Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
258/08.7GDLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
ELEMENTOS DO TIPO
RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
MOTIVAÇÃO DO RECURSO
REAPRECIAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
LIVRE CONVICÇÃO DO JULGADOR
Data do Acordão: 05/12/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 152º DO CP; 127º 412º 428º,431ºDO CPP
Sumário: 1. O bem jurídico protegido no crime de violência doméstica é complexo, abrangendo a integridade corporal, saúde física e psíquica e dignidade da pessoa humana, em contexto de coabitação conjugal ou análoga e mesmo após cessar aquela coabitação.
2.A documentação da prova em 1ª instância tem por fim primeiro garantir o duplo grau de jurisdição da matéria de facto, mas o recurso de facto para o Tribunal da Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada como se o julgamento ali realizado não existisse. É antes, um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.
3.O facto de o recorrente nas conclusões não localizar com precisão, nos respectivos suportes, os excertos das provas com que foi ilustrando os seus pontos de vista, não constitui fundamento de rejeição liminar do recurso.
4.O Tribunal da Relação na reapreciação da decisão sobre a matéria de facto está impedido de se debruçar sobre pontos de facto indicados no corpo da motivação como ncorrectamente julgados, mas não referidos nas conclusões.
5.O preceituado no art.127.º do Código de Processo Penal deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.
6.A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo quer para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração), quer para dissuadir a prática de crimes, através da intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente ( prevenção geral negativa ou de intimidação).
Decisão Texto Integral:          Relatório

            Pelo 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, sob acusação do Ministério Público e acusações particulares, foram submetidos a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, os arguidos    

HH divorciado, nascido a 11 de… de 1959, filho de M e MJ, natural da freguesia … Leiria, residente na Rua …. Leiria, e

            MV, divorciada, operária fabril, nascida a 16-…-1960, filha de A e Z natural da freguesia…. Leiria, residente na Rua…, Leiria,

            imputando:

- o Ministério Público, a cada um dos arguidos, a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal;

- a assistente MV, ao arguido HH acompanhada pelo Ministério Público, a prática de um crime de injúrias na forma continuada, p. e p. pelo artigo 181.º do Código Penal; e

- o assistente HH  à arguida MV, não acompanhado pelo Ministério Público, a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 252.º do Código Penal e ainda a prática de um crime de injúrias, p. e p. pelo artigo 181.º e 183.º do Código Penal.

           

            O arguido/assistente HH deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida, pedindo a sua condenação no pagamento de quantia não inferior a € 1.000,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal.

            A arguida/assistente MV, deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 2.500,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal.

            Realizada a audiência de julgamento – durante a qual foi comunicada ao Ministério Público e aos arguidos/assistentes uma alteração substancial dos factos, à qual foi respondido que não se opunham à continuação do julgamento pelos novos factos, nos termos do art.359.º, n.º3 do C.P.P. –  o Tribunal Singular, por sentença proferida 13 de Janeiro de 2010, decidiu:

- condenar o arguido  HH , como autor material (art. 26.º do Código Penal) de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º1, alínea a) e n.º 2.  do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na execução por igual período;

- condenar o arguido HH  na pena acessória de proibição de contacto com a sua ex-mulher, a assistente, pelo período de 2 (dois) e 9 (nove) meses, bem como a frequência de programa específico de violência doméstica;

- absolver a arguida MV da prática de um crime de ofensa á integridade física simples, p. e p. pelo art.143.º, n.º1 do Código Penal;

- absolver a arguida MV da prática de um crime de injúria p. e p. pelo art.181.º do Código Penal; e

- condenar o arguido no pagamento, à demandante, da quantia de 1.500,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido HH , concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1) O arguido praticou parcialmente os factos descritos na acusação;

2) Designadamente provocou à ofendida as lesões descritas nos autos embora a do braço e mão direitas por via indirecta.

3) A ofendida agrediu o arguido com um pau.

4) Por estes factos o arguido devia ser condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples p.p. pelo art.143.º, n.º1 do C.P., na pena de multa e ser fixada uma indemnização civil de valor muito inferior ao fixado na sentença.

5) Não o tendo assim considerado cometeu a sentença um erro notório na apreciação da prova e na aplicação do direito ( art.410.º, n.º3 , do C.P.P.);

6) A matéria de facto dada como provada é insuficiente para condenar o arguido pelo crime de violência doméstica ( art.410.º, n.º 2, al.a) do C.P.P.);

7) E foram dados por provados os factos constantes dos n.ºs 8, 20, 21 e 22 ( este último respeitante à expressão “ com quem tinha sido casado” que não o deviam ter sido, nem que fosse por aplicação do princípio in dúbio pró reo. Na verdade, ao tempo ofendida e arguido eram casados), que deviam ser dados por não provados atenta a insuficiência da prova quer em termos de rigor quer de falta de imparcialidade, atentas as relações inamistosas da ofendida e testemunhas com o arguido. E as regras da experiência no que diz respeito às lesões apresentadas pela ofendida no nariz que não se coadunam com um murro dado naquela zona por um homem de estatura vulgar.

8) E devia ter sido dado por provado que ofendida e arguido ora não vivem juntos e o ponto 27 devia ser acrescido da expressão “renal”.

9) O crime de violência domestica é um crime que tutela a saúde enquanto bem jurídico complexo complexo e cuja prática pode conduzir a um impedimento ou dificuldade acrescida a desenvolvimento normal e saudável da personalidade ou que afectem a dignidade pessoal, tal como ensina o Prof. Américo Taipa de Carvalho e o douto acórdão desta mesma Relação de Coimbra supra citado..

10) Ora, os actos praticados pelo arguido, supra contextualizados, não se inserem neste enquadramento fáctico-legal não devendo por isso ter-se procedido á alteração dos factos provindos da acusação nem se devia ter procedido a esta qualificação jurídica.

11) Atento o facto de ofendida e arguido viverem em casas separadas não se justifica a frequência de qualquer curso de violência doméstica.

12) Os factos que devem ser dados por provados, quer por eliminação dos que erroneamente o foram assim considerados quer pelo aditamento de novos factos, impõem decisão diversa da recorrida, bastando para tal ouvir as gravações dos depoimentos da ofendida e dos filhos apara além da H e MF supra referidos e identificados e as regras da experiência.

l3) A não ter assim considerado a douta sentença recorrida violou os artigos 70.º,71.º,72.º, 143.º, e 152.º, n.º2 , do Código Penal; artigos 374.º,n.º2 e 410.º, n.º2, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal

14) Face a todos os fundamentos expostos neste recurso, deve a sentença ser revogada e o arguido ser condenado pela prática do crime de ofensa á integridade física simples p.e p. pelo art.143.º, n.º 1, do CP em pena de multa, ou e, sem conceder, na pena mínima prevista no art. 152.º, n.º 2, do mesmo Código sem a imposição de frequência de qualquer curso e suspensa na sua execução por igual período. Deve a indemnização fixada ser substancialmente reduzida para o montante a fixar por V. Exas. Segundo juízos de equidade mas nunca superior a 500 euros atenta a diminuta gravidade dos ferimentos e a reciprocidade das ofensas físicas, requerendo nos termos do artigo 412.º, n.º 6 do CPP que se proceda a audição dos depoimentos da ofendida e testemunhas supra indicadas e às passagens indicadas pelo arguido.

Assim se fazendo a necessária e acostumada Justiça.

            O Ministério Público na Comarca de Leiria respondeu ao recurso interposto pelo arguido pugnando pela improcedência deste e manutenção da sentença recorrida.

            O Ex.mo Procurador-geral-adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º n.º2 do Código de Processo Penal.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

       Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respectiva motivação constante da sentença recorrida é a seguinte:

            Factos provados

Da culpabilidade

1 – Em 2008 HH  e MV eram casados entre si e residiam na mesma casa, no entanto, não partilhavam, cama, mesa, ou vivências diárias.

2- No dia 18 de Maio de 2008, na residência de ambos, no momento em que a arguida/assistente se dirigia à porta para sair, o arguido/assistente seguiu atrás dela verbalizando expressões como “puta, já vais para o cabredo”.

3 – A arguida/assistente voltou-se para trás e fez um “pirete”, mantendo apenas o dedo médio da mão erguido.

4 – Nesse mesmo dia - 18 de Maio de 2008 - pelas 3.30H, junto da residência de ambos, na Rua da …. comarca de Leiria, e no momento em que a arguida/assistente estava a entrar pelo portão de sua casa, o arguido/assistente dirigiu-se à assistente/arguida e proferiu a expressão “faz piletes agora”;

3 – Seguidamente, deu-lhe um empurrão fazendo com que esta caísse.

4 – Na sequência do empurrão sofrido a arguida/assistente foi projectada contra a parede e caiu em cima de uns sacos que ali se encontravam.

5 – A arguida/assistente pegou num pau que ali se encontrava..

6 – Ao ver a arguida/assistente com o pau na mão o arguido/assistente voltou a empurrá-la.

7 – Seguidamente a arguida/assistente, desferiu-lhe uma pancada no braço direito.

8 - Acto contínuo, o  arguido/assistente desferiu-lhe um murro no nariz.

9 – Com tal conduta o arguido/assistente provocou à arguida/assistente:

 a) No crâneo: equimose arroxeada no vértice do dorso do nariz, medindo um centímetro de comprimento por três milímetros de largura, sobre o qual assenta uma escoriação, recoberta de crosta sanguínea, linear, horizontal, medindo um centímetro de comprimento;

b) No membro superior direito: escoriação, coberta de crosta sanguínea, na região tenar da mão direita, medindo dois milímetros de diâmetro, escoriação, recoberta de crosta sanguínea, na face plantar da 1ª falange do 5º dedo da mão direita, medindo três milímetros de diâmetro.

10 – Na sequência do acto referido em 7 a arguida/assistente provocou no arguido/assistente equimose tenuamente arroxeada, no terço médio da face posterior do antebraço direito com dois centímetros de diâmetro no membro superior direito, que foram causa directa e necessária de 5 dias de doença, três dos quais com afectação para o trabalho em geral e profissional.

11 - Em Maio de 2008, num sábado à noite, frente à sede do Grupo Desportivo da … o  arguido/assistente, que seguia no seu carro de janela aberta, e com a cabeça de fora da janela, dirigiu à arguida/assistente, que circulava à sua frente no carro de F. e na companhia desta, as palavras “putas, cabras, coirões, vocês andam precisadas, vão para o putedo”.

12 – Proferiu tais expressões em voz alta, perante as pessoas que ali se encontravam, enquanto seguia de carro o carro em que seguia a assistente/arguida.

13 – Tendo o arguido continuado a seguir o carro em que a arguida/assistente circulava durante cerca de 5 Km.

14- Em Junho de 2008, num sábado à noite, na dancetaria central, … o arguido/assistente dirigiu-se à arguida/assistente, que se encontrava na pista de dança, a dançar acompanhada, e perante as demais pessoas que ali se encontravam e disse-lhe: “as outras é que são putas”.

15 – Seguidamente, após a arguida/assistente se ter ido sentar numa mesa com as amigas, o arguido repetiu as palavras “as outras é que são putas”.

16 – A arguida/assistente atirou-lhe a coca-cola que estava a beber e chamou o segurança.

17 – Em data não apurada, o arguido/assistente ao ver a arguida/assistente à porta da sede do Grupo Desportivo da Arroteia, dirigiu-lhe as palavras “vadia, fingida”.

18 – Em data não apurada R. filho dos arguidos/assistentes, viu o arguido/assistente dentro do carro, atrás da paragem de autocarro, onde a arguida usualmente aguarda ou sai da camioneta pública que usa para ir e vir para o trabalho.

19 – Os arguidos/assistentes discutiam frequentemente quando ainda eram casados, e faziam vida em comum, porque a arguida/assistente teve conhecimento que o arguido/assistente mantinha uma relação extra conjugal.

20 – Como consequência dos factos supra descritas a arguida/assistente sentia medo, perturbação, nervosismo.

21 – O estado emocional em que a arguida se encontrava, como consequência dos factos supra descritos, levaram-na a pedir ajuda médica, tendo sido medicada com anti-depressivos.

20 – O arguido actuou, em todas as situações supra descritas, de forma livre, deliberada e consciente.

21 – Querendo afectar, como afectou o bem-estar físico, psíquico, tranquilidade, honra e  dignidade da arguida/assistente.

22- Não obstante saber que lhe devia respeito enquanto pessoa com quem tinha sido casado,  ser humano e mãe dos seus filhos.

23 – O arguido/assistente sabia que as suas condutas eram proibidas por lei, e não obstante actuou em desconformidade.

Da Determinação da sanção

24 – O arguido/assistente encontra-se reformado auferindo mensalmente 270,00€.

25 – O arguido/assistente despende mensalmente 60,00€ em medicamentos.

27- O arguido/assistente recebeu um transplante.

28 – O arguido/assistente reside em casa própria.

29 – O arguido/assistente e a arguida/assistente têm dois filhos em comum.

30 – O arguido não contribui com nenhum valor para as despesas dos seus filhos.

31 – O arguido/assistente não tem antecedentes criminais.

32 – A arguida/assistente é operária fabril, auferindo mensalmente 600,00€.

33 – A arguida/assistente reside com a sua irmã, na casa desta, contribuindo com 350,00€ mensais para as despesas domésticas.

34 – A arguida/assistente sustenta os dois filhos comuns.

35 – A arguida/assistente não tem antecedentes criminais.

            Matéria de Facto não provada

No dia 18 de Maio de 2008, a arguida disse ao arguido: “cabrão, paneleiro, filho da puta”.

Todos os vizinhos ouviram as expressões proferidas pela arguida.

Em consequência da conduta da arguida, o arguido sente-se envergonhado, humilhado, nervoso e angustiado;

Evita sair de casa ou frequentar cafés para não ser alvo do falatório e escárnio da população.

Que os factos ocorridos no dia 18 de Maio de 2008 tivessem ocorrido na presença dos filhos dos arguidos.

No mês de Junho de 2008, em data concretamente não apurada, mas num Sábado à noite, na Danceteria central, …. o arguido chamou à arguida: “cabras e putas”.

No dia 18 de Maio de 2008 a arguida tenha agido de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida por lei;

            Motivação da Decisão de facto

            O tribunal fundou a sua convicção nas declarações prestadas pelos arguidos/assistentes, nas declarações das testemunhas, nos relatórios médico legais de fls. 6 a 15, no certificado de registo criminal de fls. 137 e fls. 161.

            O arguido/assistente HH e a arguida/assistente MV  tiveram depoimentos coincidentes no que concerne ao facto provado indicado sobre o nº1, sendo que foi o único facto em que tal coincidência se verificou, tendo discordado em tudo o mais.

            No que concerne aos factos ocorridos no dia 18 de Maio de 2008, Arguido/Assistente HH teve um depoimento pleno de inconsistências e contradições apresentando até versões dos factos contrárias às regras da experiência.

            O Arguido/Assistente começou por referir que apenas tinha dado um toque no ombro da arguida/assistente o qual a tinha feito cair nos sacos de lenha que no local se encontravam, tendo referido ulteriormente que a arguida/assistente tinha pegado no barrote de madeira ainda antes do arguido lhe ter tocado no ombro.

            Ora esta versão de todo não convenceu o tribunal.

            Desde logo porque o arguido/assistente referiu amiúde ao longo do seu depoimento que tudo se iniciou porque este perguntou à arguida/assistente onde ia, uma vez que achava que tinha direito a ter essa informação e a fazer esse tipo de perguntas, mesmo admitindo que não fazia vida de casado com a arguida/assistente. Esta atitude é reveladora de um machismo e de um sentimento de propriedade sobre o outro, que facilmente explicam sentimentos de frustração, raiva e fúria perante a ausência de resposta.

            Importa ainda referir que tendo o arguido/assistente referido que a arguida/assistente não respondeu e fez um “pirete” e que à hora de chegada desta este se encontrava junto ao portão da casa, o tribunal pergunta: a fazer o quê?

            De acordo com o assistente/arguido: nada.

            Simplesmente isto não convence o tribunal, tendo em conta todo o circunstancialismo de pergunta e ausência de reposta referido pelo próprio arguido

            Nem convence o tribunal que a arguida/assistente tenha caído com um simples toque no ombro, desde logo porque de acordo com as regras da experiência comum, a causa invocada (toque no ombro) não é adequada a produzir aquele resultado (cair). Já um empurrão é de facto adequado a produzir aquele resultado.

            O arguido/assistente negou ter dado um soco à arguida, tendo dito que apenas lhe deu umas lambadas para se defender, porém e conforme já se expôs as suas explicações não convencera, de todo o tribunal.

            O facto dado como provado sob o nº17 decorreu da confissão do arguido, uma vez que foi pelo mesmo referido no decurso do seu depoimento.

            Ainda no que concerne aos factos ocorridos no dia 18 de Maio de 2008, o depoimento da arguida/assistente MV mereceu acolhimento por parte deste tribunal pela forma serena, consistente, verosímil, emocionada e honesta como foi prestado.

            A arguida/assistente respondeu de forma congruente a todos as questões que lhe foram colocadas.

            Referiu as questões que o arguido/assistente lhe fez no momento em que ia sair de casa naquele dia, referindo que não lhe respondeu porque achava que não tinha que o fazer, e que apenas lhe fez o “pirete”, com o intuito de olhe dizer “cala-te”, ou “não tens nada a ver com isso”, uma vez que apesar de ainda casados e a viverem na mesma casa, faziam vidas completamente separadas, de tal forma que até a declaração anual de rendimentos era entregue em separado.

            Descreveu que quando chegou a casa no dia 18 de Maio de 2008, o arguido/assistente a confrontou com os “piretes” que antes tinha feito, tendo-a empurrado e esta caído, e que só depois pegou no pau para se defender e lhe deu com ela, ao que o arguido/assistente respondeu com um murro.

            Ora, esta é uma descrição sequencial, verosímil de acordo com as regras da experiência comum, e congruente com o que o arguido/assistente revelou de si mesmo em tribunal ao referir por exemplo: “eu tinha o direito a saber onde ela andava.”

            No que concerne ao murro que o arguido/assistente lhe deu, este facto encontra suporte de prova não apenas nas declarações da arguida/assistente, mas sobretudo na consistência que as mesmas revelam tendo em conta o teor do relatório médico-legal.

             Relativamente aos factos ocorridos em Maio de 2008, junto ao Café …., atendeu o tribunal, mais uma vez, às declarações da arguida e ao depoimento da testemunha H, bem como da testemunha MF que, depois de ter identificado esta situação em concreto, referiu ser prática comum do arguido perseguir a arguida de carro, insultando-a com expressões como “vacas, putas, vão para o cabredo”.

            Também os factos ocorridos em Junho de 2008, na danceteria…. foram descritos de forma coerente pela arguida e pela testemunha MF.

            Os factos provados 18 e 19 resultaram do depoimento da testemunha R, filho dos arguidos/assistentes que quis prestar depoimento, e fê-lo de forma congruente e reputada consistente por este tribunal.

            Esta testemunha bem como o seu irmão D. tiveram um depoimento de emoção controlada, descrevendo as diversas condutas do arguido/assistente e sobretudo o estado psicológico em que deixavam a arguida/assistente.

            Revelaram ainda estas testemunhas que o inicio do mau relacionamentos entre os arguidos/assistentes dos autos se deveu ao conhecimento que a arguida/assistente teve de um relacionamento extraconjugal mantido pelo arguido/assistente, o qual esteve na base de todas as discussões, amarguras e subsequente divórcio.

            Foi também por estas testemunhas revelado que a arguida/assistente teve que sair de casa por não mais aguentar e que isso “resolveu parcialmente as perseguições”, tendo descrito de forma consistente o estado psicológico depressivo em que a arguida se encontrava e a necessidade de acompanhamento médico que sentiu, fruto das condutas perpetradas pelo arguido/assistente.

            Em relação à questão da situação pessoal dos arguidos, na falta de outros elementos, foram atendidas as declarações dos próprios, sendo certo que os autos não contêm elementos que as contrariem.

            Para dar como provada a ausência de antecedentes criminais, o tribunal atendeu ao teor do Certificado de Registo Criminal de fls. 161, emitido em 05-11-2009 e de fls. 137, emitido em 24-09-2009.

            O tribunal considerou não provado que a arguida tenha chamado nomes ao arguido uma vez que não foi produzida sobre tal facto, pois o próprio arguido afirmou não se recordar se tais expressões foram proferidas pela arguida.

            Em consequência, o tribunal considerou também não provado que as expressões tenham sido ouvidas pelos vizinhos.

            O tribunal considerou ainda não provado que o arguido se tenha sentido envergonhado, humilhado, nervoso ou angustiado em virtude de tal não resultar das declarações do mesmo. Este afirmou ter sentido dores, não tendo, no entanto, mencionado qualquer outro sentimento. Ademais, será ainda importante atentar no facto de ter sido o próprio arguido a afirmar que a altercação entre ambos teve lugar dentro do barracão e que não houve gritos, facto que é, aliás, confirmado pelas declarações da testemunha P, que não ouviu qualquer discussão. Assim, não sendo a altercação do conhecimento dos vizinhos, não poderemos entender como poderá o arguido ser alvo de falatório ou escárnio da população, sentimentos que, de qualquer modo, não resultaram minimamente do depoimento do mesmo.

            O facto de os acontecimentos de 18-05-2008 terem ocorrido na presença dos filhos dos arguidos foi considerado não provado com base nas declarações de ambos os arguidos, bem como no depoimento das testemunhas P, agente que se deslocou à residência dos arguidos nessa noite e que se deparou apenas com os dois, tendo um dos filhos chegado em altura posterior, R e D. ambos filhos dos arguidos, que negaram ter assistido a esta concreta altercação.

            Por fim considerou o tribunal não provado que o arguido tenha proferido as expressões “cabras e putas”, uma vez que se apurou que as expressões proferidas foram outras.

                                                                      
                                                                       O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. (Cfr. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente HH

 as questões a decidir são as seguintes:

- se os factos praticados pelo arguido e parcialmente descritos na acusação, integram um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.143.º, n.º1 do C.P., pelo que Tribunal a quo, não o tendo assim considerado, cometeu erro notório na apreciação da prova e na aplicação do direito, nos termos do art.410.º, n.ºs 1 al. c) e 3 do C.P.P.;

-  se a matéria de facto dada como provada é insuficiente para condenar o arguido pelo crime de violência doméstica, pelo que o Tribunal a quo violou o  disposto no art.410.º, n.º 2, al. a) do C.P.P.; 

- se o Tribunal a quo errou e violou o princípio in dubio pro reo ao dar como provados os factos constantes dos n.ºs 8, 20, 21 e 22 ( este último respeitante à expressão “ com quem tinha sido casado”) -  pois que deviam ter sido nada como não provados , e errou ao não ter dado por provado que a ofendida e arguido ora não vivem juntos e ao não ter acrescentado a expressão “renal” ao ponto 27 ;

- se o arguido, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.143.º, n.º1 do C.P., devia ter sido condenado em pena de multa;

- se, sem conceder, mas a ser condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.152.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, devia ter-lhe sido aplicada a pena mínima prevista no tipo penal, sem a imposição de frequência de qualquer curso e suspensa na sua execução por igual período; e

- se a indemnização deve ser reduzida e fixada em quantia nunca superior a € 500,00.

Passemos ao conhecimento da primeira questão.
           O art.410.º n.º 2 do Código de Processo Penal estatui que mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter por fundamento , desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida , por si só ou conjugada com as regras da experiência comum :
     a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ;
     b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ; ou 
     c) O erro notório na apreciação da prova .
Os vícios do art.410.º, n.º 2 do C.P.P. têm de resultar do texto da decisão recorrida , por si só ou conjugada com as regras da experiência comum , sem que seja possível a consulta de outros elementos constantes do processo.
O erro notório na apreciação da prova a que alude o art.410.º, n.º 2 do C.P.P. , tem lugar “... quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável , quando se dá como provado algo que notoriamente está errado , que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica , arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado facto ( positivo ou negativo )  contido no texto da decisão recorrida”. - Cfr. Cons. Simas Santos e Leal-Henriques , in “Código de Processo Penal anotado”, Rei dos Livros , 2ª ed. ,Vol. II , pág. 740.
No mesmo sentido decidiram, entre outros , o acórdão do STJ de 4-10-2001 (CJ, ASTJ, ano IX, 3º , pág.182 ).
Este erro nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correcta face à prova produzida em audiência de julgamento.
O erro é notório quando é patente, que não escapa à observação do homem comum, da pessoa com média instrução.
O n.º 3 do art.410.º do Código de Processo Penal acrescenta, por sua vez, que « O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.». 
O arguido HH defende que os factos que praticou, parcialmente descritos na acusação, integram um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.143.º, n.º1 do C.P., pelo que Tribunal a quo, não o tendo assim considerado, cometeu erro notório na apreciação da prova e na aplicação do direito, nos termos do art.410.º, n.ºs 1 al. c) e 3 do C.P.P.
Vejamos.
O vício do erro notório na apreciação da prova a que alude o art.410.º, n.ºs 1 al. c), do Código de Processo Penal só pode verificar-se relativamente aos factos tidos como provados ou não provados[4].
Este vício tem em vista a apreciação da prova, mais concretamente o ostensivo erro na sua apreciação.
A alegada errada subsunção dos factos provados ao tipo penal, designadamente por os  factos integrarem um crime - o de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.143.º, n.º1 do C.P.-,  e não outro - o de violência doméstica, p. e p. pelo art.152.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, do Código Penal - , nada tem que ver com a apreciação da prova realizada pelo Tribunal recorrido, quer através do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, mas sim, e apenas, com a interpretação do direito penal.
Deste modo, é evidente que a sentença recorrida nunca poderia padecer do vício do erro notório na apreciação da prova a que alude o art.410.º, n.ºs 1 al. c) do C.P.P. com a alegação , do recorrente HH de que os factos que praticou integram apenas um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.143.º, n.º1 do C.P..
Da fundamentação da matéria de facto, não vemos também que o Tribunal recorrido, ao dar como provada a matéria de facto que o recorrente impugna, tenha seguido um raciocínio ilógico, arbitrário ou contraditório, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, de onde se possa concluir pela existência de um erro notório na apreciação da prova.   
Deste modo, não se reconhece a existência deste vício.
O recorrente não indica em concreto, em lado algum das conclusões da motivação, nem na motivação, qual o requisito processual que foi inobservado pelo Tribunal a quo, cominado sob pena de nulidade, que não foi respeitado, sendo evidente que na alteração substancial dos factos deu integral cumprimento ao estatuído no art.359.º do Código de Processo Penal.   
Assim, não se reconhece a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, a que alude o n.º 3 do art.410.º do Código de Processo Penal.
Quanto ao alegado erro na aplicação do direito, por no entender do recorrente HH os factos que praticou, parcialmente descritos na acusação, integrarem um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.143.º, n.º1 do C.P., importa consignar aqui que o arguido vinha acusado pelo Ministério Público da prática desse crime.
Acontece, porém, que em audiência de julgamento, foi considerado estarem indiciados factos diversos dos descritos da acusação e que poderiam indiciariamente integrar um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.152.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, do Código Penal.  
Os arguidos/assistentes e o Ministério Público aceitaram a continuação do julgamento pelos novos factos e qualificação jurídica.

O bem jurídico protegido no crime de violência doméstica é complexo, abrangendo a integridade corporal, saúde física e psíquica e dignidade da pessoa humana, em contexto de coabitação conjugal ou análoga e, actualmente, mesmo após cessar essa coabitação.
Entre o crime de violência doméstica e o crime de ofensa à integridade física simples existe uma relação de especialidade, só se aplicando a pena estabelecida para a nova qualificação dos factos, isto é, prevista no crime de violência doméstica.

O que interessa agora decidir, em face da comunicação determinada nos termos do art.359.º do C.P.P é se os factos que foram comunicados ao arguido em audiência de julgamento ficaram provados e, nesse caso, se integram ou não o crime de violência doméstica pelo qual foi condenado e não se os factos pelos quais o arguido foi acusado integram um crime de integridade física simples, p. e p. pelo art.143.º, n.º1 do C.P., mas sim
Excluindo-se a integração da conduta do arguido, que resulta dos factos provados, no crime  de violência doméstica, em contrário do decidido pelo Tribunal recorrido na sentença, é que poderá voltar a autonomizar-se o crime de ofensa à integridade física simples que o recorrente defende ter praticado.
Tendo o Tribunal a quo decidido em face de factos diversos dos constantes da acusação e da nova qualificação jurídica, não tem razão de ser a alegação de que o Tribunal a quo errou na aplicação do direito ao não ter subsumido os factos da acusação ao crime de ofensa à integridade física simples.
Improcede deste modo a primeira questão objecto de recurso.   
             Passemos agora ao conhecimento da segunda questão apresentada pelo arguido nas conclusões da motivação: se a matéria de facto dada como provada é insuficiente para condenar o arguido pelo crime de violência doméstica, pelo que o Tribunal a quo violou o  disposto no art.410.º, n.º 2, al. a) do C.P.P..
Vejamos.
Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada , previsto na al. a) do n.º2 do art. 410.º do Código de Processo Penal , quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ( e da medida desta) ou de absolvição. - cf. entre outros , os Acórdãos do STJ de 6-4-2000 (BMJ n.º 496 , pág. 169) e de 13-1-1999 (BMJ n.º 483 , pág. 49) .
Admite-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração da qualificação jurídica da matéria de facto , ou da medida da pena ou de ambas – Cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques , in “Código de Processo Penal anotado” ,   2ª ed., pág. 737 a 739.
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida , a qual resulta da convicção do julgador e das regras da experiência ( art.127.º do C.P.P.).
No presente caso, o Tribunal recorrido apreciou os factos constantes da acusação do Ministério Público, bem como os da contestação, tendo ainda conhecido dos novos factos que comunicou aos arguidos/assistentes e ao Ministério Público que indiciariamente resultaram da audiência de julgamento.
O recorrente não indica em concreto que factos relevantes para a boa decisão da causa ficaram por apurar e que resultem do texto da sentença, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, e que fossem necessários para a decisão de direito, isto é, para a sua condenação pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.152.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, do Código Penal.  
Nas conclusões da motivação o recorrente invoca a existência do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada para ser condenado pelo crime de violência doméstica, mas nem ali, nem na motivação, indica porque é que a matéria de facto dada como provada e constantes da decisão recorrida é insuficiente para a decisão de direito a que chegou o Tribunal recorrido.
Por outras palavras, não indica quais os factos que deveriam ter sido averiguados e não foram, relativos aos elementos constitutivos do crime de violência doméstica ou causas de exclusão da ilicitude e da culpa, que poderiam levar a uma diferente decisão pelo Tribunal a quo.
Se bem entendemos o recorrente, o mesmo continua a partir do pressuposto que apenas praticou os factos que constam da acusação do Ministério Público, relativos ao crime de ofensa à integridade física simples e , daí ser insuficiente a matéria de facto para a condenação a que foi sujeito na 1.ª instância; apenas deveria ser condenado pelo crime de ofensas à integridade física de que vinha acusado pelo Ministério Público.
A insuficiência para a decisão condenatória pelo crime de violência doméstica resultaria assim, não da matéria de facto dada como provada na decisão recorrida, mas daquela que entende que deveria ter ficado provada e que a mesma impugna. 
Do texto da decisão recorrida , por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, o Tribunal da Relação não colhe que ficaram factos por apurar na audiência de julgamento necessários à decisão de direito tomada pelo Tribunal recorrido, sendo que os factos dados como provados pelo Tribunal recorrido preenchem todos os elementos constitutivos do crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.152.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, do Código Penal.  
Pelo exposto, não se reconhece a existência na sentença recorrida do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude a alínea a), n.º 2 do art.410.º do Código de Processo Penal.

A questão a conhecer agora é se o Tribunal a quo errou e violou o princípio in dubio pro reo ao dar como provados os factos constantes dos n.ºs 8, 20, 21 e 22 ( este último respeitante à expressão “ com quem tinha sido casado”) -  pois que deviam ter sido dados como não provados -, e errou ainda ao não ter dado por provado que a ofendida e arguido ora não vivem juntos e ao não ter acrescentado a expressão “renal” ao ponto 27.

A modificação da decisão da 1ª instância em matéria de facto só pode ter lugar, sem prejuízo do disposto no art.410.º, do C.P.P., se se verificarem as seguintes condições, enunciadas no art.431.º do mesmo Código:
  « a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;
     b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do art.412.º; ou
     c) Se tiver havido renovação de prova .”.
A situação prevista na alínea a), do art.431.º, do C.P.P. está excluída quando a decisão recorrida se fundamenta, não só em prova documental, pericial ou outra que consta do processo, mas ainda em prova produzida oralmente em audiência de julgamento. 
Também a possibilidade de modificação da decisão da 1.ª instância ao abrigo da al.c) do art.431.º, do C.P.P., está afastada quando não se realizou audiência para renovação da prova neste Tribunal da Relação, tendo em vista o suprimento dos vícios do art.410.º, n.º 2 do C.P.P..
A situação mais comum de impugnação da matéria de facto é a que respeita à alínea b) do art.431.º do C.P.P..
Esta alínea b) do art.431.º do C.P.P., conjugada com o art. 412.º, n.º3 do mesmo Código,  impõe ao recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o dever de especificar:

  « a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados ;

     b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida ;
     c) As provas que devam ser renovadas.»

E acrescenta o n.º 4 deste preceito legal :
« Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.»
O tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa. ( n.º 6 do art.412.º do C.P.P.).

Sobre o dever das menções dos n.ºs 3 e 4 do art.412.º do C.P.P. constarem das conclusões da motivação, o STJ já se pronunciou no sentido de que a redacção do n.º 3 do art.412.º do C.P.P., por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem de dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que “ versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda (…) ”, já o n.º 3 se limita a prescrever que “ quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (…)”, sem impor que tal aconteça nas conclusões. Perante esta margem de indefinição legal, quando o recorrente tenha procedido à mencionada especificação no texto da motivação e não nas respectivas conclusões, ou o Tribunal da Relação conhece da impugnação da matéria de facto ou, previamente, convida o recorrente a corrigir aquelas conclusões. – cfr. acórdão do STJ, de 5 de Julho de 2007, proc. n.º 07P1766, www.dgsi.pt/jstj.

Sobre esta problemática importa ainda aqui mencionar o acórdão do STJ , de 4 de Dezembro de 2008, que decidiu que tendo o recorrente especificado os pontos de facto que considerou incorrectamente julgados e indicado as concretas provas que impunham decisão diversa, referenciando-as aos respectivos suportes técnicos, mas de uma forma genérica em relação a cada uma das provas, pela indicação das voltas onde começavam e acabavam os depoimentos gravados, cumpriu substancialmente o ónus de impugnação que a lei lhe impõe.

O facto de o recorrente não ter localizado com precisão, nos respectivos suportes , os excertos das provas com que foi ilustrando os seus pontos de vista, não constitui fundamento de rejeição liminar do recurso. Antes de rejeitar o recurso, deve o tribunal convidar o recorrente a corrigir as conclusões, referenciando as provas que impunham decisão diversa da recorrida aos precisos locais, nos suportes técnicos, onde se encontravam os excertos de que se serviu para fundamentar os seus pontos de vista. - CJ, n.º 121, pág. 247.

O art.417.º, n.º 3 do C.P.P., na actual redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, permite o convite ao recorrente para completar ou esclarecer as conclusões formuladas.

No presente caso, as conclusões da motivação estão longe de ser um modelo de perfeição. Ainda assim, o arguido indica nelas os concretos factos que foram dados como provados na sentença recorrida e que considera incorrectamente julgados e, minimamente, as provas concretas que impõem decisão diversa da recorrida, e que são as declarações da ofendida, os depoimentos dos filhos e ainda das testemunhas H e da MF. Embora quanto à prova produzida oralmente na audiência, não faça o arguido menção aos respectivos suportes técnicos, por referência ao consignado na acta, com as concretas passagens em que se fundamenta a impugnação, essa menção é feita na motivação do recurso, mas em termos genéricos.

Pese embora esta outra deficiência, resultante de a impugnação ser feita para a totalidade dos depoimentos das testemunhas que indica, o Tribunal da Relação, considerando que a pequena dimensão da gravação das provas referidas ( 16m21s as declarações da arguida/assistente; 10m28s o depoimento de R; 9m12s o depoimento de D; 11m04s, o depoimento de H e de 9m04s o depoimento de MF) permite localizar com alguma facilidade os excertos das passagens que ilustra o ponto de vista do recorrente, por uma questão de economia processual, mesmo sem convite ao aperfeiçoamento das conclusões da motivação, considera-se apto a modificar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo,  e que o recorrente HH impugna, ao abrigo do disposto nos artigos 412.º, n.ºs 3 e 4 e  431.º, al. b), do C.P.P..
Neste âmbito, importa realçar que a documentação da prova em 1ª instância tem por fim primeiro garantir o duplo grau de jurisdição da matéria de facto, mas o recurso de facto para o Tribunal da Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada como se o julgamento ali realizado não existisse. É antes, um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto exige uma articulação entre o Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal de recurso relativamente ao principio da livre apreciação da prova , previsto no art. 127.º do Código de Processo Penal , que estabelece que “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente , a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”.

As normas da experiência são «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico , independentes do caso concreto “sub judice” , assentes na experiência comum , e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam , mas para além dos quais têm validade.» - Cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira , in “Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág.300.

Sobre a livre convicção do juiz diz o Prof. Figueiredo Dias que esta é “... uma convicção pessoal -  até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais  -  , mas em todo o caso , também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros .”- Cfr., in “Direito Processual Penal”, 1º Vol. ,  Coimbra  Ed. , 1974, páginas 203 a 205.

O principio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento , encontrando  afloramento  , nomeadamente , no art. 355.º do Código de Processo Penal . È ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova , na recepção directa de prova.

O principio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo , pessoal , entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar , e com as coisas e documentos que servirão para  fundamentar a decisão da matéria de facto.

Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias , ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação  diz o mesmo: « Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos  e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade , que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita  , desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha , e que derivava sobretudo de com ele se tornar absolutamente impossível avaliar da  credibilidade de um depoimento. (...) .Só estes princípios , com efeito , permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido , a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado , avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais “. - In “Direito Processual Penal”, 1º Vol. ,  Coimbra  Ed. , 1974, páginas 233 a 234 .

Na verdade, a convicção do Tribunal “a quo” é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.

Do exposto resulta que, para respeitarmos os princípios oralidade e imediação na produção de prova, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum , ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.

Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra , de 6 de Março de 2002 ( C.J. , ano XXVII , 2º , página 44 ) , “ quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.

Em suma, o preceituado no art.127.º do Código de Processo Penal deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.

Nesta parte importa realçar que o objecto da prova pode incidir sobre os factos probandos ( prova directa ), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem , com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este ( prova indirecta ou indiciária).

A prova indirecta “ … reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova” – cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “ Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág. 289.

Como salienta o acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996, “ a inferência na decisão não é mais do que ilação, conclusão ou dedução, assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz.” – cfr. Revista Portuguesa de Ciência Criminal , ano 6.º , tomo 4.º, pág. 555. No mesmo sentido, o acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Fevereiro de 2000, ano XXV, 1.º, pág. 51.

Quanto ao princípio “in dubio pro reo” , o mesmo decorre do principio da presunção da inocência , consagrado no art.32.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa, que estatui , designadamente , que “ todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”.

O princípio “in dubio pro reo” estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido. Ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet.

O Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse principio se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido - cfr. entre outros , o acórdão do S.T.J. de 2 e Maio de 1996 ( C.J. , ASTJ , ano IV , 1º, pág. 177 ) .

O primeiro ponto da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida que o arguido impugna nas conclusões da motivação é o n.º 8 , onde se menciona que no dia 18 de Maio de 2008, pelas 3h30m, o arguido/assistente desferiu um murro no nariz da assistente MV.

O recorrente defende que não é crível, à luz das regras da experiência comum, que um murro dado pelo arguido no nariz da ofendida provocasse apenas as lesões descritas no respectivo exame pericial e referidas na alínea a) do ponto n.º 9 da sentença. A lesão resulta dos óculos da ofendida já que se situa precisamente no local onde aqueles assentam. 

Vejamos.

Da fundamentação da matéria de facto resulta que a versão do arguido/assistente , negando ter dado um soco à arguida/assistente pois que “ apenas lhe deu umas lambadas para se defender” , não convenceu o Tribunal a quo, que considerou que aquele teve um depoimento pleno de inconsistências e contradições apresentando versões contrárias às regras da experiência, como “já se expôs”. 

O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão, quanto a este ponto, nas declarações da assistente/arguida MV, que depôs de “ forma serena, consistente, verosímil, emocionada e honesta como foi prestado. A arguida/assistente respondeu de forma congruente a todos as questões que lhe foram colocadas. (…)” , sendo que “ No que concerne ao murro que o arguido/assistente lhe deu, este facto encontra suporte de prova não apenas nas declarações da arguida/assistente, mas sobretudo na consistência que as mesmas revelam tendo em conta o teor do relatório médico-legal.”.

Da fundamentação da sentença resulta medianamente claro que o Tribunal a quo deu como provado que a lesão apresentada pela assistente/arguida MV “no vértice do dorso do nariz, com 1 cm de comprimento por 3 mm de largura”, linear e na horizontal, foi causada através de um murro do arguido, e não por uma bofetada, em face da credibilidade das declarações daquela.

O Tribunal da Relação procedeu à audição integral das declarações da assistente/arguida MV. Esta declarou em audiência de julgamento, designadamente que, em determinada altura, o arguido lhe deu um murro e “cortou-me aqui com os óculos (…) Não foi uma lambada, foi um murro no nariz, que me cortou o nariz com os óculos”.

O Tribunal da Relação não vislumbra qualquer regra da experiência comum no sentido de que aquela lesão no nariz só pode ter sido causada por uma pancada com a mão aberta , mas não com a mão fechada.

Um murro, dado com uma intensidade média, dirigido à cara de uma mulher, acertando nos óculos que esta usa, pode perfeitamente causar nela uma lesão no vértice do dorso do nariz da ofendida, como a descrita no ponto n.º 9, a) dos factos dados como provados. Como certamente uma bofetada desferida com razoável força pode causar aquela lesão.

No caso, não havendo qualquer elemento objectivo que coloque em causa a credibilidade das declarações da assistente/arguida MV, relativamente aos factos que constam do ponto n.º 8 agora em causa, e estando aquelas valoradas positivamente pelo Tribunal recorrido, no âmbito da imediação e da oralidade, resta manter esta matéria de facto nos termos que constam da sentença recorrida.  

Quanto aos pontos n.ºs 20 e 21 dos factos dados como provados, o recorrente HH entende que estes que foram deficientemente julgados porquanto não foi feita prova suficiente de que a ofendida MV sofreu grandes transtornos e nervosismo, ansiedade, medo e perturbação, e muito menos que tais factos levassem a ofendida a ser medicada e a tomar ansióliticos, anti-depressivos ou fosse o que fosse.

Alega que, para além das regras da experiência e do exame médico, resulta das declarações da ofendida que ela nunca teve medo do arguido e que se quisesse magoá-lo sabia bem como o deveria fazer.

A ofendida nunca referiu nas suas declarações, relativamente à situação dada como provada nos pontos n.ºs 14 a 16, que tivesse tido medo, mas apenas que se sentiu incomodada.

Confessou ainda que deu com o pau que agarrou no arguido, isto é, não chorou, não fugiu, não entrou em pânico. E disse que tinha um pau debaixo da cabeceira e que entrava em casa com um pau ou pedra para se defender do arguido, e que este “ é tão cobarde” e que “ele não saia do carro”.      

A testemunha D, filho do casal, disse por sua vez no seu depoimento, que medo do arguido a mãe não tinha, que era uma mulher forte. Que pensa que o arguido não era capaz de fazer mal à ofendida e que não se pode dizer que presenciou agressões físicas entre os pais, mas que havia empurrões mútuos.

Quanto ao alegado tratamento médico com anti-depressivos, das declarações da ofendida e dos depoimentos dos filhos, R e D, apenas resulta uma sucessão de discussões sem agressões físicas entre a ofendida e o arguido, normalmente iniciadas pelo arguido, com empurrões recíprocos, não permitindo estabelecer uma relação causal entre qualquer tratamento, também não determinado no tempo e modo, e o estado psíquico da ofendida.   

Considerando a imprecisão e parcialidade dos depoimentos, declarando o filho R que a sua relação com o pai não é propriamente a melhor e o filho D que não pode dizer que tenha relacionamento com o pai e que este é apenas mais uma pessoa que está lá em casa, tem de se aplicar o princípio in dubio pro reo e não se darem como provados os pontos n.ºs 20 e 21 da sentença.

Vejamos.

Antes do mais importa aqui anotar que nos factos dados como provados na sentença recorrida existem dois pontos com os n.º 20 e dois com os n.º 21:

« 20 – Como consequência dos factos supra descritas a arguida/assistente sentia medo, perturbação, nervosismo.

   21 – O estado emocional em que a arguida se encontrava, como consequência dos factos supra descritos, levaram-na a pedir ajuda médica, tendo sido medicada com anti-depressivos.

   20 – O arguido actuou, em todas as situações supra descritas, de forma livre, deliberada e consciente.

   21 – Querendo afectar, como afectou o bem-estar físico, psíquico, tranquilidade, honra e dignidade da arguida/assistente.».

Uma vez que o arguido HH impugna nas conclusões da motivação e motivação do recurso, o estado psicológico e emocional da ofendida ali descrito como consequência da conduta dele, parece-nos que todos estes pontos acabam por ser impugnados.

Da fundamentação da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida pode concluir-se que os pontos agora em apreciação resultaram , no essencial, das declarações da ofendida MV e dos depoimentos das testemunhas R e D, filhos dos arguidos/assistentes, os quais, no entender do Tribunal a quo, descreveram de forma credível, designadamente, as diversas condutas do arguido/assistente e, sobretudo, o estado psicológico depressivo que causavam à arguida/assistente, determinando o divórcio e saída desta de casa de morada de família.

Sobre esta problemática importa referir que, efectivamente, a arguida/assistente Maria declarou, no geral, o que consta referido na motivação do recurso.

Importa, porém, contextualizar os segmentos das declarações transcritas pelo recorrente na motivação do recurso para decidir se as condutas do arguido HH, descritas nos factos dados como provados, foram indiferentes para a assistente MV não afectando, além da integridade física a sua tranquilidade e saúde mental. É evidente que cada uma das condutas não tem de violar cada um destes valores protegidos pela lei penal e civil.

A assistente MV declarou, efectivamente, que se quisesse magoar o arguido HH sabia bem onde o fazer, que era no rim, por ter sido transplantado a um rim.

Esta frase surge a propósito das agressões ocorridas no dia 18 de Maio de 2008, após mencionar que o arguido a empurrou, deitando-a ao chão, para cima duns sacos, onde espetou um prego numa mão. Com a frase quis explicar que foi em legitima defesa, e não para o magoar, que então agarrou e deu uma pancada com um pau num braço do arguido.

Dessas declarações não resulta que a assistente não teve medo, perturbação ou nervosismo. Pelo contrário. Tendo a assistente MV declarado na mesma altura que o arguido “ quando me viu com um pau ficou uma fera”, e sabendo-se que vulgarmente apelidar alguém de “fera” é imputar-lhe comportamentos perigosos, pode concluir-se, sem dificuldade, que a assistente M teve, naquela altura, medo, perturbação e nervosismo.

A assistente declarou, também, que dormia com um pau debaixo da almofada, que até uma pedra por vezes levava quando entrava em casa, e que ele é cobarde.

Para além de não se vislumbrar destas frases que a assistente MV não tinha medo do arguido, importa contextualizar as mesmas.

A arguida declarou que “dormia com um  pau debaixo da almofada , porque tinha medo ”do arguido e que “ até uma pedra levava, porque tinha medo que me agredisse.”

Quanto à menção de que o arguido é “cobarde”, a palavra surge na seguinte frase “ As pessoas dizem para ter cuidado com ele, mas eu penso que ele é um cobarde , mas ás vezes saem donde delas não se esperam.”.

A propósito do episódio referente ao sábado à noite na dancetaria …, a que se alude nos pontos n.ºs 14 a 16, a assistente declarou, designadamente, que as palavras que ali lhe foram dirigidas pelo arguido, quando estavam presentes entre outros os filhos e a namorada do filho mais velho, foram um escândalo e, ainda, que o arguido “quis-me agredir”.     

Quanto à necessidade de apoio médico, a assistente mencionou que após a completa separação de vida com o arguido e vivendo ambos na mesma casa, depois de um período em que se isolou, a família pediu-lhe para sair. Quando passou a sair com familiares e uma amiga, o arguido passou a segui-la e a quer controlar o que fazia. Teve então que ir ao médico de família porque as coisas começaram a complicar-se em casa.

Estas declarações da assistente MV permitem suportar, quando tidas como credíveis, os factos ora impugnados.

O Tribunal da Relação procedeu ainda à audição integral dos depoimentos das testemunhas R e D, filhos dos arguidos/assistentes.

Do depoimento da testemunha R resulta, designadamente, que a relação dos pais começou a degradar-se quando o pai começou a sair à noite, há 4 ou 5 anos. Havia muitas discussões, que normalmente eram iniciadas “por ele começar a chatear”. Nunca assistiu a agressões e ferida apenas viu a sua mãe na noite em que ele a agrediu e ela a ele, por volta de Junho ou Julho , num sábado á noite. Quando chegou a casa estava lá a GNR e a sua mãe tinha o nariz esmurrado. A sua mãe sente medo do arguido. Por vezes anda atrás dela. É normal que tenha receio dele. Passa mais por aí. Anda abatida, psicologicamente anda mais frágil. A sua mãe saiu da casa de morada de família há 1 ano e alguns meses. Ela teve que sair porque o ambiente era mau. Segundo a sua mãe lhe conta, o arguido, de vez em quando continua a andar a trás dela. Uma vez encontrou o seu pai escondido atrás de uma paragem de camioneta à espera da ofendida.

Quanto às suas relações com o arguido, seu pai, declarou que vive ainda na mesma casa com ele , mas “a minha relação com o meu pai não é propriamente a melhor.”.

Por sua vez, a testemunha D declarou, designadamente, que tem um bom relacionamento com a sua mãe. Não assistiu “a uma agressão mesmo”, só a empurrões, sendo que “quem começava era normalmente sempre” o seu pai. Pelo que a mãe diz, o pai persegue-a. Já deu a passar por ele à porta da casa onde ela agora vive, mas isso por si nada prova. Não diria que a sua mãe sente medo, mas que se sente incomodada sente, e muito. Anda abalada por causa destas situações. Teve acompanhamento da Associação de Apoio à Vitima e ainda em médico por causa destas situações.

Sobre o seu relacionamento com o pai refere que ainda vive com ele mas “raramente falamos e dirigimos a palavra um ao outro.” Não sente à-vontade. Lembra-lhe o que ele fez, “o ter traído a minha mãe e os maus-tratos psicológicos que me fez, por assistir a discussões entre os dois.” Era uma criança. Ainda era menor quando se divorciaram.

Os depoimentos destas duas testemunhas não apresentam contradições, nem são apresentados factos que levem o Tribunal da Relação a não considerar como credíveis os mesmos pelo facto de tomarem uma posição de defesa da mãe em relação ao pai, a quem atribuem a culpa da situação que levou ao rompimento da relação matrimonial.

Para além destas testemunhas, também as testemunhas MF e H, cujo depoimento o Tribunal da Relação ouviu, são claras no sentido de que a assistente MV sente medo e receio do arguido e  que anda nervosa em face das condutas deste, acrescentando esta última que em face dos factos praticados pelo arguido a assistente chorava e chegou a  ir a um medico de família, pelo menos, tendo ouvido que ela tomava anti-depressivos.

Não há elementos objectivos que coloque em causa a credibilidade das declarações da assistente e de todas estas testemunhas relativamente aos factos agora em causa.

Mostrando-se valorados positivamente pelo Tribunal recorrido, no âmbito da imediação e da oralidade, aquelas declarações da assistente MV e os depoimentos destas testemunhas, e sendo os mesmos suficientes para dar como provados os pontos n.ºs 20 a 21, o Tribunal da Relação não vê qualquer razão para modificar a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo.

Assim, mantém-se  a mesma matéria entre os factos dados como provados. 

Quanto ao ponto n.º 22 dos factos dados como provados, o recorrente HH defende que não devia ter sido dada como não provada a expressão “com quem tinha sido casado”.

Vejamos.

Resulta do ponto n.º 1 dos factos provados que os arguidos/assistentes eram casados entre si  em 2008. E os factos descritos têm lugar enquanto casados.

À data do julgamento eles são já divorciados, como resulta do relatório da sentença.

Não vislumbramos assim qualquer erro de julgamento quando no ponto n.º 22 dos factos dados como provados se dá como assente que o arguido HH agiu do modo descrito para com a assistente MV « Não obstante saber que lhe devia respeito enquanto pessoa com quem tinha sido casado, ser humano e mãe dos seus filhos.».

Relativamente à pretensão de que devia ter sido dado como provado que a ofendida e o arguido já não vivem juntos, diremos que está dado como provado que quando eram casados, mas estavam separados de facto, viviam na mesma casa.

Actualmente a assistente e o arguido estão divorciados, pelo que é natural que não residam na mesma casa.

Porém, o facto em si é inócuo, pois é irrelevante designadamente a nível de factualidade típica e de ilicitude e para efeito de decisão sobre a obrigação de frequência de programas de prevenção da violência doméstica. È muito frequente a violência doméstica após a separação e divórcio dos cônjuges, quando ambos residem em moradas diferentes

Pelas mesmas razões, é irrelevante também a pretensão do recorrente HH de que ao ponto n.º 27 dos factos dados como provados – “ o arguido/assistente recebeu um transplante” – se acrescente a palavra “renal”.  Nada traria de novo a especificação do transplante ao nível da ilicitude típica, da culpa ou da escolha e medida da pena.

Em suma, a versão dos factos dada como provada na decisão recorrida e que o recorrente impugna, é admissível face às regras da experiência comum e livre convicção, pelo que o Tribunal da Relação não vê razões para concluir que o Tribunal a quo devia ter decidido de modo diverso.
A convicção do Tribunal recorrido expressa na sentença, adquirida na base da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, no sentido de que o arguido praticou os factos dados não é irracional, nem viola as regras da experiência comum, como atrás se deixou já consignado e é a suficiente para as soluções plausíveis.
Está deste modo afastada quer a existência de erro de julgamento da matéria de facto.
Lendo a fundamentação sobre a matéria de facto da sentença recorrida não se vislumbra  ainda nela que o Tribunal recorrido tenha chegado a qualquer estado de dúvida sobre a prática pelo arguido HH dos factos que deu como provados.

O que resulta daquela é um estado de certeza do Tribunal recorrido relativamente à prática pelo arguido/recorrente dos factos dados como provados.
Afastada fica assim, igualmente, a violação pelo Tribunal recorrido – e bem face à prova produzida – do principio “in dubio pro reo”, pelo que se considera  definitivamente fixada a matéria de facto nos termos que constam da sentença recorrida.
Improcede assim integralmente esta questão.

Por fim, não deixamos de anotar aqui que a motivação do recurso apresenta uma mais ampla impugnação da matéria de facto do que aquela que consta das conclusões da motivação. Na motivação do recurso o recorrente defende, ainda, designadamente: - que não ficou provado que as lesões na mão direita, mencionadas no ponto n.º 9, al.b) dos factos provados, resultaram da agressão do arguido à ofendida. As lesões na mão direita tanto podem resultar de agressão do arguido como da ofendida neste. A ofendida disse nas suas declarações que o ferimento da sua mão se deveu ao facto de com o empurrão do arguido se ter sentado sobre um molho de lenha e ter ferido a mão num prego; - que o ponto n.º 10 ( parte final) dos factos dados como provados se revela mal julgado porquanto nenhuma prova foi feita em audiência de que a ofendida tivesse perdido qualquer dia de trabalho e correspondente remuneração, limitando-se o tribunal a ali reproduzir  o relatório pericial; e - que o ponto n.º 11 dos factos dados como provados na sentença não poderia ter sido dado como provado, pois é de difícil compreensão o depoimento da arguida e das testemunhas H e MF, de que foram apelidadas de “putas, cabras, coirões”, quando o arguido conduzia o seu carro e elas o delas, pois resulta das regras da experiência que não é possível distinguir claramente tais palavras atento o normal afastamento dos carros e o barulho dos motores.
Como já atrás se mencionou, as conclusões da motivação do recurso são extraordinariamente importantes, exigindo muito cuidado, pois são elas que delimitam o âmbito do recurso. Nas conclusões da motivação o recorrente HH apenas impugna, como factos dados como provados, os constantes dos pontos n.ºs 8, 20, 21 e 22 ( este último respeitante à expressão “ com quem tinha sido casado”).  Tendo o arguido HH deixado “cair” nas conclusões da motivação essa matéria o Tribunal da Relação está impedido de dela conhecer.

A questão seguinte é se o arguido HH devia ter sido condenado, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.143.º, n.º1 do C.P., em pena de multa.

O recorrente limita-se a alegar que os actos por si praticados, que deviam ter sido dados como provados - ou seja, excluindo-se os que impugnou -, não se enquadram no crime de violência doméstica e que, por isso, não se deveria ter procedido à alteração dos factos provindos da acusação, nem à alteração da qualificação jurídica que desta constava.  

Não refere que os factos dados como provados pelo Tribunal a quo integram o crime de violência doméstica, nem impugna minimamente a decisão de direito nos termos do art.412.º, n.º 2 do C.P.P..

Sobre esta questão diremos apenas que o Tribunal a quo condenou o arguido HH pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º1, alínea a) e n.º 2.  do Código Penal e não por um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.143.º, n.º1 do mesmo Código.

Na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 98/X, que originou a Revisão do Código Penal introduzida pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, menciona-se que entre as principais orientações destacam-se « o reforço da tutela de pessoas particularmente indefesas, como as crianças, os menores e as vítimas de violência doméstica, maus tratos ou discriminação », salientando-se o seguinte:

« Ainda em sede de crimes contra a integridade física, os maus tratos, a violência doméstica e a infracção de regras de segurança passam a ser tipificados em preceitos distintos, em homenagem às variações de bem jurídico protegido. Na descrição típica da violência doméstica e dos maus tratos, recorre-se, em alternativa, às ideias de reiteração e intensidade, para esclarecer que não é imprescindível uma continuação criminosa. No crime de violência doméstica, é ampliado o âmbito subjectivo do crime passando a incluir as situações de violência doméstica que envolvam ex-cônjuges e pessoas de outro ou do mesmo sexo que mantenham ou tenham mantido uma relação análoga à dos cônjuges. Introduz-se uma agravação do limite mínimo da pena, no caso de o facto ser praticado na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima, ainda que comum ao agente. À proibição de contacto com a vítima, cujos limites são agravados e pode incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho com fiscalização por meios de controlo à distância, acrescentam-se as penas acessórias de proibição de uso e porte de armas, obrigação de frequência de programas contra a violência doméstica e inibição do exercício paternal, da tutela ou da curatela.».

Como já se mencionou, entre o crime de violência doméstica e o crime de ofensa à integridade física simples existe uma relação de especialidade, só se aplicando a pena prevista no crime de violência doméstica.

Resulta da sentença recorrida, que os actos descritos como praticados pelo arguido causaram à assistente MV, de modo repetido, como foi propósito dele, humilhação, vexame público e,  uma vez ainda, lesões físicas, violando o dever de a respeitar como pessoa e como cônjuge.
O arguido agiu com dolo directo e intenso, com liberdade na acção, conhecendo e querendo infligir ao seu cônjuge maus tratos físicos e psíquicos, com conhecimento de que a sua conduta era proibida, pelo que preencheu com a sua conduta todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.152.º, n.ºs 1, al. a), do Código Penal.
Uma vez que tal chegou a ocorrer na residência do casal, o arguido preencheu ainda com a sua conduta a agravante do n.º 2 , do  art.152.º, do Código Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro.

Considerando o exposto fica prejudicada a pretensão do recorrente de que o mesmo com a sua conduta praticou apenas um crime de ofensas à integridade física e consequente aplicação de da pena de multa prevista em alternativa no tipo penal. 

A questão seguinte é se, condenando-se o arguido pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.152.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, devia ter-lhe sido aplicada a pena mínima prevista no tipo penal, suspensa na sua execução por igual período e sem a imposição de frequência de qualquer curso.

Vejamos.

O crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.ºs 1, al. a), 2 do Código Penal, pelo qual o arguido foi condenado em 1.ª instância, é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.

Na determinação concreta da pena de prisão e de acordo  com os critérios estabelecidos no art.71.º do Código Penal,  deve o Tribunal atender à culpa do agente e ás exigências de prevenção ( n.º1 ), bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra este ( n.º2).

A culpabilidade é um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa , censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal.

O facto punível não se esgota na desconformidade com o ordenamento jurídico-penal , com a acção ilícita-típica,  necessário se tornando sempre que a conduta seja culposa, “ isto é , que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente , por aquele se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever-ser sócio-comunitário.”- cfr. Prof. Fig. Dias , in “Temas básicos da doutrina penal”, Coimbra Ed., pág. 230.

A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo quer para dissuadir a prática de crimes , através da intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente ( prevenção geral negativa ou de intimidação ) , quer  para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na  tutela de bens jurídicos e , assim , no ordenamento jurídico-penal ( prevenção geral positiva ou de integração).

A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual , isto é , à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente , com o fim de evitar que no futuro , ele cometa novos crimes , que reincida.

Por respeito à eminente dignidade da pessoa a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa ( art.40.º, n.º 2 do C.P.) , designadamente por razões de prevenção.

O bem jurídico protegido no crime de violência doméstica é complexo, abrangendo a integridade corporal, saúde física e psíquica e dignidade da pessoa humana, em contexto de coabitação conjugal ou análoga e, actualmente, mesmo após cessar essa coabitação.

No caso em apreciação, diremos que o grau de ilicitude é razoavelmente elevado, considerando as condutas do arguido e as consequências no corpo e na saúde da assistente Maria.  

O arguido agiu com dolo directo.

Não beneficia de circunstâncias relevantes como a confissão integral e sem reservas, do arrependimento sincero ou da reparação dos danos causados.

Embora não tenha antecedentes criminais e a respostas da assistente a algumas das ofensas perpetradas pelo arguido violem também o dever de respeito devido ao arguido ( pontos n.ºs 3 e 16)  as razões de prevenção especial não são despiciendas.

São prementes as razões de prevenção geral, uma vez que a violência doméstica é um crime frequente, perturbando fortemente as relações familiares e a paz social, que importa reforçar.

Considerando o exposto e a pena abstracta, consideramos que a pena de 2 anos e 9 meses de prisão, aplicada pelo Tribunal recorrido ao arguido, suspensa na execução por igual período de tempo, não é excessiva, mas adequada à sua culpa e às razões de prevenção.

Relativamente à obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica, decretada pelo Tribunal a quo , a que alude o n.º 4 do art.152.º do Código Penal, o recorrente defende que não se justifica uma vez que ele e a assistente MV vivem em casas separadas.

Salvo o devido respeito, não resulta da letra da lei, nem do seu espírito, que tal obrigação visa apenas os cônjuges ou ex-cônjuges que continuem a viver na mesma casa.

Considerando os factos dados como provados o Tribunal a quo não vê razões para censurar a aplicação desta pena acessória, tendo em vista a ressocialização do arguido.

Improcede assim esta questão.

A última questão a decidir é se a indemnização deve ser reduzida e fixada em quantia nunca superior a € 500,00.

Também nesta parte o recorrente não alega razões concretas que sustentem a sua pretensão de redução da indemnização de danos não patrimoniais fixada em € 1.500  na sentença, para os € 500.
Ainda assim diremos que para os danos não patrimoniais rege o disposto no art.496.º do Código Civil, que no seu n.º 3, 1ª parte , estatui que o montante da indemnização deve ser fixado por critério de equidade, tendo em conta as circunstâncias referidas no art.494.º do mesmo Código, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem.
A indemnização dos danos não patrimoniais, prevista no art.496.º do Código Civil, reveste uma natureza acentuadamente mista; por um lado, visa a compensação de algum modo, mais do que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com meios próprios do direito privado , a conduta do agente - cfr. Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 8.ª edição, Almedina , pág. 611 e seguintes e acórdão do STJ, de 26 de Junho de 1991, in BMJ, n.º 408.º, pág. 538.
Na formação do juízo de equidade, devem ter-se em conta também as regras da boa prudência, a justa medida das coisas, a criteriosa ponderação das realidades da vida, como se devem ter em atenção as soluções jurisprudenciais para casos semelhantes – cfr. acórdãos do STJ, de 25 de Junho de 2002 ( C.J., ASTJ, ano X, tomo 2.º, pág. 128) e de 4 de Novembro de 2004 ( C.J., n.º 179, pág. 223).
No caso em apreciação , resulta dos factos descritos nos pontos n.º s 2 a 22 da matéria de facto dada como assente na sentença , que o arguido violou direitos de personalidade da assistente ao ofender a integridade física, a honra , o bom nome e a dignidade desta, sendo que pelo casamento com ela celebrado tinha o particular dever legal de não violar estes direitos pessoais dela, com as consequências que se mostram descritas designadamente nos pontos n.ºs 9, 20 e 21 dos factos provados. 
Considerando a duração e repetição, das humilhações causadas à assistente/demandante pelo arguido/demandado, sem esquecer a situação económica e social do demandado e da demandante, afigura-se-nos ser equitativa e justa a indemnização de € 1500 atribuída pelo Tribunal recorrido à demandante, em resultado dos danos não patrimoniais. 

Assim, é de manter a obrigação de indemnização a favor da demandante do quantitativo fixado pelo Tribunal a quo.

            Decisão

            Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido HH e manter a douta sentença recorrida.

             Custas pelo recorrente, fixando em 6 Ucs a taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

                                                                         *

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                                             

   *

                                                                                        Coimbra,


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] cf. acórdão do STJ, de 13 de Outubro de 1999, proc. n.º 1002/98, in www.dgsi.pt.