Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5/06.8 GBFIG-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: ARRESTO
LEGITIMIDADE PASSIVA
CÔNJUGE
OPOSIÇÃO
Data do Acordão: 10/27/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FIGUEIRA DA FOZ 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 1691º Nº1 DO CC E ARTIGO 388º DO CPC
Sumário: 1. No arresto, dado o seu carácter de providência cautelar, é suficiente uma prova sumária para demonstrar a probabilidade da existência do direito do requerente.

2. O proveito comum do casal é um conceito de direito que deve ser preenchido com factos, devendo considerar-se este conceito integrado se ficar provado que a quantia obtida pelo cônjuge que contraiu a dívida, na constância do casamento e nos limites dos seus poderes de administração, foi depositada numa conta do casal e que o outro cônjuge não trabalha e não são conhecidos outros rendimentos para além do salário do cônjuge que contraiu a dívida, que é insuficiente para satisfazer as suas numerosas dívidas.

3. Decretada a providência cautelar sem audiência dos requeridos, estes podem recorrer da decisão ou deduzir oposição; se optarem por alegar factos novos que estão dependentes de prova a produzir, a forma adequada da defesa é a oposição e não o recurso.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A..., advogado, intentou a presente providência cautelar de arresto contra B... e esposa C..., alegando, em síntese, que foi mandatário do requerido marido, entre outros, no processo principal Comum Singular 5/06.8 GBFIG, em que o mesmo era queixoso e demandante civil, aí tendo obtido uma indemnização de 163 000,00 euros e juros, que a seguradora pagou, num total de 172 967,56 euros, por transferência bancária para a conta do casal, não tendo o requerido pago os honorários de 16 950,00 euros mais IVA, num total de 20 340,00 euros e tendo o requerente tido conhecimento de que o requerido recebeu a indemnização da seguradora, por informação prestada por esta, uma vez que o requerido nada lhe disse, ausentando-se para o estrangeiro depois de receber a indemnização e, depois de regressar, só comparecendo no escritório do requerente depois de muitos telefonemas deste, sem lhe ter pago a quantia em causa, embora aceitando o seu montante e passando então a não atender os telefonemas do requerente, até que, depois de muitas insistências do requerente e de este lhe ter enviado, a seu pedido, nota discriminada de honorários, se recusou a pagar.

Mais alegou que o valor da indemnização foi utilizado pelo requerido e pela requerida, como casal, sendo esta doméstica e sendo o salário do requerido insuficiente para solver as suas numerosas dívidas, já tendo sido penhorado em três execuções pendentes contra si, onde os credores nunca conseguiram penhorar outros bens e não sendo conhecidos quaisquer outros para além dos depósitos bancários e/ou aplicações bancárias resultantes da indemnização recebida pelo requerido.

Concluiu alegando ser titular de um crédito contra os requeridos e existirem indícios de perigo de perda da garantia patrimonial e, consequentemente, pedindo o arresto dos saldos e/ou valores de qualquer conta de depósito, à ordem ou a prazo, poupança, fundos de investimento, acções ou quaisquer outros títulos e valores depositados que os requeridos possuam em qualquer dos bancos que identifica.   

Produzida prova, foi proferida decisão, sem audiência da parte contrária, que julgou procedente a providência cautelar e determinou o arresto conforme o pedido.

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Inconformados, os requeridos interpuseram recurso e alegaram, formulando as seguintes conclusões:

1- A recorrente C... não é, nem foi parte no processo nº 5/06.8 GBFIG do 2º Juízo, nem alguma vez mandatou o recorrido para qualquer processo.

2- Nenhum débito possui para com o recorrido que justifique o arresto dos seus bens pessoais.

3- Nenhuma prova ocorreu em sede de inquirição do alegado proveito comum do casal, para que ocorresse a penhora dos bens pessoais da recorrente C..., nem a decisão proferida sobre tal questão se pronunciou.

4- Deverá portanto a recorrente ser considerada parte ilegítima para ser demandada e arrestada, face a não verificação dos requisitos necessários ao decretamento da providência de arresto.

5- O recorrente B..., não aceitou os honorários apresentados pelo recorrido, conforme se verifica do teor do doc. nº7 junto com o requerimento.

6- O valor inicialmente apresentado foi de 25 000,00 + IVA ou de 13 200,00 + IVA com entrega de 11 000,00 em dinheiro.

7- Mercê do montante total apresentado e o pedido de apresentação de nota de honorários discriminada é que o recorrente B... transmitiu ao recorrido que ia solicitar o laudo de honorários à ordem dos Advogados.

8- O recorrente já entregou ao recorrido pela sua dívida no proc. Nº 5/06.8 GBFIG – 2º Juízo a quantia de 11 000,00, através do cheque nº 6970875061 do Banco D....

9- O débito do recorrente B..., atento o valor da nota de honorários apresentada apenas será devedor da quantia de 5 950,00 euros + IVA.

10- O recorrido não podia fazer uso do indicado cheque para liquidar os recibos referentes a outros processos que já liquidados estavam e que somente emitiu com data de 12/3/2009.

11- O arresto decretado foi ilegal, pelo menos quanto à recorrente C..., pelo que deverão VV.Exªs julgar improcedente a providência pelo menos quanto a esta, por inexistência respectivamente de crédito do recorrido e débito desta, devendo em consequência ordenar-se a libertação dos bens que lhe foram arrestados.

12- Violou o Mº Juiz a quo, com a decisão proferida o disposto nos artigos 619º do CC, 381º ex vi 392, 406º e 407º todos dos CPC.  

                                                            *

O recorrido não contra alegou.

                                                            *

O recurso veio a ser admitido como apelação, com subida em separado e efeito devolutivo.

Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.

As questões a decidir são:

I) Legitimidade da requerida.

II) Montante do crédito invocado pelo requerente.

                                                            *

FACTOS.

São os seguintes os factos considerados provados na 1ª instância:

1- O requerente foi mandatário do requerido marido, entre outros, no processo Comum Singular 5/06.8 GBFIG, do 2º Juízo deste Tribunal, em que o mesmo era queixoso e demandante civil, tendo obtido, só no âmbito deste processo, uma indemnização de 163 000,00 e respectivos juros.   

2- Tal indemnização foi paga ao requerido pela seguradora, num total de 172 967,56 euros, por transferência bancária para a conta do casal com o NIB 0010 0000 3542 9880 001 52.

3- Segundo informação telefónica da seguradora, a indemnização foi creditada mo dia 7 de Janeiro de 2009.

4- Porém, o requerido, até hoje não pagou ao requerente os respectivos honorários, no montante de 16 950,00 euros + IVA, num total de 20 340,00 euros, valor sobre o qual incidem juros à taxa legal, até efectivo pagamento.

5- Segundo informação da requerida, o requerido, imediatamente após o recebimento daquela quantia, deslocou-se para o Brasil, em 9 de Janeiro de 2009, em viagem de recreio, ali tendo estado cerca de 15 dias, sem comunicar ao requerente que já havia recebido a indemnização.

6- Tal informação só viria a ser obtida pelo requerente, da própria seguradora, telefonicamente, em 22 de Janeiro de 2009, pelas 11.30 horas, ao reclamar junto desta por, supostamente, ainda não ter feito o pagamento.

7- Desde que o requerido voltou do Brasil que o requerente lhe telefonou inúmeras vezes, no sentido de vir pagar os honorários.

8- Porém, só em 10 de Março de 2009 o requerido veio ao escritório do requerente.

9- Apresentadas as contas de todos os processos, o requerido aceitou-as sem discutir ou, por qualquer forma, pôr em causa os respectivos montantes de honorários.

10- Todavia, apenas pagou os honorários dos outros processos mais antigos, (isto porque, no âmbito dos processos de Arbitramento de Reparação Provisória 2909/05.6 TBFIG, do 3º Juízo e de Acção Sumária 206/06.9 TBFIG, do 2º Juízo, havia já recebido, um total de 47 620,00 euros, mas como o recebeu de forma parcelada, e atentas as dificuldades económicas que passara, não lhe tinha sido ainda possível pagar).

11- O requerido não pagou os honorários do proc. Nº 5/06.8 GBFIG, alegando ter trazido um cheque, com o nº6970875061, sobre o D... (da conta da requerida – previamente assinado por aquela) e que não tinha mais dinheiro nessa conta, tendo entregado esse cheque para pagamento dos outros processos.

12- Ficando de vir no dia seguinte trazer outro cheque para pagar os honorários do processo Comum Singular 5/06.8 GBFIG, do 2º Juízo.

13- O requerido não veio, porém, obrigando o requerente a telefonar-lhe inúmeras vezes, no sentido de vir pagar os honorários deste processo.

14- Ao reconhecer o número de telefone do escritório, o requerido deixou de atender as chamadas do requerente.

15- Obrigando o requerente, várias vezes, a telefonar dos telemóveis das suas colegas de escritório e, mesmo, do de uma funcionária, números que o requerido desconhecia, assim atendendo.

16- E das vezes que atendia, perguntava com um ar de desplante se “a mulher ainda não tinha ido levar o cheque”.

17- Telefonando o requerente à requerida, esta acabou por dizer que tinham posto o dinheiro a prazo e por isso ainda não tinha ido levar o cheque.

18- Confrontado com isto, o requerido acabou por dizer que não sabia, que fora a requerida e que ia resolver o assunto.

19- Quando o requerente, no dia 26 de Março de 2009 (do telemóvel da sua colega, Dra E..., após vários dias sem o conseguir contactar) lhe disse que estava farto da “brincadeira”, o requerido respondeu “pois só há-de ter o cheque no dia 3 de Abril, que é quando se vence o depósito a prazo”.

20- Ao que o requerente exigiu o pagamento no prazo de 2 dias.

21- Com data desse mesmo dia 26, recebeu o requerente, em 27, uma carta do requerido, em que pedia uma “declaração discriminada dos seus honorários referente ao processo nº 5/06.8 GBFIG”, bem como os recibos do pagamento feito, a par de referir algumas falsidades com que pretendia ver diminuído esse montante.

22- O requerente enviou a solicitada Nota Discriminada de Honorários referente àquele processo, bem como os recibos do pagamento feito, relativo aos outros processos, exigindo o pagamento em falta.

23- Os honorários apresentados, relativos ao Comum Singular 5/06.8 GBFIG, do 2º Juízo – no montante de 16 950,00 euros + IVA, num total de 20 340,00 euros – são ajustados à natureza e volume do trabalho dispendido (nunca menos de 100 horas de trabalho) e bem assim, ao desenrolar do processo ao longo de muito tempo, designadamente, tendo ainda em conta o resultado obtido (a indemnização passou de cerca de 67 000 para 163 000 euros, e respectivos juros).  

24- A requerida é doméstica.

25- O casal tem várias dívidas e compromissos.

26- Os requeridos não pagaram a quantia indicada em 4., não obstante as várias insistências do requerente nesse sentido, quer verbais, quer por escrito.

27- O requerido, a par do acima descrito, disse claramente que não paga.

28- O requerente tem conhecimento de que os requeridos estão a negligenciar o pagamento das suas dívidas.

29- Estando em curso contra o requerido as execuções 353/02.6 TAFIG-A, do 1º Juízo, e 835/06.0 TBCTB, ambos deste Tribunal.

30- Bem como a Execução 35/07.2 TAPPS, do Tribunal Judicial de Pampilhosa da Serra.

31- Continuando o requerido a não pagar tais dívidas – apesar de ter recebido, só recentemente, a quantia de quase 173 000,00 euros acima indicada.

32- Em ambos os processos deste Tribunal tem penhoras sobre o seu salário e estando o processo de Pampilhosa da Serra a aguardar para o penhorar.

33- Não são conhecidos aos requeridos quaisquer bens imóveis.

34- O que é reforçado pelo facto de, nessas execuções, nunca os credores exequentes terem encontrado bens penhoráveis, para além do salário do requerido.

35- A administração fiscal informou da inexistência de bens.

36- Tem o requerente receio que os requeridos invistam o dinheiro recebido em bens imóveis em nome de uma filha maior.

37- Tanto mais que já, na Execução 353/02.6 TAFIG-A, ao ser penhorado o recheio da sua casa de habitação, a requerida exibiu recibos de compras dos bens que ali tinham todas em nome da filha E....

38- Apesar de os requeridos circularem com vários veículos automóveis, apenas têm um em leasing (Ford Focus, matrícula 07-31-XG), desconhecendo-se em nome de quem tenham um outro (um Mercedes).

39- Os únicos bens conhecidos aos requeridos, e em seu nome, são apenas o(s) depósito(s) bancário(s) e/ou aplicações financeiras resultantes da indemnização recebida, inexistindo outros para garantir as dívidas do(s) requerido(s).

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ENQUADRAMENTO JURÍDICO.

I) Legitimidade da requerida.

Os recorrentes invocam a ilegitimidade da requerida, por esta não ter outorgado o contrato de mandato com o requerente recorrido.

Nos termos do artigo 26º do CPC, a legitimidade afere-se pela versão do autor apresentada na petição inicial.

Na versão do requerente o pagamento dos honorários é, por um lado, da responsabilidade do requerido, com quem foi celebrado o contrato de mandato e, por outro lado, da responsabilidade da requerida, com quem o requerido é casado, por a obrigação do requerido ter sido contraída também para proveito da requerida.

Face a esta versão, a requerida é parte legítima, por ser titular da relação material controvertida tal como é apresentada na petição inicial.

Resta saber se se provaram os factos que integram a invocada obrigação da requerida, ou seja, se a providência é procedente contra a requerida.

Para o efeito, terá se apreciar se existe uma probabilidade séria da existência de um direito do requerente sobre a requerida, correspondente ao proveito que esta, na qualidade de cônjuge do requerido, retirou da actuação do requerente no âmbito do mandato judicial celebrado entre o requerente e o requerido.

Ora, se é certo que no presente recurso não está em causa a matéria de facto dada como assente na decisão recorrida, dir-se-á, no entanto, que, na acção principal, de que a presente providência está dependente, a prova do casamento dos requeridos e a prova relativa à utilização da indemnização pela requerida poderá ser mais exigente e mais rigorosa (com a junção do assento de casamento ou do averbamento na certidão de nascimento de um dos requeridos, para prova do casamento).

Contudo, estamos no âmbito da providência cautelar, que é um procedimento com carácter provisório, instrumental e de conhecimento sumário (ac. RC 8/04/2008 em www.dgsi.pt), sendo o seu objectivo acautelar o direito do requerente da ameaça que poderá constituir a demora da acção principal, objectivo que se logra obter, nas palavras de A. Reis, em CPC anotado, vol I, 165, com um “exame preliminar e perfunctório”, o que acontecerá submetendo-se “a relação jurídica litigiosa a um exame sumário, e por isso rápido, tendente a verificar se a pretensão do requerente tem probabilidades de êxito e se, além disso, da demora do julgamento final pode resultar, para o interessado, dano irreparável ou, pelo menos, considerável”.

Para a demonstração da existência do direito do requerente basta, assim, uma prova sumária, menos rigorosa da que será exigível na acção principal (Manuel de Andrade em “Noções elementares de Processo Civil”, 1979, 192 e 193 e acs RC de 22/10/2005 e 18/05/2004 em www.dgsi.pt), como a que foi feita nos presentes autos.     

Assim, no contexto menos exigente da providência cautelar, deverá aceitar-se a suficiência da prova produzida e analisar os factos dados como assentes e se os mesmos integram o proveito comum do casal e a responsabilidade da requerida.

Ficou provado que o mandato judicial em causa foi celebrado para representação do requerido num processo onde este obteve uma indemnização na qualidade de queixoso e demandante civil, provando-se também que essa indemnização foi depositada numa conta do casal e ainda que a requerida é doméstica, não se conhecendo outros bens aos requeridos, para além do salário deste, que não é suficiente para satisfazer as suas dívidas.

Estabelece o artigo 1691º nº1 do CC “São da responsabilidade de ambos os cônjuges … c) as dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador, em proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração” e, o nº3, estatui que “o proveito comum do casal não se presume, excepto nos casos em que a lei o declarar”.

Não está apurado o regime de bens do casal, mas, estabelecendo o nº2 do artigo 1691º que no regime de comunhão geral de bens são também comunicáveis as dívidas contraídas antes do casamento por qualquer dos cônjuges em proveito comum do casal, tem de se concluir que a regra da alínea c) do nº1 se aplica a qualquer regime de bens, incluindo o regime de separação de bens (neste sentido, P. Lima e A. Varela em CC anotado em anotação ao artigo 1691º e acs RL 25/05/2000 e 18/06/2009 em www.dgsi.pt).

Deste modo, seja qual for o regime de bens vigente entre os requeridos, são da responsabilidade de ambos as dívidas contraídas na constância do casamento pelo cônjuge administrador na constância do matrimónio em proveito comum do casal.

O conceito de “proveito comum do casal” tem sido considerado como um conceito de direito que necessita de ser integrado com factos (ac. RL 18/06/2009 acima citado e acs RC de 15/09/2009, 20/01/2009, 15/03/2005, também em www.dgsi.pt), devendo os factos demonstrar que a dívida foi contraída pelo cônjuge com a finalidade de obter um benefício comum e não apenas para ele próprio (cfr. P. Lima e A. Varela em CC anotado, em anotação ao artigo 1691º e Jorge Duarte Pinheiro em “O Direito da Família Contemporâneo”).   

E, face à matéria de facto provada, tem de se concluir que está preenchido o conceito de direito de “proveito comum do casal”.

Desde logo, embora se ignore o regime de bens do casamento dos requeridos, tem de se entender que o requerido agiu dentro dos seus limites de administração pois, se o regime for de separação de bens e a indemnização for um bem próprio, cabe-lhe a respectiva administração por força do artigo 1678º nº1 do CC e, se o regime for o da comunhão, ainda assim lhe caberia a administração, nos termos do nº3 do mesmo artigo 1678º.

Por outro lado, embora o proveito comum do casal não se presuma, ao provar-se a situação da requerida, doméstica e sem acesso a rendimentos para além do salário do requerido (que já não é suficiente para solver as suas numerosas dívidas), bem como o depósito do valor da indemnização atribuída ao requerido (que foi obtida no âmbito do processo onde este foi representado pelo requerente) numa conta titulada pelo casal, tem de se entender que a requerida necessariamente tirou proveito deste valor, e, sumariamente, se considerar demonstrada a probabilidade séria de que, não só a requerida beneficiou do valor da indemnização, como também o mandato celebrado com o requerido visava a obtenção de uma indemnização que iria ser usufruída pelo casal e não apenas pelo requerido, de cujo sustento a requerida depende.     

Conclui-se, portanto, que a requerida é parte legítima e foi demonstrada uma probabilidade séria de que é responsável pelo crédito reclamado pelo requerente, pelo que improcedem nesta parte as alegações dos recorrentes.   

                                                            *

II) Montante do crédito.

O requerido alega que, por conta dos honorários reclamados, já foi entregue ao requerente a quantia de 11 000,00 euros, não estando correcto o montante do crédito invocado nos autos.   

Tendo sido decretada a providência cautelar sem audiência do requerido, o contraditório subsequente vem regulado no artigo 388º do CPC, aplicável ao caso por força do artigo 392º nº1 do mesmo código.

É a seguinte a redacção do nº1 referido artigo 388º:

“Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no nº6 do artigo 385º: a) recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida; b) deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 386º e 387º.”

Da referida disposição legal se conclui que, não podendo ser cumuladas estas duas formas de defesa (o recurso e a oposição), caberá recurso da decisão, quando há discordância quanto ao decretamento da providência face aos elementos já existentes nos autos antes do contraditório e haverá lugar à oposição, quando o requerido, ao exercer o contraditório, pretende uma alteração da decisão mediante a invocação de factos novos ou de novos meios de prova.

Na verdade, o decretamento da providência sem audiência da parte contrária constitui uma excepção ao princípio do contraditório consagrado no artigo 3º do CPC e acarreta o risco de vir a ser proferida decisão menos esclarecida, por o julgador não estar na posse de todos os elementos, pelo que a lei permite, em alternativa ao recurso visando a impugnação da decisão face aos elementos já apurados, que o requerido possa apresentar a sua versão e requerer a alteração da decisão mediante a apresentação de factos ou prova não considerados anteriormente.

Como expõe Abrantes Geraldes em “Temas da Reforma do Processo Civil”, III volume, página 230, “atento os maiores riscos de injustiça derivados da prolacção de uma decisão cautelar sem a garantia do contraditório, a lei concedeu ao requerido a possibilidade de remover ou de modificar, logo em sede de tribunal de primeira instância, a decisão cautelar, desde que esteja na posse de novos factos ou meios de prova que, carreados para os autos e aí apreciados, sejam susceptíveis de afastar os fundamentos da medida ou de determinar a sua redução a limites mais razoáveis.”

E, no caso de ser usada a oposição pelo requerido, é reaberta a discussão havendo a possibilidade de alteração dos factos dados como assentes na primitiva decisão que decretou a providência (conf. ac. RC 28/10/2003 em www.dgsi.pt).

Sendo assim, os factos ora invocados pelo requerido recorrente são factos novos, que não foram apreciados na 1ª instância por não ter havido audiência da parte contrária, não podendo, por isso, ser objecto de recurso.

Trata-se de matéria que constitui a versão do requerido e que deveria ser objecto de oposição e não de recurso, pois a sua apreciação depende de prova a produzir, que só poderá ter lugar em sede de oposição e nunca no âmbito de um recurso, cujo objectivo é o de apreciar da justeza da decisão da 1ª instância, face aos elementos que eram conhecidos aquando da prolação da decisão recorrida.

Não podendo estes factos ser objecto de recurso, improcedem, também nesta parte, as alegações dos recorrentes.

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                                                            *

SUMÁRIO

1. No arresto, dado o seu carácter de providência cautelar, é suficiente uma prova sumária para demonstrar a probabilidade da existência do direito do requerente.

2. O proveito comum do casal é um conceito de direito que deve ser preenchido com factos, devendo considerar-se este conceito integrado se ficar provado que a quantia obtida pelo cônjuge que contraiu a dívida, na constância do casamento e nos limites dos seus poderes de administração, foi depositada numa conta do casal e que o outro cônjuge não trabalha e não são conhecidos outros rendimentos para além do salário do cônjuge que contraiu a dívida, que é insuficiente para satisfazer as suas numerosas dívidas.

3. Decretada a providência cautelar sem audiência dos requeridos, estes podem recorrer da decisão ou deduzir oposição; se optarem por alegar factos novos que estão dependentes de prova a produzir, a forma adequada da defesa é a oposição e não o recurso. 

                                                            *

                                                            *

DECISÃO.

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.

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Custas pelos recorrentes.