Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2000/17.2T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE
RECURSO DE FACTO
CONTRATO DE MANDATO
ADVOGADO
RETRIBUIÇÃO
LIQUIDAÇÃO
EQUIDADE
Data do Acordão: 11/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - ALCOBAÇA - JL CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS 615 Nº1 B), 640 CPC, 1158 CC.
Sumário: 1.- Para efeitos da nulidade cominada no art.615 nº1 b) CPC, também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade da sentença.

2.- O art.640º CPC não admite o recurso genérico contra a errada decisão da matéria de facto, mas apenas a possibilidade de revisão de factos individualizados e com indicação exata das passagens da gravação em que se funda aquele.

3 - No mandato oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade.

4.- Só deve relegar-se para posterior liquidação a fixação do quantum da prestação, quando não puder deixar de ser, por total carência de elementos para a sua fixação por equidade. A opção pela posterior liquidação depende do juízo que se formar, em face das circunstâncias concretas de cada caso, sobre a possibilidade de determinação do valor exato da retribuição.

Decisão Texto Integral:








Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

S (…), Advogado, instaurou ação contra V (…), pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de €16.663,16, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, contados da data da notificação judicial avulsa (em 14/12/2016) até efetivo e integral pagamento, respeitante a despesas e honorários atinentes a serviços jurídicos prestados ao réu no âmbito do processo n.º 693/13.9TTLRA, que corre seus termos no Tribunal do Trabalho de Leiria, que não foram pagos.

O Réu contestou, negando a existência do acordo correspondente a 20% de todos os valores que viesse a receber no âmbito do processo, reputando ainda ser excessivo o valor peticionado, face ao trabalho desenvolvido e ao resultado obtido.

Solicitou-se à Ordem dos Advogados a emissão de laudo sobre os honorários, que não foi favorável à quantia reclamada de €16.663,16, mas favorável à quantia de €8.000,00, acrescida de IVA.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente, por provada em parte, condenando o réu a pagar ao autor a quantia de €10.034,20 (dez mil e trinta e quatro euros e vinte cêntimos, sendo €8.000,00 de honorários e respectivo IVA à taxa legal de 23% em vigor, no total de €9.840,00, e €194,20 de despesas), acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal dos juros civis sucessivamente em vigor (atualmente fixada em 4%), contados desde a notificação judicial avulsa (04/01/2017) até efetivo e integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.


*

            Inconformado, o Réu recorreu e apresenta as seguintes conclusões:
1. (…)

2. No entanto, o tribunal a quo chega ao valor dos honorários a pagar, tendo em conta apenas o laudo emitido pela Ordem dos Advogados (AO), considerando que «Não se vislumbram razões fortes e consistentes para dele divergir.»

3. Mas urge questionar se poderemos considerar o valor constante do Laudo da AO como um pressuposto balizador? Quando temos declarações de parte «prestadas de modo muito confuso, disperso, nada conciso, mesmo após reiterados esforços de clarificação»?

4. Pois, refere o Tribunal a quo na sua fundamentação da sentença que: «A testemunha (…) (funcionária do autor, no escritório de Santarém, há cerca de 10 anos) não presenciou as conversas havidas entre o autor e o seu cliente, aqui réu, nada podendo, pois, atestar sobre o seu conteúdo (designadamente quanto ao alegado acordo de fixação prévia dos honorários); também não acompanhou o autor nas alegadas deslocações e mesmo relativamente às demais consultas com o réu, presenciais e telefónicas, não as conseguiu concretizar minimamente, em termos temporais e de duração. Quanto às declarações de parte do autor, cabe dizê-lo, foram prestadas de modo muito confuso, disperso, nada conciso, mesmo após reiterados esforços de clarificação, acrescendo que, por o autor ter interesse direto no desfecho da causa, não podem tais declarações, por si só, servir para basear a prova de factos essenciais do direito invocado.»

5. Quando, conforme consta sobejamente dos autos, o aqui recorrente nunca teve conhecimento das horas despendidas com o seu processo, assim como de o valor hora praticado; quando o Recorrido apenas informou tais pressupostos de fixação de honorários à OA e não ao aqui Recorrente?

6. Sobre estes factos e documentos nada refere a sentença recorrida, sendo manifesta a nulidade que a mesma padece.

7. Ora sobre esta questão o douto tribunal não teve o espirito crítico de analisar toda a prova produzida, quer documental, quer testemunhal, e perceber que num acidente de trabalho, no qual o ora recorrido, apenas acompanhou o sinistrado a uma diligência uma vez, não se pode cobrar 8.000,00 euros!

8. A sentença não fundamenta de forma cabal, porque razão entendeu condenar o

Recorrente, no valor constante do Laudo; e, porque descurou os critérios constantes da Lei para a fixação de honorários.

9. Até porque o Laudo não é um documento pericial.

10. Ou sequer ficou provado nos autos as horas despendidas com o processo de acidente de trabalho do cliente, por parte do Recorrido…

11. Atenta a nota de honorários, não se consegue discernir o tempo despendido com cada peça processual, embora exista especificação dos atos praticados.

12. Nem uma linha sobre esta questão, sendo manifesta a nulidade da sentença a este respeito, que pelo menos teria que fundamentar a razão pela qual seria o Recorrente condenado ao pagamento de um valor tão alto num processo que se desenvolve quase oficiosamente, sendo nessa óptica a Recorrente estranha a isto, tendo violado o disposto no art. 607º/2 do CPC (v. art. 615º/1/b) do CPC).

13. Assim, face ao exposto, considera o Recorrente que a decisão recorrida é totalmente injusta, face aos factos levados ao processo e que entendemos provados, que irão demonstrar que não houve qualquer acordo de honorários e que o valor querido cobrar pelo Autor, bem como a que que o Recorrente foi condenado a pagar, face ao trabalho realizado, é exorbitante.

14. Em sede de julgamento, como já referido não foi possível determinar o número

concreto de horas despendidas para a elaboração daquelas peças, porque não se provou qualquer valor relativo a esse número de horas, até porque nunca tal valor foi informado ao aqui recorrente, o que está claro na espontaneidade com que a testemunha Clara Cordeiro responde ao Tribunal a quo (passagem 10:11s a 10:38s).

15. De mencionar também, o Recorrente nunca teve acesso à descriminação de despesas, ou sequer de horas de trabalho, conforme constam do Laudo, até porque o Recorrido só teve esse trabalho para a Ordem dos Advogados!

16. O que vai em consonância com os factos dados como não provados nos pontos 5 e 6 da sentença aqui em crise!

17. Não obstante o muito e devido respeito que nos merece o tribunal a quo, considera o aqui recorrente, que o mesmo errou, e muito, na apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, conjugado, como dever ser, com a prova documental junta aos autos.

18. Nos termos do n.º 3 do artigo 100º do EOA “Na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais”.

19. Não podia o Tribunal a quo condenar o Autor no pagamento de honorários apenas tendo em consideração o Laudo da OA.

20. O tempo necessário para os serviços prestados não pode ser encontrado de forma vaga, como referido no laudo de honorários, “(…) presumindo in casu, um valor/hora de 60€, sendo que tal equivaleria e, por mera operação aritmética a 133 horas.”.

21. Mais a mais, no que se refere ao resultado obtido, o processo não findou, uma vez que o aqui recorrente, revogou o mandato, como consta dos factos dado como provados.

22. A testemunha (…) afirma com precisão, que esteve três vezes com o advogado aqui recorrido (passagem 5:51s a 06:13 s) e, que, apenas contactava o escritório do aqui recorrido quando chegava alguma carta (passagem 07:37s-08:48s).

23. Repare-se, que é a própria funcionária que fala com ligeireza sobre o processo judicial do acidente de trabalho do aqui Recorrente, referindo que não houve acordo na tentativa de conciliação e, como tal, fez um requerimento a nomear o perito, realizou-se uma junta médica (passagem 21:51s a 22:54s); e ao tentar mostrar o imenso trabalho prestado nos autos, quando questionada de como começou o processo de acidente de trabalho, refere quase instintivamente que avançou com um ação de acidente de trabalho, tendo elaborado a petição inicial (passagem 21:11s), porém, depois quando questionada pela mandatária do aqui recorrente, refere que afinal só juntou procuração ao processo, porque o processo já se encontrava a correr (passagem 46:31s).

24. No fundo, a funcionária do aqui recorrido, traduz o processo de trabalho em meia dúzia, passo a expressão, de atos.

25. Com efeito, o tribunal a quo dando como não provado a existência de um acordo de pagamento e tendo um Laudo do qual emerge de suposições de horas e trabalho e respectivo preço, devia ter ele próprio fixado os honorários a pagar com base em juízos de equidade.

26. Até porque, “Sempre se entendeu que, na emissão do laudo, haverá que partir do pressuposto de que os serviços profissionais referenciados pelo Advogado como tendo sido prestados o foram efetivamente, uma vez que não é da competência da Ordem dos Advogados decidir, se, na verdade, tais serviços foram efetivamente prestados. Tal competência, sob pena de usurpação de poderes, cabe aos Tribunais enquanto órgãos de soberania a quem cabe a função jurisdicional e não à ordem dos Advogados” (Orlando Guedes da Costa, Direito Profissional do Advogado – Noções Elementares, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 259. in Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo: 10421/16.1YIPRT.E1)

27. Desta sorte, impera reapreciar a prova gravada e ser o aqui recorrente condenado ao pagamento de honorários de um valor justo e adequado, em consonância, com os critérios fixados com o artigo 100º do EOA e, em consonância com o valor de horas despendido com o processo, bem como, com o respectivo valor de hora cobrado.

28. Não dispondo os autos, de elementos suficientes para tal, deverá o venerando Tribunal da Relação relegar para incidente de liquidação, ao abrigo dos artigos 358º e ss do CPC, no qual possa o aqui recorrido fazer prova cabal o tempo despendido com o trabalho realizado para o – que não se coloca em causa -, bem como, do valor praticado hora.


*

            O Recorrido contra-alegou, defendendo a rejeição da impugnação da matéria de facto, a extemporaneidade do recurso e, subsidiariamente, a correção do decidido.

*

            Questões a decidir:

            A nulidade da decisão por falta de fundamentação;

A rejeição da impugnação da matéria de facto; sua potencial reapreciação;

A extemporaneidade do recurso;

O uso do laudo da Ordem dos Advogados;

A liquidação posterior dos honorários.


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A nulidade da decisão por falta de fundamentação.

Invoca o recorrente a nulidade da sentença porque esta não está fundamentada de facto e de direito. 

Antes de mais, importa esclarecer que a irregularidade prevista na al. b), do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil – falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito – prevista como uma das causas de nulidade da sentença, nada tem a ver com eventuais deficiências na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.

A eventual falta de fundamentação, ou fundamentação insuficiente, de alguma das respostas dadas à matéria de facto, poderá importar que a Relação determine que o tribunal da 1ª instância a fundamente (artigo 662º, nº2, al. d), daquele código, doravante CPC).

O dever de fundamentação da matéria de facto encontra-se atualmente consagrado no nº4 do art. 607º do CPC, nos seguintes termos: “O juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”

Ao fundamentar a sua decisão sobre os factos controvertidos e objeto de instrução, o juiz deverá referir quais os elementos de prova que foram determinantes para a aquisição da sua convicção, e quais as razões ou motivos de determinaram a sua credibilidade para o julgador.

No que toca à fundamentação jurídica, ela contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adotada.

            No actual quadro constitucional, em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, de forma a que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, parece que também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório. (ver acórdãos do STJ, de 2.3.2011, processo 161/05.2TBPRD.P1.S1 e da Relação de Coimbra, de 17.4.2012, processo 1483/09.9TBTMR.C1, em www.dgsi.pt; ainda L.Freitas, M.Machado, R.Pinto, C.P.C. Anotado, vol.2º, 2ª edição, C.Editora, pág.661.)

            Confrontemos então todo este normativo com a sentença proferida.

No caso, o Tribunal de primeira instância especifica, relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto que vem a dar como provados, quais os elementos de prova decisivos e que maior relevância tiveram para a sua convicção.

Da leitura global da sua fundamentação, na decisão da matéria de facto, conseguimos extrair como a Sra. Juíza alcançou a convicção que exprimiu quanto a tais factos.

            Na fundamentação em matéria de direito, o tribunal recorrido expressa a qualificação do contrato e clarifica como recorre ao laudo pericial, na falta de outros factos que pudessem servir aos outros critérios legais que definiu.

Neste contexto, não encontramos a invocada nulidade.


*

Impugnação da matéria de facto.

Na reapreciação dos factos, o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido dos interessados, impuser decisão diversa (art.662, nº1, do Código de Processo Civil).

Imposta a necessidade daquele pedido dos interessados, o art.640º impõe um ónus a cargo do recorrente que impugne aquela decisão, estabelecendo o seguinte:

“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

(…)”

O art.640º referido tem a sua correspondência no anterior art.685º-B do Código de Processo Civil, ainda que parcial, vindo a nova norma reforçar o ónus de alegação que impende sobre o recorrente, quem deve agora indicar também a resposta que deve ser dada às questões de facto impugnadas.

A norma não admite o recurso genérico contra a errada decisão da matéria de facto, mas apenas a possibilidade de revisão de factos individualizados e com indicação exata das passagens da gravação em que se funda aquele.

O artigo esclarece, relativamente à prova gravada, que não é obrigatória a transcrição, mas é necessária a indicação exata das passagens da gravação relevantes. (ver Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª edição, págs. 129 e 135.)

No caso, é ostensivo que o Recorrente não dá cumprimento à norma, o que constitui um obstáculo à reapreciação pedida e implica, nos termos da mesma, a imediata rejeição do recurso, na parte da impugnação da matéria de facto.

O Recorrente generaliza, mas não especifica os factos mal julgados e qual a decisão diversa que deveria ser emitida sobre concretos factos.

Pelo exposto, decide-se rejeitar o recurso relativo à impugnação da matéria de facto.


*

A intempestividade do recurso decorrente da rejeição da impugnação da matéria de facto.

Entende o Recorrido que o recurso, não sendo admitido quanto à reapreciação da prova gravada, teria de ter sido interposto no prazo de 30 dias (artigo 638.º, n.º 1 do CPC), o que não sucedeu.

Julgamos que o Recorrido não tem razão.

            Neste particular, o que está em causa é uma verificação liminar dos pressupostos de recorribilidade. A similitude que existe entre os despachos previstos nos arts.641º, nº2 e 590º do CPC permite concluir que o despacho de rejeição imediata do recurso deve ser reservado para os casos de manifesta ausência dos requisitos, que são formais.

O alargamento do prazo concedido pelo artigo 638.º, n.º 7, do Código de Processo Civil depende da concretização de um pedido de reapreciação da prova gravada, não dependendo da comprovação posterior de que esse pedido cumpre todos os requisitos legais. O que releva para a definição do prazo é saber se o recorrente, tal como construiu a sua argumentação, pretende que o tribunal ad quem faça uma reapreciação da matéria de facto, assente na prova gravada.

Se o tribunal constata depois que este pedido de reapreciação não cumpre os requisitos legais, a eventual sua rejeição não modifica o prazo do recurso.

O tribunal, na sua verificação liminar, deverá apenas controlar se foi pedida a reapreciação da prova gravada, não sindicando a valia, a substância e a eficácia da mesma. (Neste sentido, o acórdão do STJ, de 28.04.2016, no proc. 1006/12, em www.dgsi.pt.)

Assim, se foi feito aquele pedido, o prazo do recurso, visto unitariamente, é de 40 dias.

Em conclusão, o recurso não é extemporâneo.


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            O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:

1) O autor exerce exclusivamente a profissão de Advogado, há cerca de 36 anos, com domicílio profissional na Avenida (…), em Santarém. (acordo)

2) O réu – motorista internacional de profissão - sofreu um acidente de viação, no dia 22/02/2013, na Estrada M40, em Inglaterra, quando seguia na direção Londres/Birmingham, conduzindo um camião, por ordem e ao serviço da sua entidade empregadora «L (…), Lda.». (acordo)

3) Tal acidente foi considerado também acidente de trabalho, correndo termos processo emergente desse acidente de trabalho, no Tribunal do Trabalho de Leiria, sob o n.º 693/13.9TTLRA. (acordo)

4) Desse acidente resultaram lesões para o réu. (acordo)

5) O réu solicitou ao autor os seus serviços de Advogado, para o acompanhar quer no referido processo de acidente de trabalho, quer no processo de acidente de viação (que sob o n.º 549/16.3T8LRA corre seus termos no Juízo Central Cível de Leiria). (acordo)

6) Para tal efeito, o réu emitiu uma procuração forense a favor do autor, constituindo-o seu mandatário, datada de 04/09/2013 e junta aos autos em 12/11/2013. (acordo)

7) Dadas as dificuldades económicas apresentadas pelo réu, privado do seu salário mensal desde a data do acidente, autor e réu acordaram que o autor seria pago apenas no final do processo.

8) O autor foi sempre aconselhando e acompanhando o réu na defesa dos seus interesses como sinistrado no processo.

9) No exercício do mandato, o autor reuniu elementos junto da «Seguradora Tranquilidade» e da entidade empregadora do réu; requereu a atribuição de pensão provisória a favor do réu, que lhe foi atribuída, no valor anual de €1.370,33; contestou a incapacidade que ia sendo arbitrada ao réu e fez sucessivos requerimentos de Juntas Médicas, nas especialidades de Ortopedia, Neurocirurgia e Psiquiatria; indicou os quesitos a que os Peritos Médicos deveriam responder e indicou os Peritos; elaborou as peças processuais constantes da certidão judicial junta a fls. 218 e ss, extraída do processo de acidente de trabalho.

10) O réu subscreveu um requerimento, entrado em juízo no dia 27/10/2016, «renunciando» ao mandato (certidão judicial junta a fls. 212 e ss, extraída do processo de acidente de trabalho).

11) Essa revogação do mandato foi comunicada ao autor através de notificação do Tribunal datada de 23/11/2016 (certidão judicial junta a fls.218 e ss, maxime fls. 358-359, extraída do processo de acidente de trabalho).

12) O réu outorgou procuração forense a outro Advogado, datada de 20/10/2016, junta aos autos de acidente de trabalho através de requerimento de 31/10/2016.

13) O réu enviou ao autor uma carta registada, por este rececionada, solicitando a apresentação de contas para proceder ao seu pagamento.

14) O autor remeteu ao réu uma carta, datada de 21/11/2016, apresentando-lhe o valor de €16.663,16 a pagar a título de despesas e honorários no processo de acidente de trabalho.

15) Na preparação e no decorrer do processo, o autor teve, pelo menos, duas consultas com o réu, no seu escritório, em Santarém, de duração não concretamente determinada.

16) Na preparação e no decorrer do processo, o réu telefonava para o escritório do autor, para se inteirar do andamento do processo e para esclarecer dúvidas, telefonemas que tinham duração não concretamente determinada.

17) Na preparação e no decorrer do processo, o autor deslocou-se, pelo menos: uma vez, ao Hospital de Leiria (Gabinete Médico-Legal), onde acompanhou o réu; uma vez, ao Tribunal do Trabalho de Leiria, a fim de participar na Tentativa de Conciliação realizada a 05/02/2014 (certidão judicial junta a fls. 212 e ss, extraída do processo de acidente de trabalho); uma vez, a Alcobaça, para conversar pessoalmente com o Dr. (...) , médico que acompanhava o réu.

18) As cidades de Santarém e Alcobaça distam cerca de 65 Km.

19) As cidades de Santarém e Leiria distam cerca de 85 Km.

20) Em despesas de expediente (abertura de pasta, papel, registos postais, fotocópias e chamadas telefónicas), referentes a este e a outro processo, o autor despendeu a quantia estimada de €50,00.

21) Nos autos de acidente de trabalho em que o réu é sinistrado, à data de 10/10/2019, o mesmo já havia recebido os valores de €37.784,35 – a título de indemnização por incapacidade temporária para o trabalho – e de €95.831,96 – relativamente à pensão, anual e vitalícia, na sequência da incapacidade parcial permanente, homologada a 6,9% (informação prestada pela «S (…)S.A.» a fls. 204 e ss).

22) O réu foi notificado judicialmente, a 04/01/2017, do pedido do autor, solicitando o pagamento da quantia de €22.163,16, relativa a honorários e despesas por serviços jurídicos prestados, no processo de acidente de trabalho e outros.

23) O réu foi citado para os termos da ação a 04/05/2017, data da assinatura do aviso de receção junto a fls. 91.


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Não se discute a qualificação jurídica do acordo concretizado entre as partes.

O que se discute é o recurso ao laudo da Ordem dos Advogados, como elemento único ou decisivo para a fixação dos honorários devidos ao Autor.

Esta retribuição deve corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efetivamente prestados, considerando a importância dos serviços, a dificuldade e urgência do assunto, o grau de criatividade intelectual da sua prestação, o resultado obtido, o tempo despendido, as responsabilidades assumidas e os demais usos profissionais (artigo 105.º, n.º s 1 e 3 do Estatuto da Ordem dos Advogados).

De acordo ainda com o artigo 1158.º, nº 2, do Código Civil, “se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade.

Fica claro que o tempo despendido é apenas um dos critérios a ponderar.

Por seu lado, no caso, não se provou que os honorários do Autor corresponderiam a 20% de todas as quantias que o Réu viesse a receber nos autos de acidente de trabalho.

Mas, se atentarmos na motivação dos factos feita pelo Tribunal recorrido (“Na ausência de qualquer elemento escrito clarificador, o sentido da comunicação é ambíguo (pois não terá sido definido pelo autor, com clareza, «o que lhe vou levar é 20% do que o Senhor receber a final, como normalmente cobro nestas situações») e a interpretação que o réu fez das palavras do autor é legítima e conforme à impressão do destinatário, colocado na concreta posição do réu (no final fariam as contas do que era devido, valor que poderia rondar os 20% do que o réu viesse a receber).” – Fim de citação.), aquela percentagem não deixava de estar presente na mente das partes.

O valor reclamado, de €16.663,16, não mereceu laudo favorável da Ordem dos Advogados, que deu laudo favorável à quantia de €8.000,00, acrescida de IVA.

O Tribunal recorrido concluiu que não se vislumbravam razões fortes e consistentes para dele divergir.

Efetivamente, o laudo elaborado pela Ordem dos Advogados não tem um valor vinculativo, mas é um parecer técnico que deve ser considerado livremente pelo Tribunal.

O parecer parte de certos pressupostos que poderão não ser provados ou ser, justificadamente, arredados.

Tendo em mente os critérios legalmente estabelecidos e referidos, podemos dar relevo aos seguintes factos:

A referência meramente indicativa ou limitativa dos 20%;

Não se provando o tempo despendido, prova-se, pelo menos, um conjunto documentado de requerimentos, duas consultas, telefonemas e 3 deslocações;

Um advogado com 36 anos de serviço tenderá a ter mais conhecimento e a gastar menos tempo na atividade intelectual;

O Autor foi mandatário do Réu durante 3 anos e 3 meses;

Foi o Autor quem avançou com os custos da atividade desenvolvida (facto 7);

Além do processo principal, o Autor tratou do incidente de atribuição provisória da pensão;

Além do mais, o Autor contribuiu para obter, para o cliente, os valores de 37.784€ e 95.831€.

Apenas dez por cento da soma destes valores seria superior a 10.000€.

O laudo da Ordem dos Advogados considerou um valor hora de 60€, para um total de cerca de 133 horas.

Não se provando este tempo, devemos atender que o dito laudo procedeu a uma redução significativa do valor, considerando a falta de prova escrita do acordo relativo aos 20%.

            O valor encontrado no laudo está abaixo dos referidos 10.000€ e acima do valor que o cliente estaria disposto a pagar (5.000€ - ver ata com referência às possibilidades de acordo).

            Neste contexto, parece-nos relativamente ajustado o valor definido.

            O Recorrente argumenta com a necessidade de relegar a definição do valor para liquidação posterior.

            Parece-nos que não faz sentido.

No caso é possível recorrer, como último critério, à equidade.

Esta e a liquidação posterior servem para a hipótese em que os factos provados conduzem à condenação, mas faltem elementos que permitam concretizar inteiramente a prestação devida.

Só devemos relegar para posterior liquidação a fixação do quantum da prestação, quando não puder deixar de ser, por total carência de elementos para a sua fixação por equidade.

Não se pretendendo incentivar a arbitrariedade ou discricionariedade, o recurso à equidade nesta fase, só deve ocorrer, em regra, quando os elementos dos autos possam auxiliar o julgador na determinação de um valor que se não afaste muito da verosimilhança ou probabilidade e que reflita a ponderação de critérios de justiça relativa.

Quando não disponha de dados suficientes que lhe permitam concretizar a justiça do caso, a equidade só se mostrará desadequada se for previsível, face à situação concreta, que a sua quantificação se torne possível no âmbito de posterior liquidação.

Os tribunais não devem arrastar a solução dos litígios, recomeçando na liquidação o que devia ter acabado na ação declarativa.

A opção por uma ou outra daquelas soluções depende do juízo que se formar, em face das circunstâncias concretas de cada caso, sobre a possibilidade de determinação do valor exato da retribuição.

Ora, no caso, não nos parece que o processo ulterior venha a adiantar o que quer que seja na prova de outros factos e que sirvam à definição completamente segura da retribuição devida ao Autor.

O valor fixado, filtrado também pela equidade, é ajustado aos factos que foi possível encontrar, compensando, em alguma medida, a potencial perda do Autor, relevante, resultante de não conseguir provar o acordo dos 20% e compensando o tempo em que trabalhou sem receber qualquer valor, sendo certo que os juros de mora só são contados a partir de 2017.


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Decisão.

Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

            Custas do recurso, sem encargos, pelo Recorrente, vencido.

            Coimbra, 2020-11-03

Fernando Monteiro ( Relator )

Ana Vieira

António Carvalho Martins