Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
645/08.0PBFIG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
REQUISITOS
INDÍCIOS
FUGA
Data do Acordão: 12/10/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA FIGUEIRA DA FOZ – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 193º , 202º DO Nº 1 A) , 204.º, B), DO C.P.P.
Sumário: 1. Tanto materializa a fuga – violando as obrigações resultantes do temo de identidade e residência – o arguido que se ausenta para país longínquo, evitando a acção da Justiça, a coberto de normas que impeçam a extradição; como aquele que escapa à captura, deslocando-se do rés-do-chão esquerdo para o rés-do-chão direito de um mesmo edifício, ou aquele que se dilui na multidão durante a perseguição.
2. O requisito constante da alínea b), do artigo 204.º, do C.P.P. peca por defeito. No decurso do inquérito ou da instrução os riscos de perturbação de qualquer das ditas fases do processo podem ser mais acentuados, no que respeita à aquisição, conservação ou veracidade da prova. Esses mesmos riscos estão arredados, quer da fase de julgamento – que é por excelência a fase de produção da prova e onde as consequências daqueles perigos são determinantes para a justiça do caso concreto quer na fase de recurso. Assim importa corrigir a rota, eliminando do preceito a exclusiva referência ao inquérito e à instrução, de forma a estender a tutela a toda a tramitação processual.
3. A nossa lei, estabelece dois momentos de qualificação indiciária no percurso processual da averiguação da responsabilização ou inculpação penal do arguido: um primeiro na alínea a) do nº 1 do artigo 202º do Código de Processo Penal quando exige que para decretamento da medida de coacção de prisão preventiva se torna necessária a existência de “fortes indícios”; e um segundo no nº1 do artigo 283º do mesmo diploma quando exige que, para dedução da acusação, se torna necessário que durante o inquérito se hajam reunido ou recolhido “indícios suficientes”.
4. Os indícios distinguem-se, quanto à espécie: a) – pela força probatória, em indícios manifestos, próximos ou remotos; b) - pela sua extensão, em indícios comuns ou gerais e indícios próprios ou especiais; c) – do ponto de vista cronológico, em antecedentes, concomitantes e subsequentes; d) – situando-se unicamente no ponto de vista das circunstâncias probatórias
5. A jurisprudência com variações semânticas pouco dissonantes tem vindo a definir indícios suficientes como aquele conjunto de elementos lógico-materiais, que socavados de verificações e percepções sensoriais objectivas, se congraçam, de acordo com as regras da experiência comum, numa convicção alicerçada quanto à existência e ocorrência de um determinado facto histórico
Decisão Texto Integral: I. – Relatório.    

Após interrogatório dos arguidos AN...  – cfr. fls. 138 a 141 -, CA...  – cfr. fls. 141 a 143; CL...  – cfr. fls. 143 a 146; e de IN...  – cfr. fls. 146 a 148, foi, após promoção do Ministério Público e declaração dos mandatários dos arguidos – cfr. fls. 149 a 153 (com nova audição do arguido AN...  por haver sido arguida uma nulidade relativamente ao conteúdo dos mandados) – veio a Exma. Senhora Juíza a proferir despacho, no qual depois de operada a qualificação dos factos pelos quais os arguidos se encontravam indiciados – cfr. fls. 153 a 157 – veio, ao amparo dos artigos 191.º, 193.º, 195.º, 196.º, 202.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 204.º, alíneas a) e c), todos do Código de Processo Penal, a determinar ”[…] que os arguidos AN... , IN... , CA...  e CL... , aguardem os ulteriores termos dos processo sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva.”

Já após a remessa do processo a este tribunal foi proferido o despacho constante de fls. 169 a 172 em que foi alterada a medida de coacção que havia sido imposta á arguida IN... , pelas razões dele constantes, para a obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, “sem prejuízo das deslocações que se justificarem para obviar aos necessários tratamentos”.   

É do primevo dos indicados despachos que recorrem os arguidos – cfr. fls. 2 a 13 – tendo rematado a motivação com o quadro conclusivo que a seguir queda extractado.       

“1.º No sistema processual vigente, a regra é a liberdade e a prisão a excepção, sendo a prisão preventiva uma medida de coacção meramente subsidiária, uma última ratio. No caso concreto tem pleno cabimento tal pensamento.

2° o despacho recorrido violou expressamente o disposto no artigo 202.º, n.º 1, alínea a), do c. P. Penal, ao concluir, em face dos elementos de prova existentes relativamente aos arguidos CA… e AN…, que existem fortes indícios da prática do crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo artigo 21.º, n.º1, do D.L. n.º 15/93, de 22/01 – a realidade é bem diversa, os indícios existentes são bastante ténues, pelo que violado foi também o princípio da legalidade ínsito no artigo 191.º, n.º1, do C. P. Penal.

3° Atentos os frágeis indícios da prática por estes arguidos do crime que lhes vem imputado, violados foram também pelo despacho recorrido os princípios da adequação e da proporcionalidade plasmados no artigo 193.º, n.º1, do referido diploma legal. A prisão preventiva decretada, atentos os elementos de prova existentes, não é adequada às exigências cautelares que o caso requer, nem proporcional à gravidade da actuação dos arguidos.

4° Violado mostrou-se também pelo despacho recorrido o disposto no artigo 204.º, do C. P. Penal, por não se mostrar verificado em concreto quer o perigo de continuação da actividade criminosa pelos arguidos, quer o perigo de fuga.

5° · Também se mostra violado o princípio da subsidiariedade da prisão preventiva, positivado no artigo 193.º, n.º 2, do C. P. Penal, já que não se mostra em lado algum que as outras medidas de coacção são insuficientes ou inadequadas ao caso concreto do arguido.” 

Em resposta inconclusa o Ministério Público junto do tribunal recorrido pugna pelo acerto da decisão que procedeu à aplicação das medidas e nesta instância o Exmo. Senhor Procurador-geral Adjunto é de parecer que: “Examinadas as questões controvertidas, pouco mais nos resta acrescentar à exaustiva e fundamentada argumentação aduzida pelo Ex.mo magistrado do M.º Público junto da 1.ª Instância, que integralmente subscrevemos, no sentido de que a medida de coacção foi aplicada de acordo com os normativos processuais que a prevêem, sendo a única adequada às exigências cautelares que o caso requer, e proporcional à gravidade dos factos imputados aos arguidos e, ao contrário do que alegam, fortemente indiciados (arts. 193.º e 204.º do Código de Processo Penal). Basta atentar com efeito, para além do mais, no conteúdo do auto de busca e detenção certificado a fls. 56 e seguintes, bem assim os autos de vigilância e fotografias de flh. 60 e seguintes para, sem margem para a mínima dúvida, concluir pela abundante prova indiciária da comparticipação de todos os arguidos na prática dos factos integradores do crime de tráfico de estupefacientes que justificou que fosse decretada a medida de coacção ora impugnada.

E nunca é por demais realçar que, estando em causa um crime de tráfico de droga, o cidadão comum, conhecendo os seus efeitos destrutivos, sente ameaçada a sua segurança e a dos seus filhos. E muitas vezes manifesta-se revoltado pela incapacidade de se pôr termo à prática crescente deste crime.

Acresce finalmente que, conforme doutamente se decidiu no Acórdão da Relação do Porto, de 7-01-98, publicado no Boletim do Ministério da Justiça 473, pág. 561, «em inquérito por crime de tráfico de estupefacientes impõe-se a aplicação ao arguido da medida de coacção de prisão preventiva por ser aquela que tem a virtualidade de pôr termo ao perigo de continuação da actividade criminosa, o qual resulta da própria natureza da infracção, que está associada à possibilidade de lucro fácil, a que acresce o facto de se estabelecer uma relação de cumplicidade entre traficante e consumidor que facilita o desenvolvimento da actividade fora da vigilância das autoridades policiais».

4- PELO EXPOSTO, e dispensando-nos de retomar aqui, porque inútil e redundante, a argumentação do M.º Público na 1ª Instância, emite-se parecer no sentido de que os recursos não merecem provimento. Sendo de confirmar integralmente o douto despacho recorrido.”

Devendo o thema decidendum do recurso ser delimitado pelas conclusões do recurso[1] as conclusões extractadas supra conlevam para análise as questões que a seguir se elencam:

a) – Omissão na fundamentação dos motivos que justificam a assumpção da medida decretada – relativamente ao perigo de fuja (baseado tão só na falta de ocupação dos arguidos);

b) – Falta de elementos factuais que alavanquem a existência de fortes indícios de que aos arguidos CA...  e AN...  possam ser assacadas responsabilidades criminais pela prática dos crimes referenciados no despacho impugnado.  

II. – Fundamentação.

II.A. – Elementos Pertinentes para a decisão.

Para além dos elementos constantes do processo e que se plasmam na certidão extraída do processo relativo às diligências já realizadas para colecta de elementos indiciadores da actividade delitiva dos arguidos, têm-se, por interessante, extractar o despacho que mereceu a impugnação dos recorrentes. 

- Despacho impugnando – cfr. fls. 153 a 158

“Da análise dos pressupostos contidos no artigo 174.º n.º 1 e 2 do C.P.P. resulta que, havendo indícios de que alguém oculte na sua pessoa ou em lugar reservado não livremente acessível ao público, objectos relacionados com crime, ou que possam servir de prova, é ordenada, respectivamente, a revista ou busca, sendo que, na eventualidade de com esse meio de obtenção de prova vir a ser atingida outra pessoa que deva ser igualmente detida, a observância de tais pressupostos deverá conduzir ao cumprimento das formalidades devidas.

No presente caso os referidos mandados foram emitidos tendo por base os indícios já constantes nos autos, nas folhas que antecederam a douta promoção e o despacho que sobre a mesma viria a incidir.

De tais peças extrai-se um fio condutor na narração de toda uma factualidade que, concatenada, levou não só à identificação como à detenção dos ora arguidos, precisamente na nossa óptica, aquela “outra pessoa que deva ser detida que figura no preceito sob análise.

Disso precisamente, se dava percepção na já referida promoção, que tinha na sua base uma investigação policial, que veio agora a originar a imputação dos factos contidos no despacho que serviu de fundamento ao presente interrogatório.

Destarte, pese embora as alegadas divergências apontadas quanto aos números de polícia, os quais em bom rigor ignoramos se existem ou não, tendo por referência a imagem da casa de habitação constante de fls. 33 dos autos como sendo o acampamento dos Marianas, fotografia esta já existente à data da emissão dos mandados, o facto é que, confrontados os arguidos agora com todos os factos que lhes são imputados, tendo por base os elementos de prova existentes, na realidade, afastando ou não nalguns casos as responsabilidades que lhes são imputadas, acabam, no seu essencial, por revelar reconhecer que naquela habitação, com este ou aquele outro número o interior corresponde efectivamente ao seu lar.

Nesta medida e pelas razões igualmente invocadas na douta promoção do Digno Magistrado do Ministério Público, indefere-se a arguição de nulidade dos mandados de busca e de apreensão por I não se vislumbrar os vícios ora apontados pela defesa.

Assim, e nesta medida, as detenções efectuadas são válidas por terem respeitado o disposto nos termos dos artigos 254.º, n.º 1, alínea a), 255.º, n.º 1, alínea a) e 256.º, n.º 1 todos do C.P.P.

Indiciam os autos factos susceptíveis de permitir imputar aos arguidos a prática em co-autoria dos crimes de tráfico de estupefacientes previsto e punido 21.º, n.º 1, por refª à Tabela I-A, e 24.º, alínea i) do Decreto Lei no 15/93, de 22 de Janeiro, na redacção introduzida sucessivamente pela Lei 45/96 I de 03/09 Lei n.º 30100, de 29.11, Lei n.º 101/01 e 104/04 de 25/08, Decreto-Lei n.º 323/01, de 17.121 Lei n.º 11/04, de 27.03 e Decreto Lei n.º 47/03, de 22.08; e de um crime de receptação previsto e punido pelo arte 231.º, n.º 1, do Cód. Penal. 

Com efeito, conforme se começou por dizer no presente despacho, os factos imputados a um outro arguido, identificado como PE…, conduziram-nos à residência dos ora arguidos sita na Quinta dos Barateiros-Acampamentos dos Marianos, tendo por base objectos que haviam sido alegadamente furtados na residência dos pais do primeiro.

Tais objectos, além de terem sido identificados pela sua particularidade, viriam, através das declarações por si prestadas, na qualidade de arguido, a serem encontrados, tal como havia descrito, em casa destes arguidos.

De facto, os mandados a que começou por se fazer referência visavam isto mesmo. E, porque este arguido alegadamente seria toxicodependente, as investigações conduziram a que os objectos viessem a ser encontrados, por terem sido entregues pelo mesmo, pela forma que se descreve igualmente no despacho que antecede, como contrapartida para que este lograsse obter o produto estupefaciente para o seu problema de adição.

Iniciaram-se vigilâncias, buscas, apreensões, meios de prova estes com os quais os arguidos foram confrontados e que levaram à conclusão, ainda que indiciária, de que de facto existem elementos para concluir pela prática dos crimes que lhes são imputados.

O arguido AN...  já foi condenado além do mais, por crime de tráfico de estupefacientes, tendo sofrido por força disso pena de prisão.

A arguida IN...  pese embora julgada por crime de idêntica natureza o certo é que viria a ser absolvida; já no tocante ao arguido CA... , nada haverá a referir, uma vez que pese embora tenha sofrido prisão preventiva por crime de consumo de estupefaciente viria a ser absolvido do mesmo, além de que os demais antecedentes criminais em nada contendem com os crimes ora indiciados.

Finalmente a arguida CL... , também quanto à mesma nada haverá a considerar dada a sua ausência de antecedentes criminais.

A quantidade de droga que veio a ser apreendida assume relevo para a prática dos factos indiciados, nomeadamente tendo por base os relatórios de vigilância que descrevem movimentações contínuas de veículos para aquele acampamento onde os quatro arguidos assumem residir, sendo inclusive, os casais em união de facto.

O dinheiro, nomeadamente pela forma como se apresenta, em pequenas notas; o material de corte e embalagens de acondicionamento encontradas na cozinha de IN... e AN... ; os rendimentos de proveniência lícita manifestamente mínimos para fazer face às necessidades dos respectivos agregados familiares todos eles compostos por filhos, além dos casais arguidos; a proveniência, na nossa opinião não justificada dos outros rendimentos que ultrapassam os que provêm do R.S.I. e respectivos abonos, nomeadamente quando confrontados com a alienação assumida pelo arguido CA...  de uma carrinha de marca Mercedes, modelo Vito do ano de 2004 então de sua propriedade.

Os indícios existentes, só podem ser de que os produtos estupefacientes apreendidos se destinavam à venda, com a convicção, ainda que indiciária, de que toda esta família cooperava nessa actividade, nela incluindo os filhos menores: por um lado o facto de inicialmente a arguida CL...  ter afastado tal possibilidade com a justificação de que as filhas passariam o dia na escola, para depois admitir que não, porque afinal andavam a faltar às aulas; o facto de ter assumido inteiramente a sua responsabilidade no tocante ao tráfico de · estupefacientes, querendo excluir de tal actividade o seu companheiro, não convenceu o Tribunal, desde logo quando confrontados com o relatório de vigilância no qual se descreve movimentações de consumidores para junto daquele acampamento, logo pelas 07:50 minutos enquanto que a arguida CL...  refere que o seu companheiro só saía de casa pelas 09:00 horas para levar as filhas à escola (para onde afinal não iam).

Tais contradições quando conjugadas com a forma implausível com que descreve os seus vai e vem” em direcção aos veículos que acolhem aquele acampamento, apitando, para que a arguida CL...  se aproxime dos mesmos a fim de lhes vender os doses de droga que leva consigo numa garrafa de vidro da Compal, tal movimentação leva nos a suspeitar da bondade das suas explicações para por elas querer excluir o seu companheiro da actividade aelitu05a

De igual forma, a arguida IN...  quando confrontada com o relatório de vigilância no qual são descritos factos que indiciam a prática do tráfico, também não logrou adiantar qualquer justificação.

De referir ainda quanto a esta que pese embora, as razões por si adiantadas quanto ao seu estado débil de saúde, que pretendeu corroborar com a junção ao autos de taxas moderadoras relativas aos episódios de urgência que terá sofrido, a análise dos mesmos não permite extrair qualquer ilação quanto às doenças que refere. 

No tocante à residência do casal CA...  e CL...  considerando a quantidade de telemóveis existentes neste agregado, as explicações adiantadas para a aquisição de dois deles, pelo preço irrisórios de 35,00 euros, a aquisição de um televisor plasma, pelo preço correspondente aos rendimentos que declararam receber a titulo de RSI, a câmara de vídeo, a Playstation e demais objectos apreendidos, não são de molde a fazer suportar a sua tese de que além de terem conseguido sobreviver com os parcos rendimentos de que dispõem, que além disso estes mesmos rendimentos foram o meio que lhes de que dispõem, que além disso estes mesmos rendimentos foram o meio que lhes terá permitido adquirir estes electrodomésticos fazendo, inclusive, “perigar” pela sobrevivência do próprio agregado.

O crime de tráfico de estupefacientes que é imputado indiciariamente aos arguidos é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos; a simples eventualidade de os arguidos poderem pensar numa condenação, permite pensar na existência do perigo de se furtar à acção da justiça e por ele o perigo de fuga. Desde logo pela mobilidade que lhes assiste e pela ausência de ocupação profissional fixa.

A ausência de rendimentos permite concluir pelo perigo da continuação da actividade criminosa, bem retratada nos relatórios de vigilância e conforme descrito na promoção que antecede.

Quanto às medidas de coacção, de referir que a não privação da liberdade, e pelas razões acima expostas seria insuficiente para acautelar os perigos que se nos afiguram existir no presente caso.

Desde logo, a permanência na habitação sob vigilância electrónica só seria suficiente se os arguidos na Sua casa não conseguissem mais delinquir ou praticar o crime que é indiciado e que permite precisamente a privação da liberdade.

Ora, os indícios dos autos levam-nos a concluir pelo contrário, que os consumidores se deslocam precisamente à casa dos arguidos para adquirir o estupefaciente, além de que, nas palavras da arguida CL... , para aquisição e revenda dos mesmos, esta permanecia na sua residência aí esperando de 5 em 5 dias pela visita de três indivíduos, cuja identificação não pretendeu revelar por medo de represálias.

Por tudo isto, afigura-se-nos insuficiente qualquer outra medida de coacção que não a da privação da liberdade, certo sendo que, num ulterior reexame dos pressupostos que agora presidem à sua aplicação, nada impedirá que na posse de mais elementos, o tribunal fique habilitado a poder, com segurança, aplicar uma medida de coacção diversa, tanto por efeito de outros resultados de investigação, como de imputações diversas das condutas.

Assim, verificados, por ora, os pressupostos dos artigos 191.º, 193.º, 195.º, 196.º, 202.º, n.º 1, alínea a) e b) e 204.º alíneas a) e c) do C.P.P., determina-se que os arguidos AN... , IN... , CA...  e CL... , aguardem os ulteriores termos dos processo sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva.”

II.B. – De Direito.

II.B.1. – Omissão na fundamentação dos motivos que justificam a assumpção da medida decretada – relativamente ao perigo de fuja (baseado tão só na falta de ocupação dos arguidos).

Prévia à ausência de fundamentação do despacho que decretou a medida de coacção a que os arguidos estão sujeitos é mister lançar um olhar às concretas exigências jurídico-processuais de que a legislação faz depender a imposição das medidas de coacção, maxime da medida mais gravosa elencada no ordenamento adrede.  

A previsão constitucional que impõe que as possibilidades de limitação da liberdade de um sujeito só podem ser efectivadas nos casos previstos na lei, obriga a que, no exercício da potestade cautelar “o legislador tenha individualizado critérios bem precisos, actos a vincolare (vincular) a discricionariedade do juiz e as exigências de cuja satisfação, portanto, estima deva depender a emissão de providências cautelares” – cfr. Andrea António Dália e Marizia Ferraiolo, in Manuale di diritto Processuale Penale, Cedam, 4ª edizione, pag.307.

Segundo estes autores, para aplicação de uma medida cautelar pessoal, torna-se necessário que se verifiquem determinados pressupostos que constituem os limites normativos abaixo dos quais não pode ser exercido o poder cautelar e condições – definidas no código italiano como “exigências cautelares” – que se configuram como situações singulares que devem ser salvaguardadas mediante o exercício do poder e que se identificam como: 1) no perigo de inquinamento ou dispersão das fontes de prova; 2) na fuga ou perigo de fuga; e 3) na previsível reiteração de condutas reveladoras de perigosidade social – op. loc. cit. Pag.308.

As medidas de coacção – expressão máxima da restrição de direitos, liberdades e garantias em Processo Penal – emergem como condição indispensável, embora num quadro de excepcionalidade, à realização da justiça. E traduzem, nesta exacta medida, uma das vertentes do conteúdo útil do princípio do equilíbrio. Este carácter excepcional tem reflexos a nível dos princípios bem como ao objectivo que visam prosseguir. Uma das consequências é a reserva de lei que resguarda a legalidade e a tipicidade que se constituem como traços indeléveis e infranqueáveis das medidas de coacção. “Exigindo o primeiro a prévia definição dos pressupostos, gerais e especiais, das medidas de coacção e não permitindo o segundo a criação e aplicação de medidas diversas das que expressamente constam da lei, impedido fica, pela conjunção de ambos, a arbitrariedade e o casuísmo, imprimindo-se uma total transparência às “regras do jogo”, de importância capital quando estão em causa os direitos fundamentais de um cidadão”. [[2]]  

Para aplicação de qualquer medida de coacção ou garantia patrimonial deverá ocorrer, ou verificar-se, uma adequação às exigências cautelares, em concreto, e que o caso requeira, e preservar a proporcionalidade dessas medidas à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.

Como condições negativas ou preclusivas da aplicação de qualquer medida de coação surgem a existência de causas de isenção de responsabilidade ou de extinção de procedimento criminal.

O nº2 do art. 193º do CPP abroga a medida de prisão preventiva, quando haja a possibilidade de serem aplicadas outras medidas de coação, o que valerá por dizer que enquanto for proporcional e adequado impor a um sujeito processual, a quem haja sido imputado um facto criminoso, ou de que tal se mostre suficientemente indiciado, uma das medidas de coação elencadas no ordenamento jurídico-processual, não pode ser lançada mão da prisão preventiva. Esta não se assume como uma medida de feição subsidiária, antes se impõe como a última ratio do conspecto de medidas que a lei comina para acautelar a posição de defesa dos valores jurídico-processais que se pretendem alcançar com o procedimento que o Estado dirigiu contra uma determinada pessoa, suspeita de haver infringido e violado preceitos e normas ético-jurídicas essências à conviabilidade social.

Para imposição a um arguido da medida de prisão preventiva, têm, pois, que ser arredadas, por insuficientes e inaproveitáveis, para o caso concreto, toda a sorte de medidas elencadas nos artigos 196º a 201º do CPP, e que para além disso, se patenteie que existem fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos; ou se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou expulsão – art. 202º do CPP.

Torna-se, assim, necessário, para aplicação da medida de prisão preventiva que ocorra uma situação, ou se verifique um estádio, em que o juiz considere que o acervo de elementos já recolhidos no inquérito são de tal forma consistentes que permitam prospectivar ou projectar um juízo de sério e fundado comprometimento do arguido na prática do ilícito por que, o arguido, lhe foi presente para aplicação da medida. Nas palavras dos autores supra citados, op. loc. cit. Pag. 312, “quando é feita a requesta de uma medida cautelar, o juiz, para aplicá-la, não deve, certamente dispor da prova segura da culpabilidade do sujeito, mas deve estar em posição de formular um juízo cautamente e seriamente probabilístico em ordem à culpabilidade. Os elementos de que disponha dêem ser de maneira a consentir, pela sua consistência, prever que, pela futura aquisição de ulteriores elementos, serão idóneos a demonstrar a responsabilidade e de fundar, no entretanto, uma qualificada probabilidade de culpabilidade”. Os “graves indícios”, configuram-se, enquanto tal, quando se apresentam como prognose sobre o mérito e não como valoração (avaliação) do fundamento de mérito, assumindo uma valência sintomática da culpabilidade, tal como o fumus boni iuris civilístico” (tradução nossa).

No ordenamento jurídico português para a aplicação das medidas de cocção, com a excepção do termo de identidade e residência, não basta a existência de indícios da prática do crime e os requisitos específicos definidos na lei para cada uma de tais medidas, importa ainda que se verifiquem os requisitos ou condições gerais referidos nas várias alíneas do art. 204.º do Código de Processo Penal. Estes requisitos ou condições gerais, enumerados nas alíneas a), b) e c), são taxativos, bastando, consequentemente, a existência de algum deles para que a medida possa ser aplicada.

São requisitos ou condições gerais: a) fuga ou perigo de fuga; b) perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; c) perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa.

 “[…] A injunção relativa ao caso concreto implica que o juízo a formular deve tomar em conta, por um lado, toda a factualidade conhecida no processo e a sua gravidade, por outro, chamar à colação o maior número possível de indicadores que permitam uma conclusão objectiva. De entre estes devem necessariamente ponderar-se: v.g., a idade, saúde, situação económica, profissional e civil do arguido, bem como a sua inserção no contexto social e familiar.

Quanto ao perigo – condição também comum a todas as alíneas -  deve ser real e iminente, não meramente hipotético, virtual ou longínquo, e resultar da ponderação dos factores supra referidos, em face das regras da experiência comum. E é também no pressuposto destas regras que o juiz, na sua livre convicção, deverá aferir de cada um dos requisitos vertidos nas alíneas do artigo 204.º, do C.P.P..

[…] Fuga é, no meu entender, um conceito com uma componente simultaneamente objectiva e subjectiva. Objectivamente ele encerra em si um conteúdo transitivo que implica a ideia de deslocação de um certo local, onde se está, para outro. Do ponto de vista subjectivo, pressupõe a intenção de subtracção, de desvio, a determinado evento, mas não necessariamente de ocultação. É um conceito finalisticamente orientado no sentido de alcançar um espaço de segurança ante a iminente confrontação ou submissão a algo que constitui uma ameaça e que a todo o custo se pretende evitar ou inviabilizar.

No contexto processual, a ausência ou não comparência do arguido, no local onde era suposto ser encontrado, ou onde era suposto estar, só pode subsumir-se ao conceito de fuga, quando acompanhado da intenção de impedir a acção da Justiça. Verificado aquele pressuposto e garantida esta condição, é absolutamente irrelevante o quão distante o arguido se encontre. Bem como o conhecimento ou ignorância do seu paradeiro. Qualquer que ele seja.

Tanto materializa a fuga – violando as obrigações resultantes do temo de identidade e residência – o arguido que se ausenta para país longínquo, evitando a acção da Justiça, a coberto de normas que impeçam a extradição; como aquele que escapa à captura, deslocando-se do rés-do-chão esquerdo para o rés-do-chão direito de um mesmo edifício, ou aquele que se dilui na multidão durante a perseguição.

Quanto ao requisito constante da alínea b), do artigo 204.º, do C.P.P. creio que aqui se peca por defeito. É razoável admitir que no decurso do inquérito ou da instrução os riscos de perturbação de qualquer das ditas fases do processo possam ser mais acentuados, no que respeita à aquisição, conservação ou veracidade da prova, mas não vejo que esses mesmos riscos estejam arredados, muito pelo contrário, quer da fase de julgamento – que é por excelência a fase de produção da prova e onde as consequências daqueles perigos são determinantes para a justiça do caso concreto quer na fase de recurso. Também aqui importa corrigir a rota, eliminando do preceito a exclusiva referência ao inquérito e à instrução, de forma a estender a tutela a toda a tramitação processual.

No que concerne à alínea c), o perigo refere-se à ordem e tranquilidade públicas ou à continuação da actividade criminosa e está directamente relacionado com a natureza e as circunstâncias do crime ou a personalidade do arguido. […] Como a actividade em causa é a actividade criminosa, para concluirmos sobre o perigo da sua continuação, teríamos de partir de um pressuposto: estar perante uma actividade criminosa. Um tal pressuposto seria uma violação grosseira do princípio da presunção de inocência, cuja consequência seria a inconstitucionalização desta parte do preceito legal. O juízo sobre a actividade criminosa em questão deve – em obediência aos preceitos constitucionais – ser meramente indiciário, em face da factualidade conhecida nos autos”. [[3]]

Relativamente ao perigo de fuga «importa ter bem presente que a lei não presume o perigo de fuga, exige que esse perigo seja concreto, o que significa que não basta a mera probabilidade de fuga deduzida de abstractas e genéricas presunções, v. g., da gravidade do crime, mas que se deve fundamentar sobre elementos de facto que indiciem concretamente aquele perigo, nomeadamente porque revelam a preparação para a fuga».

Do mesmo passo para que se verifique o requisito, ou condição geral de aplicabilidade, de uma medida de coacção, inscrita na alínea b) do artigo 204º do Código de Processo Penal exige a lei que do circunstancionalismo envolvente do processo, nomeadamente o tipo de ilicito denunciado, as circunstâncias em que ocorreu, a personalidade do autor, a matéria factual já apurada e como decorreu a actividade delitiva, nas suas vertente modal e finalística, se evidencie, em concreto, o perigo de o autor do ilicito vir a influir negativamente na investigação ou apuramento da verdade, inviabilizando a recolha de elementos probatórios que possam ser desviados do fim processual adequado ou seja previsível que possa vir a concitar comportamentos ou atitudes que subvertam os fins do processo. É, pois, indispensável que de um conjunto de circunstâncias já verificadas se infira uma tendência, perceptível em factos cognoscíveis, se dessuma e perspective um comportamento desviante e influenciador dos fins e objectivos para que tende o processo. Não se bastando a lei e prefigurando-se insuficiente para evitar a perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo a mera probabilidade de que hipoteticamente possa vir a ocorrer um desvio da normal fluência do inquérito ou da instrução, sempre terá, para a verificação deste requisito, que significar que não basta uma presunção, devendo, em todos os casos, existir uma concreta e consistente aquisição conviccional de que sem a imposição de uma medida de coacção essa perturbação poderá, em concreto, vir a ocorrer.  

Finalmente postula o artigo citado supra que para a confirmação de uma medida de coacção é indispensável que ocorra perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa, resultante das circunstâncias do crime imputado ao arguido ou da sua personalidade. Apenas das circunstâncias do crime imputado ao arguido ou então da sua personalidade há-de resultar o perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas, alarme social ou de continuação da actividade criminosa, elemento justificador da aplicação de uma medida de coacção, maxime a prisão preventiva.

Nenhuma medida de coacção pode ser imposta a um arguido – a constituição de um sujeito como arguido num processo concita-se como condição sine qua non para que a lei viabilize o decretamento de uma medida de coacção prevista no ordenamento jurídico-processual – à revelia de princípios axiais consagrados nos artigos 191º, 192º 193º, nº1, todos do Código de Processo Penal. 

O princípio da legalidade ou da tipicidade das medidas de coacção e de garantia patrimonial, significa que as medidas de coacção e de garantia patrimonial são apenas, e só, aquelas que constam no Código de Processo Penal, não podendo pois, haver outras que limitem, total ou parcialmente, a liberdade dos cidadãos. 

O princípio da adequação importa que a medida a aplicar ao arguido num concreto processo penal deve ser o estritamente necessária ou idónea para satisfazer as necessidades ou exigências cautelares que o caso requer, devendo, por isso, ser escolhida em função de tal finalidade e não de qualquer outra. A adequação da medida há-de sê-lo quer qualitativa quer quantitativamente. As medidas de coacção são qualitativamente adequadas para alcançar os fins previstos no caso concreto se forem idóneas ou aptas, pela sua própria natureza, para realizar o fim pretendido no caso concreto. As medidas de coacção hão-de ser, também quantitativamente adequadas, isto é, a sua duração ou intensidade hão-de ser exigidas pela própria finalidade que se pretende alcançar no processo penal em curso.

O princípio da proporcionalidade impõe que a medida de coacção a aplicar ao arguido deve ser proporcionada à gravidade do crime ou crimes indiciados no concreto processo penal, e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas (art. 193.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). Assim, não pode ser aplicada qualquer medida de coacção que não seja proporcionada à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham ser aplicadas ao arguido, ainda que a mesma se revele justificada face às exigências cautelares de um concreto processo penal em curso. 

Havendo motivos para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal não poderá ser imposta ao arguido qualquer medida de coacção por obediência ao principio da necessidade. A necessidade de injunção de uma medida de coacção está inextrincavelmente associada á possibilidade de verificabilidade de uma conduta antijurídica tipificada na lei como ilicito criminal. Descortinando-se na situação posta à apreciação do órgão jurisdicional uma possibilidade de ao arguido não poder vir a ser imputada a prática de um ilicito criminal está vedada a necessidade de imposição de uma compressão, limitação ou restrição dos seus direitos pessoais ou civis.

Uma referência ao conclamado princípio da presunção de inocência no confronto com a necessidade da aplicação da medida de prisão preventiva. A medida de prisão preventiva não belisca o predito princípio, que se mantém incólume e vital até à decisão de culpabilidade por banda do tribunal. A medida cautelar, quando aplicada, apenas significa que o sistema de justiça, para se realizar em pleno, inclusive para concretizar e preencher o princípio da presunção de inocência, necessita de salvaguardar determinados elementos, sem os quais o processo poderia deixar de ser justo, equitativo e objectivo, para reverter num processo inquinado, perturbado e intranquilo.

O nº2 do art. 193º do CPP abroga a medida de prisão preventiva, quando haja a possibilidade de serem aplicadas outras medidas de coação, o que valerá por dizer que enquanto for proporcional e adequado impor a um sujeito processual, a quem haja sido imputado um facto criminoso, ou de que tal se mostre suficientemente indiciado, uma das medidas de coação elencadas no ordenamento jurídico-processual, não pode ser lançada mão da prisão preventiva. Esta assume-se como uma medida de feição subsidiária e impõe-se como a última ratio do conspecto de medidas que a lei comina para acautelar a posição de defesa dos valores jurídico-processais que se pretendem alcançar com o procedimento que o Estado dirigiu contra uma determinada pessoa, suspeita de haver infringido e violado preceitos e normas ético-jurídicas essências à conviabilidade social.

Atinente, e em confronto, com a aplicação das medidas de coacção soe associar-se o princípio da presunção de inocência. A medida de prisão preventiva não belisca o predito princípio, que se mantém incólume e vital até à decisão de culpabilidade por banda do tribunal. A medida cautelar, quando aplicada, apenas significa que o sistema de justiça, para se realizar em pleno, inclusive para concretizar e preencher o princípio da presunção de inocência, necessita de salvaguardar determinados elementos, sem os quais o processo poderia deixar de ser justo, equitativo e objectivo, para reverter num processo inquinado, perturbado e intranquilo.

Fixados os parâmetros em que se deve orientar o decretamento de uma medida com o alcance coactor e restritivo que comporta a prisão preventiva e em face da imputação de falta de fundamentação dos respectivos requisitos importa repristinar as razões que determinaram o tribunal a quo a fixar as mais gravosas e aquilatar da exigência de fundamentação que deve ornar qualquer decisão judicial.

Em síntese apertada e liberta de diacronia a Exma. Senhora Juíza justificou a aplicação da medida com este elenco factual: - os arguidos habitam em condições desfavoráveis e apartados do núcleo societário geral; - não possuem ocupação laboral donde seja possível colher os réditos que propinem uma vivência pautada pelos padrões adaptados pela sociedade actual; - as habitações onde se alojam são visitadas por indivíduos que se confirmou serem dependentes do consumo de produtos estupefacientes; - ocorrem alguns indícios de que mesmo os filhos poderão estar envolvidos na traficância de produtos estupefacientes; - as buscas efectuadas desvelaram objectos que se configuram incompatíveis com os réditos que angariam. Este quadro é propiciador de uma actividade criminosa continuada e que só a medida aplicada pode obstar.

Consta do despacho que determinou a medida.

Tal como consta do mencionado despacho que, perante este quadro factual e perante um julgamento que com toda a probabilidade se seguirá, atendendo aos hábitos revelados e ao eventual nomadismo que se prefigura, se poderia vir a prever uma retirada do local e uma ocultação dos agentes por forma a defraudar a acção da justiça.

A falta de fundamentação, relativa aos requisitos indicados, com que os recorrentes acoimam a decisão sob impugnação não se verifica.  

II.B.2. – Inexistência de “fortes indícios” relativamente  aos arguidos Carlos Monteiro da Silva e AN... .

A nossa lei, à semelhança da lei italiana – cfr. artigo 273º do Codice di Procedura Penale –, estabelece dois momentos de qualificação indiciária no percurso processual da averiguação da responsabilização ou inculpação penal do arguido: um primeiro na alínea a) do nº 1 do artigo 202º do Código de Processo Penal quando exige que para decretamento da medida de coacção de prisão preventiva se torna necessária a existência de “fortes indícios”; e um segundo no nº1 do artigo 283º do mesmo diploma quando exige que, para dedução da acusação, se torna necessário que durante o inquérito se hajam reunido ou recolhido “indícios suficientes”. 

Ainda que não atinando com o tema que versa o thema decidendum, convirá conferir o que na doutrina se sugere dever entender-se por indícios, graves indícios e indícios suficientes.

“O indício em sentido técnico, é uma circunstância certa, um dato objectivo, um traço sensível que, apesar de não representado directamente no thema probandi, consente que se chegue a ele por via inferencial. Diversamente da prova representativa (dita também ‘histórica’ ou ‘directa’), que tem por objecto próprio o facto-crime descrito na acusação, a prova indiciária (dita também ‘critica’ ou ‘lógica’ ou “indirecta”, versa sobre um facto diverso, do qual mediante um procedimento lógico, se pode alcançar ao ilícito penal imputado ao arguido. [[4]]

“Quando (ao juiz) é requerida uma confirmação do libelo acusatório, para pronunciar, não deve dispor, certamente, de uma prova certa de culpabilidade do sujeito, mas deve estar em posição de formular um juízo cautamente e seriamente probabilístico em ordem à culpabilidade. Os elementos de que dispõe devem ser de tal modo a consentir, pela sua consistência, prever que, através da futura aquisição de ulteriores elementos, serão idóneos a demonstrar a responsabilidade e a fundar, no entretanto, uma qualificada probabilidade de culpabilidade.

Os indícios distinguem-se, quanto à espécie: a) – pela força probatória, em indícios manifestos, próximos ou remotos; b) - pela sua extensão, em indícios comuns ou gerais e indícios próprios ou especiais; c) – do ponto de vista cronológico, em antecedentes, concomitantes e subsequentes; d) – situando-se unicamente no ponto de vista das circunstâncias probatórias. O autor italiano Pietro Ellero, intentou um estudo metódico dos principais indícios, tendo fornecido, deles, uma classificação lógica de acordo como seu papel incriminador, em três grupos: 1º - as condições morais e físicas que tornaram possível o delito da parte do acusado e que comprovam, por assim dizer, o delito virtual: são elas a capacidade de cometer o delito investigado, a oportunidade em cometê-lo e o móbil delitivo; 2º os rastos materiais deixados pela execução do delito; 3º as manifestações do culpado e de terceiros, seja antes seja depois do acto.

“(Prova) indiciária é uma prova mediante uma pluralidade mais ou menos grande de indícios: está dirigida – diz Rittler – para (ou em direcção) a uma pluralidade de coisas indiciárias”. “Ellero estabelece como princípio que, se vários indícios se relacionam com uma só causa, o seu concurso vale como indício necessário; porque indica assim, necessariamente, o facto em questão. Por isso, a prova indiciária é perfeita quando os indícios assinalam necessariamente o facto como causa de quanto se haja manifestado. Os indícios isolados são’contingentes’, quer dizer, não aportam senão indicações ou suspeitas; no entanto, os indícios diferentes e concordes valem como necessários, quer dizer, proporcionam uma verdadeira prova”, – François Gorphe, Apreciación Judicial de las Pruebas, pag. 281- que, mais adiante, – op.loc. cit. 286 – refere, que o valor da prova indiciária, mais que qualquer outra, depende do juiz “por ser sua incumbência, no momento em que constitui a operação mental de interpretação dos factos e de reconstrução do acordo com os dados fragmentários. Este trabalho requer por sua vez uma sólida lógica, psicologia penetrante, bastante experiência da vida e extensos conhecimentos sobre os diferentes problemas que possam plantear-se no processo”. – op. loc. cit. Pag. 286.

A jurisprudência com variações semânticas pouco dissonantes tem vindo a definir indícios suficientes como aquele conjunto de elementos lógico-materiais, que socavados de verificações e percepções sensoriais objectivas, se congraçam, de acordo com as regras da experiência comum, numa convicção alicerçada quanto à existência e ocorrência de um determinado facto histórico [[5]].

No domínio da legislação pretérita a doutrina e a jurisprudência tinham sedimentado a ideia do que devia entender-se por indícios suficientes. No crisol conceptual que se havia condensado para significar as expressões utilizadas na lei adjectiva usava considerar-se que existiam indícios suficientes ou prova bastante quando dos elementos de facto recolhidos no processo depois de, devidamente analisados e conjugados entre si e com as presunções judiciais ou naturais ligadas ao princípio da normalidade e às regras da experiência comum, criavam a convicção de que, a manterem-se em julgamento, o arguido seria condenado, ou de que, pelo menos, a condenação seria mais provável que a absolvição [[6]/[7]].

Na aferição que se possa fazer a propósito da definição de Indiciação suficiente não se poderá descartar o feixe de normas fundamentais e de direito convencional que regem e estruturam os princípios rectores que hão-de nortear um processo justo e equitativo arrimado aos valores de um Estado que proclama e pretende prosseguir na senda da observância dos direitos fundamentais da pessoa humana, com especial ênfase para dever de respeito pela dignidade da pessoa humana, com a inerente preservação do bom nome e reputação e a defesa contra intromissões abusivas e arbitrárias na esfera de direitos individuais. Assim é que inexoravelmente associada à ideia de indícios suficientes ou necessários para levar alguém a julgamento deverá caminhar o princípio “in dubio pro reo”, enquanto emanação da garantia constitucional da presunção de inocência – cfr. artigos 32.º, n.º 2, Constituição da República Portuguesa; 11.º, n.º 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 Dezembro de 1948; 6.º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Indícios suficientes são os elementos que, maturados, mesclados e conjugados se congraçam num juízo, convictamente, persuasor da existência de uma conduta culpável de um determinado agente, e gerador da convicção de que esse agente poderá a vir a ser condenado. Constituem-se em vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer da existência de um facto jurídico-penalmente relevante e de que deve ser imputável a alguém determinado, devendo ou podendo ser previsível que, num juízo de prognose, solidamente estruturado a escorado, a manterem-se em julgamento, ocorrerão fundadas e sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelos factos típicos que lhe são imputados [[8]].

Na indiciação em fase de inquérito, ou seja numa fase em que os elementos colectados ainda não foram objecto de contraditório, o grau de convencimento do juiz e de ponderação de imputação causal de determinado agir ao um concreto sujeito está dependente das regras de experiência e do sentido lógico representativo com que uma dada realidade percepcionada se prefigura ao discernimento e compreensibilidade do julgador. O juiz pode, nesta fase, socorrer-se das inferências permitidas por um conjunto de elementos que soem ocorrer em situações ou casos similares, observando sempre que as máximas de experiência atinam com factores de aleatoriedade que podem conduzir a juízos erróneos ou de defeituosa avaliação. [[9]]

Consolidadas estas considerações de índole teorética é mister ajuizar da bondade do juízo formulado pelo tribunal a quo de elementos que nesta fase indiciem fortemente os arguidos da prática dos crimes que lhe são assacados.   

O quadro factual que se deixou debuxado supra permite acalentar a ideia de que os arguidos não têm um modo de vida estável, ostentam meios pecuniários que não são justificados pelos réditos sociais que dizem perceber e ocorre uma frequência continuada e inusitada de pessoas ao local onde habitam. Todos estes contornos fácticos foram objecto de observação por parte do órgão de policia criminal que investigou a primeva queixa, por furto de objectos e que, pela conexão estabelecida, se veio a revelar conectada com o consumo e tráfico de produtos estupefacientes, e se encontra documentada por relatos de missões de vigilância efectuadas no local, por testemunhos de pessoas que adquiriam o produto estupefaciente no local e aos arguidos e por fotografias que atestam esses actos.

Sem necessidade de uma maior explicitação e pela leitura que o processo (em certidão) exibe, somos de entender que ocorre no caso concreto um circunstancionalismo fáctico suficiente para o decretamento da medida imposta.  

Em nosso juízo a medida de coacção aplicada mostra-se ajustada, proporcionada e adequada.

III. – Decisão.

Pelo exposto decidem os juízes que constituem este colectivo, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, em:

- Julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirmar a decisão sob impugnação, mantendo-se, naturalmente, a medida entretanto decretada relativamente à arguida IN... .

- Condenar os recorrentes nas custas, fixando-se a taxa de justiça em quatro (4) UC’s, para cada um, à excepção da recorrente IN... . 

                                               Coimbra, 10 de Dezembro 2008


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(Gabriel Catarino, relator)


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(Barreto do Carmo)

[1] Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; WWW.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).

[2] Vide Frederico Isasca, “A Prisão preventiva e as restantes medidas de coacção”, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, 2004, págs. 99 a 118.  
[3] Cfr. estudo citado págs. 108 a 110.
[4] Vide neste sentido, Manuale di Diritto Processuale Penale, Andrea Antonio Dália e Mariz Ferraiolo, CEDAM,2003, pag.311.

[5] Ac. da Rel. do Porto d e28.04.93; Proc. nº 9330196. – “I – Não definido no Código de Processo Penal de 1929 o que devia entender-se por indícios suficientes ou prova bastante, eram como tal pacífica e uniformemente considerados pela jurisprudência aqueles elementos de facto recolhidos no processo que, devidamente analisados e conjugados entre si e com as presunções judiciais ou naturais ligadas ao princípio da normalidade e às regras da experiência comum, criam a convicção de que, a manterem-se em julgamento, o arguido será condenado, ou de que, pelo menos, a condenação será mais provável que a absolvição. II – Só nessas circunstâncias se mostra razoável o juízo provisório de culpa e a sujeição do arguido a julgamento, pois a simples dedução da acusação representa um ataque ao bom nome e reputação do acusado.

Ac. da Rel. do Porto de 15.09.93; Proc. nº 9330351. - I – Indícios suficientes para os fins do disposto no nº 2 do artigo 283º do Código de Processo Penal significam o conjunto de elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado pelo crime que lhe imputam, ou, quando menos, de que há mais probabilidades de ser condenado do que de ser absolvido.

Ac. da Rel do Porto de 20.10.93; Proc. nº 9310496. - I – Para efeitos do disposto no artigo 349º do Código de Processo Penal, os indícios só são suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.

II - Em todo o caso, as provas recolhidas nas fases preliminares do processo, constituindo pressuposto não da decisão de mérito mas da mera decisão processual de prossecução do processo até julgamento, não têm de sofrer uma apreciação tão exigente como a que é pressuposta para condenação do arguido.

Ac. da Rel. do Porto de 25.10.95; proc. nº 9540650. - I – A prova indiciária é prova indirecta. Os factos probatórios indiciários são os que permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos por meio de raciocínio alicerçado em regras de experiência comum ou de ciência ou da técnica; II - Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige a prova no sentido da certeza moral da existência do crime, basta-se com a exigência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido.

[6] Cfr. artigos art. 349.º, 354.º, § 1 e 368.º (antes da redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 185/72, de 31/Maio), do art. 291.º, § 1 – onde se usa a expressão “fortes indícios” - art. 362.º - onde se alude a  “indícios bastantes de culpabilidade” - Código Processo Penal de 1929, bem como a referência a “prova indiciária” do art. 26.º do Dec.-Lei n.º 35.007, de 13.10.1945.
[7] Cfr. a propósito os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1.03.1961, onde se escreveu que:  “Constituem indícios suficientes para a pronúncia aqueles, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado”, e do acórdão  da Rel. de Coimbra de 26.06.1963, onde se doutrinou que: “por indícios suficientes entendem-se vestígios, suspeitas presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes, para convencer que há crime e é o arguido responsável por ele”, enfatizando-se que “para a pronúncia, não é preciso uma certeza da existência da infracção, mas os factos indiciários devem ser bastantes e suficientes, por forma a que, logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é imputado 

[8] Cfr. neste sentido Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 21.05.03; proc. nº 03P1493. «A jurisprudência (…) afinou a compreensão do conceito através da definição e enunciação de elementos de integração que se podem hoje rever na noção legal. Indícios suficientes são os elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado; são vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer de que há crime e de que alguém determinado é o responsável, de forma que, logicamente relacionados e conjugados formem um todo persuasivo da culpabilidade; enfim, os indícios suficientes consistem nos elementos de facto reunidos no inquérito (e na instrução), os quais, livremente analisados e apreciados, criam a convicção de que, mantendo-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelo crime que lhe é imputado. O juízo sobre a suficiência dos indícios, feito com base na avaliação dos factos, na interpretação das suas intrínsecas correlações e na ponderação sobre a consistência das provas, contém sempre, contudo, necessariamente, uma margem (inescapável) de discricionariedade»
[9] Para uma mais completa e detalhada explicitação das cautelas e prudência valorativa com que devem ser utilizadas as chamadas “regras ou critérios de experiência veja-se com proveito Michele Taruffo, “La Prueba”, Marcial Pons, Madrid, 2008, pags. 267 a 271.