Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
291/09.1T2AND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 09/25/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE GRANDE INST. CÍVEL DE ANADIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTºS 496º E 562º DO C. CIVIL
Sumário: I – Para os pais, a morte de um filho jovem, em consequência de um trágico acidente de viação imputável a um terceiro, constitui uma forma extrema, um verdadeiro paroxismo, da intensidade de um dano não patrimonial.
II – Neste sentido, a fixação de uma indemnização relativa a tal dano terá de envolver um montante objectivamente significativo, poderemos mesmo dizer avultado, para que possamos considerar essa indemnização com um real significado compensatório relativamente aos lesados.
III – A supressão do dano patrimonial, consistente em estragos produzidos num veículo, através do pagamento ao lesado do custo da reparação desse veículo (reparação que foi considerada viável) constitui a forma normal e adequada de assegurar o princípio geral, expresso no artigo 562º do CC, da reparação do dano pela reconstituição da situação que existiria não fora o evento desencadeador da obrigação de reparar.
IV – Assim, não é adequado, sem a verificação de qualquer das situações indicadas no artigo 566º, nº 1 do CC (não ser possível a reparação; esta não reparar integralmente o dano ou ser excessivamente onerosa para o devedor), determinar que a indemnização ocorra pelo valor venal do veículo, subtraído o valor dos salvados.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa


            1. Em 4 de Maio de 2009[1], P… e mulher, M… (AA. e aqui Apelantes), demandaram a seguradora A, Companhia de Seguros, S. A. (R. e aqui Apelada), referindo-se a um grave acidente de viação ocorrido no dia 08/07/2007, na EN 1, próximo de Águeda, evento do qual resultou o falecimento do filho dos AA., G… (nascido em 03/12/1982, tinha 24 anos de idade), condutor nessa circunstância de um motociclo (…-CA-…) que embateu no ligeiro de passageiros …-…-EQ (veículo segurado pela R. e na ocasião conduzido por F…), quando este último, atravessando-se repentinamente na faixa de rodagem onde ambos circulavam no mesmo sentido (o EQ à frente), lhe cortou (ao 81) a trajectória provocando o embate fatal para o filho dos AA.

            Porque o acidente resultou – afirmam-no os AA. – de culpa exclusiva do condutor do EQ, desencadeando a responsabilidade civil extracontratual deste condutor (e porque a R. cobria os riscos inerentes à circulação do EQ), formulam os AA., a título de indemnização, um pedido global de €147.050,01[2].

            1.1. A R. contestou excluindo a culpa do condutor do EQ e, consequentemente, a respectiva obrigação de indemnizar, pugnando pela sua absolvição do pedido.

            1.2. Realizou-se o julgamento documentado a fls. 208/212, findo o qual, fixados que foram os factos provados por referência à base instrutória (através do despacho de fls. 215/219), foi a acção decidida pela Sentença de fls. 221/229 – esta consubstancia o pronunciamento decisório objecto do presente recurso – a qual julgou a acção parcialmente procedente, condenando a R. a pagar aos AA. a quantia de €100.000,00 (€60.000,00 de dano morte e €20.000,00 de danos não patrimoniais para cada um dos AA.) e €4.983,00 (danos patrimoniais).

            1.3. Inconformados com a fixação dos respectivos danos não patrimoniais[3] e com o critério da Sentença atinente à fixação do dano patrimonial[4], apelaram os AA., concluindo o seguinte, a rematar a motivação do recurso:
“[…]
            [transcrição de fls. 241/243].


II – Fundamentação

            2. Relatado o essencial do iter processual que conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da apelação, tendo em conta que as conclusões formuladas pelos Apelantes – acabámos de as transcrever no item anterior – operaram a delimitação temática do objecto do recurso, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)[5]. Com efeito, fora das conclusões só valem, em qualquer recurso, questões que se configurem como de conhecimento oficioso (di-lo o trecho final do artigo 660º, nº 2 do CPC). Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas. E, enfim, esgotando nestas indicações preambulares o modelo de construção do objecto de um recurso, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões fundamentos) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

            2.1. Ora, vistas as conclusões, deparamo-nos com uma impugnação que aceita os factos fixados na primeira instância. São eles, pois, transcritos do texto da Sentença, os seguintes:
“[…]
            [transcrição de fls. 222/224].

            2.2. O recurso, como acima se disse, pressupõe estes factos e refere-se a dois itens indemnizatórios em concreto[6]: (a) o montante dos danos não patrimoniais dos AA., que estes reputam de liquidados num valor inferior à avaliação equitativa da respectiva gravidade; (b) o valor dos danos patrimoniais reportados aos estragos do veículo de duas rodas pertencente à vítima mortal, entendendo os Apelantes que a circunstância de a reparação deste ser viável conduziria à indemnização referida ao valor dessa reparação (e não ao valor venal descontado o valor dos salvados, conforme optou a Sentença).

            São estas, pois, as duas questões que aqui importa tratar, desde já se adiantando que assiste, em qualquer dos casos, razão aos Apelantes.

            2.2.1. (a) Quanto ao primeiro fundamento, aos danos não patrimoniais dos Apelantes respeitantes à trágica perda de um filho de 24 anos de idade, interessa-nos, na avaliação desse dano, desde logo, o que consta do item 21 dos factos. Todavia, em acréscimo a essa verdadeira expressão do que é óbvio – que “[…] sofreram [os Apelantes com a perda do filho] uma dor profunda e inconsolável, que ainda hoje permanece e não desaparecerá nunca” –, vale o demais “óbvio” que este Tribunal, na caracterização da magnitude desse dano, pode convocar, recorrendo às chamadas “presunções judiciais” ou “naturais”, enquanto asserções fácticas ancoradas em regras da experiencia e de valoração de acontecimentos comummente aceites, nos termos em que o artigo 351º do Código Civil autoriza este tipo de aproximação à realidade. Ora, neste sentido, podemos caracterizar a morte de um filho jovem – aqui a morte trágica e inesperada de um jovem de 24 anos, cheio de vitalidade e com um futuro promissor, que partilhava a empresa do pai e que faleceu sem deixar descendência –, como representando um imenso dano não patrimonial, indutor de um sofrimento psicológico extremo para os Apelantes.

Com efeito, parece-nos evidente que, em qualquer caso, a circunstância dos pais terem de enterrar um filho jovem, traduz uma inversão da ordem natural das coisas, do ciclo natural da vida (que é os filhos enterrarem os pais), tratando-se, pois, de um acto paradigmaticamente anti-natural. Neste sentido e sem grande necessidade de elaboração sobre o assunto, estamos perante uma fatalidade que acarreta um sofrimento muito difícil de ultrapassar – se acaso é possível superar uma situação destas –, ao qual, para além da dor imensa contemporânea do evento em si mesmo, sempre acrescerá a incidência desvaliosa de qualquer circunstância futura potenciar, por muito que se procure evitá-lo, a reactivação, pela ausência da pessoa, de uma dolorosa memória traumática dessa ausência como elemento perpetuador do dano: tudo tenderá a lembrar a ausência do filho tragicamente morto e à elaboração pelos lesados numa perspectiva de pensamento contrafactual – “se ele estivesse aqui…”[7] – indutor de um processo de sofrimento sempre renovado.

É que os filhos, de alguma forma, são os próprios pais, no sentido em que, com o tempo – e nem é preciso muito tempo – e não obstante as vicissitudes da vida, estes (os pais) passam a projectar-se neles (nos filhos), sendo neles ou através deles que passam a perspectivar o sentido da sua existência. A morte de um filho funciona assim, como a caracterizámos, enquanto amputação traumática do futuro dos pais e como uma verdadeira expressão paroxistica do que traduzirá a dimensão mais cruel de um dano com esta natureza: a sua constante presença[8].

Estamos, obviamente, no domínio inquestionável da relevância objectiva que o artigo 496º, nº 1 confere à supressão de situações vantajosas juridicamente tuteladas (danos) insusceptíveis de avaliação pecuniária, enquanto fonte de um dever de indemnizar estruturado por compensação[9], tendo presente o critério legal (o artigo 496º, nº 4 do CC) da fixação equitativa ponderada em função das circunstâncias concretas atinentes ao dano. Este – o dano não patrimonial dos Apelantes aqui valorado – expressa um grau de intensidade tal que nos parece particularmente desajustada a redução sem qualquer justificação que a Sentença operou relativamente ao valor inicial proposto pelos AA., sendo certo que tal valor (€30.000,00 para cada um) estava bem longe de corresponder a uma avaliação desproporcionada da magnitude do dano a considerar. Compreendemos a dificuldade de avaliar e, principalmente, de expressar em dinheiro a dor e o sofrimento psicológico alheio, mas entendemos que neste caso – dano não patrimonial dos pais pela morte trágica de um filho jovem – deve existir, não estando em causa a indicação pelos lesados de valores absolutamente desproporcionados (e aqui não estão), uma tendencial aproximação à quantificação do dano indicada pelos próprios, evitando-se reduções a esse valor sem uma base racional sólida de fundamentação de um valor alternativo[10]. Em qualquer caso, entendemos que o montante indemnizatório a fixar numa situação deste tipo terá necessariamente de referir-se a um valor significativo – diríamos mesmo, particularmente significativo –, de modo que, através desse valor, possa entender-se estar em causa a referenciação compensatória de um tipo de dano de grande magnitude. Deve esse valor ser, pois, objectivamente avultado.

É comum na nossa doutrina a crítica “[à] extrema parcimónia com que a jurisprudência tradicionalmente fixa a indemnização por danos não patrimoniais […]”[11]. António Menezes Cordeiro refere esta tendência para a subavaliação deste tipo de dano (fundamentando exaustivamente esta asserção através de diversos exemplos) como uma verdadeira “série negra” ou “página negra” da nossa jurisprudência que carece de uma urgente correcção[12]. Todavia, seria injusto não sublinhar aqui a existência de relevantes precedentes persuasivos do Supremo Tribunal de Justiça fornecendo uma expressiva orientação geral à primeira e segunda instâncias bem distinta desse verdadeiro “miserabilismo indemnizatório” na avaliação do dano não patrimonial[13]. Trata-se, com efeito, ao fixar uma indemnização deste tipo, de encontrar, aproximativamente ou por equivalência, mas sempre em termos que se possam encarar como expressivos, um quantitativo que importe para o lesado algum tipo de compensação aferida pela magnitude do dano, proporcionando-lhe, através de um acréscimo patrimonial (de um maior desafogo financeiro, se quisermos expressar as coisas assim), algum tipo de efeito positivamente antagonista dos elementos desvaliosos que este dano pretende ressarcir.

É neste sentido que consideramos não justificada a redução do dano não patrimonial dos Apelantes operada na Sentença e, nesse sentido, tendo presente o valor por eles indicado neste recurso (€27.500,00 para cada um), atenderemos este fundamento da apelação, fixando para cada um dos AA. esse mesmo valor, que nos parece perfeitamente proporcional, como o correspondente ao dano não patrimonial resultante da morte do filho em consequência do acidente de viação imputável ao condutor do veículo abrangido pelo seguro contratado com a R.

2.2.2. (b) Interessa-nos agora o segundo fundamento da apelação, referido aos danos patrimoniais traduzidos nos estragos provocados no motociclo propriedade da vítima mortal em função do embate em que se materializou o acidente. A Sentença apelada, de novo sem uma justificação cabal da respectiva opção (v. nota 5 supra), considerou ser de atribuir aos Apelados a média do valor venal do veículo (€9.750,00) descontando-lhe o valor dos salvados (€4.767,00), fixando assim a indemnização do dano patrimonial em €4.983,00.

Sucede, porém, que se apurou em julgamento (item 22 dos factos) que a reparação do veículo sinistrado importa em €7.229,70, com IVA, valor que, sendo inferior ao valor venal, é aquele através do qual se materializa mais adequadamente o princípio indemnizatório geral da reconstituição da situação anterior ao evento que desencadeia a obrigação de reparar (artigo 562º do CC), aqui na forma de atribuição ao lesado do valor necessário à efectivação dessa restauração natural do bem danificado. Com efeito, sendo correcta a opção pela atribuição ao lesado da quantia necessária à reparação (ainda como referida a uma forma sui generis, mas comummente aceite, de restauração do bem através da supressão do dano), e sendo factível essa reparação, a qual é aqui, aliás, pressuposta como possível no elenco fáctico[14], sendo assim as coisas neste caso, não vemos, e basta a simples comparação dos valores envolvidos, como se poderá sustentar – e parafraseamos aqui as incidências elencadas no artigo 566º, nº 1 do CC – que a reconstituição natural não é possível, não repara integralmente o dano ou que é excessivamente onerosa para o devedor[15]. É que, só com base na constatação no caso concreto de alguma destas incidências – e nenhuma delas foi dada por verificada – poderia o Tribunal a quo optar pela indemnização pelo valor venal.

Vale isto, pois, pela afirmação da procedência deste segundo fundamento do recurso, devendo em função disso fixar-se a indemnização relativa aos danos patrimoniais em €7.229,70, importância que corresponde ao valor da reparação do veículo sinistrado. Esta foi (é) a opção dos lesados e não há razão legal, fora da previsão do nº 1 do artigo 566º do CC, para ignorar essa opção.

2.3. Esgotada a apreciação de ambos os fundamentos do recurso, procedendo em ambos os casos a pretensão dos Apelantes, haverá que acrescentar à condenação respeitante ao dano morte (€60.000,00) – enquanto elemento não abrangido pelo recurso – os dois valores aqui considerados [(€27.500,00 x 2) €55.000,00 + €7.229,70 = €62.229,70], totalizando assim a indemnização global o valor de €122.229,70[16].

Será este o valor a considerar na decisão deste recurso, depois de se formular o sumário do antecedente percurso argumentativo, conforme constitui encargo imposto ao relator pelo artigo 713º, nº 7 do CPC:
I – Para os pais, a morte de um filho jovem em consequência de um trágico acidente de viação imputável a um terceiro, constitui uma forma extrema, um verdadeiro paroxismo, da intensidade de um dano não patrimonial;
II – Neste sentido, a fixação de uma indemnização relativa a tal dano terá de envolver um montante objectivamente significativo, poderemos mesmo dizer avultado, para que possamos considerar essa indemnização com um real significado compensatório relativamente aos lesados;
III – A supressão do dano patrimonial, consistente em estragos produzidos num veículo, através do pagamento ao lesado do custo da reparação desse veículo (reparação que foi considerada viável) constitui a forma normal e adequada de assegurar o princípio geral, expresso no artigo 562º do CC, da reparação do dano pela reconstituição da situação que existiria não fora o evento desencadeador da obrigação de reparar;
IV – Assim, não é adequado, sem a verificação de qualquer das situações indicadas no artigo 566º, nº 1 do CC (não ser possível a reparação; esta não reparar integralmente o dano ou ser excessivamente onerosa para o devedor), determinar que a indemnização ocorra pelo valor venal do veículo, subtraído o valor dos salvados. 


III – Decisão

            3. Assim, na procedência da apelação, alterando-se os pertinente trechos da Sentença, condena-se a R. A…, Companhia de Seguros, S. A., a satisfazer aos AA., P… e M…, a título de indemnização, a quantia de €122.229,70, com a obrigação de juros conexa nos termos indicados na Sentença recorrida a fls. 229.

            As custas na primeira instância ficam a cargo da R. (90%) e dos AA. (10%) e na segunda instância (ou seja, as custas da apelação) ficam integralmente a cargo da R./Apelada.


Tribunal da Relação de Coimbra, recurso julgado em audiência na sessão desta 3ª Secção Cível realizada no dia 25/09/2012 

(J. A. Teles Pereira)
(Manuel Capelo)
(Jacinto Meca)


[1] Esta data – a da instauração da acção – conduz à aplicação do regime de recursos decorrente da reforma introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Pela mesma razão, qualquer disposição do Código de Processo Civil adiante referida, cujo texto tenha sido alterado pelo indicado DL 303/2007, sê-lo-á na versão resultante deste Diploma.
[2] Corresponde este valor global aos seguintes elementos parcelares: €75.000,00 respeitantes ao dano morte; €60.000,00 (€30.000,00x2) de danos não patrimoniais dos AA.; €12.050,01 de danos patrimoniais referentes à inutilização do motociclo 81.
Aqui transcrevemos da petição inicial a caracterização do valor de cada um destes itens indemnizatórios:
“[…]


28.º

O direito à vida do infeliz G…, cerceado assim abruptamente numa idade em que todos os sonhos são possíveis, não pode nem deve estimar-se em quantia inferior a €75.000,00.

29.º

Com a morte daquele seu ente querido, sofreram os AA. uma dor profunda e inconsolável, que ainda hoje permanece e não deixará nunca de desaparecer, danos não patrimoniais que, atentas as circunstâncias concretas, não deverão computar-se em quantia inferior a €60.000,00 à razão de €30.000,00 para cada um deles.

30.º

A título de despesas do funeral gastaram os AA. a quantia de 2.229 euros tendo sido reembolsados pela Segurança Social, razão pela qual não se pede aqui tal quantia – cfr. doc. n.º 7.

31.º

Como consequência necessária e directa do embate, sofreu o motociclo “CA” em que a vítima seguia danos cujo conserto importava, à data do acidente, em montante superior ao seu valor, que era exactamente o de €12.050,01.

32º

Pois encontra-se em estado de nova, já que tinha sido adquirida menos de um ano antes do acidente – cfr. doc. n.º 8.

33.º

O dano patrimonial a que se refere a matéria articulada em 31.º do presente articulado ascende assim ao montante global de €12.050,01.
[…]” [transcrição de fls. 9/10].
[3] A quantificação desta dimensão do dano foi justificada no texto da Sentença nos seguintes termos:
“[…]

Quanto aos danos morais sofridos pelos Autores, sabemos, como é natural, que sendo pais do falecido Paulo Anselmo sofreram, com a morte do filho, uma dor profunda e inconsolável, que ainda hoje permanece e não desaparecerá nunca.

Pese embora a extraordinária dificuldade na quantificação desta dor, entendemos que será razoável fixar um mesmo valor indemnizatório a cada um dos progenitores que, tendo em conta que o falecido ainda vivia com os pais, se afigura adequado fixar na quantia de €20.000,00 para cada um deles.
[…]” [transcrição de fls. 228].
[4] Valeu neste caso a seguinte fundamentação:
“[…]

Quanto aos danos materiais do veículo CA, peticionam os Autores o valor pelo qual compraram o mesmo, um ano antes do acidente, uma vez que o seu concerto, segundo alegam, importava em quantia superior a esse valor.

A tal propósito provou-se que a reparação do CA foi orçamentada em €7.229,70, com IVA incluído, sendo o seu valor venal, naquela data, entre €9.500,00 a €10.000,00; o CA encontrava-se em estado de novo, tendo sido adquirido menos de um ano antes do acidente; e os salvados do CA valiam € 4.767,00.

Tendo em conta esses factos e o disposto no art.º 566.º, n.º1 do C.C., que dispõe que a indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, conjugado com o disposto no art.º 20.º, n.º 1 do D.L. n.º 522/85 de 31 de Dezembro, aditado pelo D.L. n.º 83/2006 de 3 de Maio, caberá à Ré proceder ao pagamento da quantia correspondente ao valor venal do veículo à data do acidente, deduzida do valor dos salvados, uma vez que estes revertem para os Autores.

Deverá, pois, a Ré indemnizar os Autores a tal título na quantia de €4.983,00 (€9.750,00 - €4.767,00).
[…]” [transcrição de fls. 228].
[5] V. o Acórdão do STJ de 03/06/2011 (Pereira da Silva), proferido no processo nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, cujo sumário está disponível na base do ITIJ, directamente, no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f9dd7bb05e5140b1802578bf00470473:
Sumário:
“[…]
[O] que baliza o âmbito do recurso, tal sendo, afora as de conhecimento oficioso, as questões levadas às conclusões da alegação do recorrente, extraídas da respectiva motivação (artigos 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC), defeso é o conhecimento de questão não aflorada naquelas, ainda que versada no corpo alegatório.
[…]”.
[6] O recurso não discute a mecânica do acidente (rectius, não discute a culpa exclusiva do condutor do veículo segurado pela R.) e a verificação de quaisquer dos pressupostos atinentes à imputação delitual aqui em causa. O desencadear desta constitui aqui, pois, ponto assente – bem assente, aliás. Da mesma forma, não incide o recurso sobre o montante fixado a título de dano morte.
[7]Counterfactual thinking is a term of psychology that describes the tendency people have to imagine alternatives to reality. Humans are predisposed to think about how things could have turned out differently if only..., and also to imagine what if?” (v. a entrada “Counterfactual thinking”, na Wikipedia, em Agosto de 2012, no endereço http://en.wikipedia.org/wiki/Counterfactual_thinking).
[8] Com todo o subjectivismo que, para um observador exterior, a caracterização do sofrimento psicológico de alguém sempre implicará, não cremos que seja fácil pensar numa maior crueldade do destino que a que se traduza, para os pais, na morte de um filho, permanecendo eles vivos para lamentarem essa tragédia.
[9] A expressão “compensação por danos não patrimoniais” foi indicada como preferível por Vaz Serra, no quadro dos trabalhos preparatórios do Código Civil, com base no entendimento de que este tipo de indemnização se destina “[…] a dar ao ofendido uma quantia em dinheiro susceptível de lhe atribuir prazeres capazes de compensar, na medida do possível, o dano, fazendo-o esquecer ou mitigando-o. […] Esta, diferentemente do que acontece com a do dano patrimonial, não é uma verdadeira indemnização […]. Melhor se lhe tem chamado satisfação ou compensação […]” (“Reparação do Dano Não Patrimonial”, in BMJ, nº 83, p. 80).
“A tendência actual, nos diversos ordenamentos vai, inequivocamente, no sentido de admitir o dano moral como dano proprio sensu.
Para tanto, constata-se que a responsabilidade civil não tem exclusiva função reconstitutiva, podendo-se contentar com um simples papel compensatório. […]“ (António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Vol. II (Direito das Obrigações), tomo III, Coimbra, 2010, pp. 514/515).
[10] Se acaso essa redução se refere à observância de um critério anterior, seguido pela Exma. Julgadora em situações semelhantes – e nem essa justificação a Sentença nos dá (v. nota 4 supra) –, estaríamos perante um critério inadequado na avaliação do dano na medida em que faz ele, se acaso existe, algum descaso das circunstâncias particulares que conferem uma forte singularidade à situação do dano não patrimonial referente à perda de um filho jovem pelos pais.
[11] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 4ª ed., Coimbra, 2005, pp. 318/319, nota 692.
[12] Tratado de Direito Civil Português, vol. e tomo cit., pp. 748/752.
[13] Sublinhamos, como expressivo exemplo, o Acórdão do STJ de 16/12/1993 (Cardona Ferreira), publicado na Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, tomo III/1993, pp. 181/183:
 “[…]
É mais que tempo, conforme Jurisprudência que, hoje, vai prevalecendo, de se acabar com miserabilismos indemnizatórios.
A indemnização por danos patrimoniais deve ser correcta, e a compensação por danos não patrimoniais deve tender, efectivamente, a viabilizar um lenitivo ao lesado, já que tirar-lhe o mal que lhe foi causado, isso, neste âmbito, já ninguém e nada consegue! Mas – et pour cause – a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico” (p. 182). 
[14] E, com efeito, ouvindo a prova testemunhal vemos que essa reparabilidade é expressamente afirmada pela testemunha …, que a quantificou no valor aceite pelo Tribunal.
[15] V., tratando as diversas situações de cálculo da indemnização pela deterioração ou perda de veículo pelo custo da reparação, valor venal ou custo de substituição, a anotação de Júlio Manuel Vieira Gomes, ao Acórdão do STJ de 27/02/2003, nos Cadernos de Direito Privado, nº 3, Julho/Setembro, 2003, pp. 55/62.
[16] Note-se que em tudo o mais, designadamente no que respeita à obrigação de juros (taxa e momento de cálculo), se mantém a Sentença apelada.