Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
92-E/2000.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
FUNDAMENTOS
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DE HIERARQUIA
Data do Acordão: 09/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE OURÉM – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTº 771º, ALS. C) E E) DO CPC
Sumário: I – Os fundamentos que justificam o recurso extraordinário de revisão encontram-se enumerados no art.º 771º do C. P. Civil, sendo usualmente classificados em três categorias:
- relativos à actividade material do juiz;
- relativos à situação das partes; e
- relativos à formação do material probatório.
II - Restringindo-nos ao caso dos autos há que ter presente que a decisão proferida pela 1ª instância foi objecto de recurso para este tribunal, recurso esse que a confirmou, e bem assim quer os fundamentos invocados pelo recorrente são os constantes das alíneas c) e e) do referido art.º 771º do C. P. Civil.
III - Quanto a estes fundamentos – documento superveniente e nulidade de citação – entendemos que a competência, independentemente da decisão proferida pela 1ª instância ter sido objecto de recurso, será da 1ª instância, porquanto, quanto à nulidade ou falta de citação foi aí que ocorreu o vício fundamento da revisão, o mesmo se dizendo no que respeita ao docu­mento superveniente destinada a fazer prova dos fundamentos da acção e da defesa, pois é na 1ª instância que devem, em regra, ser apresentados, provocando a sua junção em 2ª instância a perda de um grau de recurso.
IV - Deste modo é Tribunal da Relação é incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso, sendo competente o tribunal de 1ª instância que julgou a causa.
V - A rejeição do recurso do despacho que indefira liminarmente o recurso extraordinário de revisão, sendo impugnável por meio dos recursos ordinários, não é passível de reclamação para a conferência, uma vez que  este meio processual está apenas previsto para controlar as decisões do relator nos recursos ordinários e não daquelas por si proferidas em acções autónomas intentadas no Tribunal da Relação, como é o caso deste recurso extraordinário de revisão.
Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

A…,Lda, intentou o presente recurso extraordi­nário de revisão, dirigindo-o ao Tribunal da Relação de Coimbra e fundamentando-o nas alíneas c) e e) do art.º 771º do C. P. Civil, visando a alteração da decisão proferida no processo principal, no qual detinha a qualidade de Ré, alegando em síntese:
a) Por sentença de 1ª Instância do Tribunal de Ourém, proferida no processo revidendo, foi a Ré condenada a demolir um muro e a devolver ao domínio público o leito do caminho ilegalmente ocupado, entre a Rua … e a Rua …
b) A sentença foi confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Coim­bra proferido a 2 de Março de 2011 e transitou em julgado em 3 de Abril de 2011.
c) A Lei n.º 83/95 obriga à publicação de anúncios para notificação ou citação de todos os interessados o que não ocorreu;
d) A existência de um documento de que só agora o recorrente teve conheci­mento provocará decisão diversa da proferida no domínio das acções populares.

Por decisão da relatora foi indeferido liminarmente o recurso extraordinário de revisão apresentado pelo Requerente com fundamento na incompe­tência absoluta deste tribunal para dele conhecer

Na sequência da notificação da decisão sumária que indeferiu o recurso de revisão, veio a recorrente, alegando em síntese:
Ø        Respeita a posição do juiz relator, reclamando, apenas, para obter uma posição que permita recurso, por forma a evitar um conflito negativo de competências, entre a 1ª instância, que se declarou incompetente em razão da hierarquia e a Relação, com a mesma posição, mas com diferente argumentação, que se declarou igualmente incompetente, ambas as decisões com despachos de indeferimento e absolvição da instância.
 Ø       Não pode a Recorrente ficar sem tutela judicial e por isso a necessidade desta reclamação.
Ø        Em 16.6.2012, dirigiu o mesmo recurso de revisão, com única dife­rença do cabeçalho, ao Tribunal da 1ª Instância, o que veio a ser indeferido liminarmente com fundamento na sua incompetência em razão da hierarquia.
Ø        Acatando esse despacho a Recorrente endereçou nova p. inicial ao tribu­nal da 1ª instância que a remeteu ao tribunal da Relação.
Ø        Neste tribunal, com a argumentação que a Recorrente tinha utilizado para endereçar o pedido à 1ª instância, o Juiz Relator proferiu despacho de indeferimento liminar por se julgar incompetente, ficando assim a recorrente sem tribunal onde apresentar o seu processo, pois houve recusa nos dois.
 Conclui, requerendo:
a) que, nos termos do artigo 105º, n.º 2 do C. P. C., seja ordenada a remessa do processo ao Tribunal de Primeira Instância para que o recurso seja apreciado;
b) ou que seja decidido qual o tribunal competente para a apreciação do Recurso de Revisão,  considerando as duas posições assumidas na primeira Instância e na Relação, evitando o recurso ao Tribunal de Conflitos;
c) ou que, em caso de indeferimento dos pedidos anteriores, seja o recurso apresentado à Conferência de modo a que seja proferido acórdão recorrível para solucionar o conflito de posições entre os dois Tribunais, assumindo aqui a Recor­rente toda a fundamentação assumida pelo Ex.º Sr. Juiz Relator na sua douta posição.

Proferido despacho, já transitado, que indeferiu os pedidos formulados em a) e b), cumpre agora apreciar o pedido formulado na alínea c).

Com esta reclamação a Recorrente, sem discordar dos fundamentos da deci­são que julgou este tribunal incompetente para conhecer do recurso de revisão, pretende, tão só, obter um acórdão recorrível.
É o seguinte o teor do despacho sob reclamação:
Antes do mais cumpre apreciar a competência material deste tribunal para o julga­mento do recurso em causa.
Nos termos do art.º 66º, f) da Lei 52/2008, de 28 de Agosto compete às secções dos tribunais da Relação, segundo a sua especialização julgar, por intermédio do relator, os termos dos recursos que lhe estejam cometidos pela lei de processo.
O recurso extraordinário de revisão é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever – art.º 777º, n.º 1 do C. P. Civil, na redacção que lhe foi dada pelo DL 303/3007, de 24.8, que é a aqui aplicável –, regressando-se, assim ao regime originário do Código de 1939, regime esse que gerou polémica, provocando decisões dos tribunais superiores que se consideraram incompetentes em razão da hierarquia, para conhecer do recurso de revisão dos acórdãos por eles proferidos. [1]
No caso em análise, o recorrente, alega, em síntese, que não foram citados todos os interessados na acção, e que teve agora conhecimento de um documento que prova que o caminho que foi condenado a devolver ao domínio público, há muito, por deliberação camarária tinha sido desafectado desse domínio, invocando, como fundamento do recurso, as alíneas c) e e) do art.º 771º do C. P. Civil, pretendendo não só a anulação de todo o processado posterior ao momento em que deveria ter sido efectuada a citação dos interessados para a causa e a alteração da matéria de facto provada pela 1ª instância e confirmada por este tribunal.
Face ao preceituado na norma atrás referida, numa primeira leitura, parece resultar claro que o tribunal competente para conhecer do recurso é aquele que proferiu a decisão a rever.
Sendo indubitável que a competência para o julgamento do recurso extraordinário de revisão pode pertencer quer à 1ª instância quer aos tribunais superiores que intervieram no processo, há que apurar quais as situações, que a ocorrerem, determinam a competência de um ou de outro. Estas situações serão determinadas não pelo facto de ter havido recurso ou não da decisão a rever, mas pelo fundamento que serve de causa de pedir à revisão.
Os fundamentos que justificam o recurso extraordinário de revisão encontram-se enumerados no art.º 771º, do C. P. Civil, sendo usualmente classificados em três categorias:
- relativos à actividade material do juiz;
- relativos à situação das partes, e
- relativos à formação do material probatório.
Será, pois, da análise dos fundamentos invocados pelo recorrente que se determinará qual o tribunal competente para o seu julgamento, caso tenha incidido sobre a decisão a rever recurso ordinário, uma vez que a lei atribui a competência ao tribunal que proferiu a decisão, onde foi cometida a anomalia ou aconteceu a omissão que suporta o fundamento da revisão [2], e não aquele onde a mesma transitou em julgado, conforme expressamente decorre do art.º 772º, n.º 1 do C. P. Civil.
Como consta do acórdão do T.R.C. referido na nota 1:
 O conceito de trânsito em julgado empregue no art. 771º tem como única dimensão a de estabelecer um dos pressupostos, o nuclear, da revisão, e não o de indirectamente definir competências.
Restringindo-nos ao caso dos autos há que ter presente que a decisão proferida pela 1ª instância foi objecto de recurso para este tribunal, recurso esse que a confirmou, e bem assim que os fundamentos invocados pelo recorrente são os constantes das alíneas c) e e), do referido art.º 771º do C. P. Civil.
Ora, quanto a estes fundamentos – documento superveniente e nulidade de citação – entendemos que a competência, independentemente da decisão proferida pela 1ª instância ter sido objecto de recurso, será da 1ª instância, porquanto, quanto à nulidade ou falta de citação foi aí que ocorreu o vício fundamento da revisão, o mesmo se dizendo no que respeita ao docu­mento superveniente destinada a fazer prova dos fundamentos da acção e da defesa, pois é na 1ª instância que devem, em regra, ser apresentados, provocando a sua junção em 2ª instância a perda de um grau de recurso [3].
Deste modo é este tribunal incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso, sendo competente o tribunal de 1ª instância que julgou a causa.
A infracção das regras da competência em razão da hierarquia gera a incompetência absoluta do tribunal – art.º 101º do C. P. Civil –, determinando, no caso do processo comportar despacho liminar, o seu indeferimento – art.º 105º, n.º 1 do mesmo diploma.
O recurso extraordinário de revisão comporta despacho liminar – art.º 774º, n.º1 do C. P. Civil – pelo que deve ser indeferido liminarmente o pedido de revisão.
Assim, nos termos expostos, julgando-se este tribunal absolutamente incompetente indefere-se liminarmente o requerimento inicial.

Resulta dos termos da reclamação em apreço, que, a Recor­rente concorda com os seus fundamentos, não manifestando qualquer discordância quanto ao decidido, visando unicamente obter uma decisão que lhe permita recorrer.
Com a reclamação para esta Conferência a Reclamante pretende que se revogue o despacho de indeferimento liminar, proferido pelo juiz a quem foi neste tribunal distribuído o recurso extraordinário de revisão por si interposto.
Atenta a natureza do recurso extraordinário de revisão, que em tudo se asse­melha uma verdadeira acção com processado próprio, o despacho que o indefira limi­narmente é impugnável conforme decorre do art.º 772º, n.º 5 do C. P. Civil, que dispõe:
As decisões proferidas no processo de revisão admitem os recursos ordiná­rios a que estariam originariamente sujeitas no decurso da acção em que foi proferida a sentença a rever.
Assim, aquele indeferimento liminar do recurso de revisão admitiria o recurso ordinário que admitisse a acção na qual foi proferida a sentença a rever.
O despacho de indeferimento liminar é sempre recorrível – art.º 234º-A, n.º 2 do C. P. Civil.
Deste modo, a rejeição do recurso do despacho que indefira liminarmente o recurso extraordinário de revisão, sendo impugnável por meio dos recursos ordinários [4], não é passível de reclamação para a conferência, uma vez que  este meio processual está apenas previsto para controlar as decisões do relator nos recursos ordinários e não daquelas por si proferidas em acções autónomas intentadas no Tribunal da Relação, como é o caso deste recurso extraordinário de revisão..
Não sendo, assim admissível, a reclamação para a conferência, deve a mesma ser indeferida.

Decisão:
Pelo exposto acorda-se em indeferir a reclamação apresentada.

Custas do incidente pela Recorrente.
Coimbra, 11 de Setembro de 2012.


[1]  Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, in Dos Recursos, pág.360, ed. 2009, Quid Juris e Ac. do T. R. C., de 13.4.2001, relatado por Gre­gório de Jesus, proc. 980/09.0TBPBL.C1-A, acessível em www.dgsi.pt.

[2]  Neste sentido, Cardona Ferreira, in Guia de Recursos em Processo Civil, pág. 235, 4ª ed., Coimbra Editora, e Amâncio Ferreira, in Manual dos Recur­sos em Processo Civil, pág. 353, 5ª ed., Almedina.
[3] Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, ob. citada, pág. 361, e Amâncio Ferreira, ob. cit., pág. 353-354.

[4] Neste sentido, entre outros:
Luís Mendonça e Henrique Antunes, in Dos Recursos, pág. 369, ed. 2009, Quid Juris;
Luís Brites Lameiras, in Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, pág. 205, ed. 2008, Almedina, e
Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 360, 5ª ed. revista e actualizada, Almedina.