive na Alemanha, a testemunha ajudava-o a limpar a mata e cortar o arvoredo. Conhecia o primeiro pinheiro que caiu no armazém e não estava com ares de cair, estava saudável e direito.   

A testemunha XX, arrolada pela A., que conhece as partes, mencionou que conhece bem o local. No pinhal da família do senhor AA houve um pinheiro grande que lhe chamou a atenção porque estava inclinado sobre o pavilhão. Disse até ao pessoal do armazém na altura, a um rapaz chamado YY, segundo pensa, e a um mecânico que na altura lá estava, este pinheiro um dia ainda vai cair em cima de alguém. Da maneira que estava o pinheiro indicava que a segurança não era muita. Depois mais tarde é me disseram que aquele pinheiro já tinha caído. Revelou um depoimento pormenorizado, espontâneo e isento.

A testemunha UU, arrolada pela A., bombeiro em ..., disse que quando chegou ao local estava o pinheiro tombado sobre a cobertura do armazém com perfuração das chapas de cobertura, presumindo também que a estrutura também teria sofrido danos, a própria estrutura da cobertura, por causa dos ramos do pinheiro. Que o doc. de fls. 338/339, da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil, que relata a ocorrência registada no dia 19 de queda de uma árvore, num lugar denominado Quinta ..., não tem a ver com a queda do pinheiro ocorrida no local ora em discussão.

A testemunha JJ, arrolada pelos intervenientes, declarou que na altura da queda do primeiro pinheiro estaria - uns dias depois ele foi lá cortá-lo -, tempo adverso, e havia chuva naquela altura. Foi cortá-lo depois do Natal, mas antes do Ano Novo de 2019. O pinheiro tinha uma pernada sobre o pavilhão. O pinheiro aparentava ser resistente, porque o Sr. AA deu-lhe a madeira do pinheiro. Andou lá a cortar pinheiros na propriedade do Sr. AA, depois da queda do primeiro pinheiro, e nessa altura não cortou o segundo pinheiro caído porque não era do Sr. AA, estando o dito pinheiro no terreno da A. Depois daquela primeira vez, andou lá uma segunda vez em Agosto de 2020 a pedido do mesmo A. AA a cortar arvoredo. O seu depoimento denotou algum julgamento apriorístico/conclusivo em relação aos factos em discussão, favorável aos intervenientes RR.   

A testemunha LL, arrolada pelos RR/intervenientes e filho de um deles, o AA, referiu que quem cortou o primeiro pinheiro caído, foi o pai, o que não bate certo com o depoimento da testemunha JJ, que indica ter sido ele a cortar a árvore. Foi ele que tirou as fotos de fls. 194/199. Um galho furou a cobertura do pavilhão. O dito pinheiro aparentava estar saudável e firme. Depois um colega do pai, a testemunha JJ, foi lá cortar o arvoredo da mata do pai. O mesmo disse que ao segundo pinheiro caído não era do terreno do pai, era do terreno do sr. GG. A testemunha prestou depoimento tendencial a favor do pai.   

Analisando.

Relativamente ao facto provado 11. Descontando os depoimentos tendenciais/parciais das testemunhas GG, pai da gerente da A., e ZZ, filho dos intervenientes principais AA e mulher, não se vê razão para o alterar, como proposto pela recorrente. As testemunhas UU e JJ, confirmaram no seu depoimento que foi um ramo/pernada que atingiu a cobertura do armazém, não o pinheiro na sua totalidade. E as fotos do relatório da GNR, de fls. 19, designadamente a nº 3, e de fls. 194, designadamente a nº 1, também o confirmam. Não se defere, pois, a mencionada impugnação.

Quanto ao facto provado 13. e facto não provado C., de novo há que dar pouca credibilidade aos depoimentos dos referidos GG e ZZ, pelas razões indicadas.

Aqui são de relevar 3 depoimentos. O de MM que aparentemente conhecia o pinheiro, mas que não foi convincente, no que referiu neste aspecto. Ficámos com a impressão que o seu conhecimento era superficial e impressionista, de ver simplesmente o dito pinheiro, do que conhecimento real. O de JJ que declarou que o pinheiro aparentava ser resistente, porque o Sr. AA lhe deu a madeira do pinheiro. Mas como atrás salientámos, o seu depoimento denotou algum julgamento apriorístico/conclusivo em relação aos factos em discussão, favorável aos intervenientes RR. E o de XX, que conhece bem o local, dizendo que no pinhal da família do senhor AA houve um pinheiro grande que lhe chamou a atenção porque estava inclinado sobre o pavilhão. Disse até ao pessoal do armazém na altura, a um rapaz chamado YY, segundo pensa, e a um mecânico que na altura lá estava, este pinheiro um dia ainda vai cair em cima de alguém. Da maneira que estava o pinheiro indicava que a segurança não era muita. Depois mais tarde é que me disseram que aquele pinheiro já tinha caído. Esta testemunha, ao logo de todo o seu depoimento, mostrou um conhecimento pormenorizado, directo e espontâneo, e, mais importante, mostrou-se isento. Convenceu-nos.

De outro lado, não se entende muito bem, a desvalorização que o julgador de facto exprime quanto ao seu depoimento, “por força da relação profissional que manteve com a Autora até há 4/5 anos atrás, precisamente coincidente com a altura em que o pinheiro caiu.”, por suspeito favorecimento o que de maneira nenhuma emerge das suas declarações. Por este prisma simplista, também, então, se impunha desvalorizar os depoimentos de MM, que prestava serviços ao A. AA, e de JJ que ficou com a madeira do pinheiro, dada pelo A. AA.

Pelo exposto, procede, parcialmente, a impugnação, pelo que o facto provado 13. passa a não provado (ficando em letra minúscula), sob C-A. (que fica em letra maiúscula), a dita alínea C. é eliminada dos factos não provados (e fica em letra pequenina) e passa a facto provado sob 13-A., com as correspondentes seguintes redacções (a negrito):

13-A. - O pinheiro mencionado em 11.) apresentava pouca estabilidade, encontrando-se inclinado a ameaçar cair.

Referente ao facto não provado H., mais uma vez há que desvalorizar os depoimentos de GG e ZZ, pelos motivos já apontados. Já o depoimento da testemunha JJ, não pode ser muito valorizado: se andou lá a cortar pinheiros na propriedade do Sr. AA, depois da queda do primeiro pinheiro, em Dezembro de 2019 e nessa altura não cortou o segundo pinheiro caído porque não era do Sr. AA, estando o dito pinheiro no terreno da A., e se, depois dessa primeira vez, andou lá uma segunda vez em Agosto de 2020 a pedido do mesmo A. AA a cortar arvoredo, é evidente que o segundo pinheiro caído em Abril de 2020 (facto 22.) não foi cortado antes de cair, nem em Agosto de 2020, depois de cair. Assim, a credibilidade que o julgador de facto dá a tal testemunha com base na motivação concreta que apresenta, não se apresenta lógica. Nem o andar a esticar um fio ao longo da estrema dos prédios e de uma ponta à outra, demonstra a delimitação dos prédios, porque a testemunha esticou o fio por onde o A. AA lhe disse, sem a testemunha conhecer as estremas dos prédios.

O elemento decisivo é o que resulta do depoimento da testemunha MM, que disse que foi ele que foi lá cortar e tirar o pinheiro a mando do Sr. AA, e que quando falou com ele, ele já sabia da queda do pinheiro. Ninguém manda outrem tirar um pinheiro caído em terreno alheio, mas ao lado do seu, se não for o dono do prédio de onde o pinheiro caiu e se não se sentir responsável. É o que a experiência da vida, o senso comum e a normalidade das coisas da vida nos ensinam.

Procede, por isso, parcialmente, a impugnação. Assim sendo, a dita alínea H. é eliminada dos factos não provados (e fica em letra minúscula) e passa a facto provado sob 22-A., com a correspondente seguinte redacção (a negrito):

22-A. - O pinheiro referido em 22.) encontrava-se implantado no prédio rústico identificado em 8.) a cerca de um metro da estrema do prédio da Autora.

4.1. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“Com efeito, a Autora peticionou indemnização pelos danos provocados com a queda de um pinheiro no veículo de marca ..., modelo ..., com a matrícula SS-..-.., o qual se encontrava parado no logradouro do prédio daquela.

Sucede, desde logo, ter-se apurado que o mencionado veículo encontra-se registado como sendo propriedade da sociedade C..., Lda., e não como sendo propriedade da Autora.

Ademais não se apurou que o pinheiro que se abateu sobre o referido veículo estivesse implantado no prédio rústico registado como sendo propriedade dos intervenientes processuais.

Destarte, perante este quadro factual importa retirar duas conclusões.

Em primeiro lugar, resultou apurado que a Autora não figurava como titular do direito de propriedade do mencionado veículo, o que se traduz na falta de legitimidade substantiva para demandar nos presentes autos. Dito de outro modo, é manifesta a falta do direito que a Autora pretende fazer valer, o que se repercute na inviabilidade da pretensão indemnizatória que pretendia obter, visto ter resultado dos autos que não se gerou qualquer dano na sua esfera jurídico-patrimonial, mas na de terceiro, nada podendo, por conseguinte, obter para si relativamente à reparação/indemnização pelos danos causados no veículo com a queda de um pinheiro (artigo 483º do Código Civil).

Em segundo lugar, ainda que a Autora fosse titular do direito de propriedade do veículo danificado, não poderia ser assacada qualquer responsabilidade indemnizatória aos intervenientes principais, na medida em que ficou por demonstrar que o pinheiro que se abateu sobre tal veículo encontrava-se implantado no seu prédio rústico.

Em conclusão, carece a Autora de legitimidade substantiva para demandar nos presentes autos, visto que ao não figurar como titular do direito de propriedade em relação ao veículo danificado carece necessariamente de legitimidade material para obter a pretensão indemnizatória peticionada (artigo 483º do Código Civil), impondo-se neste segmento a improcedência do pedido (artigo 576º, nºs 1 e 3 do Código de Processo Civil).”.

A recorrente discorda (vide as suas conclusões de recurso).

Na sentença apelada, rejeitou-se a pretensão da A., por duas razões: o pinheiro que se abateu sobre o veículo não se encontrava implantado no prédio rústico dos intervenientes principais; não se demonstrou que a A. é a proprietária de tal veículo.

Com a prova do actual facto 22-A., a primeira razão desapareceu.

Mas permanece a segunda, pois a propriedade do veículo está registada a favor de entidade terceira (facto provado 21.), e a A. não logrou provar ser a proprietária dessa viatura (facto não provado G.).

Assim, não pode censurar-se a decisão recorrida, que há que manter, não procedendo, por isso, o pedido da A., nesta parte, de ser indemnizado na quantia de 3.025 €.

4.2. Na mesma sentença apelada exarou-se que:

“Segundo o artigo 483º do Código Civil, “1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.

A principal função da responsabilidade civil por facto ilícito é, como qualquer modalidade de responsabilidade civil, ressarcitória, visando reparar os danos sofridos pelo lesado.

Decorre do disposto no citado preceito legal que a obrigação de indemnizar com origem na responsabilidade civil subjectiva depende da verificação cumulativa de determinados pressupostos, a saber:

▪ a existência de facto voluntário pelo agente;

▪ a ilicitude;

▪ a culpa;

▪ o dano;

▪ e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Pressupostos esses cujos ónus de alegação e prova impende ao lesado (artigo 342º, nº 1 do Código Civil), a não ser que beneficie de uma presunção legal (artigo 350º, nº 1 do Código Civil), o que a acontecer transfere para o lesante o ónus de ilidir essa presunção (artigo 350º, nº 2 do Código Civil).

O primeiro dos enunciados pressupostos é a existência de um comportamento - que não tem de consistir necessariamente numa acção, podendo traduzir-se numa omissão - posto que seja dominável pela vontade, ou nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, “o elemento básico da responsabilidade é o facto do agente – um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana -, pois só quanto a factos desta índole têm cabimento a ideia da ilicitude, os requisitos da culpa e a obrigação de reparar o dano, nos termos em que a lei a impõe” (in Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 4ª Edição Revista e Actualizada, 1987, p. 471).

Todavia, no caso das omissões, e como resulta do disposto no artigo 486º do Código Civil, a imputação ao agente da conduta omissiva exige que sobre ele recaia o dever de praticar o acto omitido, uma vez que inexiste um dever genérico de evitar a ocorrência de danos, pelo que “… para alguém ser responsável por omissão pelos danos sofridos por outrem se exija, para além dos outros pressupostos da responsabilidade delitual, um dever específico, que torne um particular sujeito garante da não ocorrência desses danos” (Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Vol. I, Almedina, 13ª Edição, 2016, p. 257). Tal específico dever pode resultar de fonte negocial ou ser imposto por lei, como ocorre na previsão dos artigos 491º, 492º e 493º do Código Civil, havendo que ter em consideração, neste domínio, os denominados deveres de prevenção do perigo (ou, noutra terminologia, deveres de segurança no tráfego), cujo acolhimento permite estender a responsabilidade delitual por omissão a todo aquele que, exercendo o domínio de facto sobre uma coisa, móvel ou imóvel, ou determinada actividade, sendo aquela e esta susceptíveis de causar danos a terceiro, não tome as providências destinadas a evitá-los.

A existência de um dever genérico de prevenção impõe assim ao criador ou mantenedor de uma situação especial de perigo que proceda à sua remoção, sob pena de responder pelos danos provenientes da omissão. Os deveres em causa têm a ver com a prevenção dos perigos em locais privados ou públicos (estradas, edifícios), relacionados com coisas ou actividades perigosas, deles sendo projecção, entre outras, as citadas disposições legais - artigos 492º e 493º do Código Civil -, nelas surgindo a posição do lesante agravada pela presunção de culpa.

Do artigo 483º, nº 1 do Código Civil extraem-se portanto com clareza as modalidades que a ilicitude pode revestir: violação de direitos subjectivos alheios ou de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios, incluindo os deveres de segurança no tráfego, que terão todavia de corresponder a uma norma de conduta cujo desrespeito seja havido como ilícito e cujo conteúdo dependerá da ponderação de diversos factores, como a probabilidade da ocorrência do acidente e efeitos danosos a evitar, das medidas preventivas exigíveis e possibilidade de auto-protecção do lesado, sob pena de uma ampla construção e admissão de deveres de prevenção do perigo equivaler na realidade à consagração de uma verdadeira responsabilidade pelo risco, que apenas formalmente se ampara nos esquemas da responsabilidade por culpa.

Preceitua o artigo 487º do Código Civil, sob a epígrafe “Culpa”, que “1. É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa. 2. A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.

A culpa exprime-se através de um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente que, em face das circunstâncias concretas do caso, podia e devia ter agido de modo a evitar o facto ilícito. Parafraseando Antunes Varela, “agir com culpa significa atuar em termos de a conduta do agente merecer reprovação ou censura do direito: o lesante, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo” (in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 102º, p. 58).

A apreciação da culpa, na ausência de outro critério legal, afere-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, por força do princípio consagrado no artigo 487º, nº 2 do Código Civil.

Dito de outro modo, a culpa deve ser apreciada “in abstracto”, ou seja, em atenção à diligência de um bom pai de família e não à diligência normal do causador do dano. E mandando atender às circunstâncias de cada caso, a lei quer apenas dizer que a diligência relevante para a determinação da culpa é a que um homem normal (um bom pai de família) teria em face do condicionalismo próprio do caso concreto.

Passando ao funcionamento prático do critério é de realçar a importância da distinção entre circunstâncias externas e internas, expressa na seguinte questão: como teria procedido um bom pai de família colocado nas mesmas circunstâncias externas, e só nessas, em que procedeu o agente? Se um bom pai de família nas mesmas circunstâncias externas tivesse procedido de outro modo, a conduta do agente será errada e haverá culpa.

No que concerne ao pressuposto da culpa, abre-se uma excepção àquela regra estabelecida no citado artigo 487º do Código Civil, no sentido de inverter o seu ónus de prova, dele dispensando o lesado.

Entre essas situações importa aqui destacar a prevista no artigo 493º, nº 1 do Código Civil:

Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.

O nº 1 do citado normativo estabelece um título de imputação de responsabilidade civil extracontratual, respeitante aos danos causados por animais e coisas, móveis ou imóveis, para aqueles que tiverem o dever de os vigiar.

Como escrevem Maria da Graça Trigo e Rodrigo Moreira, “(…) a lei não faz qualquer restrição quanto à qualidade das coisas em questão ou à sua perigosidade intrínseca, pelo que devem ter-se por abrangidas todas as coisas que fazem parte do tráfego e que estejam em poder de alguém, por mais inócuo que, em abstrato, se revele o seu potencial danoso” (in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, UCE, 2018, p. 321; no mesmo sentido, Rui Mascarenhas Ataíde, in Responsabilidade Civil por Violação de Deveres no Tráfego, Almedina, 2015, p. 357).

O artigo 493º, nº 1 do Código Civil regula uma situação de responsabilidade extracontratual, em que a culpa se presume, a qual não se confunde com outras que envolvam responsabilidade objectiva, submetidas a tipificação legal, em que a obrigação de indemnizar é independente da existência de culpa do agente, apenas se admitindo o seu afastamento em casos de força maior (v.g. artigos 505º e 509º, nº 2 do Código Civil).

Naquela situação admite-se a exclusão da responsabilidade, mediante a prova de factos que traduzam ou a ausência de culpa, na modalidade de imprevidência, inconsideração ou negligência, ou uma situação de inevitabilidade em que os danos se produziriam mesmo sem qualquer culpa do proprietário da coisa de que naturalisticamente decorrem os danos para terceiros.

Nestas situações, a responsabilidade assenta sobre a ideia de que não foram tomadas as medidas de precaução necessárias para evitar o dano, recaindo a presunção sobre a pessoa que detém a coisa ou o animal, com o dever de os vigiar. “Essa pessoa será, por via de regra, o proprietário, mas muitas vezes não o será, podendo tratar-se do comodatário, do depositário, do credor pignoratício, etc.”, ou seja, a responsabilidade não cabe ao proprietário, enquanto tal, mas apenas àquele que, sendo ou não proprietário do bem, tinha o dever de o vigiar (seguindo de perto Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 10ª Edição, 2006, p. 594). Mais rigorosamente, recai sobre aquele que detiver o poder de facto sobre a coisa, no pressuposto de que, como referia Vaz Serra, “quem tem a coisa à sua guarda deve tomar as medidas necessárias a evitar o dano” e que “as coisas abandonadas a si mesmas podem constituir um perigo para terceiros” de modo que “o guarda delas deve, por isso, adoptar aquelas medidas; por outro lado, está em melhor situação do que o prejudicado para fazer a prova relativa à culpa, visto que tinha a coisa à sua disposição e deve saber, como ninguém, se realmente foi cauteloso na guarda” (in Trabalhos Preparatórios, BMJ 85º, p. 365). Ainda a este propósito, como se observa no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-10-2006 (Processo nº 0653456; Relator: Fernandes do Vale; disponível em www.dgsi.pt), “(…), há que entender que tem a detenção material da coisa, que está na sua disponibilidade material, em nome próprio ou alheio, quem detém sobre ela o controlo físico, não interessando em si mesmo a qualidade de proprietário, sob pena de se cair na responsabilidade objectiva, mas a detenção material, ainda que em nome alheio”.

Refere Rui Mascarenhas Ataíde que não é o perigo inerente à coisa que fundamenta a regra especial de responsabilidade, antes “o dever de controlo correspectivo do poder de determinação sobre as coisas que ocupam um certo campo física e espacialmente delimitado”. E reportando-se especificamente a eventos com interferência de árvores, observa que não sendo as árvores em si perigosas, o que está normalmente em causa é “precaver a degradação do seu estado biomecânico e fitossanitário, aplicando os cuidados especificamente requeridos”. Mais adiante conclui que, “relativamente ao modo como influem nas fontes de perigo, os deveres de controlo tanto podem ter carácter preventivo, visando precaver o nascimento de perigos, como supressivo, eliminando-os, sempre que detectados pelo exame das coisas ou puramente gestionários, no sentido em que se proponham manter perigos inamovíveis dentro de limiares razoáveis de segurança” (in op. cit., p. 369 e 712).

Estabelece-se, pois, no artigo 493º, nº 1 do Código Civil a inversão do ónus da prova, ou seja, a presunção de culpa por parte de quem tem a seu cargo a vigilância da coisa, sendo, porém, necessário que haja causalidade entre a falta de vigilância e o evento, embora se presuma a culpa do vigilante.

Presunção que sempre será de haver como afastada se o vigilante provar que nenhuma culpa houve da sua parte na produção dos danos ou que estes se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa da sua parte, por ocorrência de caso fortuito ou de força maior.

Neste sentido, e conforme é posição maioritária da doutrina e da jurisprudência, a parte final do artigo 493º, nº 1 do Código Civil estabelece um caso de relevância negativa da causa virtual do dano, pois “o agente afastará a sua responsabilidade se provar que uma outra causa desencadearia idêntico prejuízo, ainda que não tivesse ocorrido a falta de diligência da vigilância” (assim, Ana Prata, in Código Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2ª Edição Revista e Actualizada, 2019, p. 675). A causa virtual pode definir-se como o facto, real ou hipotético, que tenderia, segundo as regras da normalidade e da experiência, a produzir determinado dano se este não tivesse sido causado por outro facto, ao qual se dá o nome de causal real (neste sentido, por todos, Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 6ª edição, p. 588 ou, ainda, Almeida Costa, in Direito das Obrigações, Almedina, 11ª Edição, Revista e Actualizada, p. 767-770).

Como assim, e conforme é posição maioritária da doutrina e da jurisprudência, no caso do artigo 493º, nº 1, parte final, do Código Civil, a relevância da causa virtual é negativa, “uma vez que afasta a imputação dos danos àquele a quem, segundo as regras gerais, caberia o seu ressarcimento”, ou seja, ao autor da causa virtual (Maria da Graça Trigo e Rodrigo Moreira, in op. cit., p. 322).

Acresce que é necessário que do facto ilícito e culposo resulte um dano – o prejuízo, a perda “in natura” que o lesado sofreu, como consequência do facto, nos seus interesses (materiais, espirituais ou morais). Como salienta Carneiro da Frada, “perante o disposto no artigo 483.º, n.º 1, o dano parece não poder definir-se como a lesão, em si, de um direito ou interesse legalmente protegido, pois haveria sobreposição com a ilicitude” (in Direito Civil – Responsabilidade Civil. O Método do Caso, Almedina, 2010, p. 90). Relevante não é o prejuízo sofrido pelo lesante em razão do comportamento alheio, mas “a supressão ou diminuição de uma vantagem reconhecida pelo Direito” (Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil, VIII, Almedina, 2016, p. 511) ou “a frustração de uma utilidade que era objecto de tutela jurídica” (Menezes Leitão, in op. cit, p. 297), pois somente são indemnizáveis os danos que resultem “da preterição das utilidades viabilizadas pelo bem objecto do direito ou do interesse juridicamente protegido” (Mafalda Miranda Barbosa, in Lições de Responsabilidade Civil, Princípia, 2017, p. 365).

Por último, é exigível que interceda um nexo de causalidade entre o facto e o dano, o que implica que o comportamento ilícito e culposo do agente seja causa dos danos sofridos. O critério para o estabelecimento do nexo de causalidade subjacente ao artigo 563º do Código Civil assenta na teoria da causalidade adequada, referindo o aludido preceito que “a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

Descendo ao caso dos autos.

Resultou provado que, entre as 22h00 do dia 19-12-2019 e as 07h30 do dia 20-12-2019, a cobertura do armazém implantado no prédio da Autora foi atingida por um ramo/pernada de um pinheiro com espessura não inferior a 60cm e não superior a 95cm, e comprimento não superior a 18 metros, o qual se encontrava implantado no prédio rústico dos intervenientes principais (facto 11).

Da demais matéria fáctica dada como provada decorre que:

- o pinheiro tombou pela raiz (facto 12);

- o pinheiro apresentava boa estabilidade, a madeira estava rija e brotar seiva, e aparentava encontrar-se em boas condições fitossanitárias (facto 13);

- nos dias supra referidos e naquele local fez-se sentir forte temporal, com vento e chuva forte (facto 15);

- entre os dias 18-12-2019 e 20-12-2019, o Distrito ... estava sob o Estado de Alerta Especial de nível Laranja do Sistema Integrado de Operações de Protecção e Socorro da Autoridade Nacional de Protecção Civil e em função das condições meteorológicas previstas era expectável a possibilidade de queda de ramos ou árvores em virtude de vento forte (facto 16).

Atenta a factualidade dada como provada e supra transcrita, dúvidas não restam que se mostram preenchidos os dois primeiros pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, pois a queda do aludido pinheiro (artigo 204º, nº 1, alínea c) do Código Civil) sobre o armazém implantado no prédio da Autora traduz-se numa ofensa a um direito subjectivo (direito de propriedade – artigos 204º, nº 1, alínea e), 1302º, nº 1 e 1344º do Código Civil).

Inequívoco é que os intervenientes principais, em virtude da sua qualidade de proprietários, estavam obrigados à vigilância do prédio que é sua pertença, bem como de todos os elementos que no mesmo se compreendem, onde se incluem as árvores que a lei qualifica como coisas imóveis enquanto estiverem ligadas ao solo (artigo 204º, nº 1, alínea c) do Código Civil).

Significa isto que a Autora beneficia da presunção de culpa prevista no artigo 493º, nº 1 do Código Civil, pelo que urge apurar se, perante a factualidade dada como assente, é de considerar que os intervenientes principais lograram ilidir tal presunção.

Ressalta no caso concreto o facto de se tratar de um pinheiro que se encontrava no seu vigor vegetativo, sem que houvesse (ou fosse perceptível) qualquer sinal revelador de alguma debilidade que impusesse uma acrescida vigilância ou que aconselhasse a prática de actos de conservação ou de prevenção de “sinistros” como aquele que veio a verificar-se, acautelando designadamente os efeitos da força do vento.

Ademais no hiato temporal em que ocorreu a queda do pinheiro e naquela zona territorial fez-se sentir forte temporal, com chuva e vento forte.

Acresce que no hiato temporal em que ocorreu a queda do pinheiro vigorava no Distrito ... o Estado de Alerta Especial de nível Laranja do Sistema Integrado de Operações de Protecção e Socorro da Autoridade Nacional de Protecção Civil, sendo expectável que, em função das condições meteorológicas previstas, ocorresse a queda de ramos ou árvores em virtude de vento forte.

Assim, para além de não se verificar no caso concreto o incumprimento de qualquer obrigação específica que recaísse sobre os intervenientes principais, não se podem ignorar as condições meteorológicas que se fizeram sentir durante o período temporal e no local em que ocorreu a queda do pinheiro, aliás bem evidenciadas nas previsões climatéricas constantes da comunicação técnico-operacional do Comando Nacional de Emergência e Protecção Civil.

Conjugado o exposto, isto é, a queda do pinheiro pela raiz, a estabilidade e as condições fitossanitárias do pinheiro, bem como as condições meteorológicas sentidas na data e local dos factos em apreciação, e evidenciadas nas previsões meteorológicas e possíveis ocorrências daí resultantes que se extraem da comunicação técnico-operacional o Comando Nacional de Emergência e Protecção Civil, somos levados a concluir que os intervenientes principais lograram ilidir a presunção de culpa que sobre eles impendia (artigos 350º, nº 2, e 493º, nº 1, segunda parte, do Código Civil).

Com relevância para a decisão da causa e em situação semelhante à dos presentes autos, decidiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-03-2016 (Processo nº 7838/10.9TBCSC.S1; Relator: Abrantes Geraldes; disponível em www.dgsi.pt) que “1. O proprietário de um prédio urbano que tenha o dever de o vigiar responde civilmente, nos termos do art. 493º, nº 1, do CC, pelos danos decorrentes da queda de árvore implantada no logradouro do prédio. 2. A presunção de culpa que impende sobre o proprietário do prédio ao abrigo do art. 493º, nº 1, do CC, pode ser ilidida mediante a prova da ausência de culpa ou a demonstração de que os danos se teriam igualmente produzido mesmo sem culpa. 3. As circunstâncias relevantes para se considerar ilidida a presunção de culpa não podem ser de tal ordem que, na prática, transformem a responsabilidade subjectiva que impende sobre o proprietário em responsabilidade objectiva ou pelo risco. 4. Deve considerar-se ilidida a presunção de culpa em face das seguintes circunstâncias: - A árvore que atingiu o lesado tombou pela raiz, apesar de apresentar bom vigor vegetativo e de não revelar quaisquer sinais de praga ou de doença; - A queda da árvore ocorreu num dia e local para o qual a Autoridade Nacional da Protecção Civil emitira um aviso amarelo referente a rajada máxima, com previsão de rajadas da ordem dos 70 kms/hora.”.

De igual modo, e ainda que com contornos algo distintos dos presentes autos, extrai-se do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-06-2016 (Processo nº 161/12.6TCGMR.G1.S1; Relator: Tavares de Paiva; disponível em www.dgsi.pt) que “Deve considerar-se ilidida a presunção de culpa, a que alude o citado art. 493 nº1 do C Civil quando, como no caso em apreço,a árvore estava atravessada na estrada no momento do sinistro, apresentava bom vigor vegetativo era sã e não revelava quaisquer sinais de apodrecimento, mazelas ou inclinação, tanto mais que a queda da árvore ocorreu num dia e local em que a Autoridade Nacional da Protecção Civil emitira um aviso laranja, com previsão de rajadas de vento na ordem dos 160kms/h, em que até alertava para cenários de quedas de árvores.”.

Veja-se igualmente o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-12-2008 (Processo nº 0856710; Relatora: Anabela Luna de Carvalho; disponível em www.dgsi.pt) ao decidir que “A presunção de culpa a que o art. 493º do CC alude será ilidida, no caso de queda de árvore que provoca a queda de muro e causa danos em veículo estacionado, se tal queda é justificada por chuva forte, acompanhada de vento a 70 Km/hora.”.

Por todo o exposto, mostrando-se ilidida a presunção de culpa consagrada no artigo 493º, nº 1 do Código Civil necessariamente se conclui que não pode ser assacada qualquer responsabilidade civil aos intervenientes principais perante a Autora, não havendo, por conseguinte, lugar à apreciação dos demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, impondo-se a sua absolvição do peticionado.”.

A apelante discorda, entendendo que não foi ilidida a presunção de culpa fixada no art. 493º, nº 1, do Cód. Civil (cfr. as suas conclusões de recurso). E afigura-se que tem razão.

Inexiste censura a fazer ao discurso jurídico da sentença recorrida, do ponto de vista dos princípios que refere e doutrina que propugna, sustentada em adequada doutrina. Divergimos da sentença apelada é na aplicação ao caso concreto (além do mais porque parte da matéria de facto foi alterada).

Entre os variados deveres de segurança no tráfego, situa-se o que diz respeito à vigilância de coisas, no caso árvores, o que postula a eventualidade do perigo de queda das mesmas; e logo a segurança de terceiros dependente do vigilante. É o que está subjacente ao referido art. 493º, nº 1, do CC, acima transcrito.

Para prevenir o perigo, a lei prevê os deveres de tráfego, que existem ao sabor das muitas circunstâncias que podem acompanhar cada uma das situações em presença. Dada a sua natureza caleidoscópica torna-se impossível, ao lesado, fazer a prova da sua existência, do seu conteúdo e do incumprimento culposo. Donde a inversão do ónus da prova, cabendo ao lesante fazer a prova da correcta execução dos referidos deveres, designadamente de vigilância e controlo das fontes de perigo, ou seja, na linguagem do CC, da sua ausência de culpa.

Subjacente está uma dupla ideia do legislador: a de incentivar a que, no momento próprio, sejam tomadas as devidas precauções e a de fazer correr, pelos beneficiários do perigo, o risco dos danos – sem prejuízo de afastarem a sua responsabilidade prevalecendo-se da relevância negativa de alguma(s) causa(s) virtuais, prevista no mesmo artigo e número, in fine (vide Menezes Cordeiro em Tratado de D. Civil, Parte II, T. III, 2010, págs. 587/588).   

Sobre a problemática da danosidade provocada por árvores, refere Rui Mascarenhas Ataíde (em Responsabilidade Civil por Violação de Deveres no Tráfego, Colecção Teses, págs. 369/379) que elas não são em si perigosas, antes estando normalmente em causa precaver a degradação do seu estado biomecânico e fitossanitário, aplicando os cuidados especificamente requeridos. Sobreiros ou freixos não aparados ou mal fixados ao solo, ramadas ou mesmo árvores que não foram cortadas de modo a evitar que embatessem ou caíssem sobre viaturas (sem embargo de circunstâncias atmosféricas valerem como concausa), são topicamente ilustrativos da autonomia dos deveres no tráfego preventivos que inerem ao controlo de uma esfera e que se destinam a mantê-la num determinado estado inofensivo, de modo a evitar que esse potencial de perigo se precipite em lesões danosas. E em nota acrescenta, como exemplo jurisprudencial alemão, que havendo aviso de vento forte pelo serviço meteorológico, a pessoa com dever de segurança no tráfego responde pelos danos causados pela colisão de um automóvel com ramos de árvores que o vento levou para a rodovia, se eles foram armazenados, de maneira não protegida, ao pé da berma após trabalhos de desmoitar.

Ora, perante a presunção de culpa estabelecida no aludido art. 493º, nº 1, não era a A. que tinha de provar a culpa dos intervenientes, mas estes que, para afastar a sua responsabilidade, teriam de demonstrar que nenhuma culpa houve da sua parte, que haviam levado a cabo as medidas de controlo da fonte de perigo, as medidas de precaução que se impunham, ou, então, mesmo que o tivessem feito, os danos ocorreriam na mesma (relevância negativa da causa virtual).   

Os dados factuais revelam que entre as 22h do dia 19.12.2019 e as 7h30 do dia 20.12.2019, a cobertura do armazém implantado no prédio da A. foi atingida por um ramo/pernada de um pinheiro com espessura não inferior a 60 cm e não superior a 95 cm, e comprimento não superior a 18 metros, o qual se encontrava implantado no prédio rústico dos intervenientes principais (facto 11.). Que o dito pinheiro apresentava pouca estabilidade, encontrando-se inclinado a ameaçar cair (facto 13-A.).

Ou seja, cabia aos intervenientes terem suprimido a fonte de perigo, cortando o pinheiro, ou que mesmo que tivessem tido esse cuidado que o temporal foi de tal ordem que sempre se verificaria a queda da árvore, por mais sadia que estivesse. O que não lograram.

Repare-se que alegaram, mas não provaram que o pinheiro apresentava boa estabilidade, a madeira estava rija e brotar seiva, e aparentava encontrar-se em boas condições fitossanitárias (facto não provado C-A.); não sendo por isso de prever a sua queda. Nos dias supra referidos e naquele local fez-se sentir forte temporal, com vento e chuva forte (facto 15.); mas, correspondentemente, nem sequer alegaram e demonstraram que as rajadas de vento que se fizeram sentir, aquando da queda do pinheiro, “só por si”, eram capazes de derrubar árvores, ou que foram elas que derrubaram o pinheiro. Entre os dias 18.12.2019 e 20.12.2019, o Distrito ... estava sob o Estado de Alerta Especial de nível Laranja do Sistema Integrado de Operações de Protecção e Socorro da Autoridade Nacional de Protecção Civil e em função das condições meteorológicas previstas era expectável a possibilidade de queda de ramos ou árvores em virtude de vento forte (facto 16.); outrossim, não demonstraram que foi apenas por essas rajadas de vento que caiu o pinheiro que caiu em cima do armazém da A.

Aliás este último facto até joga contra os RR/intervenientes, pois o aviso concreto das autoridades foi emitido no dia 18 (cfr. fls. 294/299), o que mais reclamava urgentemente uma medida de supressão do perigo do pinheiro inclinado, a ameaçar cair, já que o sinistro só se deu entre o final do dia seguinte e a manhã do dia posterior.

Ou seja, os intervenientes não conseguiram ilidir a aludida presunção de culpa, sendo-lhe, portanto, o sinistro imputável a título de culpa, fundada em negligência decorrente da omissão do dever de cortar o pinheiro por não suportar a sobrecarga resultante da chuva forte e vento a que estava exposto (vide neste sentido o Ac. da Rel. Coimbra, de 17.12.2008, em CJ, 2008, T. III, págs.27 e segs).

Uma palavra, adicional, para referir que os 3 arestos invocados na decisão recorrida, na sua parte final, e acima identificados, e considerados semelhantes para a decisão tomada, se reportam a circunstâncias concretas diferentes da nossa, porque a árvore caída não se comprovou estar saudável, nem se concretizou que a ordem de kms/hora por rajada fosse de 160 km ou 70 km.

Procede, por conseguinte, o recurso, nesta parte.

No respeitante à indemnização solicitada, a A., quanto a esta parte, tinha alegado danos no armazém no montante de 4.790 €. Todavia, apenas se provou que por força do evento descrito em 11.) e o referido em 14-, resultaram prejuízos não concretamente apurados (facto 14-A.).

Como assim, impõe-se lançar mão do disposto no art. 609º, nº 2, do NCPC, e consequentemente condenar no que se liquidar em sentença.  

5. Quanto à litigância de má fé, na decisão apelada disse-se que: 

“O dever de cooperação na condução e intervenção no processo a que alude o artigo 7º, nº 1 do Código de Processo Civil, tem como principal manifestação, no que toca às partes, o dever de litigância de boa-fé (ainda o artigo 8º do mesmo diploma, onde sob a epígrafe “Dever de boa fé processual” se preceitua: “as partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior”).

Ora, a violação deste dever constitui a chamada litigância de má-fé, que se acha definida no artigo 542º do Código de Processo Civil. Dispõe-se neste normativo:

1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.

2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé.”

O comportamento processual contrário à lei, desde que se conclua que foi adoptado pelo agente com dolo ou negligência grave na prossecução de uma finalidade inadmissível e susceptível de afectar seriamente, de forma injustificada, os interesses da parte contrária, consubstancia uma conduta reprovável e sancionada no âmbito do instituto da litigância de má-fé.

No sentido da afirmação de uma maior e mais exigente responsabilização das partes na forma de proceder processualmente, o Decreto-lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, conferindo nova redacção ao artigo 456º, nº 2 do Código de Processo Civil (na versão então vigente), passou a sancionar a litigância temerária, quer a título de dolo, quer na forma de negligência grave.

Pode ler-se a este propósito no preâmbulo do diploma: “Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagram-se expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos, e o dever de recíproca correcção entre o juiz e os diversos intervenientes ou sujeitos processuais, o qual implica, designadamente, como necessário reflexo desse respeito mutuamente devido, a regra da pontualidade no início dos actos e audiências realizados em juízo”.

Refere-se, também sobre esta matéria, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-02-2015 (Processo nº 1120/11.1TBPFR.P1.S1; Relator: Silva Salazar; disponível em www.dgsi.pt) que “I - A litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. II - Exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento. III - Atuam como litigantes de má fé, os réus que, no articulado contestação, alegam uma realidade que se provou inexistir e cuja inexistência forçosamente conheciam, o que significa terem eles alterado a verdade dos factos a fim de deduzirem intencionalmente, portanto, com dolo, oposição, cuja falta de fundamento não podiam deixar de conhecer, assim integrando o estatuído nas als. a) e b) do n.º 2 do art. 456.º do CPC, na redação anterior, que corresponde ao atual art. 542.º do NCPC (2013)”.

Conforme enfatiza Paula Costa e Silva, “Sempre que as repercussões do acto vão além deste efeito intraprocessual não podem evitar-se tais repercussões como valoração da inadmissibilidade. Intervirão outros instrumentos, entre os quais a responsabilidade civil decorrente do comportamento ilícito e culposo. (...) olhar os actos processuais como meros actos jurídicos simples redunda num empobrecimento do seu real significado jurídico. Aí está mais um plano em que a colocação dos fins do agente releva para a aplicação de um regime particular ao acto processual, a saber, o da responsabilidade. Mas esta responsabilidade será determinada, perante um comportamento processual, pelo tipo de ilícito litigância de má fé. Esta intervém quando a inadmissibilidade não é suficiente para esgotar os efeitos do acto processual desconforme. Inadmissibilidade e ilicitude não são valorações reciprocamente excludentes, podendo um acto ser simultaneamente inadmissível e desencadear os efeitos típicos da má fé. (...) A má fé destina-se a sancionar comportamentos processual ilícitos, independentemente de um juízo de inadmissibilidade” (in A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, 2008, p. 632 a 633).

(…)

Alegou a Autora ser proprietária do veículo ligeiro de mercadorias de marca ..., modelo ..., com a matrícula SS-..-.., sobre o qual veio a cair, em 13-04-2020, um pinheiro.

No entanto, face à prova produzida, nomeadamente face à prova documental junta aos autos, resulta de forma cristalina que a Autora adulterou a verdade ao intitular-se como proprietária do veículo supra mencionado, visando, por conseguinte, obter uma indemnização pela ocorrência de danos que não se materializaram na sua esfera jurídico-patrimonial.

Com efeito, para prova da propriedade do mencionado veículo, a Autora limitou-se a juntar com a petição inicial requerimento de registo automóvel, sendo que tal documento não confere nem retira a propriedade a quem quer que seja.

Por outra banda, pode constatar-se do aludido requerimento de registo automóvel que a data de emissão do cartão de cidadão do sujeito passivo (28-05-2021) é posterior à data de celebração do contrato verbal de compra e venda (15-05-2019).

Ora, um veículo é um bem móvel sujeito a registo, o qual tem por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor, tendo em vista a segurança do comércio jurídico (artigo 1º, nº 1 do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro).

Acresce que, em face da certidão permanente do registo de veículos, resultou provado que o mencionado veículo se encontrava registado como sendo propriedade da sociedade C..., Lda., tendo averbado ao registo uma penhora da Autoridade Tributária e Aduaneira – ....

Perante o exposto, carece de qualquer fundamento a invocação por parte da Autora da sua titularidade/propriedade quanto ao veículo ligeiro de mercadorias de marca ..., modelo ..., com a matrícula SS-..-...

Por conseguinte, não restam dúvidas ao Tribunal de que a Autora actuou de forma dolosa, invocando factos que sabia ou pelo menos teria a obrigação de saber que eram falsos, com o fito de obter, em caso de procedência da acção, uma quantia indemnizatória por danos que não se repercutiram na sua esfera jurídico-patrimonial.

Por outras palavras, a Autora alegou uma realidade que se provou inexistir, bem sabendo forçosamente da sua inexistência, o que significa que alterou a verdade dos factos a fim de deduzir intencionalmente, portanto, com dolo, pretensão indemnizatória, cuja falta de fundamento não podia deixar de conhecer, assim integrando o estatuído no artigo 542º, nº 2, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil.”.

A recorrente discorda (pelos motivos constantes das suas conclusões de recurso). Entendemos que tem razão.

Os dois únicos fundamentos que levaram o tribunal a condenar a A., como litigante de má fé, foram: ter alegado ser a proprietária do veículo (sobre o qual veio a cair um pinheiro), e face à prova apresentada não o ter logrado, pois limitou-se a juntar com a p.i. requerimento de registo automóvel, sendo que tal documento não confere nem retira a propriedade a quem quer que seja; por outra banda, constatar-se do aludido requerimento que a data de emissão do cartão de cidadão do sujeito passivo (25.8.2021) é posterior à data de celebração do contrato verbal de compra e venda (15.5.2019).

Começando já por este último fundamento, não se detecta, realmente, com peso argumentativo decisivo tal circunstância: é possível, sem ficar estupefacto, que a venda verbal tenha ocorrido em 15.5.2019, mas que o formulário do requerimento de registo automóvel, só tenha sido preenchido bastante mais tarde. É mesmo isso que acontece num grande número de situações, e que, por conseguinte, a assinatura do vendedor (ou do seu representante) seja aposta algum tempo depois, e quando o cartão de cidadão desse vendedor já tem data de emissão posterior à data do contrato verbal ! Tudo aparentando, pois, conduta normal e vulgar. Com este fundamento não há lugar a qualquer litigância de má fé, por alteração da verdade dos factos.

O que se verifica é que a A., alegada compradora, não levou ao registo automóvel esse formulário/requerimento e, portanto, não registou o direito de propriedade a seu favor. E por aqui entramos na apreciação do outro fundamento   

invocado pelo tribunal a quo para condenar a A. como litigante de má fé.  

Importa, então, relembrar o Ac. do STJ, de 19.10.21, Proc.352/16...., em www.dgsi.pt, cujo sumário se reproduz: “I - Para o juízo de censura processual, em que a condenação duma parte como litigante de má-fé se traduz, relevam os factos dados como provados, ou seja, o cotejo entre o que a parte alegou (com relevo para o desfecho da causa) e o que, em oposição ao alegado, consta dos factos dados como provados. II - Sem factos “positivamente” provados, não pode pois haver uma condenação como litigante de má-fé.”.

A A. tinha alegado ser proprietária da viatura por compra à C..., Lda, que tem um mero registo de propriedade a seu favor (facto 21.), mas em cujo impresso de requerimento para registo automóvel até aparece como vendedora. Só que a A. não logrou provar tal compra (facto G.). O que até seria fácil, face à impugnação da compra e venda e do documento indicado, por parte dos intervenientes principais, se a A. tivesse sido mais pró-activa, probatoriamente falando, em vez de desperdiçar a sua energia com argumentação jurídica à volta da validade formal da compra e venda e do art. 5º do Cód. Reg. Predial e conceito de “terceiros para efeito de registo”.

Todavia, não se provou positivamente que a A. não é dona dessa viatura, o que seria bem diferente, apenas não se provou que ela é dona de tal veículo. Ora, um facto não provado, como sabemos, não é sinónimo da prova positiva do facto contrário. A não prova de um determinado facto não pode conduzir à condenação de uma parte como litigante de má fé, por alteração da verdade dos factos, justamente por não se ter comprovado essa alteração da verdade dos factos.

No caso, não se revela que a A. dolosamente ou com negligência grave, tivesse alterado a verdade dos factos, importando, pois, absolver a mesma da sua condenação como litigante de má fé.

(…)

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, assim se revogando parcialmente a decisão recorrida, e, em consequência, condena-se os RR/intervenientes principais AA, CC e DD a pagar à A. a quantia que se liquidar em sentença, relativa aos danos sofridos no seu armazém, e absolve-se a A. da sua condenação como litigante de má fé, no demais se mantendo a sentença.

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Custas pela A. e R., na proporção do vencimento/decaimento.

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Coimbra, 20.2.2024

  Moreira do Carmo

Alberto Ruço

Carlos Moreira