Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
901/08.8TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO COSTA
Descritores: MÚTUO
FALTA DE PAGAMENTO
PRESTAÇÃO
PRESTAÇÕES DEVIDAS
VENCIMENTO
Data do Acordão: 10/21/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 781º E 1142º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1 - O imediato vencimento da obrigação fraccionada em prestações, nos termos do artº 781º do Código Civil, significa, não o automático vencimento de todas as prestações posteriores à que não foi realizada, mas tão só a imediata exigibilidade destas;

2 - Não fica, por isso, o credor dispensado de interpelar o devedor se quiser que este responda pelos danos moratórios das prestações vincendas desde o vencimento da que não foi cumprida.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

A... , intentou, nos Juízos Cíveis de Coimbra, a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, nos termos do Dec. Lei nº 269/98, de 1/9, contra:

- B... ; e

- C... , pedindo a condenação solidária destes a pagarem-lhe a quantia de € 6.882,38, acrescida de € 806,22, de juros vencidos até 25 de Fevereiro de 2008 e de € 32, 25 de imposto de selo sobre estes juros; e, ainda, os juros que, sobre a dita quantia de € 6.882,38, se vencerem, à taxa anual de 18,59%, desde 26 de Fevereiro de 2008 até integral pagamento, bem como o imposto de selo à referida taxa de 4% sobre estes juros.

Alegou, para tanto, em resumo, que, no exercício da sua actividade comercial, por contrato datado de 11 de Maio de 2005, emprestou ao 1º Réu a importância de € 8.725,00, com juros à taxa nominal de 14,59% ao ano; porém, o 1° Réu não pagou a 26ª prestação e as seguintes, vencendo-se a primeira em 10 de Julho de 2007, vencendo-se, então, todas as demais prestações, tendo o 1º Réu, contudo, entregue ao Autor a quantia de € 529,92; o valor de cada prestação era de € 211,78 e o valor total das prestações em débito pelo 1º Réu ascende a € 6.882,38; por termo de fiança, datado de 11 de Maio de 2005, o 2° Réu assumiu perante o Autor a responsabilidade de fiador solidário.

Os Réus, devidamente citados, não apresentaram contestação.

Proferiu-se, seguidamente, sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou os Réus a pagarem à Autora:

- a quantia líquida de € 1.694,24, referente às prestações vencidas e não pagas até 05/03/2008 (da 26ª à 33ª), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data de vencimento de cada uma das prestações mensais, à taxa convencionada de 14,59 %, bem como o imposto de selo incidente sobre os juros que se tenham vencido e continuem a vencer-se;

- a quantia a liquidar (ao abrigo do disposto nos arts. 661° n.° 2, por via do incidente de liquidação previsto no art. 378°, ambos do Código de Processo Civil), correspondente às prestações de capital que se venceram a 05/03/2008 (data da citação), acrescidas de juros moratórios vencidos e vincendos, desde essa data até integral pagamento, à taxa convencionada de 14,59 %, ao ano, a que acresce o respectivo imposto de selo, até integral pagamento, e uma vez que os Réus procederam ao pagamento quantia de € 529,92, ao valor da dívida deduzir-se-á o valor de €. 529,92.

Quanto ao mais, foram os Réus absolvidos do pedido.

Inconformado com o assim decidido, interpôs o Autor recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de apelação e efeito meramente devolutivo.

Alegou, oportunamente, o apelante, o qual finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1ª - “Resulta, pois, claro que não faz qualquer sentido condenar os RR., solidariamente entre si, no pagamento ao A. da quantia líquida de € 1.694,24, referentes às prestações vencidas e não pagas até 05.03.2008, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data de vencimento de cada uma das prestações mensais, à taxa convencionada de 14,59%, ao ano até efectivo e integral pagamento a que acresce o imposto de selo respectivo, devendo ser deduzida a quantia de € 529,92;

2ª - Conforme acordado entre as partes, para que todas as prestações do contrato dos autos se vencessem imediatamente - como venceram -, apenas era - como o foi - necessário o preenchimento de uma condição, o não pagamento pelo 1º R. de uma das referidas prestações;

3ª - Não é necessária qualquer interpelação para o vencimento imediato nos termos do artigo 781° do Código Civil, no entanto, mesmo que se perfilhe a tese da necessidade de interpelação do credor ao devedor para fazer operar o que se dispõe no dito artigo 781° do Código Civil, é manifesto que no caso “sub judice”, atento o expressamente acordado no contrato dos autos, tal interpelação é, sempre, desnecessária para que o vencimento de todas as prestações não pagas do referido contrato se verifique. Tal vencimento é, conforme expressamente acordado, imediato;

4ª - É por demais evidente que o citado preceito legal não faz, nem permite fazer, qualquer distinção entre o vencimento de fracções de capital ou o vencimento de fracções de juros, ou aliás do que quer que seja;

5ª - Por outro lado, uma vez que, como explicitado e como ressalta do contrato dos autos, se está perante obrigações com prazo certo, o devedor - os ora recorridos - constitui-se em mora logo aquando do vencimento da obrigação independentemente de qualquer interpelação, nos termos da alínea a) do n.° 2 do artigo 805° do Código Civil, pelo que, logo aquando do vencimento imediato de todas as prestações não pagas se começam a vencer juros moratórios sobre o montante global das mesmas;

6ª - O artigo 781° do Código Civil é expresso ao estabelecer, que: “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”;

7ª - Estamos perante obrigações com prazo certo pelo que o devedor se constitui em mora independentemente de interpelação do devedor ex vi alínea a) do nº 2 do artigo 805° do Código Civil, o seu vencimento é imediato;

8ª - A obrigação do mutuário num mútuo oneroso é, desde logo, aliás, a restituição da quantia ou da coisa mutuada e a respectiva retribuição acordada, precisamente pela cedência do dinheiro ou da coisa posta à disposição do mutuário. Enquanto, a obrigação do mutuário num mútuo gratuito é, apenas, a restituição da quantia ou da coisa mutuada cedida ou posta à disposição do mutuário;

9ª - Assim, no caso de mútuo oneroso liquidável em prestações, é a obrigação do mutuário (restituição da coisa mutuada + retribuição do mútuo acordada) que é repartida por tantas fracções (prestações) quantas as partes acordarem, e que em caso de incumprimento de uma delas se vencem na totalidade;

10ª - Pelo que, num contrato de mútuo oneroso em que as partes acordaram no cumprimento da obrigação do mutuário (restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo) em prestações, é manifestamente errado e contra a própria natureza jurídica do mútuo oneroso, querer proceder-se a qualquer distinção entre “capital” e “juros”, ou melhor, entre restituição da quantia ou coisa mutuada e a respectiva remuneração do mútuo acordada, tanto mais que, pela sua própria natureza a obrigação do mutuário num mútuo oneroso é só UMA! - (restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo);

11ª - Ora, se a própria lei expressamente prevê que no mútuo oneroso, o mutuário terá de pagar os juros por inteiro caso queira antecipar o cumprimento (e está-se a falar de cumprir o contrato por inteiro e antecipadamente), é manifestamente errado e despropositado, pretender ou permitir que no caso de o mutuário incumprir o contrato não tem já que pagar os mesmos juros por inteiro. É, uma vez mais, um evidente contra-senso jurídico sem qualquer fundamento;

12ª - Conforme acordado entre as partes, para que todas as prestações do contrato dos autos se vencessem imediatamente - como venceram - apenas era - como o foi - necessário o preenchimento de uma condição, o não pagamento pelo 1º R. de uma das referidas prestações;

13ª - Neste sentido decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão, no processo n° 3420/06-1, de 21.11.2006;

14ª - Está provado nos presentes autos que o A. na acção, ora recorrente, na acção, ora recorrente, é uma sociedade financeira de aquisições a crédito, constituindo, actualmente uma instituição de crédito;

15ª - Não existe qualquer taxa juro especificadamente fixada pelo Banco de Portugal para a actividade de financiamento de aquisições a crédito, isto é, para a actividade exercida pelo A., ora recorrente;

16ª - É admissível a capitalização de juros por parte das instituições de crédito ou parabancárias que incluem no capital já vencido, sobre o qual incidem juros de mora, salvo se tal capitalização incidir sobre juros correspondentes a um período inferior a três meses;

17ª - Não é pois aplicável no contrato de mútuo dos autos o disposto no artigo 560º do Código Civil;

18ª - Ressalta do contrato de mútuo de fls. , que os juros capitalizados respeitam ao período de 5 anos;

19ª - A capitalização de juros é, pois, inteiramente válida, no caso do contrato dos autos;

20ª - Ao contrário do que se pretende na sentença recorrida, o disposto no artigo 781° do Código Civil, não se restringe às prestações de capital, estendendo-se evidentemente aos juros remuneratórios que fazem parte de cada prestação que se vence;

21ª - É, pois, manifesta a falta de razão do Senhor Juiz a quo na sentença recorrida, que ao julgar, como o fez, parcialmente improcedente e não provada a presente acção, violou o disposto no artigo 781° do Código Civil e ainda o disposto no artigo 560º do Código Civil, nos artigos 5°, 6° e 7°, do Decreto-lei 344/78, de 17 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 83/86, de 6 de Maio, o artigo 1° do Decreto-Lei 32/89, de 25 de Janeiro, o artigo 2° do Decreto - Lei 49/89, de 22 de Fevereiro, nos artigos 1° e 2° do Decreto-Lei n° 206/95, de 14 de Agosto, e o artigo 3°, alínea 1, do Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro”.

Não foi apresentada contra-alegação.


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O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artºs 684º, n.º 3, e 685º-A, n.º 1, do C. de Proc. Civil, na versão introduzida pelo Dec. Lei nº 303/2007, de 24/8.

De acordo com as apresentadas conclusões, a questão fulcral a decidir por este Tribunal é a de saber se o disposto no artº 781º do Código Civil se restringe às prestações de capital, não abrangendo, por conseguinte, os juros remuneratórios correspondentes.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.


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OS FACTOS

Na decisão recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:

1º - No exercício da sua actividade comercial, e com o objectivo do 1º Réu adquirir o veículo de marca Opel, modelo Corsa, matricula X....., Autor e 1° Réu subscreveram, a 11 de Maio de 2005, o instrumento junto por cópia a fls. 7 a 9, denominado “Contrato de Mútuo”, tendo na frente Condições específicas e no verso Condições Gerais;

2º - De acordo com o referido “contrato” e na parte designada por «Condições Específicas», consta que o Autor emprestou ao 1º Réu a importância de €. 8.725,00;

3º - Ainda no referido instrumento Autor e 1° Réu consignaram que a quantia do empréstimo, os juros à taxa nominal de 14,95%, a comissão de gestão, as despesas de transferência de propriedade, o imposto de selo de abertura de crédito e o valor do prémio do seguro de vida, seriam pagos em 60 prestações mensais e sucessivas, no valor cada de € 211,78, com o vencimento da primeira em 10 de Junho de 2005, sendo que o montante global das prestações seria € 12,706,80;

4º - No verso do referido instrumento e sob «Condições Gerais», Autor e 1º Réu consignaram, entre outras, as seguintes cláusulas:

«4. REEMBOLSO E PAGAMENTOS: c) No valor das prestações estão incluídos o capital, os juros do empréstimo, o valor dos impostos devidos, bem como os prémios das apólices de seguro a que se refere a cláusula 14 destas Condições Gerais»;

«9. MORA E CLÁUSULA PENAL: a) O Mutuário ficará constituído em mora no caso de não efectuar, aquando do respectivo vencimento, o pagamento de qualquer prestação. b) A falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes. c) Em caso de mora, e sem prejuízo do número anterior, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais, bem como outras despesas decorrentes do incumprimento, nomeadamente uma comissão de gestão por cada prestação em mora”;

5º - O 1° Réu subscreveu o instrumento junto a fls. 9, denominado «Autorização de débito»;

6º - O 2° Réu subscreveu o instrumento junto a fls. 10, denominado «Termo de Fiança», datado de 11 de Maio de 2005;

7º - O 1° Réu não pagou a 26ª prestação, vencida em 10 de Julho de 2007, bem como as prestações seguintes;

8º - O 1° Réu, contudo, entregou ao Autor a quantia de € 529,92.


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O DIREITO

Não vem questionado que o Autor e o 1º Réu celebraram entre si um contrato de mútuo, que é aquele pelo qual uma das partes empresta a outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade (art.º1142.º do C.C.).

Como resulta deste preceito, o mútuo é, de sua natureza, um contrato real, no sentido de que só se completa pela entrega (empréstimo) da coisa. Pelo Código português de 1867, o mútuo era uma modalidade do contrato de empréstimo. Caracterizava-se por incidir sobre coisas que deviam ser restituídas por outras do mesmo género, qualidade e quantidade (cfr. artº 1507º) e pela sua natureza gratuita; havendo retribuição, o negócio tomava a natureza de usura (v. Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado, vol 2º, 3ª ed., 680).

Segundo a definição constante daquele artº 1142º, para existir contrato de mútuo é mister que uma das partes empreste à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade. Assim, se uma parte empresta à outra dinheiro, o que constitui o objecto mais frequente do contrato de mútuo, a segunda tem de restituir igual quantia em dinheiro.

No caso em apreço, face ao não pagamento de uma das prestações que o 1º Réu se obrigou a pagar, e optando por considerar vencida a totalidade da dívida, a Autora peticiona o valor da totalidade das prestações acordadas, sendo que nelas se inclui o capital, os juros do empréstimo, o valor dos impostos devidos, bem como os prémios das apólices de seguro.

Sobre o valor da totalidade de tais prestações, peticiona ainda os juros resultantes da aplicação da cláusula penal prevista no ponto 9. al. c) das Cláusulas Gerais.

Ficou clausulado no aludido contrato que “a falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes”.

Estamos, pois, perante uma obrigação a ser liquidada em várias prestações, na qual a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas, tal como preceitua o artigo 781º do Código Civil.

De acordo com o estatuído neste preceito, se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.

Este preceito é aplicável ao caso presente, tendo a falta de pagamento pelo 1º Réu da 26ª prestação implicado o vencimento das restantes prestações (26ª a 60ª). Isto é pacificamente aceite pelas partes.

Tal vencimento, porém, ao invés do que defende o apelante, só funciona em relação ao capital, que não também quanto aos juros incluídos naquelas prestações, visto que quanto a elas não nasceu a prestação de juros com o decurso do tempo, não sendo quanto a estes concebível a perda do benefício do prazo se não existe um prazo e uma inerente obrigação constituída[1].

Na verdade, o disposto no referido art° 781° não conduz ao vencimento antecipado de prestações de juros[2].

A ratio deste preceito parece ser a perda de confiança que se produz no credor, relativamente ao cumprimento, pela falta de realização de uma das prestações, excluindo a aplicabilidade à falta de pagamento de uma prestação de juros, já que estes só nascem com o decurso do tempo.

Por conseguinte, o que passa a ser imediatamente exigível, pela perda do benefício do prazo, são todas as fracções da dívida única parcelada (o capital mutuado), não podendo os suplementos de juros que estão incluídos nas referidas prestações ser exigidos como juros remuneratórios, por não poderem ser calculados em proporção do tempo decorrido, não fazendo o apelante jus a receber juros remuneratórios que não correspondem a um tempo efectivamente gasto.

Os juros remuneratórios são os frutos civis, constituídos por coisas fungíveis que representam o rendimento de uma obrigação de capital, a compensação que o obrigado deve pela utilização temporária de certo capital, sendo o seu montante em regra previamente determinado como uma fracção do capital correspondente ao tempo da sua utilização, variando o seu montante em função do valor do capital devido, do tempo durante o qual se mantém a privação deste por parte do credor, e da taxa de remuneração fixada por lei ou estipulada pelas partes[3].

Os juros remuneratórios são retributivos, são rendimentos do capital em função do tempo em que o credor está privado da utilização do mesmo, constituindo a contraprestação onerosa pela cedência do capital ao longo do tempo, sem o decurso do qual não existe remuneração do capital mutuado.

Também o Acórdão do S.T.J. de 14/11/2006[4] se debruçou sobre a questão de saber se, num mútuo oneroso, não sendo paga uma das prestações de capital e juros remuneratórios, as restantes prestações, que se vencem, nos termos do art° 781° do C. Civil, abrangem também a correspondente parcela desse juros. Ou, por outras palavras, se este preceito aplica-se também, naquele tipo de contrato aos ditos juros.

Aí se defendeu o entendimento que dá prevalência à natureza diferenciada das duas obrigações, a de capital fraccionada em prestações e a de juros remuneratórios.

Diz Galvão Telles[5]: “Convém recordar também que não se devem confundir as dívidas a prestações e as dívidas periódicas. Nestas últimas há uma pluralidade de obrigações distintas, embora todas emergentes de um vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente como dívidas de renda, que periodicamente se constituem com base no contrato de arrendamento. Nas primeiras, pelo contrário, há só uma obrigação cujo objecto é dividido em fracções com vencimentos intervalados.

As dívidas a prestações e as dívidas periódicas têm regimes distintos, correspondentes à diversidade da sua natureza. Naquelas, vencida e não cumprida uma prestação, o credor pode exigir o cumprimento das prestações subsequentes que representam simples parcelas de uma obrigação única (art° 781°). Nas dívidas periódicas não se dá o mesmo: aí o credor apenas tem a faculdade de pedir desde logo a condenação do devedor nas prestações futuras, mas sem que este esteja adstrito a efectuá-las in continuo, pois correspondem a obrigações ainda não constituídas (C. Proc. Civil, art° 472°, n° 1). Se o mutuário deixa de reembolsar uma das prestações em que foi dividido o capital mutuado, o saldo não satisfeito vence-se imediatamente; se o arrendatário deixa de pagar uma renda, o senhorio pode solicitar em juízo a sua condenação nas rendas seguintes, mas não reclamar o imediato pagamento destas”.

É esta natureza de obrigação periódica, continua o citado acórdão de 14/11/06, que faz com que a obrigação de juros que tem o seu conteúdo e extensão delimitada em função do tempo, sendo, – por isso – uma prestação duradoura periódica – não se possa vencer antes do período a que respeita.

“Logo, sendo exigível a totalidade da dívida de capital, nos termos do art° 781° do C. Civil, não ocorre ipso facto, a exigibilidade dos juros remuneratórios que correspondam a períodos futuros e que, por essa razão ainda não serão devidos.

O que está de acordo com recente orientação jurisprudencial deste Supremo: Acs. do STJ de 03.07.06 e 12.09.06 www.stj.pt, acórdãos nºs 06A038 e 06A2338, respectivamente” .

A douta sentença recorrida perfilhou o entendimento que encontra conforto em muita doutrina e jurisprudência dos nossos tribunais superiores e que também perfilhamos; segundo tal entendimento, o imediato vencimento da obrigação fraccionada em prestações, nos termos do artº 781º do C. Civil, significa, não o automático vencimento de todas as prestações posteriores à que não foi realizada, mas tão só a imediata exigibilidade destas, não ficando, portanto, o credor dispensado de interpelar o devedor se quiser que este responda pelos danos moratórios das prestações vincendas desde o vencimento da que não foi cumprida[6].

Na verdade, «o vencimento imediato da prestações cujo prazo ainda se não vencera constitui um beneficio que a lei concede - mas não impõe - ao credor, não prescindindo consequentemente de interpelação ao devedor[7]».

Ora, no caso presente, como bem refere a sentença recorrida, o Autor não alegou sequer que tenha efectuado qualquer interpelação anteriormente à citação dos Réus para os termos desta acção. Consequentemente, só por ocasião da citação se podem considerar vencidas todas as prestações e o devedor constituído em mora, tudo nos termos gerais definidos pelo artº 805°, nº 1, do C. Civil[8].

Assim, o Autor tem apenas direito a exigir a totalidade das prestações ainda não vencidas à data do não pagamento da 26ª prestação, mas, tendo a interpelação dos Réus ocorrido, como se disse, apenas quando eles foram citados para a presente acção (o que teve lugar em 05/03/2008), os juros moratórios, à taxa convencionada de 14,95% ao ano, contar-se-ão:

- quanto às prestações vencidas até à citação (5/3/2008), sobre cada uma delas e a partir das respectivas datas de vencimento;

- quanto às restantes, desde a data da citação dos Réus.

O mencionado artº 781º não conduz, em suma, ao vencimento antecipado de prestações de juros, pois o que passa a ser imediatamente exigível, com a falta de pagamento de uma das prestações, pela perda do beneficio do prazo, são todas as fracções da dívida única parcelada (o capital), não podendo os suplementos de juros, incluídos nas prestações de capital cujo vencimento é antecipado, ser exigidos como juros remuneratórios, por não poderem ser calculados em proporção de um tempo decorrido, por não corresponderem a um tempo efectivamente gasto.

A douta sentença recorrida não merece, assim, a menor censura, pelo que, improcedendo as conclusões da alegação do apelante, aquela terá de se manter.


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Sumário:

1 - O imediato vencimento da obrigação fraccionada em prestações, nos termos do artº 781º do Código Civil, significa, não o automático vencimento de todas as prestações posteriores à que não foi realizada, mas tão só a imediata exigibilidade destas;

2 - Não fica, por isso, o credor dispensado de interpelar o devedor se quiser que este responda pelos danos moratórios das prestações vincendas desde o vencimento da que não foi cumprida.


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DECISÃO

Nos termos expostos, decide-se julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirma-se a douta sentença recorrida.

Custas pelo apelante.


[1] Vide Ac. do S.T.J. de 19/04/05, que aqui seguimos de perto, 05A493, in www.dgsi.pt
[2] Neste sentido, vide o Ac. desta Relação de 26/2/08, proferido no Recurso nº 324/06.3TBSRE.A.C1, por nós subscrito.
[3] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. 1º, 10ª ed., pág. 870
[4] Disponível sob o nº 06B2911, in www.dgsi.pt.
[5] Obrigações, 2ª ed., 178
[6] Neste sentido, podem ver-se, além dos já referidos, o Ac. do S.T.J. de 13/1/05 e de 15/3/05, in www.dgsi.pt; o Ac. da R. de Lisboa de 13/5/03, in C.J., 2003, 3º, 75; e da R. do Porto de 18/2/93, in C.J., 1993, 1º, 237
[7] Antunes Varela, ob. cit., vol. 2º, 6ª ed., 53
[8] Vide, neste sentido, o Ac. do S.T.J. de 21/11/06 e o Ac. da R. de Lisboa de 20/11/07, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.