Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
41/07.7FDCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: DEPOIMENTO INDIRECTO
EXPLORAÇÃO ILÍCITA DE JOGO
Data do Acordão: 02/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA SERTÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 129º, DO C. PROC. PENAL E 4º, N.º 1, AL. G), DO DECRETO-LEI N.º 422/89, DE 2 DE DEZEMBRO
Sumário: 1. Não constitui depoimento indirecto - portanto, não enquadrável no art.º 129º, do C. Proc. Penal e, portanto, não constituindo prova proibida -, o depoimento de uma testemunha que relata o que ouviu o arguido dizer, isto mesmo que o arguido não preste declarações na audiência, no exercício do seu direito ao silêncio.

2. No caso, provou-se que o jogo desenvolvido pela máquina, independentemente da sua maior ou menor similitude com a roleta, permitia ao jogador ganhar pontos, imediatamente visualizados no mostrador existente, e acumular os respectivos créditos nas várias jogadas ganhadoras efectuadas, pontos que eram convertidos em dinheiro.
Assim, porque a máquina apreendida não pagava directamente prémios em dinheiro - pagava, como vimos, indirectamente - nem desenvolvia jogo com tema próprio dos de fortuna ou azar (designadamente, algum dos previstos nas alíneas a) a e), do n.º 1, do art.º 4º, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro), mas apresentava como resultado pontuações dependentes exclusivamente da sorte (não podendo o jogador com a sua intervenção condicionar o resultado final), entende-se que a mesma se encontra abrangida pela previsão da alínea g), do n.º 1, do artigo 4º, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO
           
1. No processo comum singular n.º 41/07.7FDCBR do Tribunal Judicial da Sertã, por sentença datada de 21 de Outubro de 2011, foi decidido condenar o arguido A...[1]:
· pela prática, em co-autoria material, na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelos art.ºs 4º/1 g), 108º/1 e 2 e 155º do DL 422/89 de 2/12, após as alterações do DL 10/95 de 19/1, do DL 40/05 de 17/2, da lei 28/04 de 16/7 e Lei 64-A/2008 de 31/12, nas penas de 12 meses de prisão, substituída por 360 dias de multa, e 165 dias de multa, ou seja, na multa unitária de 525 dias, à taxa diária de € 9, o que perfaz o montante global de € 4725.

            2. Inconformado, o arguido A...recorreu da sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
A. No que se refere à factualidade tida como provada, entende, desde logo, o Recorrente, e sempre com o devido respeito por opinião contrária, estar a douta Sentença ora recorrida inquinada do vício do erro notório na apreciação da prova (fundamento bastante para o presente recurso, nos termos do disposto no art. 410°, n.° 2, al. c), do C.P.Penal), relativamente aos factos dados como provados em 5), 7) e 8), factualidade fulcral para a condenação do Recorrente A..., a qual parece decorrer de uma interpretação pessoal e própria. Isto porque,
B. Não obstante, tudo o vertido na douta Sentença recorrida, pelo Digníssimo Tribunal “a quo”, no que à fundamentação da sua convicção sob tais pontos de facto se refere, a verdade é que, a assumpção dos mesmos como assentes, teve por base, não uma qualquer prova concreta ou mesmo conclusões irrefutáveis e decorrentes obrigatoriamente de factos tido como provados, mas sim, única e exclusivamente, verdadeiras deduções e juízos de valor [atente-se o “cunho e convicção marcadamente pessoal” que resulta à saciedade quando “aborda” e se “serve” aquele Meritíssimo Juiz da actividade profissional do ora Recorrente e dos seus antecedentes criminais] que, entende modestamente o Recorrente não deveriam e não poderiam ter tido lugar, e culminaram em conclusões prováveis e, aos olhos daquele Tribunal, mais susceptíveis que outras.
C. Bastando, para tal, aferir do douto raciocínio do Digníssimo Tribunal “a quo” quanto à valoração das declarações prestadas pelas testemunhas da Brigada Fiscal da GNR, na medida em que, e conforme bem resulta, relativamente à propriedade da máquina apreendida, essas testemunhas se limitaram a confirmar o vertido no Auto de Notícia e relatar ao Tribunal “a quo” aquilo que a eles foi transmitido/dito pelo identificado arguido dos autos B....
D. Porquanto, ao fundamentar essa sua decisão no depoimento daquelas testemunhas da GNR, e, sendo a “parte essencial” desse depoimento o relatar ao Tribunal “a quo” daquilo que lhes foi (às testemunhas] transmitido pessoalmente por aquele arguido B…, estamos no caso presente, e desde logo [independentemente do que venha vertido na douta Sentença sob recurso acerca de tal matéria], perante uma valoração daquilo que a nossa lei processual penal chama de “Depoimento Indirecto”, valoração essa, a qual, nos termos do preceituado no n.° 1 do art. 129° do C.P.Penal, não poderia ter ocorrido,
E. Na medida em que, as declarações dessas testemunhas, na parte em que confirmam o vertido no Auto de Notícia, quanto a uma qualquer identificação do proprietário da máquina dos autos, reproduziram aquilo que lhe havia sido então transmitido por aquele identificado arguido, e por se reportarem a um autêntico discurso “indirecto” do mesmo (que, em sede de audiência, fazendo uso de um seu direito legal, não prestou declarações sobre os factos), não poderiam assumir uma qualquer relevância para a formação da convicção do Tribunal “a quo”.
F. Até porque, sempre se entende que, o “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição” — vertido na alínea b) do n.° 2 do art. 249° do C.P.Penal —, de modo algum poderá ser interpretado de molde a que uma identificação feita por dos “agentes da infracção” possa ser entendida e catalogada como um qualquer meio, “legal”, cautelar de obtenção de prova, ainda que mais não seja perante o silêncio, “legalmente válido”, daquele arguido em sede de audiência de julgamento.
G. Pois que, «no que respeita à recolha de informações úteis relativas ao crime, é ressalvado, em relação ao suspeito, o cumprimento do disposto no art. 59° do C.P.Penal -  n.° 8° do art. 250° do C.P.Penal. Isto é, sempre que surja fundada suspeita de que a fonte da informação possa coincidir com o arguido de um crime, o órgão de polícia criminal suspende d imediato o pedido de informações, sob pena de tais informações não puderem ser usadas contra ela.» - Cfr. douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-04-2010, proferido no âmbito do Proc. 1670/09.OYRLSB-9 e disponível in www.dgsi.pt,
H. Donde, a ainda segundo o vertido naquele mesmo douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-04-2010, «No caso dos autos [do recurso em apreço, mas, em situação factual em tudo similar ao caso presente], tendo o arguido usado em audiência o seu direito ao silêncio, não poderiam as suas declarações, prestadas perante os agentes da ASAE, antes ou depois de ter sido constituído arguido, serem usadas como o foram, para comprovar a prática de qualquer ilícito criminal ou contra-ordenacional».
I. Sendo de atender ainda, em tudo o melhor exposto naquele mesmo douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-04-201 0, no sentido da proibição total de valoração das declarações prestadas, independentemente de o haverem sido antes ou depois da constituição como arguido da pessoa que as presta, designadamente no que alude ao vertido nos Acórdãos do S.T.J., de 11/7/01, de 7/2/01 e de 10/1/01, e Acórdão da Relação de Évora, de 13/1/2004.
J. Da análise do art. 61° do C.P.Penal, o qual deverá ser entendido como verdadeiro “estatuto do arguido”, dos direitos e deveres daí decorrentes para o mesmo, e da sua aplicação ao caso presente, sempre resulta, que «se a inquirição, no processo, de uma pessoa suspeita da prática de um crime, com violação ou omissão das formalidades previstas nos n°s 1 a 3 do art. 58°, implica, por exigência das garantias de defesa, que as declarações prestadas pela pessoa visada não possam ser utilizadas como prova contra ela, não se divisa qualquer razão plausível para que uma conversa informal com uma pessoa que ainda não tem o estatuto de arguido, nem tem, por isso e nomeadamente, o direito de ser assistida por defensor, ou tendo tal estatuto não foi assistida por defensor (conversa essa, aliás, tida, sabe-se lá, em que circunstâncias, não sendo até de excluir uma errada interpretação das palavras da pessoa visada), não tenha o mesmo tratamento.» - Cfr. douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-04-2010, proferido no âmbito do Proc. 1670/09.OYRLSB-9 e disponível in www.dgsi.pt. (negrito e sublinhado nossos).
K. No caso presente, e atento todo o circunstancialismo em que se deu a aludida conversa entre os agentes do OPC e o arguido B..., nunca uma alegada “confissão” — assumpção de responsabilidade na exploração do estabelecimento comercial dos autos — e, bem assim, “identificação” — indicação do titular do aludido número de telefone como proprietário da máquina dos autos - proferidas por aquele poderiam haver sido valoradas em sede de convicção do Digníssimo Tribunal “a quo” — Cfr., neste sentido, douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 15-12-2010, proferido no âmbito do Proc. 3/10. 7PCPRT.P1 - 4• Secção, disponível in www.dgsi.pt),
L. Desde logo porque, tendo a deslocação dos Agentes de OPC, ainda que em momento anterior à existência de inquérito, se ficado a dever, mais que não fosse, a uma suspeita da presença naquele local de uma máquina de jogo ilícita, os Senhores Agentes ao abordarem naquele local o arguido B...já o fizeram, naturalmente, por suspeitarem de que havia o mesmo cometido uni acto ilícito, seja, já o fizeram por suspeitarem de que havia o mesmo cometido um qualquer acto ilícito.
M. De modo que, e conforme o vertido no já supra referido douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 15-12-2010, atendendo-se ao preceituado no art. 61°, n.° 1 do C.P.Penal, no que se refere aos direitos e deveres processuais do arguido, sempre «do texto da norma entendemos que resulta que se à abordagem pelo OPC preside uma suspeita de prática de ilícito penal, então o indivíduo terá, logo inicialmente, que ser constituído arguido, antes de qualquer declaração sobre os factos»,
N. Devendo, por isso, concluir-se que, tendo aquele arguido B...prestado declarações sobre os factos, seja, tendo “confessado” e “identificado” o co-autor dos factos que ora se pretendem ver assacados aos arguidos, em momento anterior à sua constituição como arguido, não podem essas suas declarações ser valoradas pelo Digníssimo Tribunal, porque a isso obsta a lei,
O. O mesmo sucedendo, com as declarações dos Agentes de OPC (mesmo na parte em que “confirmam expressamente tudo o vertido no Auto de Notícia”), que reproduzem as declarações do arguido B..., pois que, relatam o conteúdo de uma prova ilegal, resultando da sua valoração uma clara violação da lei — Cfr., neste sentido, o já supra referido douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 15-12-2 010, proferido no âmbito do Proc. 3/10.7PCPRT.P1 — 4.° Secção, disponível in www.dgsj.pt).
P. De modo que, no que se refere à fundamentação da douta Sentença recorrida
quanto aos pontos de facto supra referidos, atento o facto de se haver fundado em verdadeiros “depoimentos indirectos” prestados pelas testemunhas agentes da GNR, não corroborados por uma qualquer forma em sede de audiência, bem como, a essencialidade de tais factos como provados para se concluir pela prática por parte do ora Recorrente do crime pelo qual vinha acusado, sempre haverá que concluir-se por padecer a douta Sentença recorrida de Nulidade, por se fundar em prova de valoração proibida, bem como, do supra aludido vício do Erro Notório na Apreciação da Prova,

Q. Ademais, entende modestamente o ora Recorrente pela ausência de prova bastante e suficiente que suportasse os factos tido como provados no que respeita ao preenchimento por si dos elementos constitutivos do crime que lhe é imputado, por referência à máquina de jogo apreendida no dia 05 de Outubro de 05 de Outubro de 2007 no estabelecimento comercial dos autos, pelo que, tem por incorrectamente julgados os pontos de facto vertidos sob os n°s 5), 7) e 8) da factualidade provada, na parte em que é referenciada a participação e responsabilidade do Recorrente nos factos aí vertidos.
R. De toda a prova produzida, e valorada pelo Digníssimo Tribunal “a quo”, sempre resulta que, ao contrário do vertido na douta sentença recorrida, nunca se poderia concluir pela efectiva propriedade e ou responsabilidade do ora Recorrente A... relativamente à máquina de jogo apreendida.
S. Na verdade, a douta Sentença recorrida está alicerçada numa prova parcial e incompleta, porquanto, através da análise de toda a prova produzida nos autos apenas se poderia haver concluído pela existência de “meros” factos instrumentais, e nada mais para além disso, os quais, não sendo enquadrados ou coadjuvados por quaisquer outros meios de prova — como efectivamente não sucedeu, pois que, o identificado co-arguido B...não prestou declarações em sede de audiência de julgamento —, não são suficientes, nem por presunção natural, para firmar uma convicção positiva quanto aos factos essenciais que se destinavam a demonstrar.
T. Até porque, «a existência de espaços vazios no percurso lógico determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões» - Cfr- douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-01-2004, proferido no âmbito do Processo n.° 03P3213, e disponível in www.dgsi.pt.
U. No caso concreto, no que se refere ao ora Recorrente A..., prova alguma existe ou foi produzida que permitisse concluir pela propriedade e exploração da máquina dos autos por parte daquele, até porque, para além de o mesmo não haver sido reconhecido por nenhuma das testemunhas inquiridas nos autos, a verdade é que, quanto à identificação do alegado proprietário de tal máquina se limitaram as testemunhas agentes da GNR a relatar ao Tribunal, não quaisquer factos presenciais e objectivos que pudessem esclarecer o “papel” do ora Recorrente quanto à máquina dos autos, mas, apenas e só, as declarações do co-arguido B...,
V. Tendo aquelas testemunhas se limitado a relatar o que lhe foi dito por aquele co-arguido, não quanto a uma qualquer pessoa em concreto, designadamente através do nome ou características físicas do proprietário da máquina, mas apenas quanto a um número de telefone alegadamente pertencente a esse mesmo proprietário, pelo que, ao se “fundar” o Tribunal “a quo” em tais declarações incorreu, conforme já supra referenciado, em clara violação de lei, fazendo uso de prova legalmente inadmissível.
W. Quanto à prova documental, de referir que a única das provas dos autos que se poderia revelar como “útil” à descoberta da verdade e boa decisão da causa é a informação prestada pela operadora de telecomunicações relativamente ao titular do número de telefone 914559063, sendo que, no entanto, tal informação, de que seria o ora Recorrente o titular de tal número por referência ao período compreendido desde 01/10/2007, por si só, não permitiria ao Tribunal “a quo” concluir como o fez.
X. Na medida em que, e apesar de haver o ora Recorrente sido identificado por aquela operadora de telecomunicações como titular daquele número de telefone desde o dia 01/10/2007, seja, quatro dias antes daquele apreensão, a verdade é que, atendendo à própria factualidade tida como provada relativamente à colocação daquela máquina no estabelecimento dos autos já nos meses de Junho ou Julho daquele ano de 2007 (vide ponto 5) da factualidade tida como provada), seja, 4 (quatro) meses antes daquela apreensão, não poderia o Tribunal haver concluído como o fez, com base, unicamente, numa tal informação.
Y. Até porque, a informação prestada é suficientemente clara de molde a identificar o ora Recorrente como titular de tal número apenas desde o dia 01 de Outubro de 2007, facto que, aliado à “reciclagem”, reaproveitamento, que as operadoras móveis fazem dos “seus” números, atribuindo o mesmo número a entidades diferentes ao longo dos tempos, bem como, à circunstância de, não existir nos autos, tão pouco haver sido sequer referenciado, uma qualquer indicação de que um tal número de telefone havia sido fornecido àquele arguido B...em momento posterior à própria colocação da máquina dos autos naquele aludido estabelecimento, ou então sido “substituído” por outrem,
Z. Nada permitirá concluir de seguro, relativamente à identificação do ora Recorrente enquanto proprietário da máquina dos autos, até porque, em momento algum, foi o seu nome sequer referenciado em todo o processado, muito se estranhando, aliás, da mera “possibilidade” que um qualquer “criminoso de carreira” (como parece resultar do douto raciocínio do Tribunal “a quo”), não se haja identificado aquando da colocação da máquina em causa, mas haja efectivamente cometido a “ousadia” de fornecer como contacto referente a tal máquina um número de telefone “legal” e “identificado”, do qual poderia facilmente ser identificável enquanto proprietário de tal máquina.
AA. Na verdade, de toda a prova produzida sempre resulta a “imposicão” de decisão diversa da proferida, relativamente à matéria factual em crise nos autos, sendo diversas as provas nesse sentido, destacando-se, aqui, os depoimentos das testemunhas  ….(declarações de 12:08:05 às 12:09:3 6 e 12:10:56 às 12:13:33 do dia 10-10-2011) — cujos concretos trechos se encontram já identificados em sede de motivação, com a referência às actas de julgamento, e, para os quais, legalmente nos remetemos.
BB. Assim, e porque da correcta valoração do depoimento de todas as testemunhas
inquiridas em sede de audiência de julgamento, mormente, dos trechos supra referidos e enunciados, e de toda a demais prova dos autos, sempre deveria concluir-se, ao contrário do decidido, que o ora Recorrente não teve uma qualquer participação activa na colocação e/ou exploração da máquina apreendida no estabelecimento comercial dos autos.

CC. Deverá a matéria factual supra referida ser alterada por forma a ser eliminada da matéria de facto provada uma qualquer intervenção e responsabilidade do ora Recorrente em tais factos, devendo, nessa sequência, essa sua intervenção passar a constar da matéria de facto não provada.
DD. E, consequentemente, eliminando-se da matéria de facto provada unia qualquer intervenção e responsabilidade do ora Recorrente em tais factos, será de concluir pela sua absolvição no que concerne ao crime de exploração ilícita de jogo, por não se verificarem preenchidos os elementos constitutivos, objectivo e/ou subjectivo, desse tipo de crime, no que à pessoa do ora Recorrente diz respeito,
EE. Sem descurar, sempre se entende por verificada cada a existência de uma verdadeira dúvida razoável, insusceptível de ser “ultrapassada”, e, nessa medida, conclui-se pela inconstitucionalidade da douta Sentença proferida, pois que, na sua prolação, não foi, por qualquer forma, observado o princípio constitucional de presunção de inocência, tal qual preceituado no art. 32° da nossa Constituição da República Portuguesa.
SEM PRESCINDIR,
DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FACTOS TIDO COMO PROVADOS
FF. Sem conceder do supra exposto, apraz referir que, no que se refere à subsunção da conduta que se imputa ao Recorrente em sede de factualidade tida como provada, entende modestamente aquele que, ao contrário do decidido na douta Sentença sob recurso, não se poderia haver concluído por preenchidos os elementos constitutivos do tipo legal em causa relativamente à aludida máquina “Distribuidora”.
GG. Na verdade, entende-se que não será de limitar a exploração do jogo ora em causa aos casinos existentes nas referidas zonas de jogo, pois que, não será de entender o mesmo jogo como um qualquer desses jogos nefastos (em que efectivamente “pensava” o legislador quando decidiu restringir a sua prática/exploração às zonas de jogo) cuja exploração a tais zonas se limita, ainda que mais não seja por não se afigurar de todo possível uma qualquer viciação em jogo tão rudimentar, a que acresce o facto de os valores dispendidos com o mesmo serem de pouca relevância e não susceptíveis de lesarem uma qualquer família ou património.
HH. Com todo o respeito, entende-se que o jogo em causa não desenvolve um qualquer tema próprio dos jogos de fortuna ou azar, como seja, uma qualquer roleta electrónica, pois que, para além do valor “apostado” não influir por qualquer modo numa qualquer esperança de ganho, não existe uma qualquer aposta concreta em qualquer um dos números ou pontos presentes naqueles jogos, no contrário do que sucede com uma qualquer roleta de um qualquer casino, tão pouco são permitidas quaisquer apostas múltiplas ou mesmo um qualquer dobrar de apostas.
II. Sendo que, tendo por base e fundamento a Jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu douto Acórdão n. 4/2010 (proferido no Processo n.° 2485/08 e publicado na 1.° Série, N.° 46°, do D.R. de 08 de Março de 2010), sempre se questiona o Recorrente de quais as diferenças existentes entre o jogo dos autos “Distribuidor de Berlindes Decorativos” e aquele outro jogo que foi objecto do citado Acórdão de Fixação de Jurisprudência, para além daquela diferença óbvia de que a máquina ora em causa nos presentes autos depende de impulso electrónico enquanto que aquela outra depende de impulso mecânico?
JJ. Não obstante, e sem descurar do exposto, apraz referir que, após rigorosa análise e enquadramento de tudo o vertido em tal douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n. 4/2010, recentemente este Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, no seu douto Acórdão de 02.02.2011 (proferido no âmbito do Proc. n.° 21/08.5FDCBR.C2 e disponível in www.dgsi.pt), e aquando da análise comparativa entre o jogo em causa nos autos onde veio a ser fixada a aludida Jurisprudência e naqueles autos de recurso (nos quais, por sua vez, o jogo era absolutamente similar ao desenvolvido pela aludida máquina dos presentes autos), entendeu que máquinas como a ora em causa nos presentes autos não consubstanciam a prática de um qualquer jogo de fortuna ou azar.
KK. Porquanto, concluiu desde logo este Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que, sendo devidamente analisado o conteúdo legal da proibição da exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados, «nunca merecerá a qualificação de crime a exploração de jogos que se enquadram num mecanismo em que os prémios se encontram previamente definidos.»,
LL. Ainda que tais jogos possam mesmo atribuir prémios em dinheiro ou desenvolver temas de jogos de fortuna ou azar, até porque, e ainda segundo o vertido naquele douto Acórdão, mesmo «às modalidades afins que atribuam prémios em dinheiro ou fichas a lei não deixa de designar como modalidades afins», constituindo uma qualquer sua exploração ilícita uma “mera” contra-ordenação, conforme preceituado no art. 163°,
MM. Pois que, conclui então este Venerando Tribunal da Relação de Coimbra «ser esta a tese que está imanente ao acórdão de fixação de jurisprudência e que importa considerar até em obediência ao princípio da igualdade plasmado no artigo 13° da Constituição da República».
NN. Donde, atento o vertido no douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n. 4/2010, e, bem assim, nos recentes, douto Acórdão desta Veneranda Relação de Coimbra, de 02.02.2011, douto Acórdão da Veneranda Relação de Évora, de 31.05.2011, bem como, douto Acórdão da Veneranda Relação de Lisboa, de 01.06.2011, está em crer modestamente o Recorrente que a máquina em causa nos presentes autos, denominada “Distribuidora”, não poderá ser entendida como desenvolvendo um qualquer jogo de fortuna ou azar,
OO. Sendo, nessa sequência, forçoso concluir-se que, atentos os factos por si dados corno provados, nomeadamente, quanto às características da máquina “Distribuidora” em causa, e por estar em causa apenas factualidade relacionada com a exploração de tal máquina, não poderia o Digníssimo Tribunal “a quo” ter concluído pela subsunção da conduta do Recorrente (e demais co-arguido dos autos) à prática de um qualquer crime de exploração ilícita de jogo, impondo-se a sua absolvição.
OUTROSSIM - AINDA SEM PRESCINDIR
DA MEDIDA DA(S) PENA(S)
PP. Delimitando-se a pena a aplicar ao Recorrente na culpa deste, e, bem assim, nas exigências de prevenção, geral e especial, sempre resulta que, de forma alguma se poderá compreender e aceitar a(s) pena(s) aplicada(s), na medida em que, extravasa claramente a culpa deste e as próprias necessidades de prevenção, e, não tem, devidamente, em conta as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do mesmo Recorrente.
QQ. É de todo incompreensível, porque extremamente exagerada e desproporcionada, a pena aplicada ao Recorrente, ainda que mais não fosse pelo facto de a máquina ora em causa permitir unicamente apostas de valor reduzido, facto que, naturalmente, sempre obstaria a um qualquer delapidar grave e sério do património dos seus utilizadores, e, bem assim, sempre limitaria quaisquer benefícios económicos que para o Recorrente pudessem vir a resultar de tal exploração.
RR. Além do que, de forma alguma se compreende como se afigurou sustentável ao Digníssimo Tribunal “a quo” aplicar, numa moldura penal de 10 (dez) a 200 (duzentos) dias de multa, pena de 165 (cento e sessenta e cinco) dias de multa, pois que, por simples raciocínio comparativo, claramente nos apercebemos que, por contraposição com a pena de prisão aplicada, e de modo absolutamente
injustificado, foi aplicada ao arguido pena de multa que se situa num patamar muito próximo ao limite máximo da pena abstractamente aplicável.

SS. Já no que respeita às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do Recorrente, é de referir que, não parece ter sido devidamente valorado o facto de o Recorrente estar familiar, social e profissionalmente inserido, a que acresce o facto de, não obstante haverem já decorrido mais de 4 (quatro) anos desde os factos em causa nestes autos, não existir uma qualquer notícia posterior da prática de quaisquer factos similares da sua parte.
TT. Também o quantitativo diário, de €9,00 (nove euros) da pena de multa que o Digníssimo Tribunal “a quo” julgou por adequado ao caso presente, merece a total reprovação por parte do Recorrente, na medida em que, ao fixar tal valor, não parece haver o Digníssimo Tribunal “a quo” ponderado, minimamente, “a situação económica e financeira” do aqui Recorrente e “os seus encargos pessoais”, incorrendo, dessa forma, numa clara violação do disposto no art. 47°, n.° 2 do C.Penal (na redacção do D.L. n.° 48/95, de 15 de Março),
UU. Ademais que, parece tal taxa diária haver sido “achada” com base, única e exclusivamente, na actual redacção do disposto no art. 47°, n.° 2, do C.Penal, descurando-se, dessa forma, o facto de ao caso presente (atendendo à data tida como provada de colocação da máquina dos autos) ser aplicável, como limite mínimo da pena de multa, a quantia de € 1,00 (um euro) (Cfr. anterior redacção do art. 47º, n.° 2, do C.Penal, ex vi, art. 2° do mesmo diploma legal).
VV. Pelo que, nessa sequência, sempre será de concluir que, nunca o quantitativo
diário a aplicar ao Recorrente nestes autos poderia ser superior a € 4,00 (quatro euros), montante esse, aliás, habitual em casos como o presente.

WW. A pena aplicada ao ora Recorrente, não é de forma alguma correcta e justa, revelando-se, aliás, como extremamente exagerada e desproporcionada às exigências de prevenção geral e especial aqui reclamadas, não se enquadrando, por isso, de forma alguma, nos princípios legais reguladores da presente matéria, como sejam, os arts. 40° e 71° do C.Penal.
XX. De igual modo, e de forma ainda mais incompreensível, também o quantitativo diário da pena de multas se revela como manifestamente exagerado, e, em clara violação do disposto no art. 47°, n.° 2, do C.Penal (anterior redacção), por se afigurar como absolutamente desproporcional à situação económica e financeira do Recorrente e aos seus encargos pessoais.
YY. Donde, sempre será de concluir que, no caso presente, e atento tudo o exposto, sempre deverá decidir-se pela aplicação de pena substancialmente inferior, na medida em que, da mesma sempre resultarão perfeitamente prosseguidas as exigências de prevenção, resultando, daí, por realizadas, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
ZZ. A douta Sentença sob recurso violou os arts. 59°, n.° 1, 125°, 127°, 410°, n.° 2, al. c), e 374°, n.° 2, todos do C.P.Penal, 2°, 40°, 47°, n.° 2 (na sua anterior redacção), e 71°, n°s 1 e 2, todos do C.Penal, 1°, 3°, 4°, 108°, 115°, 159° e 163°, todos do D.L. n.° 422/89, de 02 de Dezembro, e 32° da C.R.P., bem como, incorreu no vício preceituado no art. 410°, n.° 2, al. c) do C.P.Penal.
Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., sopesadas as conclusões acabadas de exarar, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ter-se por verificado a existência de um Erro Notório na Apreciação da Prova, bem como, por padecer a douta Sentença proferida de Nulidade, por se fundar em prova de valoração proibida, com todas as consequências legais daí advenientes, além do que, e sem conceder, deverá ser revogada a douta Sentença ora recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que absolva o Recorrente da prática do crime pelo qual foi condenado, ou, caso assim não se entenda, que aplique ao Recorrente uma pena substancialmente inferior».

            3. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, defendendo o sentenciado.
  
4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, a fls. 621-624, aderindo à argumentação do Colega de 1ª instância, peticionando a final a total improcedência do recurso.

            5.
Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.
           
            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
 1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
             Assim, balizados pelos termos das conclusões[2] formuladas em sede de recurso, as questões a decidir prendem-se com o seguinte:
a)- houve erro de julgamento quanto aos factos 5, 7 e 8?
b)- houve erro notório na apreciação da prova?
c)- houve violação do princípio constitucional do «in dubio pro reo»?
b)- foi bem feito o enquadramento jurídico dos factos tidos como provados, na medida em que a máquina em causa não pode nem deve ser considerada como desenvolvendo um qualquer «jogo de fortuna ou azar»?
c)- foi justa a medida da pena aplicada ao arguido, quer em termos de penas principais, quer em termos de quantitativo diário da multa?

            2. DA SENTENÇA RECORRIDA
            2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição):
«1) O arguido B... era proprietário do café  … , nesta Comarca, exercendo o giro comercial inerente a esta empresa, bem como das mais elementares às mais complexas funções de gestão que aquele estabelecimento quotidianamente reclamava e sendo o primeiro responsável nas relações que entabulava ou estabelecia com terceiros.
2) No dia 05/10/07, pelas 10 horas e 45 minutos, uma equipa da Brigada Fiscal da GNR (Destacamento Fiscal de Coimbra), dirigiram-se ao café pertencente ao arguido B..., com a finalidade de procederem a uma acção de fiscalização em matéria de jogo ilegal.
3) Nessa altura, quem desempenhava o atendimento aos clientes que naquele estabelecimento se encontravam, era o arguido B..., como aliás era habitual e rotineiro.
4) Verificaram então que, em cima do balcão do aludido café, se encontrava uma máquina ligada à corrente eléctrica, com a designação ‘Distribuidora’, com as características exteriores e o modo de funcionamento descritos no relatório de fls. 33 a 36, cujo teor aqui se dá por reproduzido, designadamente:
Após a introdução de uma moeda de 0,5 euros (permite uma jogada), 1 euro (permite duas jogadas) ou 2 euros (permite quatro jogadas), inicia-se de imediato a jogada, sem ser necessário pressionar qualquer botão, e automaticamente é disparado um ponto luminoso que percorre num movimento circular uniformemente desacelarado os vários orifícios existentes no mostrador, iluminando-os à sua passagem.
De seguida, e sem que o jogador tenha qualquer interferência, o ponto luminoso inicia o seu movimento giratório animado de grande velocidade que vai perdendo gradualmente até parar ao fim de cinco ou seis voltas, fixando-se aleatoriamente num dos orifícios já mencionados.
Neste ponto duas situações podem acontecer:
- o orifício em que parou o ponto luminoso corresponde a um dos oito identificados pelos números já referidos e, neste caso, o jogador terá direito aos pontos correspondentes, que oscilam entre 1 e 200 pontos, pontos estes que são de imediato visualizados na janela digital já referida, pontos que são posteriormente convertidos em quantias monetárias, à razão de 1 euro por cada ponto;
- o ponto luminoso pára num dos restantes orifícios, sem qualquer referência a pontos, pelo que o jogador não terá direito a qualquer prémio, restando-lhe a hipótese de tentar novamente a sua sorte, introduzindo novas moedas.
O jogador pode receber o prémio correspondente aos pontos ganhos, assim como pode também optar por fazer jogadas com esses pontos, acumulados na já referida janela digital; para o efeito utiliza o botão, situado na parte lateral direita da máquina, que permite efectuar duas jogadas por cada ponto anteriormente ganho.
A máquina aceita um número indeterminado de moedas; cada moeda de 0,50 euros proporciona uma jogada; o ritmo (velocidade) do jogo é rápido e permite ao jogador várias jogadas por minuto.
O objectivo do jogo consiste em conseguir que o ponto luminoso se imobilize num dos orifícios com direito a prémio, sendo que para tal a intervenção do jogador se limita à introdução de uma moeda no mecanismo existente para o efeito.
O jogo apresenta como resultados pontuações que são posteriormente convertidas em dinheiro, à razão de 1 euro por cada ponto, sendo que estas pontuações são dependentes exclusivamente da sorte, não podendo o jogador com a sua intervenção condicionar o resultado final.
A atribuição de pontos é exclusivamente dependente da sorte, não tendo o jogador qualquer intervenção para além de colocar a moeda.
A máquina em questão desenvolve um jogo de fortuna e azar, porquanto apresenta como resultado pontuações dependentes da sorte, sendo a sua exploração e utilização restrita aos casinos existentes nas zonas de jogo.
5) Esta máquina pertencia ao arguido A..., que a colocou no estabelecimento do arguido B..., com o consentimento deste, em Junho ou Julho de 2007 e mediante acordo de divisão de receitas em proporção não concretamente apurada.
6) A máquina possuía, no seu interior, a quantia de 20,50 euros em moedas emitidas pelo Banco Central Europeu.
7) Os arguidos agiram deliberadamente, com intenção de obterem vantagem patrimonial ilegítima através de exploração de jogo ilícito para o qual sabiam não possuir licença ou a devida autorização passada pela entidade competente; sabiam ainda os arguidos que a referida máquina desenvolvia um tema de jogo de fortuna ou azar e que a respectiva exploração lhes estava naturalmente vedada por disposição legal.
8) Os arguidos agiram também livre e lucidamente, em comunhão de esforços e intentos, com a perfeita consciência de que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei.
9) Em 28/03/06, o arguido A... constituiu a sociedade unipessoal por quotas, da qual é único sócio, e gerente, os quais se dedicam, pelo menos desde então, profissionalmente à exploração, venda e aluguer de máquinas de brindes, máquinas de diversão.
10) Os arguidos não confessaram os factos supra referidos nem os crimes de que vinham acusados.
11) Os arguidos não demonstraram qualquer arrependimento pelos factos supra referidos.
12) O arguido B... não possui antecedentes penais.
13) O arguido A... foi julgado e condenado no âmbito do processo comum singular n.º 48/00.5GAARL do Tribunal Judicial da Comarca de Arraiolos, por Acórdão da Relação de 03/02/04, transitado em julgado em 20/02/04, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo, praticado em 12/09/00, previsto e punido pelo art. 108.º do Decreto – Lei n.º 422/89, de 02/12, na pena única de 270 dias de multa, à razão de 5 euros, a qual foi declarada extinta pelo cumprimento, por decisão de 14/03/05, depois do pagamento efectuado em 25/02/05.
14) O arguido A... foi julgado e condenado no âmbito do processo comum singular n.º 1/05.2FDCBR do Tribunal Judicial da Comarca de Ansião, por sentença de 01/02/07, transitada em julgado em 21/02/07, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo, praticado em 05/01/05, previsto e punido pelo art. 108.º, n.º 2, do Decreto – Lei n.º 422/89, de 02/12, nas penas de 8 meses de prisão substituída por 180 dias de multa, e na pena de 150 dias de multa, ambas à taxa diária de 12,50 euros, as quais foram declaradas extinta pelo cumprimento, por decisão de 06/11/08, depois do pagamento efectuado.
15) O arguido A... foi julgado e condenado no âmbito do processo comum singular n.º 47/05.0GTEVR do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, por sentença de 15/05/07, transitado em julgado em 08/06/07, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, praticado em 20/07/04, previsto e punido pelos arts. 69.º e 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 45 dias de multa à taxa diária de 5 euros, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 3 meses, cuja pena de multa foi declarada extinta pelo cumprimento, por decisão de 11/10/07, depois do pagamento efectuado em 18/09/07.
16) O arguido A... foi julgado e condenado no âmbito do processo comum singular n.º 2/01.0TBMMN do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Montemor-o-Novo, por sentença de 15/05/06, transitada em julgado em 11/07/07, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo, praticado em 10/06/97, previsto e punido pelo art. 108.º do Decreto – Lei n.º 422/89, de 02/12, após a redacção do Decreto – Lei n.º 10/95, nas penas de 2 meses de prisão substituída por 60 dias de multa, e na pena de 65 dias de multa, ambas à taxa diária de 5,50 euros, penas ainda não registadas como extintas.
17) O arguido A... foi julgado e condenado no âmbito do processo comum singular n.º 57/07.3GAARL do Tribunal Judicial da Comarca de Arraiolos, por sentença de 02/06/09, transitada em julgado em 02/07/09, pela prática, em autoria material, na forma consumada, e em concurso efectivo, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, praticado em 04/09/07, previsto e punido pelo art. 353.º do Código Penal, na redacção anterior à Lei n.º 59/07, e de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, praticado em 04/09/07, previsto e punido pelos arts. 256.º, n.ºs 1,  als. a) e c), e 3, do Código Penal, na redacção anterior à Lei n.º 59/07, de 04/09, na pena única de 420 dias de multa, à taxa diária de 7 euros, no montante global de 2.940 euros, a qual foi declarada extinta pelo cumprimento, por decisão de 09/11/2.010, depois do pagamento efectuado.
18) O arguido A... foi julgado e condenado no âmbito do processo comum singular n.º 36/07.0GBPSR do Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Sôr, por sentença de 04/11/2.010, transitada em julgado em 13/06/2.011, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de desobediência, praticado em 02/02/07, previsto e punido pelo art. 348.º do Código Penal, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 9 euros, no montante global de 810 euros, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 5 meses, cujas penas ainda não foram registadas como extintas.
19) Os arguidos B... e A... encontram-se inseridos familiar, profissional e socialmente.
20) O arguido B... é solteiro e vive em casa própria, que lhe pertence, pela qual paga por mês ao banco, a título de mútuo, a quantia de cerca de 400 euros; o arguido trabalha 6 meses por ano na Suíça onde aufere, mensalmente, pelo menos a quantia de 1.000 euros; nos restantes meses do ano, em Portugal, aufere mensalmente pelo menos a quantia de cerca de 350 euros de trabalhos agrícolas que presta a terceiros.
21) O arguido A... é casado, e vive em casa própria com a sua esposa, e com filha de 10 anos; o arguido vive do seu trabalho, é empresário de restauração, auferindo desta actividade, a título de lucro, por mês, em média, pelo menos 600 euros; a esposa do arguido é operária fabril, auferindo desta actividade, por mês, a quantia de cerca de 400 euros».

2.2. Quanto A FACTOS NÃO PROVADOS, temos os seguintes, com interesse para a sorte deste recurso:
«Todos os restantes factos que vêm alegados, e que não são do conhecimento oficioso do Tribunal, no exercício das suas funções, e não foram dados como provados, designadamente não se provou que:
A) A proporção referida em 5) fosse de 50% para cada um dos arguidos.
B) O arguido B... teve boa conduta anterior e posterior aos factos.
C) O arguido A... não era proprietário e/ou responsável pela colocação de qualquer máquina de carácter ilícito, sendo que não procedeu à colocação, exploração e/ou comercialização de quaisquer máquinas que contivessem ou desenvolvessem jogo diferente de diversão.
D) O arguido A... é pessoa idónea, goza de bom nome, sendo respeitado e considerado no meio social onde vive».
           
2.3. Para formar a sua convicção, argumentou assim o tribunal «a quo», na parte que interessa à economia decisória deste recurso:
«O Tribunal atendeu às normas jurídicas vigentes nesta matéria, entre as quais se encontram as que prevêem a descoberta da verdade material, livre apreciação da prova objectivamente motivada, nos casos restritos não abrangidos por prova legal/tarifada, a consideração oficiosa de factos que não carecem de alegação e/ou prova (arts. 264.º, n.º 2, e 514.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ex vi art. 4.º do Código de Processo Penal, com as devidas adaptações, uma vez que os factos favoráveis aos arguidos não necessitariam da presente fundamentação normativa para serem dados como provados sem quaisquer restrições), e as que regem quanto à necessidade de prova pericial ou documental para prova dos factos respectivos (prova legal/tarifada, por perícia ou por documentos), e formou a sua convicção em todo o acervo probatório produzido, ou seja, na prova produzida e/ou examinada em sede de audiência de discussão e julgamento, de forma crítica, global, e conjugada, nos termos do disposto no art. 355.º do Código de Processo Penal, designadamente com base nos depoimentos, a toda a matéria, (aos costumes afirmaram ser agentes da Unidade de Acção Fiscal da GNR de Coimbra, com domicílio profissional em Apartado 5018, Guarda Nacional Republicana -Unidade de Acção Fiscal, 3000-000 Coimbra, não serem da família dos arguidos, nem especialmente amigos ou inimigos dos mesmos, conhecendo apenas o arguido B... no âmbito do exercício das respectivas funções, nada os impedindo de dizer a verdade),  … (aos costumes afirmou ser Inspectora de Jogos, ter realizado e assinado o relatório pericial junto aos autos, não sendo familiar, especialmente amiga ou inimiga dos arguidos, não ter interesse na causa, nada a impedindo de dizer a verdade),  … (aos costumes afirmou não conhecer o arguido A..., e conhecer o arguido B..., para quem trabalhou cerca de 7 anos, não sendo familiar, especialmente amiga ou inimiga dos arguidos, nada a impedindo de dizer a verdade),  … (aos costumes afirmou ser reformado, não conhecer o arguido A..., e conhecer o arguido B..., porque frequentava o Café, quando este explorava o dito café, nada o impedindo de dizer a verdade),  … (aos costumes afirmou não conhecer o arguido A... e conhecer o arguido B..., por ter trabalhado para este cerca de 5 anos, entre 2005 e 2010, não sendo familiar, especialmente amiga ou inimiga dos arguidos, nada a impedindo de dizer a verdade), uma vez que os arguidos não quiseram prestar declarações quanto aos factos concernentes ao ‘corpo do ilícito’ de que vinham acusados – apenas quanto à sua situação económica e pessoal, e as demais testemunhas indicadas foram prescindidas pelos sujeitos processuais, depoimentos e declarações devidamente analisados e filtrados à luz das regras da experiência comum, e tendo ainda em consideração, conjugadamente, todos os documentos e/ou relatórios juntos aos autos, designadamente os de fls. 1-4 (auto de notícia), 5 (auto de apreensão), 32-36 (relatório pericial da Inspecção de Jogos), 40-42, 58-61, 63, 65, 67, 68-71, 80, 92, 114-119, 131-135, 137, 162, 185-186, 193, 195, 202-204, 219-220, 221-223, 326 (CRC do arguido B...), 356 (CRC actualizado do arguido B..., emitido em 16/09/2.011, válido por três meses a contar da data da respectiva emissão para efeitos de instrução penal), e 394 (CRC actualizado do arguido A..., emitido em 16/09/2.011, válido por três meses a contar da data da respectiva emissão para efeitos de instrução penal), devidamente examinados em sede de audiência de discussão e julgamento.
*
Da resposta conjunta, positiva e negativa, aos factos dados como provados e não provados, respectivamente.
O Tribunal responde conjuntamente, de forma positiva e negativa, aos factos dados como provados e não provados, atenta a relação de mútua imbricação entre os mesmos, e de forma a não repetir desnecessariamente a mesma fundamentação, permitindo assim uma melhor compreensão sobre a mesma, sendo certo que a única factualidade que se mostra verdadeiramente controvertida, e se encontra em discussão entre os sujeitos processuais, tendo em conta o julgamento realizado, e que importa assim fundamentar com mais algum pormenor, é a respeitante aos elementos objectivos e subjectivos dos tipos-de-ilícito penais de que os arguidos vêm acusados, tendo ainda em consideração que “os motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados, nem os meios de prova, mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência”, não bastando o mero elenco dos meios de prova (neste sentido, cfr. AcTRP de 15/07/09 – Relator Manuel Braz, in www.dgsi.pt).
Assim, o Tribunal considerou todos os meios de prova supra referidos, global e criticamente, da seguinte forma:
Quanto aos factos concernentes aos elementos objectivos e subjectivos dos tipos-de-ilícitos penais de que os arguidos vêm acusados, dados como provados e não provados, aqui dados por integralmente reproduzidos, o Tribunal teve em consideração, na falta das declarações dos arguidos, os depoimentos de todas as testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento, em conjugação com os demais elementos de prova documentais e periciais, devidamente analisados à luz das regras da experiência comum, prova essa que vai toda no mesmo sentido, e apenas esse sentido corrobora.
Com efeito, dúvidas inexistem sobre a factualidade constante do auto de notícia em causa nos presentes autos, dada como provada – auto de notícia confirmado integralmente em audiência de julgamento pelas testemunhas da Brigada Fiscal da GNR, que com ele foram confrontadas expressamente, e expressamente e inequivocamente o confirmaram, designadamente quanto à existência da máquina em causa no estabelecimento em causa, e quem era o responsável do estabelecimento à data, e aquilo que nesse dia o mesmo disse na presença da GNR.
Quanto às características da máquina em causa, dadas como provadas, as mesmas resultam do relatório pericial realizado e junto aos autos, confirmado, examinado e explicado integralmente em sede de audiência de julgamento pela ilustre Perita subscritora.
Quanto aos factos provados em 5) e 9), aqui dados por integralmente reproduzidos, designadamente quanto à responsabilidade jurídico-penal do arguido A..., o Tribunal, à luz das regras da experiência comum, teve em consideração o seguinte:
Não foi preciso sequer valorar o depoimento indirecto dos depoimentos das testemunhas da Brigada Fiscal da GNR, ouvidas em sede de audiência de julgamento (sendo certo que, ainda que assim não fosse, sempre a “testemunha-fonte” seriam os arguidos, designadamente o arguido A..., presentes em audiência de discussão e julgamento, não havendo proibição de prova, à luz do disposto no art. 129.º do CPP, quando assim sucede, e podendo sempre o arguido, querendo, contraditar a prova produzida e/ou examinada em sede de audiência de discussão e julgamento a que assistiu, sem menoscabo dos seus direitos de defesa).
Com efeito, é verdade que em audiência de julgamento, o arguido B… não indicou o arguido A... como proprietário da máquina em causa, e é certo que ninguém em audiência de discussão e julgamento o identificou como tal.
Contudo, dos autos (cfr. fls. 185-186, 219-220, e 221-223 do PP) resulta que o arguido A... constituiu em 28/03/06 a sociedade unipessoal por quotas, a qual teve desde sempre e pelo menos desde então por objecto a exploração, venda e aluguer de máquinas de diversão, data desde a qual o arguido A... foi sempre o seu único sócio, e gerente.
O arguido A... encontrava-se e encontra-se colectado junto da Administração Tributária para a actividade “Venda por grosso – máquinas de diversão e brinde publicitários”.
Já foi julgado e condenado três vezes pela prática do crime de exploração ilícita de jogo, por factos praticados em 10/06/97, 12/09/00, e 05/01/05, o que demonstra, sem margem para dúvidas razoáveis, que se dedica profissionalmente, antes e depois de 28/03/06, à venda e aluguer de máquinas de jogo.
Do auto de notícia, confirmado expressamente e integralmente pelos depoimentos das testemunhas da Brigada Fiscal da GNR, sem margem para dúvidas, em audiência de julgamento, resulta que o n.º de telefone 914559063, indicado nessa altura e desde logo pelo arguido B...à Brigada Fiscal da GNR (esta indicação, conforme consta do auto de notícia, e confirmado em audiência de julgamento, constitui depoimento directo das referidas testemunhas da GNR) pertencia nessa data ao arguido A... (conforme informação prestada pela respectiva operadora de telecomunicações (no período compreendido em causa, desde 1/10/07, sendo que os factos em apreciação são de 05/10/07).
Dito de outra forma, o arguido B..., na altura da inspecção em causa, conforme melhor consta do auto de notícia, identificou desde logo o proprietário da máquina em causa, que se encontrava em funcionamento no seu estabelecimento, exposta ao público, como o titular do n.º de telefone 914559063, com quem, à luz das regras da experiência comum, contactava para o efeito, ou seja, o arguido A..., conforme informação incontestada em audiência de julgamento prestada pela respectiva operadora de telecomunicações, pessoa a qual, pelas razões supra explicitadas (três condenações pelo crime de exploração ilícita de jogo; constituição em 28/03/06 de sociedade cujo objecto consistiu desde sempre na venda e aluguer de máquinas de diversão, da qual foi o único sócio, e gerente), se dedica profissionalmente, antes e depois de 28/03/06, à venda e aluguer de máquinas de jogo.
Razões pelas quais, sem necessidade sequer de valoração de depoimentos indirectos (cfr., no mesmo sentido, o douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra proferido no âmbito do processo comum singular n.º 30/06.9GAFCR, do Tribunal Judicial da Comarca de Figueira de Castelo Rodrigo), não existem dúvidas razoáveis quanto ao proprietário da máquina em questão à data dos factos, constante do auto de notícia, ou seja, o arguido A....
Se:
· da máquina de jogo em causa não constava o n.º de registo, nome do proprietário ou referência à licença de exploração (conforme consta do relatório pericial realizado), o que demonstra que os arguidos sabiam perfeitamente do carácter ilícito da máquina em causa, e o profissionalismo do arguido A... (já condenado por três vezes pelo mesmo crime de exploração ilícita de jogo), bem como a conjugação de vontades e esforços dos dois arguidos, na exploração da máquina de jogo ilegal em causa (´roleta electrónica’),
· do auto de notícia, confirmado expressamente e integralmente pelos depoimentos das testemunhas da Brigada Fiscal da GNR, sem margem para dúvidas, em audiência de julgamento, resulta que o n.º de telefone 914559063, indicado nessa altura e desde logo pelo arguido B...à Brigada Fiscal da GNR (esta indicação, conforme consta do auto de notícia, e confirmado em audiência de julgamento, constitui depoimento directo das referidas testemunhas da GNR – e pode, e deve, nos referidos termos, ser valorada, tanto mais que ao abrigo das ‘providências cautelares’ previstas no art. 249.º do CPP, nas diligências de investigação dos agentes do crime) pertencia nessa data ao arguido A...,
· conforme informação prestada pela respectiva operadora de telecomunicações (no período compreendido em causa, desde 1/10/07, sendo que os factos em apreciação são de 05/10/07),
· o arguido A... constituiu em 28/03/06 a sociedade unipessoal por quotas, a qual teve desde sempre e pelo menos desde então por objecto a exploração, venda e aluguer de máquinas de diversão, data desde a qual o arguido A... foi sempre o seu único sócio, e gerente,
· o arguido A... encontrava-se e encontra-se colectado junto da Administração Tributária para a actividade “Venda por grosso – máquinas de diversão e brinde publicitários”,
· o arguido A... já foi julgado e condenado três vezes pela prática do crime de exploração ilícita de jogo, por factos praticados em 10/06/97, 12/09/00, e 05/01/05, o que demonstra, sem margem para dúvidas razoáveis, que se dedica profissionalmente, antes e depois de 28/03/06, à venda e aluguer de máquinas de jogo,
então, sem necessidade sequer de valoração de depoimentos indirectos, o Tribunal está em condições de, objectivamente (que não apenas subjectivamente na convicção do Julgador), em face da conjugação de todos estes elementos probatórios objectivos e incontestados em audiência de julgamento, devidamente valorados à luz das regras da experiência comum, concluir, sem margem para quaisquer dúvidas razoáveis, pela factualidade dada como provada em 5) e 9), quanto ao arguido A..., sendo por demais evidente, sem margem para dúvidas razoáveis, que era o arguido A... o proprietário à data da máquina ilícita em questão, prova essa que vai toda no mesmo sentido, e só esse sentido corrobora.
Consequentemente, à luz do que antecede, e que da máquina de jogo em causa não constava o n.º de registo, nome do proprietário ou referência à licença de exploração (conforme consta do relatório pericial realizado), o Tribunal deu como provada a factualidade provada em 7) e 8).
Consequentemente, o Tribunal deu como provados os factos 10) a 11), aqui dados por integralmente reproduzidos, tendo em consideração as declarações (não) prestadas pelos arguidos em audiência de discussão e julgamento, e a postura demonstrada pelos mesmos ao longo do julgamento, sendo que estes últimos factos são conhecidos pelo Tribunal oficiosamente, no exercício das respectivas funções (de forma a relevar o respectivo desvalor, para além dos elementos objectivos e subjectivos respeitantes ao “corpo do ilícito”) – arts. 264.º, n.º 2, e 514.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ex vi 4.º do Código de Processo Penal, com as devidas adaptações.
Consequentemente, e inversamente, com base na mesma prova produzida e/ou examinada em sede de audiência de discussão e julgamento, deu-se como não provado o facto C), aqui dado por reproduzido.
No mais, quanto ao facto provado em 1), vão todos os depoimentos e prova documental junta aos autos (designadamente licença/autorização de exploração).
Quanto à prova legal/tarifada, por documentos, os antecedentes penais dos arguidos resultam dos CRC dos mesmos juntos aos autos, sem os quais não seria possível dar como provados tais factos.
As demais testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento não infirmam o que antecede: a testemunha Margarida Maria Martins Simões não revelou ter conhecimento do período em questão, a testemunha Joaquim dos Santos Pires, que frequentava o estabelecimento em questão, e chegou a jogar na máquina em causa, acabou por confirmar que os pontos obtidos seriam posteriormente trocados por dinheiro, e valorou-se o seu depoimento prestado em sede de inquérito, com o qual foi confrontado, nos termos dos arts. 355.º e 356.º do CPP, sem oposição dos sujeitos processuais, ao abrigo dos referidos preceitos legais, sendo certo que também a testemunha Maria Teresa da Cruz Caetano Santos não infirmou a factualidade dada como provada, como resulta do teor do depoimento por si prestado em audiência de julgamento.
Quanto à situação económica e pessoal dos arguidos B...e A..., dada como provada em 19) a 21), o Tribunal teve em consideração as declarações que os próprios arguidos prestaram em sede de audiência de discussão e julgamento para o efeito, que foram valoradas no mínimo denominador comum das mesmas filtradas à luz das regras da experiência comum, pese embora não tenham prestado declarações quanto aos factos concernentes ao ‘corpo do ilícito’, pelo que tais declarações e elementos se nos afiguraram suficientes para o Tribunal se esclarecer do nível de rendimentos dos arguidos e poder determinar o quantitativo diário da pena de multa, caso entendesse condenar os arguidos, e condenar os mesmos em pena de multa, e fixar a taxa de justiça adequada e devida, em caso de condenação penal e/ou civil, sem necessidade de ulteriores diligências neste particular, bem como para efeitos de fixação de indemnização para efeitos de responsabilidade civil extra-contratual da mesma no presente processo, nessa eventualidade.
Quanto aos factos não provados em A), B) e D), a resposta negativa aos mesmos resultou da ausência e/ou insuficiência da prova produzida e/ou examinada em audiência de discussão e julgamento, por não resultarem dos documentos juntos aos autos, nem das declarações e depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, ou não resultarem de forma suficientemente segura e objectiva, em virtude de a prova produzida e/ou examinada quanto aos mesmos em audiência não ser suficientemente esclarecedora a respeito, ou extravasarem o conjunto de factos que constituem o mínimo denominador comum supra explicitado.
Com efeito, não se fez prova alguma dos factos não provados em A) e B), sendo que o B) é conclusivo, respondendo-se-lhe por mera precaução.
Quanto ao facto não provado em D), aqui dado por reproduzido (facto não provado), explicita-se que, de forma a que dúvidas não existam a respeito, que não se produziu prova suficiente no referido sentido da alegação – não que se dê como provado que o arguido é o contrário daquilo que alegou – simplesmente, não se provou suficientemente que assim seja, desde logo com a latitude com que tais factos genericamente, e usualmente, são alegados (inversamente proporcionais à prova que se lhes dedica em julgamento), sendo certo que a latitude de tal alegação teria sempre contra si o teor do CRC do arguido junto aos autos.
Razões pelas quais o Tribunal respondeu positivamente aos factos dados como provados, da forma supra referida.
Quanto aos demais factos não provados, para além do que se explicitou supra, cumpre referir que não se produziu em audiência de discussão e julgamento qualquer prova que permitisse dar como provados outros factos para além dos que nessa qualidade se descreveram.
Razões pelas quais o Tribunal responde positivamente e negativamente à matéria de facto em causa, nos termos e fundamentos acabados de referir».

            3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

            3.1. Vem o arguido A... interpor recurso da sentença em que foi condenado nos presentes autos, impugnando-a, sob o ponto de vista da matéria de facto e da matéria de direito.

3.2. RECURSO DE FACTO
a)- É sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer do RECURSO DE FACTO pela seguinte ordem:
· primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada;
· e, depois e se for o caso, dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do C.P.Penal (a chamada impugnação restrita ou revista alargada da matéria de facto).
Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a). b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP.

b)- O erro de julgamento – ínsito no artigo 412º/3 - ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do CPP.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações[3], antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Como bem acentua Jorge Gonçalves nos seus acórdãos desta Relação, «o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, cfr. os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt)».
E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, já aqui aludida, prevista no artigo 412.º, n.º 3, do CPP.
A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Conforme jurisprudência constante, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, antes constituindo um remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados[4].
            A delimitação dos pontos de facto constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso relativo à matéria de facto. Ao tribunal de recurso incumbe confrontar o juízo sobre os factos que foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifique nas conclusões da motivação.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, os Acordãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt).
Nos termos do artº 428º do CPP, as relações conhecem de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do artº 412º, nº 3 do mesmo diploma – tal não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, mas apenas um remédio jurídico votado a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelo recorrente.
Já o deixámos escrito - o recurso, no que tange ao conhecimento da questão de facto, não é um segundo julgamento, em que a Relação, agora com base na audição de gravações, e anteriormente com base na leitura de transcrições, reaprecie a totalidade da prova.
E se é certo que perante um recurso sobre a matéria de facto, a Relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, não é menos verdade que deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso como remédio e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo.

c)- A este propósito, sempre se dirá que as conclusões do recurso do arguido estão correctas, sob o ponto de vista formal.
Incidindo este recurso sobre matéria de facto, nos termos do artigo 412º, n.º 3 do CPP, incumbe ao recorrente o ónus de especificar
a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c)- as provas que devam ser renovadas.
Acentua depois o n.º 4 desse normativo que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do artigo 364º, n.º 2, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Sobre este último requisito importa ainda referir que ao recorrente é exigível que quando efectue a indicação concreta da sua divergência probatória, fazendo-o para os suportes onde se encontra gravada a prova, faça a remissão para os concretos locais da gravação que suportam a tese do recorrente (neste sentido, de forma claríssima cf. o Ac desta Relação de 24.02.2010, e Relação do Porto de 14.02.2000 in www. dgsi.pt). É essa imposição que decorre do artigo 412º, nº 4 do Código de Processo Penal refere que “as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º”.
 O artigo 417º, n.º 3 do CPP (na versão revista de 2007, levada a cabo pela Lei n.º 48/2007 de 29/8) permite o convite ao aperfeiçoamento da respectiva peça processual se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 desse mesmo normativo.
Temos entendido o seguinte: se analisada a peça do recurso constatarmos que a indicação das especificações legais constam do corpo da motivação de forma assaz suficiente para se compreender o móbil do recorrente, não deveremos, assim, ser demasiado formalistas ao ponto de atrasar a tramitação de um processo quando existem conclusões e se consegue das mesmas deduzir, mesmo que parcialmente, note-se, as indicações previstas no n.º 2 e no n.º 3 do citado artigo 412º.
Convém lembrar que as “conclusões aperfeiçoadas” têm de se manter no âmbito da motivação apresentada, não se tratando de uma reformulação do recurso ou da apresentação de um novo recurso - por outras palavras: o convite ao aperfeiçoamento, estabelecido nos n.º 3 e 4 do artigo 417.º, do C.P.P., pode ter lugar quando a motivação não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs. 2 a 5 do artº 412º do mesmo código, mas sempre sem modificar o âmbito do recurso.
Pelo que se o corpo da motivação não contém as especificações exigidas por lei, já não estaremos perante uma situação de insuficiência das conclusões, mas sim de insuficiência do recurso, insusceptível de aperfeiçoamento.
Ora, no nosso caso, TANTO na motivação como nas Conclusões, faz o recorrente uso do ónus de impugnação especificada, não o fazendo nas conclusões.
Ao estabelecer que o recorrente tem que indicar as provas que impõem uma diversa apreciação da matéria de facto o legislador quer sublinhar que «o recurso não é um novo julgamento, [mas] sim um mero instrumento processual de correcção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada. É que houve um julgamento em 1ª instância. E do que aqui se trata é de remediar o que de errado ocorreu em 1ª instância. O recurso como remédio jurídico (conforme se refere no Ac. RC de 3.2.2010, relator Gomes de Sousa).
No nosso caso, e por tal razão, ouviremos a prova gravada.

d)- Mas comecemos pelos vícios do artigo 410º/2 do CPP.
Invoca o recorrente que existiu, in casu, erro notório na apreciação da prova [410º/2 c)].
Esses VÍCIOS são de conhecimento oficioso.
Estabelece o art. 410.º, n.º 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
· A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
· A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
· Erro notório na apreciação da prova.
            Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício[5] tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
No fundo, por aqui não se pode recorrer à prova documentada.
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cf. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo n.º 1509/97).
Vejamos o nosso caso.
Lendo a decisão recorrida, fácil é de concluir que a mesma está elaborada de forma muito equilibrada, lógica, encadeada e assaz fundamentada.
O Tribunal valorou devidamente a prova para concluir pela culpabilidade do arguido no que tange ao domínio do facto criminoso.
E, portanto, provou, para além de qualquer dúvida razoável, pelas circunstâncias da acção provada, que a intenção do arguido não poderia ser outra senão aquela provada.
  Melhor do que isto não se pode pedir.
  Tudo bate certo, tudo estando devidamente explicado e elucidado.
  O registo da sentença é encadeado e lógico.
            Desta forma, inexistem vestígios de erros notórios na apreciação da prova.
  Ou de qualquer um dos outros vícios do artigo 410º do CPP.
  O tribunal decidiu segundo a sua livre convicção e explicou-a devidamente.
            Por tal motivo, só se pode concluir que o recorrente errou ao invocar este vício oficioso, quando é certo que se queria tao-somente referir ao erro de julgamento, seguidamente abordado por nós.

            e)- Mas houve ou não tal erro de julgamento quanto aos factos 5, 7 e 8?
            e.1. Os factos são estes (entendendo o recorrente que, no que a si respeita, deveriam TER SIDO reconduzidos para o rol dos factos não provados):
«5) Esta máquina pertencia ao arguido A..., que a colocou no estabelecimento do arguido B..., com o consentimento deste, em Junho ou Julho de 2007 e mediante acordo de divisão de receitas em proporção não concretamente apurada.
7) O arguido agiu deliberadamente, com intenção de obter vantagem patrimonial ilegítima através de exploração de jogo ilícito para o qual sabia não possuir licença ou a devida autorização passada pela entidade competente; sabia ainda o arguido que a referida máquina desenvolvia um tema de jogo de fortuna ou azar e que a respectiva exploração lhe estava naturalmente vedada por disposição legal.
8) O arguido agiu também livre e lucidamente, em comunhão de esforços e intentos, com a perfeita consciência de que a sua conduta era proibida e punida por Lei.
            Entende o recorrente que a convicção do julgador foi criada, sem provas bastantes, e apenas com base em juízos de valor e em deduções.
            Defende que as testemunhas de acusação apenas relataram ao tribunal aquilo que lhes foi dito pelo co-arguido B…, que não falou em audiência, logo, depoimentos «indirectos», não passíveis de ser valorados, à luz do artigo 129º do CPP.
            Defende haver nulidade da sentença pelo facto de se fundar em prova de valoração proibida.
            Não há, segundo o recorrente, prova de que a sua pessoa era proprietária e explorador da máquina em causa.
            Vejamos, então, a forma como motivou a sua sentença o tribunal «a quo», neste particular.
Sobre os «elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência», ponderou o tribunal o seguinte:
«1º- na falta das declarações dos arguidos, os depoimentos de todas as testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento, em conjugação com os demais elementos de prova documentais e periciais, devidamente analisados à luz das regras da experiência comum, prova essa que vai toda no mesmo sentido, e apenas esse sentido corrobora».
Explicando melhor:
«Dúvidas inexistem sobre a factualidade constante do auto de notícia em causa nos presentes autos, dada como provada – auto de notícia confirmado integralmente em audiência de julgamento pelas testemunhas da Brigada Fiscal da GNR, que com ele foram confrontadas expressamente, e expressamente e inequivocamente o confirmaram, designadamente quanto à existência da máquina em causa no estabelecimento em causa, e quem era o responsável do estabelecimento à data, e aquilo que nesse dia o mesmo disse na presença da GNR».
Mais à frente:
«Quanto aos factos provados em 5) e 9), aqui dados por integralmente reproduzidos, designadamente quanto à responsabilidade jurídico-penal do arguido A..., o Tribunal, à luz das regras da experiência comum, teve em consideração o seguinte, começando por considerar que «não foi preciso sequer valorar o depoimento indirecto dos depoimentos das testemunhas da Brigada Fiscal da GNR, ouvidas em sede de audiência de julgamento (sendo certo que, ainda que assim não fosse, sempre a “testemunha-fonte” seriam os arguidos, designadamente o arguido A..., presentes em audiência de discussão e julgamento, não havendo proibição de prova, à luz do disposto no art. 129.º do CPP, quando assim sucede, e podendo sempre o arguido, querendo, contraditar a prova produzida e/ou examinada em sede de audiência de discussão e julgamento a que assistiu, sem menoscabo dos seus direitos de defesa)»:
· dos autos (cfr. fls. 185-186, 219-220, e 221-223 do PP) resulta que o arguido A... constituiu em 28/03/06 a sociedade unipessoal por quotas’, a qual teve desde sempre e pelo menos desde então por objecto a exploração, venda e aluguer de máquinas de diversão, data desde a qual o arguido A... foi sempre o seu único sócio, e gerente;
· o arguido A... encontrava-se e encontra-se colectado junto da Administração Tributária para a actividade “Venda por grosso – máquinas de diversão e brinde publicitários”.
· já foi ele julgado e condenado três vezes pela prática do crime de exploração ilícita de jogo, por factos praticados em 10/06/97, 12/09/00, e 05/01/05, o que demonstra, sem margem para dúvidas razoáveis, que se dedica profissionalmente, antes e depois de 28/03/06, à venda e aluguer de máquinas de jogo;
· do auto de notícia, confirmado expressamente e integralmente pelos depoimentos das testemunhas da Brigada Fiscal da GNR, sem margem para dúvidas, em audiência de julgamento, resulta que o n.º de telefone 914559063, indicado nessa altura e desde logo pelo arguido B...à Brigada Fiscal da GNR (esta indicação, conforme consta do auto de notícia, e confirmado em audiência de julgamento, constitui depoimento directo das referidas testemunhas da GNR) pertencia nessa data ao arguido A... (conforme informação prestada pela respectiva operadora de telecomunicações (no período compreendido em causa, desde 1/10/07, sendo que os factos em apreciação são de 05/10/07)».
Ou seja:
«Se:
· da máquina de jogo em causa não constava o n.º de registo, nome do proprietário ou referência à licença de exploração (conforme consta do relatório pericial realizado), o que demonstra que os arguidos sabiam perfeitamente do carácter ilícito da máquina em causa, e o profissionalismo do arguido A... (já condenado por três vezes pelo mesmo crime de exploração ilícita de jogo), bem como a conjugação de vontades e esforços dos dois arguidos, na exploração da máquina de jogo ilegal em causa (´roleta electrónica’),
· do auto de notícia, confirmado expressamente e integralmente pelos depoimentos das testemunhas da Brigada Fiscal da GNR, sem margem para dúvidas, em audiência de julgamento, resulta que o n.º de telefone 914559063, indicado nessa altura e desde logo pelo arguido B...à Brigada Fiscal da GNR (esta indicação, conforme consta do auto de notícia, e confirmado em audiência de julgamento, constitui depoimento directo das referidas testemunhas da GNR – e pode, e deve, nos referidos termos, ser valorada, tanto mais que ao abrigo das ‘providências cautelares’ previstas no art. 249.º do CPP, nas diligências de investigação dos agentes do crime) pertencia nessa data ao arguido A...,
· conforme informação prestada pela respectiva operadora de telecomunicações (no período compreendido em causa, desde 1/10/07, sendo que os factos em apreciação são de 05/10/07),
· o arguido A... constituiu em 28/03/06 a sociedade unipessoal por quotas, a qual teve desde sempre e pelo menos desde então por objecto a exploração, venda e aluguer de máquinas de diversão, data desde a qual o arguido A... foi sempre o seu único sócio, e gerente,
· o arguido A... encontrava-se e encontra-se colectado junto da Administração Tributária para a actividade “Venda por grosso – máquinas de diversão e brinde publicitários”,
· o arguido A... já foi julgado e condenado três vezes pela prática do crime de exploração ilícita de jogo, por factos praticados em 10/06/97, 12/09/00, e 05/01/05, o que demonstra, sem margem para dúvidas razoáveis, que se dedica profissionalmente, antes e depois de 28/03/06, à venda e aluguer de máquinas de jogo,
então, sem necessidade sequer de valoração de depoimentos indirectos, o Tribunal está em condições de, objectivamente (que não apenas subjectivamente na convicção do Julgador), em face da conjugação de todos estes elementos probatórios objectivos e incontestados em audiência de julgamento, devidamente valorados à luz das regras da experiência comum, concluir, sem margem para quaisquer dúvidas razoáveis, pela factualidade dada como provada em 5) e 9), quanto ao arguido A..., sendo por demais evidente, sem margem para dúvidas razoáveis, que era o arguido A... o proprietário à data da máquina ilícita em questão, prova essa que vai toda no mesmo sentido, e só esse sentido corrobora».
Portanto:
«O arguido B..., na altura da inspecção em causa, conforme melhor consta do auto de notícia, identificou desde logo o proprietário da máquina em causa, que se encontrava em funcionamento no seu estabelecimento, exposta ao público, como o titular do n.º de telefone 914559063, com quem, à luz das regras da experiência comum, contactava para o efeito, ou seja, o arguido A..., conforme informação incontestada em audiência de julgamento prestada pela respectiva operadora de telecomunicações, pessoa a qual, pelas razões supra explicitadas (três condenações pelo crime de exploração ilícita de jogo; constituição em 28/03/06 de sociedade cujo objecto consistiu desde sempre na venda e aluguer de máquinas de diversão, da qual foi o único sócio, e gerente), se dedica profissionalmente, antes e depois de 28/03/06, à venda e aluguer de máquinas de jogo».
E conclui:
«Consequentemente, à luz do que antecede, e que da máquina de jogo em causa não constava o n.º de registo, nome do proprietário ou referência à licença de exploração (conforme consta do relatório pericial realizado), o Tribunal deu como provada a factualidade provada em 7) e 8)».
Deste modo, e sem necessidade sequer de valoração de depoimentos indirectos, CONCLUIU o tribunal recorrido que não existem dúvidas razoáveis quanto ao proprietário da máquina em questão à data dos factos, constante do auto de notícia, ou seja, o arguido A....

e.2. VEJAMOS se andou bem o tribunal recorrido, nesta parte da valoração da prova.
Sabemos que a prova criminal não vive só do «visto, claramente visto», como é óbvio.
A convicção do Tribunal “a quo” é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.
Por isso, resulta que, para respeitarmos os princípios da oralidade e imediação na produção de prova, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.
Como opina o acórdão da Relação de Coimbra de 6 de Março de 2002 (C.J. , ano XXVII , 2º , página 44) , “quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
Nesta parte importa realçar que o objecto da prova pode incidir sobre os factos probandos (prova directa), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este (prova indirecta ou indiciária).
A prova indirecta “…reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova” – cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “ Curso de Processo Penal”, Vol. II, pág. 289[6].
Como acentua o acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996, “ a inferência na decisão não é mais do que ilação, conclusão ou dedução, assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz.” – cfr. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6.º, tomo 4.º, pág. 555.
No mesmo sentido veja-se o acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Fevereiro de 2000, ano XXV, 1.º, pág. 51.
Como já se disse, em matéria de apreciação da prova, o artigo 127.º do C.P.P. dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Na expressão regras de experiência[7], incluem-se as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, devendo as inferências basear-se na correcção do raciocínio, nas regras da lógica, nos princípios da experiência e nos conhecimentos científicos a partir dos quais o raciocínio deve ser orientado e formulado (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2.ª edição, p. 127, citando F. Gómez de Liaño, La Prueba en el Proceso Penal, 184).
            Atentas as naturais dificuldades de reconstituição do facto delituoso, há que recorrer, por vezes, à prova indirecta para basear a convicção da entidade decidente sobre a existência ou não da situação de facto.
            Como acentua Euclides Dâmaso, no seu artigo «Prova indiciária (contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo premente)», publicado na Revista Julgar, n.º 2, 2007, «vale isto por dizer-se que a “prova indirecta, indiciária, circunstancial ou por presunções”, que alguns decisores por vezes (infelizmente raras e apenas em crimes contra as pessoas) meticulosa e exigentemente praticam sem claramente assumirem fazê-lo, tem que ganhar adequada relevância jurisprudencial e dogmática também entre nós. Sob pena de a Justiça não se compatibilizar com as exigências do seu tempo e de se agravar insuportavelmente o sentimento de impunidade face aos desafios criminosos de maior complexidade e desvalor ético-jurídico, mormente os “crimes de colarinho branco” em geral e a corrupção e o branqueamento em particular».
Prieto-Castro Y Fernandiz e Gutiérrez de Cabiedes opinam mesmo que «o indício apresenta grande importância no processo penal, já que nem sempre se têm à disposição provas directas que autorizem a considerar existente a conduta perseguida e então, ante a realidade do facto criminoso, é necessário fazer uso dos indícios, com o esforço lógico — jurídico intelectual necessário, antes que se gere impunidade».
            Ao decidir como decidiu, não se alcança que o tribunal a quo tenha valorado contra o arguido qualquer estado de dúvida em que tenha ficado sobre a existência dos factos, do mesmo modo que também não se infere que o tribunal recorrido, que não teve dúvidas, devesse efectivamente ter ficado num estado de dúvida insuperável, a valorar nos termos do princípio in dubio pro reo.
Em conclusão, diremos ainda que inexiste, in casu, a violação do princípio da livre apreciação da prova.
O já citado princípio da livre apreciação da prova, como princípio estruturante do direito processual do continente europeu e, especificamente do direito processual penal português, assume, na dinâmica do processo de fundamentação da sentença penal simultaneamente, uma dupla função de ordenação e de limite.
Vinculado ao princípio da descoberta da verdade material, contrariamente ao sistema probatório fundado nas provas tabelares ou tarifárias que estabelece um valor racionalizado a cada prova, possibilita-se ao juiz um âmbito de discricionariedade na apreciação de cada uma das prova atendíveis que suportam a decisão.
Estamos perante uma discricionariedade assente num modelo racionalizado, na medida em que implica que o juiz efectue as suas valorações segundo uma discricionariedade guiada pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação.
Tal equivale a dizer que «o princípio da livre convicção libertou o juiz das regras da prova legal mas não o desvinculou das regras da razão» cf. Michelle Taruffo, «Conocimiento cientifico y estándares de prueba judicial», Jueces para la Democracia, Información y debate, nº 52, Marzo, 2005, p. 67.
Aqui chegados, só há que constatar que o tribunal recorrido, para chegar à sua decisão, valorou um conjunto diverso de provas, utilizando, de boa feição e pelo melhor método, as regras da razão, fundadas na lógica e na experiência, não se vislumbrando qualquer vício no seu modo de decidir.
Conclui-se, assim, que, não sendo meio de prova proibido por lei, pode o julgador, à luz das regras da experiência e da sua livre convicção, retirar dos factos conhecidos as ilações que se ofereçam como evidentes ou como razoáveis e firmá-las como factos provados, sendo esse um mecanismo recorrente na formação da convicção («basta pensar na prova da intenção criminosa; a intenção, enquanto elemento volitivo do dolo - enquanto decisão pela conduta, suposto serem conhecidos pelo agente os elementos do tipo legal de crime -, na medida em que traduz um acontecimento da vida psicológica, da vivência interna, não é facto directamente percepcionável pelos sentidos do espectador, havendo que inferi-la a partir da exteriorização da conduta. Só por recurso à presunção judicial, diluída naquilo que em processo penal se designa por “livre convicção”, é possível determiná-la, através de outros factos susceptíveis de percepção directa e das máximas da experiência, extraindo-se como conclusão o facto presumido, que assim se pode ter como provado»).
Foi isso que fez o Colectivo para sabiamente colocar o arguido A...no epicentro da ilicitude dos autos – e justificou-se de forma desusadamente explícita e prolixa, como atrás se pode ver.

e.3. Uma palavra sobre os depoimentos indirectos.
Estatui o art. 129.º do C.P.P., cuja epígrafe é depoimento indirecto”:
«1. Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas[8].
2. O disposto no número anterior aplica-se ao caso em que o depoimento resultar da leitura de documento de autoria de pessoa diversa da testemunha.
3. Não pode, em caso algum, servir como meio de prova o depoimento de quem recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através das quais tomou conhecimento dos factos».
Estes depoimentos indirectos só podem ser valorados nos estritos limites permitidos na norma, só valendo relativamente ao que se ouviu dizer a outra potencial testemunha, quando a inquirição de quem disse não for possível por força das circunstâncias referidas na norma.
A norma do artigo 129º do CPP é pois excepcional, excepcionalidade que deriva, logo, do texto do art. 128.º do C.P.P., que diz, no seu n.º 1, que «a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo …».
A regra é, pois, que o limite do depoimento da testemunha é aquilo que ela viu e/ou ouviu.
O que a lei pretende com a proibição do depoimento indirecto é que não acolham como prova depoimentos que se limitam a reproduzir o que se ouviu dizer.
Para que um tal depoimento seja valorado é essencial que seja confirmado pela pessoa que disse, confirmação que tem em vista a própria validade e eficácia do depoimento, já que o mérito de uma testemunha tem muito a ver com a razão de ciência da própria testemunha (excepção feita aos casos de impossibilidade superveniente de inquirição da pessoa indicada).
Nesta matéria bem sabemos que jurisprudência existe quem entende que as declarações de uma testemunha relatando conversa mantida com o arguido constituem depoimento indirecto, portanto proibido, a menos que o arguido corrobore tais declarações.
Entendemos o contrário - considerando que o depoimento indirecto é uma comunicação, com função informativa, de um facto de que o sujeito teve conhecimento por um terceiro, parece-nos razoavelmente claro que não constitui depoimento indirecto - portanto não enquadrável no art. 129.º do C.P.P. e, portanto, não constituindo prova proibida -, o depoimento de uma testemunha que relata o que ouviu o arguido dizer, isto mesmo que o arguido não preste declarações na audiência, no exercício do seu direito ao silêncio.
Já alguém escreveu que «o depoimento de uma testemunha que relata a conversa que manteve com a arguida não deriva de conhecimento indirecto, mas de conhecimento directo, pelo que não pode ser considerado depoimento indirecto».
Deste modo, considera-se resultar do art. 129.º, n.º 1, em conjugação com o art. 128.º do Código Processo Penal, que o depoimento de uma testemunha que em audiência relata factos que um arguido lhe confessou, não é um depoimento indirecto, pois versa sobre factos de que directamente teve conhecimento na conversa que estabeleceu com a arguida.
Demos a palavra ao ELOQUENTE Acórdão da Relação do Porto de 9/2/2011 (Pº 195/07.2GACNF.P1):
«No que respeita à prova testemunhal, dispõe o artº 128º nº 1 do C. Proc. Penal que a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova.
Ora, a testemunha tem conhecimento directo dos factos, quando os percepcionou de forma imediata e não intermediada, através dos seus próprios sentidos.
Já no âmbito do testemunho indirecto, “a testemunha refere meios de prova, aquilo de que se apercebeu foi de outros meios de prova relativos aos factos, mas não imediatamente dos próprios factos”(…) “é o vulgarmente designado testemunho de ouvir dizer”.
Ora, a regra é que o testemunho indirecto só serve para indicar outro meio de prova directo.
Daqui resulta, em primeiro lugar, que a regra é a do testemunho directo.
Mas, por outro lado, a lei não proíbe de forma absoluta a produção de depoimentos indirectos.
O que o código proíbe é a valoração de tais depoimentos, se o juiz não chamar a depor a pessoa indicada pela testemunha como fonte do conhecimento que transmitiu ao tribunal.
No entanto, o depoimento indirecto pode ser valorado sempre que a inquirição da fonte não seja possível, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada.
Assim, chamando o juiz a fonte a depor, o depoimento indirecto pode ser valorado, mesmo nos casos em que a aquela se recusa, lícita ou ilicitamente, a prestar depoimento ou, por exemplo, diz de nada se recordar já.
É que nesta situação é possível o exercício do contraditório na audiência de julgamento, através do interrogatório e do contra-interrogatório, quer da testemunha de ouvir dizer, quer da testemunha fonte, assim se assegurando o respeito pela estrutura acusatória do processo criminal, imposto pelo art. 32º, nº 5, da CRP.
(…)
Tão-pouco se pode afirmar que a estrutura acusatória do processo criminal, que impõe que a audiência de julgamento e mesmo os actos instrutórios determinados por lei estejam subordinados ao princípio do contraditório, ponha em causa a regulamentação do segmento da norma em causa.
A lei processual penal veda, em princípio, a admissibilidade do testemunho de ouvir dizer, impondo que seja chamada a depor a pessoa determinada invocada no testemunho prestado, assegurando-se a imediação, relativamente ao tribunal criminal e aos sujeitos processuais”.
Pese embora a lei não fixe as regras de valoração do depoimento indirecto, quando tal valoração é admissível, deve entender-se, face ao princípio geral da livre apreciação da prova estabelecido no art. 127º do C. Proc. Penal, que o depoimento deve ser avaliado conjuntamente com a demais prova produzida, incluindo o correspondente depoimento directo, quando tenha sido prestado, tudo conforme a livre apreciação e as regras da experiência comum portanto, sem qualquer hierarquia de valoração entre um e outro.
Com efeito, a melhor interpretação da formulação legal conduz a que só se considere depoimento indirecto, v.g. se a pessoa que faz o relato, não assistiu ou presenciou a ocorrência («ouvi dizer que o B disse ao A», nota nossa).
O critério operativo da distinção entre depoimento directo e indirecto é o da vivência da realidade que se relata: se o depoente viveu e assistiu a essa realidade o seu depoimento é directo, se não, é indirecto.
Como se diz no citado aresto, “o que o legislador quis afastar foi o «depoimento em segunda mão»: o C vem a tribunal dizer que o A lhe disse que o B fez ou aconteceu. São estes, mas não apenas estes, os depoimentos indirectos que o legislador quis vetar como meio de prova, salvo se chamar o «intermediário» a depor”.
Com efeito, quando em audiência uma testemunha afirma o que ouviu ao arguido, que está presente e que fez uso do seu direito ao silêncio, não colocando em crise a afirmação da testemunha acerca do que afirmou lhe ter ouvido, o depoimento, não deixa, nessa parte, de poder ser valorado.
Não é prova proibida e, como qualquer outra, deve ser apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal – art. 127º do CPP.
O art. 129º do CPP admite o testemunho de ouvir dizer, somente impõe que as pessoas referenciadas no depoimento, sejam chamadas a depor (ressalvando as excepções aí previstas e já referidas).
No caso, estando o arguido presente e escusando-se a prestar declarações, verifica-se a impossibilidade de ouvir a “pessoa indicada como fonte”.
Assim, como salienta o Ac. do T.C. nº 440/99 de 8.7, aquele depoimento de ouvir dizer deve ser valorado como meio de prova, “desde logo, porque não há diferença substancial entre a situação do arguido que não pode ser encontrado e a daquele que, chamado à audiência, invoca o seu direito ao silêncio para não depor”.
Nesse Acórdão tirou-se a seguinte conclusão: ”Há, assim, que concluir que o artigo 129°, n° 1 (conjugado com o artigo 128°, n° 1) do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indirectos de testemunhas, que relatem conversas tidas com um co-arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido”.
Também o STJ. tem aceite tais depoimentos de ouvir dizer, valorando-os como meio de prova, nomeadamente no Ac. de 30.09.1998, in BMJ 479-414 - aí se têm como válidas as declarações da queixosa/demandante civil sobre matéria que lhe foi oralmente transmitida pelo arguido, o qual se negou a prestar declarações em audiência de julgamento.
“Não estamos, contudo, perante depoimento indirecto proibido. A queixosa/demandante civil prestou declarações dizendo o que ouviu directamente da boca do arguido e fê-lo na presença deste, que estava assistido pelo respectivo defensor”. “Por conseguinte, a posição assumida in casu pelo arguido – no uso de direito que não se põe em causa - de optar pelo silêncio, de forma alguma pode obstar à admissão e valoração das declarações da queixosa/demandante civil”.
Aliás, a génese do direito ao silêncio não assenta num intuito de beneficiar o arguido, condicionando a prova testemunhal, antes decorrendo do princípio do acusatório, que impõe à acusação o dever de provar os factos que lhe são imputados, facultando ao arguido um comportamento que, em última análise, poderá obstar a que se auto-incrimine.
Estando o arguido presente em audiência, pode sempre contraditar plenamente a testemunha que relatou aquilo que lhe ouviu dizer, requerer as diligências que entenda pertinentes, tendentes a demonstrar a sua falta de idoneidade, a contraditar a sua razão de ciência, a impossibilidade do seu testemunho.
É indiscutível que o arguido mantém intocado o seu direito ao silêncio, art.º 343º n.º1 do Código de Processo Penal.
Agora, o que não pode o arguido pretender é que o exercício desse direito ao silêncio inviabilize o depoimento de directamente ouvir dizer».
Concordamos em absoluto com esta posição[9].
E como tal consideramos que não estava vedado ao tribunal «a quo» fazer uso da conversa havida entre o arguido B… – apesar do seu mais do que compreensível silêncio em julgamento - e as testemunhas de acusação.
Como tal, inexiste qualquer nulidade de sentença já que as provas que chamou à colação não são proibidas.
O que significa que não há que invocar qualquer proibição ou nulidade na apreciação da prova, ao abrigo do disposto nos arts. 129.°, 355.°, 356. e 357.° do Código de Processo Penal (cfr. ainda acórdãos desta Relação de 20/12/2011 – Pº 160/10.2JACBR.C1 – e de 13/12/2011 – Pº 473/08.3PAPTS.C1)

e.4. Mas mesmo sem fazer apelo a tais conversas – as quais aconteceram e delas podem-se tirar consequências probatórias -, não nos pareceu temerosa a conclusão tirada pelo tribunal recorrido dos elementos que atrás enuncia.
Recordemo-los:
· 1º- dos autos (cfr. fls. 185-186, 219-220, e 221-223 do PP) resulta que o arguido A... constituiu em 28/03/06 a sociedade unipessoal por quotas, a qual teve desde sempre e pelo menos desde então por objecto a exploração, venda e aluguer de máquinas de diversão, data desde a qual o arguido A... foi sempre o seu único sócio, e gerente;
· 2º- o arguido A... encontrava-se e encontra-se colectado junto da Administração Tributária para a actividade “Venda por grosso – máquinas de diversão e brinde publicitários”.
· 3º- já foi ele julgado e condenado três vezes pela prática do crime de exploração ilícita de jogo, por factos praticados em 10/06/97, 12/09/00, e 05/01/05, o que demonstra, sem margem para dúvidas razoáveis, que se dedica profissionalmente, antes e depois de 28/03/06, à venda e aluguer de máquinas de jogo;
· 4º- do auto de notícia, confirmado expressamente e integralmente pelos depoimentos das testemunhas da Brigada Fiscal da GNR, sem margem para dúvidas, em audiência de julgamento, resulta que o n.º de telefone … , indicado nessa altura e desde logo pelo arguido B...à Brigada Fiscal da GNR (esta indicação, conforme consta do auto de notícia, e confirmado em audiência de julgamento, constitui depoimento directo das referidas testemunhas da GNR) pertencia nessa data ao arguido A... (conforme informação prestada pela respectiva operadora de telecomunicações (no período compreendido em causa, desde 1/10/07, sendo que os factos em apreciação são de 05/10/07[10])».
Ou seja, o tribunal reuniu todos estes claros e fortes indícios para retirar uma conclusão que se tem por óbvia, não conseguindo o recorrente, na prolixidade da sua argumentação, infirmar essa conclusão mais do que razoável – o recorrente era o proprietário e explorador da máquina em causa.
Lembremos que em processo penal, dado o objectivo da procura da verdade material, o tribunal não está condicionado pela produção de determinados meios de prova, não existindo impedimento a se considerar provado que alguém explora um estabelecimento comercial ou uma máquina com base em prova testemunhal.

e.5.  Concluindo:
O artigo 127.º do C.P.P. consagra o princípio da livre apreciação da prova, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais.
Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Os poderes do tribunal na procura da verdade material estão limitados pelo objecto do processo definido na acusação ou na pronúncia, guiado pelo princípio das garantias de defesa do artigo 32º da CRP.
Sobre o tribunal recai o dever de ordenar a produção da prova necessária à descoberta da verdade material, tanto relativamente aos factos narrados na acusação ou na pronúncia, como aos alegados pela defesa na contestação e aos que surgirem no decurso da audiência de julgamento em benefício do arguido.
Quanto à fundamentação da PROVA, há que atentar em certos princípios:
· os dos artigos 124º, 125º e 126º do CPP (princípio geral da legalidade das provas);
· A convicção sobre a realidade de certo facto existirá quando, e só quando, o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável;
· Não se procura uma verdade ontológica e absoluta mas apenas a verdade judicial e prática – não pode ser uma verdade obtida a qualquer preço mas apenas a que assenta em meios de prova que sejam legais;
· A livre apreciação da prova (ou do livre convencimento motivado) não se pode confundir com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação arbitrária da prova, impondo-lhes a lei que extraia delas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso;
· Não satisfaz a exigência de fundamentação da decisão sobre Matéria de Facto a mera referência genérica aos meios de prova produzidos, importando fazer a indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos que dos meios de prova relevaram ou que obtiveram credibilidade no espírito do julgador – não basta indicar o concreto meio de prova gerador do convencimento, urgindo expressar a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, o julgador adquiriu, de forma não temerária, a convicção sobre a realidade de um determinado facto.
A liberdade das provas não é, pois, absoluta, estando condicionada pela prudente convicção do julgador e temperada pelas regras da lógica e da experiência
            Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
            A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância certos meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe.
É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc.
As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
            Assim, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade, que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum (cf. Acórdão da Relação do Porto, de 21 de Abril de 2004, Processo: 0314013, www.dgsi.pt).
            Quer isto dizer que a ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º] – neste sentido, o Ac. da Relação de Lisboa, de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
A operação intelectual em que se traduz a formação da convicção não é, assim, uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente – aqui relevando, de forma muito especial, os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” (cf. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss. e Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Ed., 1974, Reimpressão, 205).

            e.6. A finalizar, uma palavra para o princípio do «in dubio pro reo» tido por violado.
No fundo, o que o recorrente pretende, nos termos em que formula a sua impugnação, é ver a convicção formada pelo tribunal substituída pela convicção que ela próprio entende que deveria ter sido a retirada da prova produzida.
O recorrente limita-se a divulgar a sua interpretação e valoração pessoal das declarações e depoimentos prestados e da credibilidade que devem merecer uns e outros, exercício que no entanto é irrelevante para a sindicância da forma como o tribunal recorrido valorou a prova.
Não se evidencia qualquer violação das regras da experiência comum, sendo certo que fora dos casos de renovação da prova em 2ª instância, nos termos previstos no art. 430º do CPP - o que, manifestamente, não é o caso - o recurso relativo à matéria de facto visa apenas apreciar e, porventura, suprir, eventuais vícios da sua apreciação em primeira instância, não se procurando encontrar uma nova convicção, mas apenas e tão-só verificar se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do tribunal de recurso.
Decidiu-se, no douto Acórdão da Relação de Coimbra de 9/9/2009 (Pº 564/07.8PAVCD.P1) o seguinte:
«Acresce que vigorando no âmbito do processo penal o princípio da livre apreciação da prova, com expressa previsão no art. 127º, a impor, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação, tanto mais que sendo a apreciação da prova em primeira instância enriquecida pela oralidade e pela imediação, o tribunal de 1ª instância está obviamente mais bem apetrechado para aquilatar da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos em audiência, pois que teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também e sobretudo o modo como estes foram prestados, já que no processo de formação da convicção do juiz “desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um determinado meio de prova) e mesmo puramente emocionais”, razão pela qual quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum».
Na realidade, ao tribunal de recurso cabe apenas verificar se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar.
«Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração” (Paulo Saragoça da Matta, “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, texto incluído na colectânea “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 253).
Portanto, a prova produzida foi coerentemente valorada.
Se há duas versões dos factos (mesmo que uma delas tenha dois veículos), não é uma maioria matemática que faz escolher a versão verdadeira.
O facto de haver duas afirmações opostas, não conduz necessariamente a uma “dúvida inequívoca”, por força do princípio in dubio pro reo.
Não está em causa a igual valoração de declarações ou depoimentos, mas a valoração de cada um dos meios de prova em função da especial credibilidade que mereçam.
As declarações e depoimentos produzidos em audiência são livremente valoráveis pelo tribunal, não tendo outra limitação, em sede de prova, que não seja a credibilidade que mereçam.
Nem repugna dar-se algo como provado somente com base na prova testemunhal de uma única pessoa.
Voltamos ao Acórdão de 9/9/2009:
«Uma vez verificado que o tribunal recorrido formulou a sua convicção relativamente à matéria de facto com respeito pelos princípios que disciplinam a prova e sem que tenham subsistido dúvidas quanto à autoria dos factos submetidos à sua apreciação, não tem cabimento a invocação do princípio in dubio pro reo, que como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste. O princípio em questão afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal. Contudo no caso dos autos, o tribunal a quo não invocou, na fundamentação da sentença, qualquer dúvida insanável. Bem pelo contrário, a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, indicando clara e coerentemente as razões que fundaram a convicção do tribunal.».
Sabemos que o julgador deve manter-se atento à comunicação verbal mas também à comunicação não verbal.
Se a primeira ainda é susceptível de ser escrutinada pelo tribunal de recurso mediante a audição do gravado (e foi o que se fez nesta sede de recurso), fica impossibilitado de aceder à segunda para complementar e interpretar aquela.
Deste modo, quando a opção do julgador se centra em prova oral, o tribunal de recurso só estará em condições de a sindicar se esta for contrária às regras da experiência, da lógica, dos conhecimentos científicos, ou não tiver qualquer suporte directo ou indirecto nas declarações ou depoimentos prestados.
E repetimos: o juiz pode formar a sua convicção com base em apenas um testemunho (ou numa só declaração), desde que se convença que nele reside a verdade do ocorrido.
Não basta que o recorrente diga que determinados factos estão mal julgados.
É necessário constatar-se esse mal julgado face às provas que especifica e a que o julgador injustificadamente retirou credibilidade.
Atente-se que o art.º 412/3 alínea b) do CPP fala em provas que imponham decisão diversa.
Por isso entendemos que a decisão recorrida só é de alterar quando for evidente que as provas não conduzam àquela, não devendo ser alterada quando perante duas versões, o juiz optou por uma, fundamentando-a devida e racionalmente.
Ao reapreciar-se a prova por declarações, o tribunal de recurso deve, salvo casos de excepção, adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido desde que o seu juízo seja compatível com os critérios de apreciação devidos.
Quer isto significar que não vemos que deva ser alterada a decisão de facto.
Decorre do princípio «in dubio pro reo» que todos os factos relevantes para a decisão desfavoráveis ao arguido que face à prova não possam ser subtraídos à dúvida razoável do julgador não podem dar-se como provados.
Tal princípio tem aplicação no domínio probatório, consequentemente no domínio da decisão de facto, e significa que, em caso de falta de prova sobre um facto, a dúvida se resolve a favor do arguido. Ou seja, «será dado como não provado se desfavorável ao arguido, mas por provado se justificar o facto ou for excludente da culpa».
O princípio só é desrespeitado quando o tribunal colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação dos factos decidir por uma apreciação desfavorável à posição do arguido.
Não ficou o Tribunal da Sertã em estado de dúvida.
E este tribunal de recurso também não, assente que o tribunal recorrido valorou os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objectivos que permitem estabelecer um “substrato racional de fundamentação e convicção”, com o apoio de presunções naturais, “juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido“ – v. g. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 07-01-2004 (Proc. 03P3213 - Rel. Cons. Henriques Gaspar - SJ200401070032133).
Por tal razão, não faz sentido fazer aqui valer e funcionar o princípio constitucional in dubio pro reo.
           
f)- Por todos estes motivos, mantém-se na íntegra o elenco dos factos provados e o elenco dos não provados, só havendo agora que subsumir os factos ao Direito tido por aplicável.

3.3. RECURSO DE DIREITO
a)- Está perfectibilizado o elemento objectivo do tipo de crime em apreço, no que à conduta do recorrente diz respeito?
VEJAMOS a norma incriminadora.
O arguido foi acusado da prática de factos que integram a co-autoria de um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, previsto e punido pelo art. 108º n.º 1 do Decreto-lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro.
Estatui o art. 1.º, do diploma em referência, epigrafado de “jogos de fortuna ou azar”, que “jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”.
Determina, por sua vez, o art. 3.º n.º 1 do mesmo Decreto-lei que a exploração e a prática dos jogos de fortuna ou azar só são permitidas nos casinos existentes, em zonas de jogo permanente ou temporário criadas por decreto-lei ou, fora daqueles, nos casos excepcionados nos artigos 6.º a 8.º.
Por seu lado, o art. 4º, n.º 1, al. f) e g) estabelece que “nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, (.....) jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas – al. f) e (…) jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou de azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte – al. g).”
Finalmente, determina o n.º 1 do art. 108.º do mesmo diploma legal, no capítulo relativo aos ilícitos e sanções, na secção dos crimes, sob a epígrafe “exploração ilícita de jogo”, que “quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados, será punido com prisão até dois anos e multa até 200 dias”.
Quais são, pois, os elementos típicos deste delito?
a) a exploração de jogos de fortuna ou azar;
b) que essa exploração se processe por qualquer forma;
c) a exploração de tais jogos e por tais formas fora dos locais legalmente autorizados;
d) a existência de dolo em qualquer das suas modalidades.
Este jogo desenvolvido pela máquina em causa cabe nesse conceito de fortuna e azar ou será apenas uma modalidade afim[11], passível de apenas corresponder a uma mera contra-ordenação - no âmbito do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, a ilicitude criminal está apenas relacionada com a exploração a prática de jogos de fortuna ou azar (artigos 108.º a 115.º), enquanto as modalidades afins são abrangidas pelo direito de mera ordenação social (artigos 160.º a 163.º)?
Há que chamar aqui à colação o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 4/2010, publicado no DR 1ª série — N.° 46 — 8 de Marco de 2010, que fixou a seguinte jurisprudência[12]:
“Constitui modalidade afim e não jogo de fortuna ou azar, nos termos dos artigos 159.º, n.º 1, 161.º, 162.º e 163.º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público”.

Este AFJ que fixa jurisprudência acerca da questão da qualificação de máquinas de jogo conhecidas por «bolas», que se encontram facilmente em cafés e em bares de colectividades, e que são «máquinas de jogos expostas ao público em cafés, sem autorização da DGJ, máquinas para serem utilizadas pelos frequentadores de tais cafés, nas quais o jogador introduz moeda no manípulo fazendo sair, de forma aleatória, cápsula contendo senhas, ficando o jogador na expectativa de receber um prémio em dinheiro, ou em coisas com valor económico, caso as senhas contidas no interior da cápsula uma, ou mais, tenha escrito um número que seja coincidente com outro inscrito no cartaz, não pagando tais máquinas, directamente, fichas ou moedas».
Fala-se aí de jogos, equiparáveis às tômbolas, rifas e outros jogos.
O STJ, ante acórdãos contraditórios, entendeu uniformizar a jurisprudência, fazendo prevalecer o entendimento segundo o qual o jogo nestas máquinas conhecidas popularmente por «bolas» é uma modalidade afim, e não um jogo de fortuna e azar.
Considera o Supremo que a ratio que preside à proibição genérica de jogos de fortuna e azar, reservando-os ao regime de concessão em estabelecimentos devidamente licenciados - i. e. a prevenção da compulsão do jogo -, não se verifica em relação ao jogo nestas máquinas.
Citando: «Tal [compulsão] não sucede relativamente aos jogos em máquinas automáticas que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas, em que o que se arrisca assume dimensão pouco significativa, pois a expectativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação, ao contrário do que sucede com os jogos de casino, mesmo em máquinas, possibilitando uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente.»
Ora, para a sentença recorrida, a máquina dos autos está longe de poder ser classificada como uma modalidade afim, não sendo, nem de longe nem de perto, similar à máquina objecto do dito acórdão de fixação de jurisprudência. 
Lembremos o sentenciado, neste particular:
«Atentas estas características da máquina e do seu modo de funcionamento, é possível formular algumas conclusões:
- O resultado ou pontuação final da máquina assenta exclusivamente no factor sorte, logo é contingente.
- O prémio – que depende da pontuação obtida através do factor exclusivo sorte – é pago unicamente em dinheiro.
- O modo de obtenção da pontuação é em todo igual ou análogo ao funcionamento do jogo da roleta, com a característica desta máquina se tratar de uma “roleta electrónica”.
Das características da máquina e das conclusões supra enunciadas, com certeza que não estamos perante uma «espécie de rifa, sorteio ou tômbola mecânica».
Entendeu o tribunal recorrido que estava perante uma máquina que cabe inteiramente na definição ou previsão do disposto no artigo 4º, nº 1, alínea g), do Decreto-lei nº422/89, de 2/12, com as alterações do Decreto-lei nº10/95, de 19/01, que a define como: “jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte”.
Para o tribunal recorrido, a máquina dos presentes autos cai no âmbito do conceito supra enunciado de definição de jogo de fortuna ou azar, combinando a fórmula generalizadora do artigo 1.º com a técnica exemplificativa do artigo 4.º, do Decreto-lei nº422/89.
«Ou seja, por meio da primeira, define-se os jogos de fortuna ou azar como sendo «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte» - como é o caso;
Por meio da segunda, tipificam-se exemplificativamente esses jogos – alíneas f) e g).
Pelo que aí se mencionam os «jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas» [alínea f)] e «jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte» [alínea g)].
Decididamente, a máquina em causa cabe na previsão desta alínea g)».
Será assim?
Aludamos ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-10-2010, Proc. 2/07.6FHALM.L1-A.S1, que aborda uma situação de uma máquina em tudo semelhante à dos autos:
Nele se decidiu:
“O jogo da máquina dos presentes autos não tem as características da máquina a que se reportou o supra referido AFJ, o qual apreciou a situação de máquinas de jogos expostas ao público em cafés, sem autorização da DGJ, máquinas para serem utilizadas pelos frequentadores de tais cafés, nas quais o jogador introduz moeda no manípulo fazendo sair, de forma aleatória, cápsula contendo senhas, ficando o jogador na expectativa de receber um prémio em dinheiro, ou em coisas com valor económico, caso as senhas contidas no interior da cápsula uma, ou mais, tenha escrito um número que seja coincidente com outro inscrito no cartaz, não pagando tais máquinas, directamente, ficha ou moedas».
No nosso caso, a máquina tem as seguintes características:
Após a introdução de uma moeda de 0,5 euros (permite uma jogada), 1 euro (permite duas jogadas) ou 2 euros (permite quatro jogadas), inicia-se de imediato a jogada, sem ser necessário pressionar qualquer botão, e automaticamente é disparado um ponto luminoso que percorre num movimento circular uniformemente desacelarado os vários orifícios existentes no mostrador, iluminando-os à sua passagem.
De seguida, e sem que o jogador tenha qualquer interferência, o ponto luminoso inicia o seu movimento giratório animado de grande velocidade que vai perdendo gradualmente até parar ao fim de cinco ou seis voltas, fixando-se aleatoriamente num dos orifícios já mencionados.
Neste ponto duas situações podem acontecer:
- o orifício em que parou o ponto luminoso corresponde a um dos oito identificados pelos números já referidos e, neste caso, o jogador terá direito aos pontos correspondentes, que oscilam entre 1 e 200 pontos, pontos estes que são de imediato visualizados na janela digital já referida, pontos que são posteriormente convertidos em quantias monetárias, à razão de 1 euro por cada ponto;
- o ponto luminoso pára num dos restantes orifícios, sem qualquer referência a pontos, pelo que o jogador não terá direito a qualquer prémio, restando-lhe a hipótese de tentar novamente a sua sorte, introduzindo novas moedas.
O jogador pode receber o prémio correspondente aos pontos ganhos, assim como pode também optar por fazer jogadas com esses pontos, acumulados na já referida janela digital; para o efeito utiliza o botão, situado na parte lateral direita da máquina, que permite efectuar duas jogadas por cada ponto anteriormente ganho.
A máquina aceita um número indeterminado de moedas; cada moeda de 0,50 euros proporciona uma jogada; o ritmo (velocidade) do jogo é rápido e permite ao jogador várias jogadas por minuto.
O objectivo do jogo consiste em conseguir que o ponto luminoso se imobilize num dos orifícios com direito a prémio, sendo que para tal a intervenção do jogador se limita à introdução de uma moeda no mecanismo existente para o efeito.
O jogo apresenta como resultados pontuações que são posteriormente convertidas em dinheiro, à razão de 1 euro por cada ponto, sendo que estas pontuações são dependentes exclusivamente da sorte, não podendo o jogador com a sua intervenção condicionar o resultado final.
A atribuição de pontos é exclusivamente dependente da sorte, não tendo o jogador qualquer intervenção para além de colocar a moeda.

Assim lido o modo de funcionamento da máquina em causa, torna-se claro também para nós que a mesma desenvolve jogos em tudo semelhantes ao modo de operação típico do jogo de roleta, de fortuna e azar, cuja exploração só pode ser realizada em casinos.
O jogador só tem intervenção activa no início do jogo quando coloca a moeda na máquina, não podendo através da sua perícia influenciar o resultado, que fica exclusivamente dependente da sorte ou do acaso, podendo auferir uma vantagem patrimonial de valor variável ou nem sequer auferir qualquer prémio.
A mesma máquina não desenvolve tema de espécie de rifa ou tômbola, independentemente de ser mecânica ou eléctrica.
Ou seja: o jogo na referida máquina apresenta como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte, que se premiadas traduzem-se as mesmas em dinheiro.
Por isso, o jogo da máquina, no nosso caso, é jogo de fortuna ou azar, estando aliás em conformidade com a interpretação legal veiculada no referido AFJ sobre a definição de jogo de fortuna ou azar.
O Acórdão desta Relação de 2/2/2011, citado no recurso, decidiu que «que nenhum jogo que tenha os prémios previamente definidos, ainda que atribua prémios em dinheiro ou desenvolva temas de jogos de fortuna ou azar, integra a classificação de jogos de fortuna ou azar e pode a sua exploração constituir crime».
Ou seja, o que caracteriza tais jogos de fortuna ou azar, embora a lei não o diga, é a natureza indefinida do prémio e a possibilidade de num percurso intermédio o jogador perder tudo o que havia ganho.
Nas máquinas como a descrita nesse aresto, trata-se antes de uma forma de sorteio que tem como característica o conhecimento prévio pelo jogador dos prémios a que se pode habilitar, jogando.
Ora, a nossa máquina não é similar à referida no AFJ e nesse acórdão de Fevereiro de 2011.
CONCLUINDO:
· o critério de distinção entre o ilícito criminal e o ilícito contra-ordenacional tem que ser um critério material, imposto pelo princípio da legalidade e pela função de garantia inerente a cada tipo de crime. E assim, não obstante a formulação genérica constante do artigo 1.º, e da enunciação exemplificativa constante do artigo 4.º, n.º 1, do citado diploma legal, deve entender-se que os jogos de fortuna ou azar são os que se encontram especificados no n.º 1 do artigo 4.º, sem prejuízo de outros que venham a ser autorizados. Todos os demais são modalidades afins.
· Importa, assim, verificar, face ao teor do n.º 1, do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, se a máquina apreendida se inclui em algumas das suas alíneas f) e g).
· Relativamente à alínea f), é a mesma de afastar liminarmente, na medida em que a máquina em questão não pagava directamente prémios em fichas ou em moedas.
· Relativamente à alínea g), como vimos já, o jogo desenvolvido pela máquina depende exclusivamente da sorte. É certo que ela não desenvolve jogo com tema próprio dos jogos de fortuna ou azar, designadamente, algum dos previstos nas alíneas, a) a e), do n.º 1, citado, e também não pagava directamente prémios em fichas ou moedas. Mas, como vem provado, proporcionava o pagamento de prémios em dinheiro, e apenas em dinheiro, embora não directamente. A simples natureza do prémio – dinheiro, directa ou indirectamente, nos jogos de fortuna ou azar, e coisas com valor económico, nas modalidades afins – não é, a nosso ver, critério suficiente para proceder à qualificação.
· Mas o que também se provou é que o jogo desenvolvido pela máquina, independentemente da sua maior ou menor similitude com a roleta, permitia ao jogador ganhar pontos, imediatamente visualizados no mostrador existente, e acumular os respectivos créditos nas várias jogadas ganhadoras efectuadas, pontos que eram convertidos em dinheiro.
· Assim, porque a máquina apreendida não pagava directamente prémios em dinheiro – pagava, como vimos, indirectamente – nem desenvolvia jogo com tema próprio dos de fortuna ou azar, mas apresentava como resultado pontuações dependentes exclusivamente da sorte, entendemos que a mesma se encontra abrangida pela previsão da alínea g), do n.º 1, do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro.
· Lembramos mais uma vez que a máquina apreendida nos autos diverge das que estão na origem do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010, pelas características dos jogos desenvolvidos, razão pela qual aos autos não é aplicável a jurisprudência fixada pelo Acórdão citado[13].
Perante o que acabamos de dizer, dúvidas não restam também que o jogo desenvolvido pela máquina apreendida nestes autos se deve classificar como jogo de fortuna e azar, para estes efeitos criminais.
E SE ASSIM É, então estão perfectibilizados os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime em causa, pelo qual tem de ser punido o arguido em causa.

b)- Resta a medida concreta da pena a aplicar-lhe.
Foi ela exagerada?
Nos termos das normas legais incriminadoras e do disposto no art. 41.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, do Código Penal, o crime em causa É punível da seguinte forma:
- 10 dias a 200 dias de multa, e 1 mês a 2 anos de prisão (arts. 41.º, n.º 1, 47.º, n.º 1, do Código Penal, e demais normas legais incriminadoras).
A pena de multa (principal, ou subsidiária) é fixada (num primeiro momento ou operação) em determinado n.º de dias (atendendo aos critérios da culpa, e das exigências de prevenção geral e especial, à luz dos quais se valoram os concretos factores de medida da pena, nos termos do disposto nos arts. 71.º, n.º 1, ex vi 47.º, n.º 1, do Código Penal – o que sucede com a fixação do n.º de dias de prisão, quando se opta pela pena de prisão, ou só esta é aplicável, a título principal, ou ainda quando também é aplicável, cumulativamente, a título principal, como sucede no presente caso); e cada dia de multa corresponde a uma quantia de 5 a 500 euros, no novo regime, e de 1 a 498,80 euros, no Código Penal anterior à reforma operada pela Lei n.º 57/09, de 4/09, que deve ser fixada em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais (artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal).
No nosso caso, o tribunal aplicou:
- 12 meses de prisão, substituído por 360 dias de multa à taxa diária de € 9 (artigos 43º e 47º do CP);
- E
- 165 dias de multa à mesma taxa,
- OU SEJA, UMA MULTA GLOBAL DE € 4725[14].
A medida concreta da pena de prisão, e/ou do número de dias de multa, deverá ser fixada entre aqueles limites, em função da culpa com que o arguido actuou – e que constitui o limite máximo da pena, nos termos do art. 40.º, n.º 2, do Código Penal – e tendo em atenção as exigências de prevenção de futuros crimes e a reintegração do agente na sociedade, ou seja, as exigências de estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade na validade e vigência das normas violadas (prevenção geral), e de prevenção da reincidência (prevenção especial), na conhecida expressão de ESER, nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 40.º, n.º 1, 47.º, n.º 1, e 71.º, n.º 1, do Código Penal.
No caso, o tribunal raciocinou assim, em termos de circunstâncias agravantes:
· «a ilicitude do crime praticado pelos arguidos é média, estando em causa uma máquina de jogo ilegal, e cujo jogo permitia a obtenção de proventos económicos,
· O dolo dos arguidos é directo e/ou específico em todos os crimes praticados, agora em causa, cujo procedimento penal não se extinguiu por qualquer forma, crimes pelos quais, julgados, devem ser condenados;
· As exigências de prevenção geral positiva associadas ao tipo de criminalidade em causa são muito elevadas, quer ao nível do País, quer sobretudo na Comarca, atenta a frequência com que são violadas as normas jurídico – penais em causa, sendo certo que dos crimes ligados à exploração ilícita de jogo são normalmente associados outro tipo de crimes, em consequência do resultado aditivo e viciante dos mesmos;
· Os arguidos não confessaram os factos dados como provados, nem os crimes de que vinham acusados, e
· Os arguidos não demonstraram qualquer arrependimento pelos factos por si praticados, dados como provados, o que eleva as exigências de prevenção especial quanto a ambos os arguidos;
· O arguido A... tem os antecedentes criminais provados em 13) a 18) (…), sendo esta a 4.ª condenação por crime de exploração ilícita de jogo, cerca de 17 meses depois da condenação no processo 2/01.0TBMMN, e cerca de 8 meses depois da última condenação no processo 1/05.2FDCBR, o que mostra um profundo desrespeito e desconsideração pela advertência das sentenças condenatórias, sendo que a 3.ª condenação pelo mesmo crime já o foi em 8 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, e na pena de 150 dias de multa, o que eleva consideravelmente as exigências de prevenção especial positiva, a ter em devida conta na fixação da medida concreta das penas de prisão, e multa, ao arguido A...».
A favor do recorrente, só existe o seguinte:
- O arguido A... encontra-se inserido familiar, profissional e socialmente, factores a sopesar nas exigências de prevenção especial positiva.
Quanto à taxa diária da multa, justificou-se, assim, o tribunal recorrido:
«Assim, atenta a situação económica e pessoal dos arguidos dada como provada em 20) e 21), decide-se fixar em 8 euros e 9 euros, respectivamente para os arguidos B..., e A..., o montante diário da pena de multa.
Com efeito, tal como reconhece a nossa Jurisprudência superior, de forma a evitar que a pena de multa seja uma forma de absolvição encapotada, devendo preservar-se a sua eficácia enquanto reacção criminal, atentas as exigências de prevenção geral e especial positivas, a que se deve responder em concreto, o quantitativo diário de 5 euros é um quantitativo que um indigente, nos dias de hoje, poderia suportar (cfr., por todos, o AcTRC de 1/02/07, in www.dgsi.pt), quantitativo este que, atentas as recentes alterações legislativas efectuadas ao Código Penal pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, que entrou em vigor em 15 de Setembro de 2007, de acordo com o disposto no art. 13.º da referida Lei n.º 59/2007, constitui hoje e no caso concreto o mínimo legal do quantitativo diário que pode ser fixado ao arguido.
Razão pela qual os arguidos, atenta a sua situação económica e pessoal dada como provada, ou seja, que
(…)
- o arguido A... é casado, e vive em casa própria com a sua esposa, e com filha de 10 anos; o arguido vive do seu trabalho, é empresário de restauração, auferindo desta actividade, a título de lucro, por mês, em média, pelo menos 600 euros; a esposa do arguido é operária fabril, auferindo desta actividade, por mês, a quantia de cerca de 400 euros,
podem perfeitamente suportar por dia o quantitativo diário de 8 euros, e 9 euros, respectivamente».

c)- Vejamos.
Há, pois, divergência quanto à MEDIDA da pena aplicada ao arguido.
O tribunal condenou em 165 dias de multa – poderia ter ido até aos 200 dias -, à taxa diária de € 9, a que acrescem 12 meses de prisão substituídos por 360 dias de multa à mesma taxa .
Entende o recorrente, a título subsidiário, note-se, que o tribunal deveria ter sido menos severo, pedindo a final uma pena menos elevada, sobretudo em sede de multa principal e de quantitativo diário da multa.
QUID IURIS?
            O artigo 71º, n.º 1 do CP estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
O n.º 2 desse normativo estatui que, na determinação da pena, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor e contra ele.
A medida concreta da pena há-de ser, assim, o quantum que é encontrado, de forma intelectual pelo julgador, através do racional e ponderado funcionamento dos conceitos de «culpa» e «prevenção, sendo a culpa o limite inultrapassável da punição concreta e casuística.
Dentro dos limites da moldura penal, há-de ser a culpa que fixa o limite máximo da pena que no caso será aplicada – a finalidade de prevenção geral de integração ou positiva orienta a determinação concreta da pena abaixo do limite máximo indicado pela culpa, aparentando-se mais com a prevenção especial de socialização, sendo esta a determinar, em última instância, a medida final da pena.
A determinação da pena dentro dos limites da moldura penal é um acto de discricionariedade judicial, mas não uma discricionariedade livre como a da autoridade administrativa quando esta tem de eleger, de acordo com critérios de utilidade, entre várias decisões juridicamente equivalentes, mas antes de uma discricionariedade juridicamente vinculada.
O exercício dessa discricionariedade pelo juiz na individualização da pena depende de princípios individualizadores em parte não escritos, que se inferem dos fins das penas em relação com os dados da individualização - trata-se da aplicação do DIREITO e, como acontece com qualquer outra operação nesse domínio, “mesclam-se a discricionariedade e vinculação, com recurso a regras de direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, actos cognitivos e puras valorações” (SIMAS SANTOS).
Neste domínio, o julgador tem de traduzir numa certa quantidade (exacta) de pena os critérios jurídicos de determinação dessa mesma pena...
Ora, no caso vertente, o dolo é directo.
            No que concerne às exigências de prevenção especial, há que considerar o facto de o arguido não ser primário em termos desta criminalidade ou de qualquer outra, tendo tido a sua 3ª condenação por igual delito em Fevereiro de 2007, poucos meses antes da autuação por este processo.
            Como tal, parece-nos que a pena de 165 dias de multa – acima dos 150 da 3ª condenação - é adequada a esta condenação por facto nitidamente ilícito e censurável, assente que é deplorável a forma como se vai praticando crimes desta natureza, sem qualquer pudor em total desrespeito pelas anteriores condenações judiciais.
            Quanto à prisão, relativamente à anterior condenação, sobe-se de 8 para 12 meses, o que nos parece correcto e adequado, mantendo-se a substituição por multa, o que já constitui uma «benesse» a que o arguido já não deveria ter direito…
Como tal, não merece provimento o recurso intentado pelo arguido na medida em que não iremos tocar nos dias de multa e na pena de prisão a substituir por multa.

d)- E a taxa diária de € 9?
No que se reporta à fixação do quantitativo diário da multa, deve ser em função da situação económico-financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, correspondendo cada dia a uma quantia entre € 5 e € 500, nos termos do artigo 47º/2 Código Penal.
Por seu lado, o nº. 3 desta norma prevê a possibilidade de o tribunal autorizar o pagamento da multa em prestações, sempre que a situação económica e financeira do condenado, o justifique.
«A amplitude estabelecida naquela norma, quanto ao quantitativo diário da multa, visa eliminar ou pelo menos esbater as diferenças do sacrifício que o seu pagamento implica entre os arguidos possuidores de diferentes meios de a solver» (cf. Acórdão do STJ de 2.10.97, in CJ - Supremo, Tomo V, 184, citando o Conselheiro Maia Gonçalves).
Como critério que deve ser tomado em conta na determinação da condição económica e financeira do condenado, deve atender-se ao maior campo possível de eleição de factores relevantes.
Deverá atender-se à totalidade dos rendimentos próprios, qualquer que seja a fonte, como seguro é, que àqueles rendimentos devem ser deduzidos os gastos e encargos, sendo ainda legítimo tomar em linha de conta rendimentos e encargos futuros, mas já previsíveis no momento da condenação (vg. o caso de um desempregado que dentro de alguns dias assumirá um posto de trabalho).
Também se deverão atender aos deveres jurídicos de assistência que incumbam ao condenado, no quadro familiar, nomeadamente a obrigação de prestar alimentos e de contribuição para os encargos da vida familiar (artigo 1675º do Código Civil).
Já quanto a outras obrigações voluntariamente assumidas, não podendo ser todas elas tomadas em consideração, sob pena de se colocar em perigo o efeito geral-preventivo, que desta pena se espera, deve o juiz guiar-se por critérios de razoabilidade e de exigibilidade na sua ponderação.
O montante diário da pena de multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado, por forma a fazê-lo sentir de maneira assaz veemente esse juízo de censura, assim se assegurando a função preventiva que qualquer pena envolve, sem todavia, deixar de assegurar ao condenado um mínimo de rendimento para que possa fazer face às suas despesas e do seu agregado familiar” (cf. Ac. RC de 17.4.2002, in CJ, II, 57).
O próprio Prof. Figueiredo Dias defende que «pode tornar-se difícil ao Juiz obter prova sobre os elementos necessários à correcta determinação do quantitativo diário da multa, tanto mais que o arguido pode socorrer-se, legitimamente, do seu direito aos silêncio e que face a uma tal situação, o Juiz deve fazer uso dos seus poderes de investigação oficiosa, com vista a determinar, ao menos, os factores essenciais de fixação daquele quantitativo diário, com observância, naturalmente, das regras gerais de produção de prova aplicáveis (artigos 340º/1 e 2 e 371º C P Penal); se se tornar inevitável, o juiz determinará aqueles factores por estimativa – prova por presunção natural - fundamentando-a sempre e fazendo constar tudo da sentença”.
Fazer uma estimativa, implica fazer uma avaliação, o cálculo aproximado a respeito de algo, com base em evidências existentes.
A jurisprudência vem entendendo que "só em situações muito excepcionais de fraquíssima capacidade económica (quase absoluta indigência) que não é a do arguido, poderá actualmente justificar-se a fixação de uma taxa diária de multa inferior a 5 euros".
No caso, entendeu-se aplicar uma taxa diária de € 9 (o mínimo seria € 5 e não € 1, como insinua o recorrente, na medida em que a este autos já é aplicável[15] a nova redacção do CP, posterior à Lei 59/2007, entrado em vigor em 15/9/2007).
Ora, os dados apurados são suficientes para que o tribunal ajuíze da justeza ou injustiça do sentenciado neste jaez – in casu, parece-nos que a quantia de € 9 é bastante razoável e ponderada, não sendo de seguir a posição do arguido (querendo uma taxa de € 4), na medida em que, morando em casa própria, a verdade é que o condenado trabalha e ganha um salário mensal na ordem dos € 600, a que acresce o salário da mulher, salários que estão longe de serem considerados «indigentes».
Se se aplicasse a este arguido o mínimo legal (€ 5), pergunta-se, então, o que se deveria aplicar a um indigente desempregado e vivendo à custa da caridade alheia? A mesma quantia? Não seria justo, como é bem de ver…
Por uma questão de justiça relativa, a quantia diária de € 9 é adequada ao quadro económico-familiar em que se envolve a existência do arguido recorrente (lembremo-nos que no Pº 1/05.2FDCBR, com decisão desta Relação de 1/12/2007, a taxa aplicável a este mesmo arguido baixou de € 20 para € 12,5, não fazendo qualquer sentido descer agora os € 9 encontrados).

3.5. Improcedem, assim, as conclusões deste recurso, não sem antes dizermos ainda que, como vem repetidamente acentuando o Tribunal Constitucional, a suscitação da questão de inconstitucionalidade tem de traduzir-se numa alegação na qual se indique a norma ou dimensão normativa que se tem por inconstitucional e se problematize a questão da validade constitucional da norma (dimensão normativa) através da invocação de um juízo de antítese entre a norma/dimensão normativa e o(s) parâmetro(s) constitucional(ais), indicando-se, pelo menos, as normas ou princípios constitucionais que a norma sindicanda viola ou afronta - ora, no caso dos autos, o arguido não cumpriu cabalmente esse ónus, limitando-se a referir a violação, pela sentença recorrida, do artigo 32º da Constituição (cfr. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 146/2010, de 14/04/2010).

            III – DISPOSITIVO
           
1. Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em julgar não provido o recurso intentado por A..., mantendo na íntegra a sentença recorrida.

            2. Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UCs [artigos 513º/1 do CPP e 87º, n.º 1, alínea b) do CCJ, ainda aplicável aos autos].

Paulo Guerra (Relator)

Alberto Mira


[1] O outro arguido condenado – B... – não recorreu da sentença.
[2] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»).
[3] E sem necessidade de qualquer transcrição de prova, face à nova letra do artigo 412º/4 e 6 do CPP.
[4] Cf. Acórdão da Relação do Porto de 11/7/2001, processo n.º 01110407, lido em www.dgsi.pt/trp.
[5] Em matéria de vícios previstos no art. 410.º n.º 2 do CPP cumprirá desde já dizer que, apesar de tudo o que tem sido dito e redito pacificamente na jurisprudência e na doutrina, continua a ignorar-se o melhor desses ensinamentos e a trazer aos recursos sempre o mesmo tipo de argumentação quanto à tipificação desses vícios. Confunde-se sistematicamente o da al. a) (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada) com problemas de insuficiência de prova; confunde-se o da al. b) - (contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão) - com o da errada convicção do tribunal ou com a insuficiente convicção ou mesmo com a insuficiente fundamentação; e o da al. c) - (erro notório da apreciação da prova) - com o problema da livre convicção do tribunal na apreciação das provas a tal sujeitas ou com o da errada ou insuficiente apreciação do valor delas.
E, para cúmulo dos cúmulos, só raramente se não faz tábua rasa da invocação de vícios fora do quadro resultante do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência.

[6] Cfr. ainda Michele Taruffo, La Prueba de los Hechos, Editorial Trotta, SEPS 2002, p. 455-456 – aí se deixa opinado que «la prueba podrá definirse como directa o indirecta en función de la relácion que se dé entre el hecho a probar y el objeto de la prueba. Se está ante una prueba directa cuando las dos enunciaciones tienen por objeto el mismo hecho, es decir, cuando la prueba versa sobre el hecho principal. Por tanto, es prueba directa aquella que versa directamente sobre el hecho a probar. En cambio, se estará ante una prueba indirecta cuando esta situación no se produzca, es decir, cuando el objeto de la prueba este constituído por um hecho distinto de aquel que debe ser probado por ser juridicamente relevante a los efectos de la decisión».
[7] A propósito de prova por regras de experiência e por presunções, leia-se o douto Acórdão da Relação de Coimbra de 6/1/2010 (25/07.5IDCBR.C1):
«Relevantes, no domínio probatório, para além dos meios de prova directos, são os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções.
O artigo 349.º do Código Civil prescreve que «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido», sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351.º do mesmo diploma).
No plano de análise em que nos movemos, importam as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquiri um facto desconhecido.
«Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (ou de uma prova de primeira aparência)».

As presunções simples ou naturais são simples meios de convicção, pois que se encontram na base de qualquer juízo. O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções.
As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto.
Como é referido no Ac. do STJ de 07-01-2004
[10], «na passagem de um facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.(…)
A ilação decorrente de uma presunção natural não pode, pois, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penam em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.
Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de descontinuidade, e sem relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência experimental típica determina um corte na continuidade do raciocínio e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões».
Em suma, nos parâmetros expostos, a apreciação da prova engloba não apenas os factos probandos apresáveis por prova directa, mas também os factos indiciários, factos interlocutórios ou habilitantes, no sentido de factos que, por deduções e induções objectiváveis a partir deles e tendo por base as referidas regras da experiência, conduzem á prova indirecta daqueles outros factos que constituem o tema de prova. Tudo a partir de um processo lógico-racional que envolve, naturalmente, também elementos subjectivos, inevitáveis no agir e pensar humano, que importa reconhecer, com consistência e maturidade, no sentido de prevenir a arbitrariedade e, ao contrário, permitir que actuem como instrumento de perspicácia e prudência na busca da verdade processualmente possível».
[8] Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 13.12.2006, Processo-0615421 - «A credibilidade de um depoimento afere-se pela sua razão de ciência. A fonte de conhecimento dos factos é um elemento da maior relevância para a apreciação da força probatória do depoimento.
Em regra, a testemunha depõe sobre factos, pertinentes ao objecto da prova e dos quais possua conhecimento directo (cfr. art. 128º). O que bem se compreende dadas as exigências próprias dos princípios de imediação, de igualdade de armas e da regra da cross-examination.
Aliás, são estas mesmas exigências que justificam que, também em regra, o depoimento indirecto não possa ser eficaz como meio de prova, a menos que se verifiquem determinados condicionalismos. Desde logo, terá de resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, sendo que as vozes ou rumores públicos se encontram expressamente afastados pelo nº 1 do art. 130º do C. Penal. Em segundo lugar, é conditio sine qua non para que possa ser valorado, que o juiz chame a depor a pessoa a quem a testemunha ouviu relatar os factos que transmite ao tribunal. No entanto, e procurando algum equilíbrio entre os princípios acima aludidos, prevê a lei uma excepção a esta regra, decorrente da impossibilidade de ouvir as pessoas indicadas.
Impossibilidade essa que terá de se enquadrar numa das hipóteses taxativamente enumeradas: a morte, a anomalia psíquica ou a impossibilidade de encontrar aquelas pessoas. É o que resulta da disciplina estabelecida no nº 1 do art. 129º do C. Penal que, assim, contém uma proibição não absoluta do depoimento testemunhal indirecto.
A verificação das duas hipóteses enumeradas em primeiro lugar não sofrerá grandes dúvidas, pois nestes casos a impossibilidade é absoluta; já o mesmo se não dirá em relação à impossibilidade de encontrar as pessoas indicadas.
Terá essa impossibilidade de ser absoluta, no sentido de que, esgotadas todas as diligências tendentes a encontrá-las, nem mesmo assim foi possível determinar o seu paradeiro? Ou bastar-se-á a lei com uma impossibilidade relativa, decorrente do insucesso das diligências efectuadas para as encontrar no local onde era suposto que deviam estar, insucesso esse que permite antever que só a muito custo (ou, quiçá, nem mesmo assim) elas serão encontradas? Inclinamo-nos para a admissibilidade da impossibilidade relativa, desde que, obviamente, hajam sido efectuadas as diligências que, no caso concreto e atentos os seus condicionalismos, se apresentavam como razoáveis».

[9] Veja-se ainda o Acórdão desta Relação de 30/3/2011, que opinou o seguinte:
«Pressupostos do direito ao silêncio são a existência de um inquérito e a condição de arguido. A partir da aquisição dessa qualidade, este assume um estatuto próprio, com direitos e deveres e, entre aqueles, o direito de não se auto-incriminar. Daí que as suas declarações só possam ser recolhidas e valoradas nos precisos termos legais, não detendo validade probatória as “conversas informais”.
Em fase anterior, não há ainda inquérito instaurado, não existem ainda arguidos constituídos.
As informações que forem então recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.
Situação assaz diversa se verifica em relação às “conversas informais” ocorridas no decurso do inquérito, quando há arguido constituído, e se pretende com as mesmas suprir o silêncio daquele por depoimentos de agentes de polícia».
[10] Neste aspecto, este ponto é decisivo - afirma o recorrente que a indicação do telemóvel do arguido é de 01/10/07, a apreensão de 05/10/07, e que a máquina foi lá colocada ‘cerca de 4 meses antes’, não havendo segurança de que tal n.° pertencia efectivamente ao arguido, pelo menos só com base em tal informação.
Como bem afere o tribunal recorrido, no despacho de fls 613-614, é o arguido que “extrai conclusões para além da prova produzida”, em vez do Tribunal, quando afirma que não há segurança, genericamente, nos números de telefone, etc.
Da prova directa produzida e/ou examinada em audiência de discussão e julgamento resulta que, precisamente em 05/10/07, data da apreensão, quando a GNR perguntou ao arguido B...quem era o proprietário da máquina, este lhes disse, em 05/10/07, que era a pessoa com quem (nessa altura) falava ao referido telemóvel, não havendo dúvidas que, nessa data, o titular do telemóvel era o arguido A..., com quem o arguido nessa altura falava, e que era o mesmo proprietário da máquina, colocada meses antes.
Ou seja, sem dúvidas.

[11] No que concerne às modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, o artigo 159.º, n.º 1, do mesmo diploma define-as nos seguintes termos:
«Modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico».
Também aqui o legislador enunciou, de forma igualmente exemplificativa, as modalidades afins, fazendo-o no n.º 2 do mesmo artigo, como tal considerando, rifas, tômbolas, sorteios, concursos  publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos.
[12] Recordemos AQUI o que se escreveu no Acórdão da Relação do Porto de 25/5/2011 (Pº 34/09.0FAPRT.P1), a propósito deste AFJ e numa situação de uma máquina idêntica à nossa, considerada como a desenvolver um jogo de fortuna ou azar:
«De todo o modo, mostra-se o teor deste acórdão de relevante interesse para a apreciação da concreta questão suscitada pela recorrente, uma vez que no mesmo se aprecia de uma forma bastante desenvolvida toda a problemática inerente à classificação de várias máquinas de jogo como sendo de fortuna ou azar ou apenas modalidades afins.
É ainda tal acórdão uma clara manifestação da dificuldade de interpretação dos preceitos legais que regulam esta matéria e da divergência que ainda reina na jurisprudência sobre o enquadramento jurídico de muitas das máquinas de jogo que proliferam por vários recantos deste país, em cafés ou bares,essencialmente.
Dificuldade que continua a ser crescente uma vez que a evolução tecnológica e a imaginação humana são férteis, em cada dia que passa, apresentar no mercado novas máquinas com características diferentes das anteriores, com novos modos de funcionamento, formas diferentes de atribuição de prémios e ingredientes para estimular o cidadão a nelas jogar.

A que se soma o facto de a lei actualmente em vigor, em vez de simplificar na evolução que tem havido nesta matéria, apenas tem vindo a criar dificuldades acrescidas na definição de critérios para a respectiva subsunção jurídica».
[13] Cfr. ainda Acórdão da Relação de Lisboa de 5/4/2011 (Pº 728/06.1GBVFX.L1-5).
[14] Com efeito, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, do Código Penal “a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.”
Estipula o artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que “enquanto vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisão e multa, sempre que a pena de prisão for substituída por multa, será aplicada uma só pena equivalente à soma da multa directamente imposta e da que resultar da substituição da prisão”.
De acordo com o n.º 2 da mesma norma legal, “é aplicável o regime previsto no artigo 49.º do Código penal à multa única resultante do que dispõe o número anterior, sempre que se tratar de multa em tempo”.

[15] A fiscalização ocorreu em 5/10/2007, posterior a 1 de Setembro de 2007.