Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
87/05.0IDCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
PENA DE SUBSTITUIÇÃO CONDICIONADA
PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE
Data do Acordão: 12/10/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ARGANIL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 7º, N.º 1,14º E 105º, NºS. 1, 2 E 4, DA LEI Nº. 15/2001, DE 5/06
Sumário: 1. A pena terá que, ao assumir-se como função de manutenção da vigência da norma, ter como medida o peso da norma violada e a medida da sua vulneração; a situação de asseguramento cognitivo dessa norma; a responsabilidade do autor pela sua motivação ao cometer o crime. O princípio da culpabilidade, ou a densificação da materialidade volitiva posta na execução de uma conduta, no que quer que isso possa ser mensurável, há-de, segundo o artigo 40.º do código vigente, dosear a medida da pena.
2. Ao sujeitar a pena de substituição à condição de pagamento da quantia em dívida, o tribunal foi além do grau de culpa do agente, que agiu num quadro desfavorável para a empresa, com a intenção de manter os postos de trabalho vindo posteriormente a reconhecer a falta e tendo ainda durante o período de laboração da empresa procurado solver a dívida. Quem assim age fá-lo não com a intenção deliberada de defraudar a fazenda nacional mas como forma de minorar ou atenuar as dificuldades momentâneas da empresa que gere e convencido, certamente, de que poderia mais tarde vir a solver a dívida.
Decisão Texto Integral: I. – Relatório.

Em dissensão com a decisão prolatada no processo supra epigrafado em que na procedência da acusação pública formulada contra os arguidos, “TM, LDA.”, com o NIPC 501.588.566, com sede em Coja, Arganil; JT..., casado, reformado, nascido a 3/07/1947, em Coja, Arganil, e AC..., solteira, recepcionista, nascida a 27/03/1978, em Sé Nova, Coimbra, filha de JT... , pela imputação da prática: à primeira, como autora material e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 7º, n.º 1, e 105º, nºs. 1, 2 e 4, da Lei nº. 15/2001, de 5/06, por referência ao disposto nos artºs. 98, 99 e 101, do CIRS, 26, nº. 1, do CIVA, e no artigo 30, n.º 2, do Código Penal; e ao segundo e terceiro arguidos, como autores materiais e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artº., 105, nºs. 1, 2 e 4, da Lei nº. 15/2001, de 5/06, artºs. 98, 99 e 101, do CIRS, 26, nº. 1, do CIVA, e 30º, n.º 2, do Código Penal, os condenou:

[…] ao arguido JT..., como autor material de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo art. 105, nºs. 1, 2 e 4, da Lei nº. 15/2001, de 5/6, e artº. 30, nº. 2, do Código Penal, na pena de 24 (vinte e quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 24 (vinte e quatro) meses, sob a condição de pagamento ao Estado, no prazo de 24 (vinte e quatro) meses, a contar do trânsito desta decisão, da quantia de imposto em dívida - € 119.453,46 euros (cento e dezanove mil, quatrocentos e cinquenta e três euros e quarenta e seis cêntimos); […] a arguida AC..., como autora material de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo art. 105, nºs. 1, 2 e 4, da Lei nº. 15/2001, de 5/6, e artº. 30, nº. 2, do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 euros (cinco euros), o que perfaz o montante global de € 1.000,00 (mil euros), ou, subsidiariamente, em 133 (cento e trinta e três) dias de prisão (v. artº. 49, do Código Penal); e à terceira “TM, Ldª.”, nos termos do art. 7.º, n.ºs. 1 a 3, da Lei nº. 15/2001, de 5/6, pelo crime de abuso de confiança fiscal continuado, p. e p. pelo art. 105, nºs. 1, 2 e 4, do citado diploma legal, e artº. 30, nº. 2, do Código Penal, na pena de 25 (vinte e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), no total de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros), recorre o arguido JT... que remata a motivação com o quadro conclusivo que a seguir se deixa extractado.

“1. O Tribunal “a quo” julgou incorrectamente a matéria de facto constante dos pontos 14 e 15.

2. Para além disso, omitiu matéria de facto que está intimamente relacionada com a motivação da conduta do recorrente.

3. A confissão do arguido foi relevada e valorada apenas parcialmente, havendo circunstâncias de facto, confessadas pelo arguido, importantes para o doseamento da pena aplicada, que foram omitidas e não foram tidas em consideração na sentença recorrida.

4. Assim, ouvindo atentamente o depoimento do arguido podemos aferir desse circunstancialismo especial em que ocorreu a prática dos factos vertidos na acusação.

5. Circunstancialismo esse, reforçado no depoimento da arguida AC…, bem como no depoimento das testemunhas de defesa, da qual se releva o depoimento da testemunha · CG... que afirma sem margem para qualquer dúvida que o arguido toda a vida trabalhou para agora estar na miséria!

6. Dos depoimentos de todas as testemunhas ouvidas em audiência de julgamento resulta clara e inequivocamente que o arguido jamais teve a intenção de elaborar um plano que visasse prejudicar deliberadamente a Administração Fiscal, através da não entrega dos quantitativos de IV A e IRS devidos.

7. Se não procedeu às entregas dos quantitativos devidos, não foi porque não o quis fazer, mas sim porque não o pôde fazer.

8. Tendo dado sempre prioridade ao pagamento dos salários devidos aos trabalhadores com o pouco dinheiro que existia.

9. Neste quadro negro de dificuldades económicas, problemas graves de saúde e outras adversidades que assolaram a vida pessoal e profissional do arguido, este tentou sempre reagir, tentando salvar a empresa, tarefa que se revelou humanamente impossível face a essa conjuntura.

10. Com as limitações ao nível da formação de base do arguido, com as dificuldade notórias existente no sector dos transportes há vários anos, com a crise económica que atravessa há vários anos o país e as empresas, e com os graves problemas de saúde que o afectaram ao longo destes últimos anos, não é lícito assacar culpa a não ser num grau mitigado ao arguido pela desagregação da empresa e consequente. Incumprimento das suas obrigações fiscais.

11. Além disso não foi devidamente relevado o facto do arguido jamais se ter aproveitado do dinheiro que não foi entregue ao Estado.

12. Facto que é notório, já que o arguido vive com muitas dificuldades financeiras, situação essa agravada não só pelos graves problemas de saúde que o afectam e que lhe consomem parte do orçamento familiar, mas também pelo facto de contra ele correram processos de reversão fiscal onde lhe foram penhorados, e vendidos todos os bens de que era titular, entre os quais se encontra a própria casa de morada de família.

13. Ora todas estas circunstâncias especiais, não foram devidamente relevadas pelo Tribunal a quo, não observando o disposto no artigo 71.º, n.º2 do Código Penal.

14. Aliás não se compreende como se aplica uma pena de prisão de 24 meses, suspensa, é certo, na sua aplicação por igual período, mas com a condição de pagamento nesse período dos quantitativos em dívida, sem · atender a todo este circunstancialismo especial que esteve na origem da prática do crime e sem atender minimamente à condição económica, à ausência de antecedentes criminais, e à excelente inserção do arguido na comunidade onde habita onde é visto como pessoa muito honesta, séria e, uma trabalhador exemplar.

15. Atendendo a todas estas circunstâncias, é manifestamente exagerada a aplicação de uma pena de prisão no caso concreto.

16. Com efeito as necessidades de prevenção geral e prevenção especial subjacentes ao caso concreto serão satisfeitas na íntegra com a aplicação de’ uma pena de multa” já que esta será suficientemente dissuasora para que no futuro o arguido não adopte novamente estes comportamentos desviantes.

17. Aliás no estado debilitado de saúde em que se encontra o arguido é mais do que óbvio que o arguido não irá mais praticar qualquer crime desta natureza ou de outra qualquer natureza.

18. Bem como todo o sofrimento que passou ao longo deste · processo, que veio agravar o seu estado de saúde já de si débil, ainda para mais, sabendo-se que também padece de diabetes, para além de ter sofrido dois AVC’s que lhe provocaram a perda de visão de um olho, e de ainda ter de se submeter 3 vezes por semana ao tratamento de hemodiálise, revela-se já castigo mais do que suficiente para o arguido.

19. Assim sendo, a pena de prisão de 24 meses aplicada pelo Tribunal “a quo” na douta sentença embora suspensa na sua aplicação por, igual período, sob a condição de pagamento ao Estado no prazo de 24 meses, da quantia de 119.453,46€ (cento e dezanove mil, quatrocentos e Cinquenta e três euros e quarenta e seis cêntimos) deverá ser revogada por se revelar manifestamente exagerada face às circunstâncias especiais que rodeiam o caso concreto aplicando-se em sua substituição uma pena de · multa já que esta é a que se revela mais adequada para satisfazer as necessidade de prevenção geral e especial do caso concreto e de realizar o propósito da Justiça Material.

20- A sentença recorrida violou, assim o disposto nos artigos 70.º; 71.º,n.º 1 e 2 e artigo 72.º, n.º1 e 2 in fine e artigo 40º, todos do Código Penal, e 124° do Código de Processo Penal, entre outras normas.”

Na resposta que produziu a Exma. Senhora magistrada do Ministério Público, depois de perorar pelo acerto da decisão, conclui que: “1. Para além de haver fixado prudentemente a matéria de facto provada, a decisão impugnada subsumiu correctamente essa factualidade ao direito.

2. Mostra-se justificada, por mais adequada à finalidade da punição a opção pela pena privativa de liberdade.

3. Na determinação da medida da pena, a sentença recorrida ponderou a culpa do arguido/recorrente e, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depunham a favor e contra este.

4. A pena de vinte e quatro meses de prisão, aplicada ao arguido/recorrente, pela autoria de um crime de abuso de confiança, na forma continuada, mostra-se criteriosa e fundamentadamente fixada, sendo ajustada à culpa do infractor e às necessidades de prevenção especial e geral.

5. A douta sentença condenatória recorrida não deixou de interpretar correctamente qualquer preceito legal, não se mostrando ofendido, designadamente, o disposto nos artigos 40.º, 70.º, 71.º, 72.º, do Código Penal, e 124.º, do Código de Processo Penal, apontados na motivação do recorrente.”

 Já nesta instância, o distinto Procurador-geral Adjunto é de parecer que: “[…] Resumindo as questões suscitadas pelo arguido recorrente, reconduzem-se as mesmas, por um lado, ao seu inconformismo perante a matéria de facto fixada nos pontos 14 e 15 da sentença, e, por outro lado, à não opção pela pena de multa mas sim pela de prisão, ainda que suspensa na sua execução, e ainda, no que toca a esta, ter a mesma sido condicionada ao pagamento das dívidas à Administração Fiscal, não levando em conta as circunstâncias do caso concreto, designadamente as possibilidades de o recorrente o poder satisfazer, pelo que entende que foi violado o disposto nos artigo 70.º, 71.º, n.º 1 e 2, e 72.º n.º s 1 e 2 in fine e 40.º, todos do C.P., e 124.º do C.P.P..

Porém, a todas estas questões, respondeu com proficiência a Exma. Procuradora-Adjunta junto da 1.ª instância, defendendo a manutenção da sentença proferida.

De facto, sobre o objecto do recurso, também nos parecendo que não assistirá qualquer razão ao recorrente, sufragamos inteiramente a lúcida e bem elaborada resposta à motivação do recurso do arguido apresentada pelo Ministério Público junto da 1ª instância, a qual, de forma doutamente substancial e metódica, desmonta eficientemente, e ponto por ponto, as inconsistentes razões da referida motivação do recurso, e à qual, com a devida vénia, pouco mais se nos oferecendo aditar-lhe, aqui a damos por inteiramente reproduzida.

Com efeito, como primeira nota, não podemos deixar de salientar que tendo o arguido, por forma livre e fora de qualquer coacção, nos termos do artigo 344.° n.º 1 do C.P.P., confessado todos os factos da acusação, não se percebe ora a sua posição sobre os referidos pontos 14 e 15 fixados na matéria de facto, os quais são reprodução dos que constavam na acusação, e que não podem já ser sindicados.

Por outro lado, cabe também dizer que a decisão não merecerá qualquer reparo ao optar pela pena de prisão, pois que, nos termos do artigo 70.º do Código Penal, sendo o crime punido com pena de prisão ou com pena de multa, o tribunal só deverá dar preferência à pena não detentiva, “sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Ora, nesta tipologia de criminalidade, temos de convir que, desde logo por razões de prevenção, se justifica de facto a opção pela pena de prisão,

“I – Nas infracções fiscais ou tributárias puníveis, em alternativa, com pena de multa ou de prisão, a opção por esta última impõe-se dadas as fortes razões de prevenção geral que particularmente se fazem sentir neste tipo de ilícitos e sempre que o benefício ilegítimo obtido pelo arguido, com o correspondente prejuízo para o Estado, seja significativo.” (Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 06/0112005; Col. Jur., Ac.s Supremo Tribunal de Justiça, 1- 165);

Não nos parece ainda a mesma também merecer qualquer outro reparo, tendo em vista que foram levados em conta, para além do referido artigo 70.º, não só os critérios dos artigos 71.º e 40.º, todos do Código Penal, mas também ainda os do artigo 13.º do referido Regime Geral das Infracções Tributárias, que prevê a ponderação do prejuízo da Fazenda Nacional.

Por outro lado, caberá ainda também referir que a suspensão da pena decorre designadamente da exigência e pedagogia do artigo 14.º, n.º 1 do citado Regime Geral das Infracções Tributárias, os quais não violam os princípios da razoabilidade, adequação e proporcionalidade como insinua o recorrente, não sendo pois inconstitucional,

“II – O artigo 14.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias, ao condicionar a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento das prestações tributárias em dívida, legais acréscimos e dos montantes ilegitimamente obtidos, não colide com os princípios constitucionais de culpa, da adequação e da proporcionalidade.” (Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 06/0112005; Colo Jur., Ac.s Supremo Tribunal de Justiça, I, 165);

Acresce ainda sobre esta temática reiterar também o já entendimento do Acórdão do S.T.J. de 22/01103 (Recurso n.º 972/02) (cfr. ainda Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 18/06/2004), o qual transcreve a doutrina do Acórdão n.º 312/00, de 20/06, do Tribunal Constitucional (Processo n.º 442/99) (reafirmado designadamente pelos Acórdãos, n.º s 647/02, de 07/07/2003, referente ao processo n.º 282/03, e de 15/07/2003, relativo ao Processo n.o 3/2003), no sentido de que “no caso de não pagamento de quantia indemnizatória, a que se condicione a suspensão da execução, a efectivação da prisão em virtude da falta de pagamento dessa quantia não configura, manifestamente, ‘prisão por dívidas’, uma vez que a prisão é cumprida por força da condenação que o Tribunal efectua ao determinar a pena por crime praticado”, tudo pois evidenciando que não se verifica qualquer inconstitucionalidade (com o mesmo sentido e alcance se reafirmou tal doutrina designadamente no posterior Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 256/03, de 21/05 Processo n.º 647/02).

Face ao exposto, acompanhando, como se disse, a bem elaborada resposta apresentada pela Exma. Procuradora-Adjunta junto da 1.a instância, sem necessidade de outros considerandos, somos de parecer que deverá confirmar-se a sentença em recurso, improcedendo assim o recurso do arguido JT....”

Estando sedimentada a ideia de que o tema decidendum do recurso deve ser delimitado pelas conclusões do recurso[i] lobrigamos questões a tomar assento na decisão a proferir as seguintes:

a) – Impugnação (reexame) da matéria de facto (pontos 14 e 15) da decisão relativa à matéria de facto; 

b) – Individualização da medida da Pena (Pena de multa em vez da pena suspensa imposta e condicionada ao pagamento das quantias em divida). 

II – Fundamentação.

II.A. – De Facto:

Para a decisão que prolatou considerou o tribunal adquirida a sequente facticidade:

“1. A primeira arguida é uma sociedade por quotas, matriculada em 3/01/1986, na Conservatória de Registo Comercial de Arganil, com o n.º 00245/030186, com o objecto social de exploração e indústria de transportes públicos ocasionais de mercadorias, enquadrada para efeitos do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, no regime geral de apuramento da matéria tributável e para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, no regime normal de periodicidade mensal.

2. O segundo arguido é sócio-gerente da referida sociedade e único responsável pela gestão da mesma até Fevereiro de 2002.

3. A terceira arguida exerceu funções de gerente de facto a partir de Fevereiro de 2002 e até 2004, sendo responsável, juntamente com o sócio gerente seu pai e aqui segundo arguido, pela gestão da sociedade durante esse período.

4. A referenciada sociedade arguida teve ao seu serviço e sob as suas ordens e direcção, durante os anos de 2002 e 2004, diversos trabalhadores.

5. No âmbito do seu objecto social, a terceira arguida, actuando em nome e no interesse da arguida sociedade, durante esses dois anos, procedeu, ao desconto, nas remunerações pagas ao trabalhadores, para, alegadamente, serem entregues ao Estado, dos quantitativos devidos, por cada um deles, a título de Imposto Sobre o Rendimento Singular sobre rendimentos de trabalho dependente (categoria A) e de trabalho independente (categoria B).

6. A primeira arguida, em conformidade com dever legalmente estabelecido para as entidades empregadoras, competia efectuar essa operação de desconto, reter o quantitativo devido a título daquele imposto e entregá-lo até ao dia 20 do mês imediatamente subsequente – e assim sucessivamente - ao seu legítimo destinatário, o Estado.

7. Embora tivesse nesses anos de 2002 e 2004, realizado essa operação de desconto, a primeira arguida, procedendo segundo determinações da terceira arguida, não efectuou, nem no prazo legal, nem nos 90 dias para além dele, nem depois da notificação realizada para esse efeito pela administração fiscal acrescida dos juros respectivos e do valor da coima, a entrega, ao Estado, do correspondente quantitativo descontado aos trabalhadores e retidos na fonte, apropriando-se e gastando como lhe aprouve, esse montante que: a titulo de I.R.S. (categoria A), ascendia no ano de 2001 (reportada aos meses de Abril a Outubro) a € 3.716,21 (três mil setecentos e dezasseis euros e vinte e um cêntimos) e no ano de 2004 (relativa aos meses de Maio a Dezembro) a € 510,00 (quinhentos e dez euros); a titulo de I.R.S. (categoria B), ascendia  no ano de 2002 (relativa ao mês de Maio) a € 102,00 (cento e dois euros), no ano de 2004 (relativa aos meses de Janeiro, Abril, Julho Setembro e Novembro) a € 439,98 (quatrocentos e trinta e nove euros e noventa e oito cêntimos), o que perfaz o quantitativo global de € 4.226, 21 (quatro mil duzentos e vinte e seis euros e vinte e um cêntimos) e € 541,98 (quinhentos e quarenta e um euros e noventa e oito cêntimos), respectivamente, como melhor se discrimina nos mapas de valores constantes de fls. 183 e 185, que se dão aqui por reproduzidos na íntegra.

8. A sociedade arguida pagou parte dos quantitativos em dívida, encontrando-se ainda  por regularizar os montantes referentes a I.R.S. cat. A: de € 1.987,70 (relativos ao ano de 2002, meses Julho a Outubro) e de € 426,00 (relativos ao ano 2004, meses de Maio a Julho e Novembro a Dezembro) e referentes a I.R.S. cat. B: de € 439,98 (relativos aos meses de Abril a Novembro do ano de 2004), tudo conforme quadros discriminativos constantes de fls. 201, que se dão aqui por reproduzidos.

9. No âmbito da seu objecto social os, segundo e terceira, arguidos, actuando em nome e no interesse da arguida sociedade, prestaram, de Janeiro a Dezembro dos anos de 2001, 2002, 2003 e 2004, serviços, à firma “ S…, S.A.”  a quem liquidaram o I.V.A., que lhes foi pago, conforme conta-corrente, cópias dos meios de pagamento (automáticos) e respectivos extractos bancários,  juntas a fls. 70 a 78.

 10. Todavia, apesar de terem remetido aos serviços de cobrança do Imposto sobre o Valor Acrescentado, até ao dia 15 do mês posterior a que respeitam, as declarações periódicas relativas às operações efectuadas, não entregaram, nesse prazo ou fora dele, o montante do imposto exigível de: € 35.830,54 (trinta e cinco mil oitocentos e trinta euros e cinquenta e quatro cêntimos) relativo ao ano de 2001 (de Janeiro a Dezembro) € 45.187,56 (quarenta e cinco mil cento e oitenta e sete euros e cinquenta e seis cêntimos) relativo ao ano de 2002 (de Janeiro a Dezembro), € 29.830,42 (vinte e nove mil oitocentos e trinta euros e quarenta e dois cêntimos) relativo ao ano de 2003 (de Janeiro a Dezembro), € 23.225,98 (vinte e três mil duzentos e vinte e cinco euros e noventa e oito cêntimos) relativo ao ano de 2004 (de Janeiro a Dezembro).

 11. A sociedade arguida pagou parte dos quantitativos em dívida, encontrando-se ainda  por regularizar os montantes referentes a I.V.A.: de € 31.109,47 (relativos ao ano de 2001, meses Janeiro a Novembro), de € 32.845,61 (relativos ao ano 2002, meses de Abril a Novembro) e de € 29.418,72 (relativos a todos os meses), num total global de € 11.599,78 (cento e dezasseis mil quinhentos e noventa e nove euros), tudo conforme quadros discriminativos constantes de fls. 202.

 12. A primeira arguida, procedendo sempre segundo determinações dos, segundo e terceira, arguidos relativas aos períodos de tempo em que exerceram funções de gerentes, sabia estar obrigada a entregar ao Estado, nos 15 dias seguintes ao mês a que respeita, o montante do imposto de I.V.A exigível e já deduzido.

 13. No entanto, nem no prazo legal, nem nos 90 dias para além dele, nem depois da notificação realizada para esse efeito pela administração fiscal acrescida dos juros respectivos e do valor da coima, efectuou tal entrega dos correspondentes quantitativos à Administração Fiscal, apropriando-se mensal e sucessivamente, e gastando com lhe aprouve, tais quantitativos.

 14. Os, segundo e terceira, arguidos, que actuaram de livre e consciente vontade, procederam, conforme descrito, sempre enquanto sócio gerente e gerente de facto da primeira arguida, em nome desta e segundo uma estratégia que haviam delineado, para atingir o que definiram ser de maior interesse patrimonial para a mesma sociedade comercial. 

 15. Sabiam que a sua conduta era contrária ao direito e penalmente censurada, não obstante, conformando-se com as consequências penais que dessa conduta lhes pudesse advir, os, segundo e terceira, arguidos, por si, e a primeira arguida, na pessoa daqueles, não se coibiram de actuar como o descrito, reiterando, mês após mês, durante os mencionados anos, esse propósito ilícito de apropriação, favorecido, entretanto, pela aparente inércia da entidade lesada, querendo e logrando obter, por esse meio, um proveito patrimonial indevido.

 16. A partir de 1998, a empresa arguida começou a atravessar uma situação financeira difícil.

 Na sequência de um acidente vascular cerebral que afectou o segundo arguido no início de 2002, o que levou à sua hospitalização, a gerência da sociedade passou a ser exercida pela filha daquele e aqui terceira arguida, a qual já era funcionária da firma arguida, no período temporal mencionado em 3).

 17. A partir de 2005, devido a execuções fiscais e judiciais em curso na altura, à firma arguida foram penhorados todos os bens.

 18. Desde essa data, a “TM, Ldª.” deixou de laborar.

 19. Desde 1998 até 2005, os arguidos tentaram manter a empresa em funcionamento e os postos de trabalho pela mesma criados.

 20. O arguido JT... encontra-se presentemente reformado e possui alguns problemas de saúde que afectam a sua capacidade de trabalho, nomeadamente, as sequelas de “a.v.c” de que foi acometido, diabetes, cegueira de um olho, entre outras.

 21. Recebe cerca de € 364,00 euros de reforma e vive das ajudas da mulher e dos filhos.

 22. O arguido sempre foi bem visto no meio onde se insere e vive, sendo tido por todos como homem de trabalho exemplar até ficar doente.

 23. Confessou os factos de forma integral e sem reservas.

24. A arguida AC..., filha do segundo arguido, exerce actividade profissional como recepcionista na “Casa do Povo” ; é solteira e reside com os seus pais, auferindo o salário mínimo nacional.

 25. Não são conhecidos antecedentes criminais aos arguidos.   

Factos não Provados:

Com interesse para a decisão da causa, não existem factos não provados.

Motivação da decisão de facto:

A convicção do tribunal formou-se, no que aos factos provados respeita, com base nas declarações do arguido JM… que admitiu os factos por que vinha acusado, confessando-os integralmente e sem reservas, esclarecendo ainda as suas condições de vida actuais e da empresa arguida.

Também as declarações da arguida foram importantes, confessando parcialmente a materialidade dos factos vertidos na acusação, embora remetendo para o seu pai a questão da gerência de direito e efectiva da arguida firma; tiveram-se ainda em consideração as suas declarações sobre as suas condições de vida actuais, circunstâncias de vida do segundo arguido e suas vicissitudes, bem como da firma arguida.

As declarações dos dois arguidos, juntamente com os documentos juntos nos autos, aliados às regras de experiência de vida, levaram-nos a considerar que, uma vez que a arguida AC... é que substituiu o arguido JM… quando este ficou doente, efectuando os pagamentos aos empregados e enviando toda a documentação para a contabilidade, preferindo pagar os salários do que liquidar as dívidas fiscais, a terceira arguida tinha conhecimento das dívidas ao Estado – sendo esta quem exercia a gerência de facto da firma arguida durante o período de 2002 a 2004, aqui em causa.

A testemunha de acusação AM... foi considerada na parte em que confirmou os valores em dívida ao Estado.

Nos depoimentos das testemunhas de defesa OO..., JC... e CG... quanto às condições pessoais, situação sócio-económica, profissional e personalidade dos dois arguidos, com especial relevância para JT..., pela sua maneira de ser e postura perante a vida, assim como da firma arguida.

Nos documentos juntos aos autos.”

II.B. – De Direito.

II.B.1. – Impugnação (reexame) da matéria de facto (pontos 14 e 15) da decisão relativa à matéria de facto. 

O arguido, se bem interpretamos o sentido que pretende conferir à sua confissão – cfr. itens 1 a 6 das conclusões -, não impugna a materialidade objectivada nos artigos 14 e 15 da matéria de facto provada, mas sim o que foi dito para justificar a falta de entrega das prestações que deveria ter sido entregue à administração fiscal. Ou seja o arguido não se insurge contra as proposições fácticas adquiridas para a factualidade provada mas sim contra o facto de o tribunal não ter tomado em consideração as razões e os motivos circunstanciais que determinaram e conduziram o arguido à situação económica que obstou ao cumprimento das suas obrigações perante o fisco, onde avulta a necessidade de dar pagamento aos salários dos trabalhadores.  

A confissão integral e sem reservas, isto é esclarecida e liberta de qualquer constrangimento ou influência, importa que o tribunal aceite a materialidade factual imputada ao arguido na acusação e que se constitui como o núcleo probatório determinante para que o tribunal possa decidir pela verificação dos pressupostos de que depende a aplicação de uma pena ou da absolvição.

Havendo, no entanto mais do que um arguido, o tribunal está impedido de valorar a confissão integral e sem reservas de um deles se os comparticipes o não fizerem – cfr. n.º 3 alínea a) do artigo 344.º do Código de Processo Penal.

No caso concreto a co-arguida, filha do arguido João Tavares, confessou os enunciados fácticos que compunham o cerne do libelo acusatório desviando para o seu pai a responsabilidade pela gestão directa da empresa e pelo desconhecimento que esse facto trazia para a sua responsabilização imediata e efectiva.

Não ocorreram quanto aos factos que se constituem o núcleo fundante da imputação jurídico-penal divergências que permitem afastar a convicção de que os factos constantes dos itens 14. e 15, não tivessem que ter sido dados como adquiridos, enquanto factos que compõem o elemento intencional da sua actuação desviada.

Os factos que o arguido pretende impugnar não são factos materiais e empíricos [[ii]] sobre que possa recair uma prova directa e imediata, isto é sobre que o tribunal possa fazer recair qualquer dos meios de prova institucionalmente consentidos. Tratando-se de factos ou realidades subjectivas, do domínio da vontade e da intencionalidade actuante da pessoa, a capacidade probatória queda peada pela impossibilidade de o tribunal perscrutar o íntimo do indivíduo quando realiza e executa a acção ilícita. Os factos que exprimem ou desprendem sentimentos, vontades ou intenções hão-de reverberar dos enunciados fácticos propostos ao tribunal para aferição da conduta ilícita que lhe está adstrito valorar e julgar. 

Assim é que se nos afigura que o tribunal, em face da facticidade que foi dada como provada, inferiu a intencionalidade colocada pelo agente na sua realização.

Questão diversa, e que o arguido deveria ter chamado à colação na sua contestação – porquanto se o tivesse feito apertis verbis o tribunal estaria sujeito à sua apreciação expressa na decisão e sobre ela deveria ter sido produzido prova – ocorreria se houvesse sido oposta alguma das causas de exclusão que fossem susceptíveis de justificar a conduta. Porém, como se constata da contestação os arguidos limitaram-se a oferecer o merecimento dos autos e tudo aquilo que em seu favor viesse a ser apurado em julgamento. E se é certo que, em processo penal o Tribunal não está sujeito à alegação das partes e não ocorre uma vinculação probatória cingida à enunciação fáctica que lhe é proposta, pois que o tribunal pode sempre buscar para além dos elementos de prova que lhe são apresentados pelos sujeitos involucrados, como corolário do principio da averiguação dos factos que constam da acusação e da contestação para obtenção da chamada “verdade material” objectivo e consecução visada pela realização da justiça material – em contraposição com a realização da chamada “verdade formal ou convencional”, mais atreita ao ordenamento civil –, também não é menos verdade que, no caso concreto, o tribunal não deixou de atender e valorar aos factos circunstanciais que terão sido expressos pelo arguido quanto ás condições em que a empresa laborava desde 1998, ás dificuldades que atravessava, ao esforço efectuado para manter a empresa a laborar e manter os postos de trabalho – cfr. pontos 14, in fine, 16.17 e 19. Todo este acervo factual foi adquirido a expensas do tribunal e deve ser tributado á indagação e valoração que o tribunal efectuou decorrente da prova produzida em julgamento.

Não se nos afigura que o tribunal pudesse ter ido mais longe na fixação da matéria fáctica relevante para o julgamento do caso que lhe era sujeito a apreciação. Os factos relevantes, isto é, aqueles que perante o quadro jurídico-legal e o conspecto normativamente determinante para a determinação não só dos pressupostos de que dependeria a aplicação de uma pena, como da culpa e das circunstâncias que interviriam na escolha e determinação concreta da pena foram atendidas e levadas à decisão da matéria de facto.

Manter-se-á inconsútil a decisão da matéria de facto. 

II.B.2. – Individualização da medida da Pena (Pena de multa em vez da pena suspensa imposta e condicionada ao pagamento das quantias em divida). 
A expectativa contrafáctica na vigência de uma norma jurídica, enquanto regra orientadora e consubstanciadora de uma determinada realidade social, deve ser efectuada à custa do agente que à custa uma conduta violadora do comando normativo se colocou em posição, momentânea, de afrontamento da sociedade. A possibilidade de o comando contido na norma poder vir a ser tornado erróneo pelos demais membros do tecido social impele o Estado à punição da infracção praticada e de acordo com o grau de culpabilidade do agente
A pena constitui-se como um instrumento para resolver defraudações de expectativas que não podem ser estabilizadas de outra maneira. Trata-se de um expediente jurídico-social que consiste em demonstrar à custa do defraudante que se mantém a expectativa comunitária que reverbera no ordenamento jurídico possibilitando que a sociedade, através de um órgão formal de controle, recriar, através da imposição de uma sanção penal, uma expectativa societária e pessoal de que aquele concreto individuo se irá manter numa atitude de afirmação e conformação com o ordenamento vigente.
Na escolha e determinação da pena concreta deverá reverberar o grau de necessidade de validação da norma violada mediante um doseamento sancionatório que inculque no sujeito a necessidade de uma reflectida assumpção e recolocação no espectro vivencial por que deve pautar o seu comportamento numa sociedade comunicacional. A sanção confirma que não é incorrecta a expectativa da sociedade, mas sim a acção ou comunicação do sancionado. «O autor determinou-se e executou a sua conduta sem consideração pela vigência do Direito. Na medida em que isso implica a afirmação que a norma o não vincula, haverá que contraditá-lo através da pena (este é o significado da pena)»[iii]. Com a aplicação de uma pena pretende-se alcançar a manutenção da norma como esquema de orientação, prevenção «porque se persegue um fim, precisamente, a manutenção da fidelidade á norma, e isso, concretamente, com respeito á sociedade no seu conjunto, por isso, geral».

A pena terá, assim, que, ao assumir-se como função de manutenção da vigência da norma, ter como medida o peso da norma violada e a medida da sua vulneração; a situação de asseguramento cognitivo dessa norma; a responsabilidade do autor pela sua motivação ao cometer o crime. O princípio da culpabilidade, ou a densificação da materialidade volitiva posta na execução de uma conduta, no que quer que isso possa ser mensurável, há-de, segundo o artigo 40º do código vigente, dosear a medida da pena.
Ainda para este autor que se inere naquela que foi crismada como corrente sociológico-normativa ou juridico-funcional a pena deve funcionar “como uma privação ou restrição de bens jurídicos, prevista na lei, e imposta pelos órgãos jurisdicionais competentes ao autor do facto delitivo”[iv]. Günther Jakobs, epígono desta corrente, refere que, apesar das diferenças que é possível surpreender nos distintos entendimentos quanto a esta problemática, notas comuns são passíveis de ser colimadas num conceito unitário de pena, conferindo a esta “uma função de reacção ante uma infracção de uma norma; que mediante a reacção sempre “se pone de manifesto” que norma deve ser cumprida e tem que ser defendida; e que a reacção demonstrativa deverá sempre ter lugar à custa do responsável por haver infringido a norma (por “a costa de” se entiende en este contexto la pérdida de cualqier bien)”[[v]] (tradução nossa).

Em decisivo, numa lapidar expressão, para este autor «la única meta que le corresponde al Derecho Penal es garantizar la función orientadora de las normas jurídicas. 

La pena no persigue impresionar al penado ni a terceros para que se abstengan de cometer delitos. Trata solo de “ejercitar en la confianza de la norma” a la colectividad, para que todos sepan cuáles son sus expectativas, de “ejercitar en la fidelidad al Derecho”, y de “ejercitar en la acpetación de las consecuencias” en caso de infracción. Estos três efectos resumen en el de “ejercitar en el  reconocimiento de la norma”.- op. loc. cit. pág. 58 e 59.

Para outra corrente as penas devem actuar como factores dissuasores do cometimento de futuras infracções.

Para Claus Roxin [[vi]/[vii]], op. loc. cit., pag. 185, epígono da corrente penalista que defende que os fins das penas atinam com a denominada “prevenção da integração”, o limite da pena deve ser aferido pela culpa. Na conclusão das suas reflexões politico-criminais sobre o princípio da culpabilidade afirma que: 1º - a problemática da relação entre culpabilidade não se pode abordar depurando a culpabilidade de todos os elementos dos fins das penas, para poder contrapor os conceitos em antítese limpa. Antes bem, a culpabilidade, em tanto possa ser constatada na praxis forense, torna-se determinada no seu conteúdo por critérios preventivos; 2º - Nem tão pouco se pode incluir na culpabilidade, como se tentou recentemente invertendo as posições anteriores, todos os pontos de vista preventivos o só os preventivos gerais, fazendo desaparecer com isso o carácter antinómico de culpabilidade e prevenção; 3º - Para melhor se há-de reconhecer que conceito jurídico-penal de culpabilidade contém certamente em si alguns aspectos preventivos, mas precisamente não outros, pelo que se produzem, por isso, recíprocas limitações do poder punitivo que ocupam lugares distintos segundo se trata da fundamentação ou da determinação da pena; 4º - pelo que se refere à culpabilidade como fundamento da pena, em numerosos casos devem acrescentar-se requisitos preventivos, para desencadear uma responsabilidade jurídico-penal. Com isso, o castigo do comportamento culpável – contra o que constituía a opinião tradicional – será limitado precisamente pela necessidade preventiva, o que do ponto de vistas dogmático jurídico-penal produzirá consequências transcendentais, ainda somente vislumbradas (…); 5º - No que se refere á culpabilidade a determinação da pena, por outro lado aparece em primeiro plano o efeito limitador da culpabilidade sem prejuízo da sua congruência com as necessidades de uma prevenção integradora motivada criminalmente; já que na sua graduação limita em virtude da liberdade individual, qualquer tipo de prevenção geral intimidatória e qualquer tipo de prevenção especial dirigida a tratamento. Não obstante, também os prementes mandatos da prevenção especial limitam, ao inverso, o grau da pena, no entanto, contra o que sucede na praxis, pode-se impor no caso concreto uma pena inferior à correspondente ao limite que vem previamente dado pela magnitude da culpabilidade, quando só deste modo se possa evitar o perigo de uma maior dessocialização.

Em remate para este autor «la pena adecuada a la cupabíIidadad, punto de partida del sistema de medición de la pena, del Código alemán, es la correspondiente a la prevención general positiva, y que la misma es inferior a la que permitiría la prevención generaI negativa. Roxin llama a la prevención general positiva “prevennción general compensadora“ o “integragdora-socialmente” mientras que denomina o “prevención general intimidatoria” a la negativa». (cfr. op. loc. cit. pag. 62).

Na análise a que procede sobre o Estado, a Pena e o Delito, e escrutinando as distintas doutrinas que se têm vindo a impor no espectro da aplicação das penas Santiago Mir Puig escreve que: «El principio de culpabilidad en sentido amplio, aqui manejado, no debe confundirse com la exigência de cierta proporción entre la pena y la gravedad del delito.

Entendida como posibilidad de relacionar un hecho com un sujeto y no como posibilidad de convertir en demérito subjectivo el hecho realizado, la culpabilidad no indica la cuantía de la gravedad del mal que debe servir de base para la graduación de la pena. Dicha cuantia viene determinada por la gravedad del hecho antijurídico del cuaI se culpa al sujeto. La concepción contraria sólo puede ser admitida por quien acepte que la pena no se impone para prevenir hechos lesivos, sino como retribución de la actitud interna que el hecho refleja en el sujeto.- pág. 206.

Por una parte la prevención general puede manifestarse por la via de la intimidación de los posibles delincuentes, o también como prevalecimiento o afirmación del Derecho alos ojos de la colectividad.. En el primer sentido, la amenaza de la pena persigue Imbuir de un temor que sirva de freno a la posible tentación de delinquir. Se dirige solo a los eventuales delincuentes. En el segundo sentido, como afirmación del derecho, la prevención general persigue, más que la finalidad negativa de inhibición, la internalización positiva en la conciencia colectiva de la reprobación jurídica de los delitos y, por otro lado, la satisfacción del sentimiento jurídico de la comunidad. Se dirige a toda la sociedad, no solo a los eventuales delincuentes. – pág. 43

De ahí, pues, un primer limite que la prevención encuentra en si misma: la gravedad de las penas tendientes a evitar delitos no puede negar hasta el máximo de lo_que aconsejaría la pura intimidación de los eventuales delincuentes, sino que debe respetar el limite de tina cierta proporcionalidad com la gravedad social del hecho. Por outra parte la exigencia de proporcionalidad_se desprende también de la conveniência de resaltar lo más grave respcto de lo menos grave en orden a frenar en mayor grado lo más grave.- pág. 44

Frente al delincuente ocasional, la prevención especial exigiria solo la advertência que implica la imposición de la pena. Para el delincuente no ocasional corregible, seria precisa la resocialización mediante la aplicación de un tratamiento destinado aobtener su corrección. Por último, para el delincuente incorregible la única forma de alcanzar la prevención especial seria innoculizarlo, evitando así el perigro mediante su internamiento asegurativo. El efecto de advertência se designa a veces como “intimidación especial”, para expresar que se dirige solo ai delincuente y no a la colectividad, como a intimidación que persigue la prevención general. La resocialización adopta a veces modalidades especiales: así, como tratamiento educativo o como tratamiento terapêutico para sujetos com anomalias mentales.[viii]

Já para Hassemer «la función de la pena – afirma – es la prevención general positiva”, que no opera mediante la intimidación sino que persigue la proteción efectiva de la fiscalización social de la norma. Ello supone dos cosas: por una parte, que la pena ha de estar limitada por la proporcionalidad, – por la retribuición por en hecho; por outra parte, que la misma ha de suponer un intento de resocialización del delincuente, entendida como ayuda que ha de prestársele en la medida de lo posible.

De todos os autores citados se retira a ideia de que a pena tem uma função preventiva, no sentido em que deve servir a manutenção das expectativas da comunidade na vigência das normas e actuam como factor de dissuasão do autor do facto violador da regra jurídica e demais conviventes sociais na necessidade de manter estável e vigente a validade orientadora do amplexo normativo que regula o tecido social.

No ordenamento jurídico-penal português, e com as alterações introduzidas pela revisão do Código Penal em 1995, ficou consagrada uma concepção preventivo – ética da pena, quando se estatuí que “as finalidades da pena (e da medida de segurança) são exclusivamente preventivas, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite da pena”.[ix]

Para este Professor, que parece defender uma posição próxima daquela que é defendida por Eduardo Demétrio Crespo, na obra já citada, isto é, que as penas devem visar, em primeira linha a prevenção especial (positiva e negativa), devendo a prevenção geral constituir-se como limite mínimo da justificação e fundamento para a imposição de uma pena ou medida de segurança e a culpa como limite máximo atendendo ao critério da prevenção especial, “o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). Este é o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal”.[x] “A determinação da medida da pena e a escolha da espécie de pena, quando legalmente permitida, reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o “fim” é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes”. No entanto, adverte o autor, que temos vindo a citar,” que este critério da prevenção especial não é absoluto, mas antes duplamente condicionado e limitado: pela culpa e pela prevenção geral”. “Condicionado pela culpa, no sentido de que nunca o limite máximo da pena pode ser superior à “medida” da culpa, por maiores que sejam as exigências preventivo – especiais” e “condicionado pela prevenção geral, no sentido de que nunca o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena detentiva) pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima”.

Constata-se, assim, que no ordenamento jurídico-penal português a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.[xi]

«Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas»[xii].

Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa. Em sentido coincidente pronuncia-se Anabela Rodrigues, ibidem, 178/179, bem como Taipa de Carvalho, ibidem, 328, ao defender que o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena não detentiva) nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima, limite este que coincide com o limite mínimo da moldura penal estabelecida pelo legislador para o respectivo crime em geral.), elegendo em cada caso aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido sendo uma razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2, da CRP, consagra.

Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável –, certo é dever corresponder à sanção que o agente do crime merece, ou seja, deve corresponder à gravidade do crime. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade. O “merecido”, porém, não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral.[xiii]
As defraudações na vigência das normas manifestadas pela conduta reiterada de um sujeito devem conferir ao órgão formal de controle a possibilidade de criar, através da imposição de uma sanção penal, uma expectativa societária e pessoal de que aquele concreto individuo se irá manter numa atitude de afirmação e conformação com o ordenamento vigente devendo, portanto, reflectir na escolha da pena o grau de necessidade de validação da norma violada mediante um doseamento sancionatório que inculque no sujeito a necessidade de uma reflectida assumpção e recolocação no espectro vivencial por que deve pautar o seu comportamento numa sociedade comunicacional. A sanção confirma que não é incorrecta a expectativa da sociedade, mas sim a acção ou comunicação do sancionado. «O autor determinou-se e executou a sua conduta sem consideração pela vigência do Direito. Na medida em que isso implica a afirmação que a norma o não vincula, haverá que contraditá-lo através da pena (este é o significado da pena)»[xiv]. Com a aplicação de uma pena pretende-se alcançar a manutenção da norma como esquema de orientação, prevenção «porque se persegue um fim, precisamente, a manutenção da fidelidade á norma, e isso, concretamente, com respeito á sociedade no seu conjunto, por isso, geral».

A pena terá que, ao assumir-se como função de manutenção da vigência da norma, ter como medida o peso da norma violada e a medida da sua vulneração; a situação de asseguramento cognitivo dessa norma; a responsabilidade do autor pela sua motivação ao cometer o crime. O princípio da culpabilidade, ou a densificação da materialidade volitiva posta na execução de uma conduta, no que quer que isso possa ser mensurável, há-de, segundo o artigo 40.º do código vigente, dosear a medida da pena.

Na jurisprudência, e a propósito dos fins das penas, da medida concreta da pena e do princípio da proporcionalidade, doutrinou o nosso mais Alto Tribunal em dois arestos que se deixam transcritos a seguir.

“A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade)” – (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2007; proferido no processo nº 28/07)

“O princípio da proporcionalidade do art. 18.º da Constituição refere-se à fixação de penalidades e à sua duração em abstracto (moldura penal), prendendo-se a sua fixação em concreto com os princípios da igualdade e da justiça.

[Deve na determinação concreta da pena atender-se ao] “grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente); – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

4 – A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura. – (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.02.2007).[xv]

Nos termos do art. 71 nº 1 do C.P. "a determinação da pena dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Resulta de uma chã leitura deste preceito que a culpa (indiciador de um radical pessoal) e a prevenção (que insinua a vertente comunitária da punição) constituem os princípios regulativos em que o juiz se deve ancorar no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Fornecendo o critério, o legislador não fornece ao juiz conceitos fechados e aptos à subsunção que permita a matematização do iter formativo da pena concreta. Se a pena há-de ser individualizada afigura-se que o juiz, assumindo as intencionalidades e as vinculações do sistema jurídico-penal, desempenha, também aqui, urna insubstituível tarefa mediadora e constitutiva.
Na determinação concreta da pena caberão todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
– O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente; – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este;
– A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Ponderando nos critérios a observar na individualização judicial da pena refere a propósito Winfried Hassemer[xvi] que “na decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o se comportamento posterior ao delito”, do mesmo passo que para Jakobs o conteúdo tradicional da culpabilidade, constitui-se numa culpabilidade fundada em si mesma, sendo preenchido pela prevenção geral, Para este autor, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”. [[xvii]] “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido. [[xviii]]

O tribunal a quo justificou a medida da pena imposta com a argumentação que a seguir se deixa transcrita.
“A conduta dos arguidos é punível, em abstracto, nos termos do artº. 105, nº. 1, da Lei 15/2001, de 5/06, com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.

Na determinação, dentro da moldura penal abstracta, da medida concreta da pena, seguir-se-á o critério inserto no artº. 13, ou seja, atende-se ao prejuízo causado pelo crime, sempre que possível, e ainda o disposto nos arts. 71º, n.º 1 e 40º, nos 1 e 2 do Código Penal.

No caso presente, o desconhecimento dos antecedentes criminais do arguido, bem como a importância em dívida, justificam a opção pela medida privativa da liberdade em relação ao primeiro arguido JT..., quer do ponto de vista da ressocialização, quer do ponto de vista da consciência jurídica da comunidade.

O mesmo já não sucede com a arguida AC..., a qual, por via do exercício de facto da gerência em virtude da doença do pai, segundo arguido, se considera como responsável “subsidiária”, pelo que uma pena não detentiva da liberdade é suficiente para satisfazer as finalidades da punição.

Quanto à determinação da medida daquelas penas, atende-se à culpa do agente (a medida da culpa limita “de forma inultrapassável as exigências da prevenção”) e exigências de prevenção. E, dispõe o n.º2 do art. 71.º do C. Penal (que aqui se aplica por força do disposto no art. 13.º da Lei nova), que na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”, enumerando algumas, a título exemplificativo.

Desta forma, ponderar-se-á em favor dos arguidos: o facto de a arguida exercer uma actividade profissional; a confissão integral e sem reservas por parte do arguido JT...; as condições económicas de ambos os arguidos; a situação actual da empresa arguida; a circunstância de a arguida ter tido necessidade de substituir o pai devido à doença que o acometeu em 2002; havendo, ainda, a considerar o período de tempo entretanto decorrido desde a prática dos factos. Contra os arguidos, há que atender às consequências da sua conduta, tendo em conta que a situação fiscal da sociedade arguida (actualmente encerrada) e o desconhecimento dos antecedentes criminais.

Ponderando conjuntamente aquelas agravantes e atenuantes, à luz dos critérios expostos, as elevadas exigências de prevenção geral e alguma exigência de ressocialização dos arguidos, o Tribunal entende adequada e proporcional a aplicação:

- ao arguido JT... de uma pena de 24 (vinte e quatro) meses de prisão;

- e à arguida AC... de uma pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 euros, o que perfaz o montante global de € 1.000,00 euros (mil euros).
Ora, tendo sido aplicada, ao arguido JT..., uma pena inferior a três anos de prisão suscita-se a questão da suspensão da sua execução.

De facto, a suspensão da execução de pena de prisão, enquanto medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico é um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, que deverá ser decretada sempre que se afigurar mais conveniente para a realização das finalidades das penas e se verifiquem os pressupostos a que alude o artigo 50.º do Cód. Penal. Isto é, se atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao facto punível, e às circunstâncias deste, se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime.

Na situação presente, face às condições de vida do arguido JT..., que já acima se referiu; as circunstâncias em que o facto punível ocorreu, tendo em conta as dificuldades económicas pelos mesmos vivida e a inserção social no meio onde vive, gozando de boa reputação, é lícito concluir que a simples censura dos factos e a ameaça da pena será suficiente para os afastar da criminalidade, ficando também satisfeitas as exigências de prevenção e de reparação dos crimes.

Assim, entendemos que se mostram preenchidos os pressupostos de que depende a suspensão da execução da pena e, consequentemente, decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada ao segundo arguido pelo período de 24 (vinte e quatro) meses.
Atento, porém, o regime específico da disposição legal inserta no artº. 14 da Lei nova - consagrando que “a suspensão é sempre condicionada ao pagamento da prestação tributária e legais acréscimos, em prazo a fixar pelo juiz até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação - aquela suspensão da pena é determinada sob a condição de pagamento ao Estado, no prazo que desde já se fixa de 24 (vinte e quatro) meses, a contar do trânsito desta decisão, da quantia de imposto em dívida - € 119.453,46 euros (cento e dezanove mil, quatrocentos e cinquenta e três euros e quarenta e seis cêntimos).”   

A opção pela pena de prisão não se justifica, em nosso juízo, em face da mitigada culpa do agente.

O arguido era gerente de uma empresa que desde o ano de 1998 atravessava dificuldades económicas e financeiras, já depois de ter deixado de pagar as prestações correspondentes ao IRS dos trabalhadores ainda procurou solver parte dos montantes em dívida, esteve doente durante esse período tendo sido substituído pela filha na gestão da empresa, actuaram com o convencimento de que a sua actuação poderia minorar a situação económica e financeira da empresa e manter a laboração com os trabalhadores que ali prestavam serviço, não possui antecedentes criminais, confessou os factos de que era acusado, era um homem trabalhador e socialmente integrado, até ao momento em que começou a sofrer de maleitas.

Com este quadro factual afigura-se-nos que a pena de substituição aplicada ao arguido surge não como factor de prevenção geral ressocializadora ou integradora e num plano ético-social, mas tão só como forma de assegurar o pagamento das quantias em dívida ao Estado. A pena não é, no caso, aquilatada pelo grau de culpa de agente, porquanto não se crê que o tribunal tenha do agente infractor a ideia de homem socialmente desviado e eticamente desadaptado – era um homem bem visto na sociedade, procurou manter os postos de trabalho, intentou, com a empresa em dificuldades financeiras, pagar as prestações em dívida. A pena assume neste caso uma função claramente pressionante ou coactora do pagamento da dívida ao Estado, por parte do agente. Esta é uma função que a pena não deve nem pode cumprir num Estado de Direito e em que o Direito se sobrepõe ao Estado na consecução da realização da pessoa humana. A pena visa a defesa de bens fundamentais da pessoa humana e não fins de Estado e muito menos fins que se prendem com a facilitação da cobrança de dívidas por parte do Estado.

Acodem-nos á ideia recentes episódios reveladores da forma como o Estado utiliza os dinheiros dos contribuintes para arredar cerce a ideia de que um devedor nas condições em que o arguido contraiu a dívida possa poder a sofrer uma pena de prisão por não poder, no futuro, solver essa dívida.

Ao sujeitar a pena de substituição à condição de pagamento da quantia em dívida, o tribunal foi além do grau de culpa do agente, que agiu num quadro desfavorável para a empresa, com a intenção de manter os postos de trabalho vindo posteriormente a reconhecer a falta e tendo ainda durante o período de laboração da empresa procurado solver a dívida. Quem assim age fá-lo não com a intenção deliberada de defraudar a fazenda nacional mas como forma de minorar ou atenuar as dificuldades momentâneas da empresa que gere e convencido, certamente, de que poderia mais tarde vir a solver a dívida.

Com a moldura penal considerada na norma incriminante julgamos adequada ao grau de culpa prefigurada no quadro factual descrito na decisão de facto ser imposta ao arguido, para reposição da confiança na norma violada, uma pena de multa. 

O crime de abuso de confiança fiscal é punido, para além da pena de prisão, com uma pena de multa até 360 (trezentos e sessenta) dias.

Tendo em conta o grau de culpa que deixamos explicitado supra afigura-se-nos adequada uma multa de trezentos dias (300) dias.

A doutrina procede à classificação do sistema das penas de multa e à forma como se podem formar os quantitativos que as devem compor [[xix]] em: sistema global; sistema dos dias-multa; sistema da multa duradoura; sistema de igualdade. É sabido que o ordenamento penal português, na esteira do propugnado por Jescheck no seu “Tratado de Derecho Penal. Parte General”, vol.II, p. 1073 e segs, optou pelo sistema de dias-multa. [[xx]]

Para este autor (op. loc. cit. p.107) a ideia fundamental do sistema dias-multa “consiste en considerar separadamente en la determinación de la multa los dos factores – injusto y culpabilidad, por um lado: sacrifício financeiro, por outro –“. Este sistema, também chamado “modelo escandinavo”, consiste essencialmente em determinar a quantia da multa em vez de globalmente, em função dos rendimentos (“ingresos”) diários do sujeito, proporcionando desta forma, a sua gravidade às condições económicas deste. “Em primeiro […] se determina a verdadeira medida da pena, fixando o número de dias-multa, tal como se faria para uma pena privativa de liberdade, quer dizer, tendo em conta a antijuridicidade do facto, culpabilidade do sujeito e os fins das penas. Numa segunda fase assinala-se o quantitativo “importe” concreto tomando já em conta a situação económica do sujeito. Por seu turno o sistema alemão a determinação do concreto quantitativo da pena de multa e do seu montante diário realiza-se em três actos. “No primeiro o juiz, mediante os princípios gerais, determina o número de dias-multa; neste momento as circunstâncias pessoais e económicas só se terão em conta quando hajam influído no injusto e na culpabilidade. Para Jescheck parece aconselhável um desvio deste sistema, “já que o que importa é conseguir um resultado final justo, pelo que é conveniente comparar os dois factores de determinação da pena neste acto, ainda que logo se devam de ter em conta separadamente”. Num segundo acto calcula-se a importância “el importe” dos dias-multa, tendo em conta as circunstâncias pessoais e económicas do condenado; parte-se dos rendimentos “ingresos” líquidos do réu obtidos por referência “por término medio” ao dia, ou o que pode obter, segundo uma valorização razoável da sua actividade laboral. Por rendimentos líquidos devem entender-se os obtidos por qualquer classe de rendas, excluindo as ajudas por filho e outros familiares, assim como o subsidio de “vivienda”, deduzindo-se, além disso, os impostos, seguros sociais e voluntários, gastos de exploração, perdas da empresa e encargos profissionais. […] O terceiro acto refere-se a se, uma vez que a sentença seja executória, deve exigir-se o pagamento na sua totalidade, ou conceder-se facilidades de pagamento”.

Na fixação da pena de multa pondera-se, assim, a antijuridicidade do facto e a culpabilidade do agente para, em seguida, se ponderarem as concretas e reais condições económicas do apenado.

Assim deverá operar o julgador, à face do actual sistema de dias-multa consagrado no regime de penas elencadas no ordenamento jurídico-legal português.

Na individualização judicial da pena, o juiz deve atender a diversos critérios, como sejam a gravidade do feito, desde logo a nocividade e a reprovação do comportamento, o desvalor da acção e do injusto, e na perspectiva da prevenção geral, a proporcionalidade e o juízo de prognose frente à comunidade. A personalidade do delinquente, assume na individualização judicial da pena um factor de cardeal importância, tanto nos planos da prevenção especial como no da prevenção geral. [[xxi]]

A vida anterior do arguido, o comportamento posterior aos factos, a situação familiar, profissional e económica são vectores de orientação que devem influir na individualização judicial da pena. A doutrina alemã vem aludindo a outros factores que devem influir no doseamento da pena, quais sejam a “sensibilidade à pena” (Strafempfindlichkeit) e a “susceptibilidade à pena”(Strafempfandlichkeit), com o que se pretende parametrizar a injunção que uma pena incute e percute no espírito de um concreto individuo. [[xxii]]    

De ordinário, a jurisprudência vem perorando que o quantitativo pecuniário a impor na correspondência aos dias de multa encontrados como adequados para sancionamento de uma conduta desvalorante deve significar um efectivo e sentido sacrifício no património do penado.

Uma perspectiva assim desenvolvida entona um enfoque da teoria dos fins das penas em contra mão com a que veio a ser acolhida no diploma basilar –cfr. art. 40º do Código Penal – , mais virado para uma feição reintegradora do individuo na comunidade, do que para uma ideia de fazer pagar pelo mal que se julga ter sido realizado. Ficando, ainda assim, aquém de teorias da funcionalidade social do direito penal que autores como Günther Jakobs vêm defendendo, a via adoptada pelo legislador português veio alentar uma nova mundividência, inumando, de vez, as ressequidas e associais teorias defluentes do Iluminismo estreitas para abarcar uma visão mais ético-social e funcional das penas.

Na verdade, ao entonar a vertente da pena no sacrifício inerente à diminuição do património do agente, confere-se à pena uma feição retributiva ou de depreciação do gozo que o individuo deixa de usufruir por ter de afectar bens ou valores a outro fim que não a sua normal fruição. Sem, como acima se deixou expresso, este factor dever influir no doseamento da individualização judicial da pena, não pode ser um critério rector e axial, sobrepujando os demais, como parece ser a tónica que se retira da escrutinada jurisprudência.

O entono deve, para nós, ser colocado na prevenção geral, conferindo às penas uma função social de contenção preventiva das condutas anti-sociais e desvalorativas da ordem jurídica sócio – historicamente prevalentes e democraticamente aceites. Prevenir, convocando para a representação injuntiva da sanção ético-socialmente adequada, ajustada e proporcional o poder inibidor da realização de acções anti-sociais e injustas, é, do nosso ponto de vista, o desafio com que se enfrenta hoje o direito penal.

Se assim quanto ao fim da pena de multa – afinal como para qualquer outra pena – já quanto ao quantitativo, ou concreta avaliação do montante com que o apenado deve sofrer na depreciação efectiva do seu património e de modo como vem doutrinado em avonde jurisprudência deste tribunal, deve ser encontrado um quantitativo ponderado que equivalha a alguns parâmetros gerais de que se pode constituir como lidimar no acórdão do STJ, de 14-12-2000, proferido no processo nº 46.740-5ª secção, onde se doutrinou (citamos):”Se por um lado, a multa criminal há-de implicar, para o condenado, um sacrifício que de algum modo corresponda ao preço da remissão em dinheiro de uma pena de encarceramento, se por outro, o impacto da pena de multa na economia familiar é apenas temporário (no caso 150 dias) e se, enfim, a multa pode ser paga, “se o condenado o justificar”, “dentro de um prazo que não exceda um ano”, ou “em prestações” até dois anos (art. 47º,nº3 do CP), nada impedirá que, o cálculo do rendimento afectável ao pagamento da multa criminal se faça, tendo como ponto de partida, o rendimento familiar do condenado”. II – Poderá, por isso, recorrer-se para avaliar, numa primeira abordagem, a justeza da diária de determinada pena criminal de multa – a uma pauta (cfr. exemplo do acórdão), que partindo da correlação entre o rendimento mínimo garantido das famílias portuguesas e a diária mínima da multa criminal, tenha em conta que a fracção do rendimento disponível é tanto maior quanto maior o rendimento bruto, e pressuponha, que a partir de certo rendimento bruto, o rendimento disponível representa dele uma fracção igual ou mesmo superior a metade. E que, além disso, tendo embora como ponto de partida a diária correspondente à fracção dita “afectável” do rendimento bruto do respectivo agregado familiar, recomende ao julgador em segunda linha – para aperfeiçoamento da diária ás demais circunstâncias atendíveis – a sua circunscrição (obviamente não imperativa) aos parâmetros imediatamente inferior (qual limite mínimo) e superior (qual limite máximo). III – tendo em conta que o arguido vive em casa própria aufere do seu trabalho, por dia, entre 5.260$00 e 6.1337$00, beneficia das prendas domésticas da mulher e tem a cargo um único filho de 11 anos, apresenta-se como justa e equitativa, relativamente à multa criminal em que foi condenado, a fixação da respectiva taxa diária em 1.500$00”. [[xxiii]]

Atendendo ao grau de culpa do agente, ás sua condições económicas, ao seu estado de saúde e aos ingressos económicos que percebe estimamos que o quantitativo monetário para cada dia de multa se deverá fixar em oito (8) euros.

III. – Decisão. 

Na defluência do exposto decidem os juízes que constituem este colectivo, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, em:

- Julgar o recurso interposto pelo arguido, parcialmente procedente, e, em consequência:

- Revogar a decisão na parte em que procedeu à condenação do recorrente na pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão pelo período de dois anos, com a condição de nesse período proceder ao pagamento da quantia em dívida ao Estado, e em mantendo a condenação pelo crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 105.º, n.ºs 1,2 e 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias e 30.º, n.º 2 do Código Penal na pena de trezentos (300) dias de multa á taxa diária de sete (8) euros, o que perfaz o montante de dois mil e quatrocentos (€2.400,00) euros.

- Condenar o arguido por haver decaído parcialmente no recurso que interpôs nas custas do processo, fixando a taxa de justiça em quatro (4) UC’s.                  

                                                                                                                                                 

Coimbra, 10 de Dezembro de 2008


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(Gabriel Catarino, relator)


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(Barreto do Carmo)

[i] Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; WWW.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).
[ii] Cfr. Taruffo, Michele, in “La Prueba”, Marcial Pons, Madrid, 2008, pag. 16 e 17.
[iii] Cfr. Günther Jakobs, “La Pena Estatal: Significado e Finalidad”, Tradução de Manuel Cancio Meliá e Bernardo Feijoo Sánchez, Thompson, Civitas, 2006, pag. 142
[iv] Cfr. Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualização judicial da Pena”, Ediciones Universidade Salamanca, p.54
[v] Cfr. Günther Jakobs, Derecho Penal, Parte General, Fundamentos y Teoria de la Imputación, 2ª edición, Marcial Pons, Barcelona, pag. 8.
[vi] Cfr. “Culpabilidad y Prevencion en Derecho Penal”.
[vii] Cfr. Deste Insigne autor a propósito dos fins das da pena o texto da conferência inerido no volume “La teoria dela Delito en la discussión actual”, Tradução de Manuel Abanto Vasquez, Editora Jurídica Grijlex, 2007, pags. 69 e segs. em que escreve que considera “que não só a pena preventivamente desejável deve ser limitada pela culpabilidade e sua medida, mas também que a pena apropriada segundo a culpabilidade só pode ser imposta quando preventivamente indispensável. Quer isso dizer, em palavras simples: a pena deve ficar abaixo da culpabilidade quando seja preventivamente razoável. Quando, por ex., o cumprimento de uma pena correspondente á culpabilidade se revelar poder destruir a existência civil do autor e o desssocialize e se existir, além disso, um prognóstico favorável de boa conduta deveria impor-se uma pena leve que permita a condenação condicional. Já que quando uma pena leve possa cumprir com a finalidade preventiva, de igual ou melhor maneira, que uma pena forte, ainda que merecida, a pena que esgote a medida de culpabilidade careceria de legitimação através da necessidade social” – cfr. pág.73.        
[viii] Cfr. Santiago Mir Puig, in “Estado, Pena y Delito” Editorial B de f, Montevideu – Buenos Aires, 2006 Págs. 43, 44, e 206,
[ix] Cfr. Américo Taipa de Carvalho, “Prevenção, Culpa e Pena – Um concepção preventivo-ética do direito penal”, in Liber Discipulorum, Coimbra Editora, pag.317 e segs.
[x] Américo Taipa de Carvalho, op. loc. cit.,pag. 327
[xi] Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111 e ainda Anabela Rodrigues (- Problemas fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin (2002), “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, 177/208, estudo também publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2 Abril – Junho de 2002, 147/182.
[xii] Em sentido concordante, mas não totalmente coincidente, de jure constituto, veja-se Taipa de Carvalho, “Prevenção, Culpa e Pena”, Liber Discipulorum Para Jorge Figueiredo Dias (2003), 317/329, que considera a prevenção, geral e especial, o fundamento legitimador da aplicação da pena, desempenhando a culpa do infractor, apenas, o (importante) papel de pressuposto e de limite máximo da pena a aplicar, por maiores que sejam, as exigências sociais de prevenção, e entende ser correcta a afirmação de que está subjacente ao artigo 40º, do Código Penal, uma concepção preventivo-ética da pena: preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência de culpa acabando, no entanto, por defender, de forma aparentemente contraditória ou, no mínimo, dificilmente compatível, que o actual Código Penal, apesar do artigo 40º, não se opõe a uma concepção ético-preventiva da pena semelhante à que é defendida pela “teoria da margem da liberdade”, isto é, a uma concepção em que a prevenção é a finalidade legitimadora da pena, mas em que a culpa também desempenharia uma função na determinação da medida da pena, não sendo exclusivamente seu pressuposto e seu limite máximo.
[xiii] Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98.)
[xiv] Cfr. Günther Jakobs, “La Pena Estatal: Significado e Finalidad”, Tradução de Manuel Cancio Meliá e Bernardo Feijoo Sánchez, Thompson, Civitas, 2006, pag. 142
[xv] Cfr. ainda por mais recentes os acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 20.02.2008 e 09.04.2008; proferidos, respectivamente, nos proc.s nºs 07P4724 e 08P1011; disponíveis em www.stj.pt quue na parte interessante se deixam transcritos. “I - A medida da prevenção (protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção – e reforço – da validade da norma violada), que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. II - Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser, em cada caso, prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades. III - Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do art. 71.º do CP têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenha provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
II - Na determinação da medida concreta da pena pela prática de um crime, é a partir da moldura penal abstracta que se procurará encontrar uma «submoldura» para o caso concreto. Esta terá, como limite superior, a medida óptima da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual «já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar» (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 229). III- Será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. IV -Quanto à culpa, para além de suporte axiológico normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar. V- O n.º 2 do art. 71.º do CP manda atender, na determinação concreta da pena, «a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele». Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime. VI- Este o contexto em que se deve situar a ponderação da pena conjunta a aplicar, tendo em conta o comando do art. 77.º do CP, que manda considerar, na medida dessa pena única, «em conjunto, os factos e a personalidade do agente». Vem-se entendendo que, com tal asserção, se deve ter em conta, no dizer de Figueiredo Dias, «a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) (cf. ob. cit., pág. 291).
[xvi] Winfried Hassemer, “Fundamentos del Derecho Penal”, Editorial Bosch, Barcelona, 1984, pág. 127.
[xvii] cfr. Eduardo Crespo, op. loc.cit., pag. 121.
[xviii] Cfr. Gunther Jakobs, in loc.cit. supra, pag. 13.
[xix] Cfr. Pilar Gómez Pavón, “El Delito de Conducción bajo la influencia de bebidas alcohólicas, drogas tóxicas o estupefacientes”, Bosch, 3ª edición, Barcelona, 1998, p. 218 e segs.; Ignacio Rodriguez Fernandez, “La conducción bajo la influencia de bebidas alcohólicas, drogas tóxicas, estupefacientes ysustancias psicotrópicas”, Estúdios de Derecho Penal y Criminologia, Editorial Comares, Granada,2006, p. 182 e segs. 
[xx] Cfr. Figueiredo Dias, Jorge, in “Direito Penal Português. As consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Noticias, Lisboa, 1993, págs. 114 e segs.; e Maria João Antunes, in Consequências Jurídicas do Crime, Lições (policopiadas) para os alunos da disciplina de Direito Penal III”, Coimbra, 2007-2008, pág. 26 e 27.   
[xxi] Para uma mais aprofundada explanação acerca da individualização judicial da pena (IJP), vide Eduardo Demétrio Crespo, Prevención General e Individualización Judicial de la Pena, Ediciones Universidad Salamanca, 1999, pag.304 e segs.
[xxii] Cfr. op.loc.cit., pag.311.
[xxiii] Cfr. neste sentido os acórdãos deste Tribunal de 13.7.95 3 17.4.2002, publicados, respectivamente, nas Col. Jur., XX,IV,48 e XXVII,II,57. “(…) a taxa diária da pena de multa deve ser fixada de forma a que a pena de multa represente um sacrifício para o condenado, sob pena de, se assim não suceder, se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade, sem embargo, porém, de ao condenado ser assegurado um mínimo de rendimento para que possa fazer face aos seus encargos pessoais e do seu agregado familiar”, “Deste modo o montante diário da pena de multa não pode deixar de ser encontrada em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos próprios e familiares, devendo o julgador eliminar ou esbater as diferenças de sacrifício que o seu pagamento implica entre os condenados possuidores de diferentes meios a solver, sem esquecer que o sacrifício a impor não pode colocar o condenado em situação de impossibilidade de fazer face às suas despesas, tendo em vista o essencial á manutenção de um mínimo de dignidade”