Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
10/10.0PECTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: DROGA
PERÍCIA MÉDICO-LEGAL
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
Data do Acordão: 03/30/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 53º E 25º, DO DECRETO-LEI N.º 15/93, DE 22 DE
Sumário: I - Na fase de Inquérito, não há necessidade de intervenção do JIC no exame previsto no n.º 3, do art.º 53º, do DL n.º 15/93, de 22/01, sendo que aí se prevê apenas, na falta de consentimento do visado, a prévia autorização da autoridade judiciária (e não judicial) competente.

II - O tipo de crime de tráfico de menor gravidade previsto no art.º 25º, do mesmo Diploma Legal, fica preenchido quando, preenchido o tipo do art.º 21º ou do art.º 22º, se mostre consideravelmente diminuída a ilicitude do facto.
Esta considerável diminuição da ilicitude do facto será então o resultado de uma avaliação global da situação de facto, tendo em conta, entre outros factores, os meios utilizados, a modalidade e circunstâncias da acção, e a qualidade e/ou quantidade das substâncias, plantas ou preparados, reveladores de uma menor perigosidade da acção.
O advérbio “consideravelmente”, que consta da previsão legal, não foi usado por mero acaso e, no seu significado etimológico, prevalece a ideia de notável, digno de consideração, grande, importante ou avultado.
Apesar de constarem expressamente da previsão legal índices caracterizadores da ilicitude, a utilização do advérbio “nomeadamente” significa que tal enunciação não é taxativa, devendo pois ser ponderadas todas as concretas circunstâncias de cada caso concreto, a fim de se poder concluir ou não, que, objectivamente, a ilicitude da acção típica tem menor relevo que a tipificada para os art.ºs 21º e 22º.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO
           
1. No processo comum colectivo n.º 10/10.0PECTB do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, foram julgados os arguidos
· TC..., melhor identificado a fls 937 e
· MP..., melhor identificada a fls 937,
tendo ambos sido condenados, por acórdão datado de 24 de Novembro de 2010, e pela prática, como autores materiais, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-A anexa ao referido diploma, na pena individual de seis anos de prisão.

2. Anteriormente, na sessão de julgamento de 11/11/2010 (cfr. fls 871), foi proferido pelo Colectivo de Castelo Branco um DESPACHO de improcedência da arguição da nulidade do meio de prova constante de fls 112, arguição essa feita pelo arguido TC...a fls 805 a 807.

3. Recorreram os dois arguidos[1] TC...e MP...do despacho referenciado em 2. e do acórdão mencionado em 1.



4. RECURSOS DO DESPACHO DE 11.11.2010

4.1. RECURSO A
Recorre o arguido TC...de tal despacho, CONCLUINDO da seguinte forma:
«1. O douto despacho recorrido, ao qualificar como revista o meio de obtenção de prova utilizado para extrair do corpo da Arguida as 24,482 g de heroína, violou o artigo 174º do CPP, bem como o artigo 53º do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22/1;
2. Violou ainda, ao não considerar nula a prova obtida mediante intromissão na vagina da Arguida, sem consentimento desta, nem despacho do Juiz de Instrução que o ordenasse, o artigo 53,° do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22/1, conjugado com os artigos 269.°/1 a), 154.°/2 e 126.°/3 do CPP;
3. A interpretação dos artigos 126º/3 e 154º/2 do CPP e artigo 53.° do Decreto-Lei n.°
15/93, de 22/1, que vá no sentido de permitir utilizar a prova obtida mediante intromissão na vagina da Arguida, sem que esta o consentisse ou o Meritíssimo Juiz de Instrução o ordenasse, é contrária ao disposto no artigo 32.°/8 da Constituição da República Portuguesa;

4. Deve, atento o exposto, declarar-se nula a perícia efectuada à Arguida e que resultou numa alegada apreensão de 24,482 g de heroína».

4.2. RECURSO B
Recorre a arguida MP...de tal despacho, CONCLUINDO da seguinte forma:
«1. A arguida/recorrente não autorizou a extracção da droga oculta de forma endo-vaginal e que o corpo estranho foi extraído à arguida em cumprimento de ordem dada verbalmente pelo sr. Procurador-Adjunto, que não assistiu à diligência.
2. Se alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer exame (...) pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente”.
Daí que o arguido possa ter de submeter-se a exame e a perícia — arts. 151º a 171° do C.P.P., desde que ordenada pela autoridade judiciária competente que preside à respectiva fase processual, neste caso, o M°P°.
No caso sub judicio, verifica-se que a decisão da autoridade judiciária foi verbal, sem justificação e explanação dos motivos e não foi efectuada na sua presença. Pelo que, não se pode considerar válida tal decisão do M°P° para compelir a recorrente a efectuar a extracção da droga.
3. O tribunal “a quo” ao considerar válida a prova resultante da extracção da droga do corpo da recorrente, considerando válida a decisão do M°P° de compelir a arguida a exame, na interpretação que faz do art. 172° do C.P.P. viola o disposto nos artigos 26°, n°s 1 e 3, 18°, nºs 1, 2 e 3, 25°, n° 1, 27°, n°s 2 e 3, 32°, n° 8 CRP.
Nestes termos, requer a V.Exas se dignem considerar procedente e provado o presente recurso, e em consequência: declarar nula a prova resultante da extracção da droga oculta no corpo da recorrente de forma endovaginal».

4.3. Respondeu A ESTES DOIS RECURSOS o Ministério Público na 1ª instância, defendendo a justeza do despacho recorrido, CONCLUINDO que:
«(…) Na verdade, o que fundamentalmente está em causa nos autos é o recorte da diligência que foi levada a cabo na pessoa da arguida e que é alvo do presente recurso.
Não temos dúvidas em considerá-la uma revista, nos termos das disposições conjugadas dos art.s 53° e 52° do DL 15/93 e ainda dos art.s 174°, n.° 1, 3 e 5 al. a), 1° al. m) e 151° todos do CPP, atentos os doutos fundamentos do despacho recorrido que aqui nos dispensamos de reproduzir.
No caso, a autoridade judiciária competente para autorizar a revista era o Ministério Público, estando os autos em sede de inquérito, pelo que não houve qualquer violação do disposto nos art.°s 126°, 171° e 172° do CPP, nem por qualquer dos fundamentos apresentados dos artigos da Constituição da República mencionados pela recorrente.
Mostra-se devidamente fundamentado o despacho judicial posto sob censura pelo recorrente, não tendo havido violação de qualquer das normas legais referidas pela recorrente.
Pelo que não merece, a nosso ver, o douto despacho recorrido qualquer reparo».

5. RECURSOS DO ACÓRDÃO

5.1. RECURSO C
Recorre o arguido TC...de tal acórdão, CONCLUINDO da seguinte forma:
«1. O Recorrente não se conforma com a factualidade dada como provada, como não se conforma com a qualificação jurídica conferida à mesma e com a consequente medida da pena fixada pelo Tribunal a quo;
2. O Recorrente não se conforma que tenha sido considerado provado que:
“Pelo menos entre Julho de 2009 e Abril de 2010, ambos inclusive, o arguido FF...
adquiriu heroína aos Arguidos TC... e MP…, no
valor mensal entre 300,00 e
400,00”.

3. Não se deveria ter considerado provado o ponto 33 da matéria de facto assente, lapso na apreciação da matéria de facto que se requer que seja corrigido nesse Alto Tribunal;
4. Com o devido respeito, que, já se disse, é muito, não se descortina corno é possível subsumir a referida factualidade num tipo legal de crime que o Tribunal a quo denomina de grande tráfico;
5. O Recorrente, como se provou e ora se conclui, levava urna vida de miséria e de exclusão social, pela qual, naturalmente, tem a sua responsabilidade e culpa. Não é, todavia, a que lhe foi imputada pelo Tribunal a quo;
6. Não se concebe como o Tribunal a quo qualifica o Recorrente de grande traficante;
7. Salvo melhor e mais sábia opinião, só violando o artigo 21.°/l do DL n.° 15/93, de  22/1, se logra subsumir a referida factualidade neste crime, violação essa que expressamente se deixa referida;
8. A interpretação do artigo 21.° do DL n.° 15/93, de 22/1, que neste artigo inclua a factualidade provada no presente processo, no que se refere ao Arguido TC..., ora Recorrente, é inconstitucional por violação do artigo 18.°/2 da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que se deixa expressamente arguida, para os devidos e legais efeitos;
9. No presente processo provaram-se 55 transacções, 6,765 gramas transaccionadas, 8 compradores, ano e meio de actividade ilícita, um agente em situação de miséria e de toxicodependência, inexistência de proveitos económicos da actividade ilícita;
10. Deve subsumir-se a factualidade em apreço num crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. no artigo 25.° do DL n.° 15/93, de 22/1, operando-se a diminuição da pena em conformidade;
11. Ainda que, por hipótese, não se convolasse a referida factualidade num crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.° do DL n.° 15/93, de 22/1, crê-se que deveria ser aplicada ao Recorrente, dentro da moldura penal prevista para o crime de tráfico, p. e p. pelo artigo 21 , uma pena de menor severidade;
12. Com efeito, atendendo à moldura da pena em questão, 4 a 12 anos, bem como as circunstâncias em que decorria o referido tráfico, uma condenação pelo referido artigo teria de se aproximar do limite mínimo da moldura legal, o que não sucedeu;
13. Salvo melhor opinião, apenas assim se aproximaria a culpa da pena, que ora excede aquela, motivos pelos quais violou o Tribunal a quo o artigo 71º/1 do CP».

5.2. RECURSO D
Recorre a arguida MP...de tal acórdão, CONCLUINDO da seguinte forma:
«1ª - Caso venham V.Exas a considerar o dito despacho recorrido - que validou a prova resultante da extracção da heroína oculta de forma endo-vaginal pela recorrente - nulo e nula a prova resultante da extracção da droga oculta no corpo da recorrente de forma endovaginal, terá a recorrente de ser absolvida por não existir qualquer tipo de droga para traficar.

2ª- A recorrente impugna a matéria de facto dada como provada constantes dos n° 5, 33, 35, 36, 39 e 41 da douta sentença recorrida, os quais deveriam ter sido considerados não provados;
e ainda
impugna os factos não provados da contestação da recorrente, os quais devem ser considerados parcialmente provados.
Os factos constantes do n° 5 da matéria provada devem ser considerados não provados, pois nenhuma prova foi produzida acerca dos mesmos em audiência de julgamento, pois ninguém disse onde seria dividida a droga e acondicionada e se as doses tinham todas a mesma quantidade.
Os factos constantes do n°33 devem ser considerados não provados, já que a fundamentação de tais factos baseia-se no depoimento do co-arguido, FF... cuja passagem infra se transcreve, e que está gravado em CD desde o minuto 14:25 a 15:40, conforme acta de julgamento.
“Juiz, doravante designado de J.- O Sr. tem ideia de quanto é que estoirou em droga nesse período?
Arguido, doravante designado de A.- Tenho.
J.- Quanto é que estoirou em droga? Fez as contas?
A.- Fiz mais ou menos. Deixei de pagar a prestação do meu carro, era
praticamente o meu ordenado todo.

J.- Por mês?
A.- Por mês.
J.- Que iam para o TC...e para a MP…? Era só a eles que adquiria ou
adquiria a mais pessoas?

A.- Era só a eles.
J.- Quanto é que é o seu ordenado mensal?
A.- Líquido 520€.
J.- Quando diz que é o meu ordenado todo era mesmo o ordenado todo?
A.- Pagava a água, luz...
J.- Quanto é que estima que por mês ia para o Sr. TC...e para a D. MP…?
A- Não faço ideia. Não consigo calcular. Era conforme as despesas.
300, 400... não sei, mais ou menos.

J.- Então entre 300, 400€ por mês iam para a droga adquirida ao Sr. TC...e
MP...?

A: Sim”.
Os arguidos TC...e MP...remeteram-se ao silêncio, pelo que este não os pode prejudicar.
Sendo razoável e do conhecimento comum que o FF... e os demais arguidos consumiam a droga que adquiriam mais barata em Espanha pelos três. Quantos aos factos referidos no art.35°, 36°, 39° devem ser considerados não provados, caso venha a ser considerado procedente o recurso a que nos referimos no art.1° deste articulado.
E ainda, quanto aos factos dos dois primeiros artigos nenhuma prova se produziu, pois tratam-se de conclusões do tribunal “a quo” sem suporte factual.

3ª- Os factos não provados da contestação da recorrente devem ser considerados provados com as seguintes correcções:
A arguida pretendeu inicialmente ir residir para o X..., local donde reside uma das suas irmãs, a qual lhe proporcionaria alojamento, porém o pai acha que é melhor estar com ele para lhe impor regras e dar-lhe “rédea curta”. A arguida pretende matricular-se no ensino superior e continuar a estudar. A arguida irá continuar a estudar no ensino superior.
A tal conclusão chega-se pelo depoimento J..., gravado em CD, conforme acta de julgamento, 16/11/2010, desde 15.32.41h. a 15.40.12h.
“Adv.- Iria começar por perguntar: A sua filha como é que o senhor a vê, era trabalhadora, estudava?
T- Sim, sim. Quando esteve em casa não tinha nada a dizer.
Adv.- Ela estudava no ensino superior?
T- Sim, esteve na Agrária.
Adv.- E ela até passava de ano, já aqui disseram. Até passou de ano do l
o 2° ano, sem problemas. E foi nessa altura que ela deixou de viver em casa?

T- Pois, foi viver com o rapaz. Era maior, não podia fazer nada.
Adv. - Ela pediu-lhe?
T- Eu por minha vontade não ia, acho que era muito cedo, acho que ela devia
continuar os estudos, mas pronto, ela pediu.

Adv.- Mas ela não disse que ia abandonar os estudos, pois não?
T- Não. Em princípio não. Pensei sempre que andasse a estudar.
Adv.- A estudar e depois a trabalhar?
T- E depois começou a trabalhar, parece que ainda andou à noite, não sei se
andou, se não.

Adv.- Sim, senhor. E até lá, como foi a MP…? Sempre educada, trabalhadora?
T- Nunca houve razão de queixa.
Adv.- Nunca desconfiou de nada?
T- Nada. De absolutamente nada.
Adv.- Portanto, até ao momento em que ela esteve em sua casa...
T- Nunca houve nada, absolutamente nada.
Adv.- E depois dela sair, chegou a viver quanto tempo com o sr. TC...?
T.- oito, nove anos, sensivelmente.
Adv.- Viviam os dois?
T- Estavam os dois juntos.
Adv.- Durante esse período o Sr. nunca desconfiou que a sua filha consumisse
drogas?

T- Não. Sinceramente não.
Ela ia lá pelo Natal, ainda este último Natal estiveram lá em casa, pela Páscoa, a última vez que estivemos reunidos foi nos anos dela, na Sra. de Mércules, dia 18 de Abril.
E quando a gente tentou contactá-la, no dia 30 de Abril, que a mãe fez anos,
contactei e ninguém me atendeu.

Eu não soube desta prisão. Fui dos últimos a saber que isto aconteceu.
Adv.- Nunca houve desconfianças? Nem ninguém falava?
T- Nada. Se eu soubesse...
Não, nesta questão nunca houve, ela trabalhava lá em baixo nas laranjeiras, no
restaurante, disse-me para mim ultimamente que estava no desemprego.

Adv.- E os estudos? Não lhe perguntava pelos estudos?
T- Os estudos ela depois já tinha deixado.
Adv.- Parou?
T- Os anos também começaram a passar, fez mal, mas pronto.
Adv.- Mas o Sr. depois veio a verificar que a sua filha consumia droga?
T- Sr. Dr. segundo dizem. Isto é uma praga, o que é que a gente pode fazer?
Adv.- Mas o que é que ela lhe disse? Que era consumidora?
T- Nunca me disse isso, também sei por fora. Cara a cara nunca me disse nada.
Adv.- Sim, sim, mas agora sabe que era consumidora de heroína?
T- Segundo consta.
Adv.- Olhe, o Sr. está disposto a receber a sua filha, a ajudá-la?
T- O que é que um pai não faz por uma filha?
Se ando a caminhar de quinze em quinze dias para o ..., levanto-me manhã, para ir para lá apoiá-la. O que é que eu não hei-de fazer mais?
Adv.- O Sr. está disposto a ajudá-la a submeter-se a um tratamento?
T- Sim, e acho que ela merecia uma oportunidade, lá em casa e tem de lá estar e vou apoiá-la em tudo.
Adv.- O Sr. tem uma filha no X..., não tem?
T- Tenho.
Adv.- Inicialmente a ideia não era a sua filha ir para o X...?
T- Sim. Mas eu acho que o melhor é estar ao pé de mim. Acho que agora é.
Adv.- Porquê?
T - Porque agora tem de haver uma disciplina, nós costumamos dizer assim dos filhos: a gente dá-lhes rédea curta dão-nos coices, no sentido figurado, damos rédea larga abalam.
E agora não, agora temos de por um meio-termo, uma disciplina, regras, ela vai fazer 30 anos já não é altura de brincadeiras.
Adv.- Ela já lhe falou do futuro, se quer voltar a estudar?
T- Eu acho que sim, que vai continuar a estudar.
Adv.- Mas ela já lhe disse isso?
T.- Disse. E eu também estou de acordo com isso. Temos de andar para a frente, isto é um erro.
Adv.- Sabe se ela frequentava o CAT de ...?
T.- Não sei, isso não sei.
Adv.- E relativamente à ideia que a MP...tem disto? Ela quer deixar esta vida da droga?
T.- Isto é assim:
No primeiro dia que a fui lá ver, ela pediu-me perdão e pediu-me não me abandones.
E eu disse para ela muito claro, ela é que tem de me ajudar a mim, porque já não estou em idade destas coisas, portanto, se me derem uma oportunidade ela é que tem de fazer por ela, ela também tem de ter força de vontade. Mas de mim e da mãe e das irmãs vai contar com o apoio total, com tudo o que pudermos. Mas ela também tem de ser forte.

Porque eu acho que já não vai haver mais recaídas, se houver não conta mais comigo, também eu já lhe disse.
Adv.- E a última vez que a ajuda? Primeira e última?
T.- Neste caso é primeira e última, porque eu não vou entrar mais nisso, eu vou fazer 54 anos, não ando com idade disso.
Toda a gente cai, ninguém é perfeito, ricos, pobres, filhos de doutores, de engenheiros, toda a gente cai, agora é preciso é uma oportunidade. Agora também tem de haver é força de vontade da parte dela, foi o que eu lhe disse. Conta comigo e com a mãe e tem estado a contar até agora connosco, nunca a abandonámos. De quinze em quinze dias vamos ao ..., levamos-lhe tudo. E estamos è espera que ela vá para casa.
Adv.- Portanto, quer que ela volte a estudar...
T.- E que volte a estudar e arranjar algum emprego ou vai ajudar a mãe nas limpezas. Tem de arranjar alguma coisa, também não vai ficar trancada casa, isso também não é vida.
Adv.- Sim senhor”.

4ª- Entende a recorrente, salvo melhor e douta opinião, que estamos face a um
crime p.p. no art. 25° do D.L. 15/93 de 22 de jan., sendo errada a sua
condenação nos termos e para os efeitos do art.21° do mesmo diploma legal.


5ª- Entende o recorrente que a determinação da pena deve ser feita em moldes
diferentes e mais benéficos que os do acórdão recorrido.


6ª- O recorrente tem como atenuantes pretender concluir o curso superior, ser uma pessoa estimada na comunidade, ter o apoio familiar para a sua recuperação, estar com vontade de se submeter a tratamento à toxicodependência, assim como o facto de ter pedido em julgamento uma última oportunidade.

7ª- Pretende a recorrente iniciar e concluir o tratamento da sua toxicodependência em liberdade, sujeita a regime de prova.

8ª- Esta medida satisfaz plenamente as necessidades e exigências de prevenção geral e especial.

9ª- A culpa da arguida é atenuada pela intenção com que praticou os factos, apenas vendia para consumir.

10ª- a recorrente tem 28 anos de idade, pelo que a sua vida poderá estar irremediavelmente estragada e “manchada” caso cumpra pena de prisão efectiva.

Nestes termos, requer a V.Exas. se dignem considerar procedente e provado o recurso, e em consequência: que as penas aplicadas foram erradas e excessivas, e reduzi-las ao mínimo legalmente permitido, com pena suspensa, sujeitando a arguida a um tratamento e até à sua plena recuperação e ainda sujeita a um regime de prova que V.Exas., entendam fixar»

5.3. Respondeu ao RECURSO C o Ministério Público na 1ª instância, defendendo a justeza do acordado em termos de facto e de direito.

            6. Admitidos os recursos e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto defendeu a justeza das decisões recorridas, pugnando pela improcedência dos 4 recursos.

            7. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por deverem ser os recursos aí julgados, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, do mesmo diploma.

8. Corre na 1ª instância o apenso para reapreciação dos estatutos coactivos dos arguidos, em cumprimento do artigo 414º/7 do CPP.

            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
1. QUESTÕES A RESOLVER
Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
             Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso[2], as questões a decidir consistem em saber:

             RECURSOS A e B

· É nula a prova de fls 112?
 
RECURSO C

· RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
o Houve erro de julgamento quanto à prova dos factos 33?
· RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO
o É de qualificar o crime praticado como subsumido á letra do artigo 21º/1 ou do artigo 25º do DL 15/93 de 22/1;
o é exagerada a pena aplicada?

RECURSO D

· RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
o Houve erro de julgamento quanto aos factos provados 5, 33, 35, 36, 39 e 41º?
o Houve erro de julgamento quanto aos factos NÃO provados da contestação da recorrente?
· RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO
o É de qualificar o crime praticado como subsumido á letra do artigo 21º/1 ou do artigo 25º do DL 15/93 de 22/1;
o é exagerada a pena aplicada?


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            2. DO DESPACHO RECORRIDO
DESPACHO
«A fls. 805 e ss., o arguido TC...vem arguir a nulidade da revista de que resultou a apreensão de 24.482 g de heroína, que estava oculta no corpo da arguida MP..., de modo endo-vaginal (cfr. fls. 114. 115, 503 e 504 dos autos), por força das normas conjugadas dos arts. 126°, n.° 3, 269°, n.1 a) ou b), 154°, n.° 2, e 172°, n.°s 1 e 2, todos do CPP, e 53.°, n.os 1 e 3, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22/01, com o fundamento de que o Ministério Público não tem competência para ordenar exame susceptível de ofender o pudor de pessoa que não tenha prestado consentimento, por força do artigo 172, n.° 2, conjugado com o artigo 154°, n.° 2, ambos do C.P.Penal, que se considere tratar-se de revista, exame ou perícia.
            O Digno Procurador-Adjunto concluiu no sentido de o acto reputado de nulo consubstanciar uma revista, em cuja determinação foram observadas todas as formalidades legais.
Vejamos.
Como resulta de fls. 112, sob o título «auto de revista/perícia», o Sr. Médico que à mesma procedeu declara ter procedido a perícia médica, pelas 3h45m, do dia 30/04/2010, no Hospital VVV..., em ..., sendo visada a arguida MP…, sendo que, no decurso da mesma, foi extraído corpo estranho endovaginal e entregue ao órgão de polícia criminal. Mais é consignado que tal perícia foi solicitada pelo mesmo órgão de polícia criminal, em cumprimento de ordem dada verbalmente pelo Sr. Procurador-adjunto, que não o pode, em tempo útil, dar por escrito.
O corpo estranho era heroína, conforme relatório de fls. 504.
Pressuposta está a recusa da arguida em causa em retirar o que
havia (a própria) ou tinha permitido a outrem fosse colocado nessa parte tão íntima do seu corpo.

Do episódio de urgência constante de fls. 113, decorre que a arguida MP...não prestou consentimento à extracção da incidência que foi percepcionada no RX abdominal simples.
Que meio de prova foi levado a cabo pelo Sr. Médico da urgência que procedeu à extracção da droga da vagina da arguida?
Nos termos do art. 174°, n.° 1, do Código do Processo Penal, a revista é o meio processual tendente a encontrar objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova sempre que existirem indícios de que a pessoa visada os oculta em si.
Por seu lado, estamos perante uma perícia, de acordo com a
definição do art. 151°, do mesmo diploma legal, quando a percepção ou a apreciação dos factos exigem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, inerentes a pessoas especialmente habilitadas para tal, visando obter o seu parecer ou opinião, relativamente a factos com interesse para a prova a produzir.

Ora, tendo em conta os referidos elementos que constam do inquérito, e até o depoimento dos Srs. agentes da Polícia de Segurança Pública que depuseram na primeira sessão de audiência de julgamento, em particular a agente MR..., não temos dúvidas tratar-se - tal como inteligiu o Exmo. Procurador-Adjunto - de uma revista.
E o regime deste meio de prova é o vertido nos arts. 174° e 175°, do C.P.Penal, aliás, nos seus pressupostos, corroborado na primeira parte do art. 53°, n.° 1, do DL 15/93, de 22.01.
In casu, mais uma vez, se dá conta que o episódio de urgência refere que o Sr. Médico foi informado pelos elementos policiais que a heroína estaria ocultada de forma endo-vaginal. O seu conhecimento adveio-lhes — como explicaram em audiência - de declarações prestadas pela própria arguida, ainda no posto policial.
Ora, por força do art. 174º, n.ºs 3 e 5 a), conjugado com o art. 1°, m), ambos do Código do Processo Penal, a revista é autorizada ou ordenada por despacho da autoridade judiciária competente, no caso, o Ministério Público, atenta a fase processual respectiva.
Mas, ainda que se entendesse tratar-se de uma perícia - para o que, repete-se, não converge o nosso juízo decisório -  de igual modo, a extracção do corpo estranho do organismo da arguida, em concreto, da sua vagina, não configura uma perícia sobre as características físicas ou psíquicas de pessoa que não haja prestado consentimento, que, no actual regime jurídico da droga, se encontra prevista no seu art. 52°.
Termos em que se julga improcedente a arguição de nulidade do meio de prova corporizado no auto de fls. 112.
Notifique».

            3. DO ACÓRDÃO RECORRIDO

            3.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição):

«1. Os arguidos TC...e MP...viveram como se de marido e mulher se tratassem desde 2003, residindo desde final de Julho de 2006 no ... andar da Rua …, nesta cidade.
2. Em data não concretamente determinada, mas seguramente desde finais de 2008, que os arguidos TC...e MP...resolveram passar a adquirir heroína a indivíduos desconhecidos e, pelo menos desde finais de 2009, também a indivíduos desconhecidos, em território espanhol, nomeadamente em ... onde se deslocavam para a adquirir e trazer para Portugal.
3. Assim, para o efeito e desde esta última data, os arguidos TC...e MP...propuseram ao arguido FF... que este se deslocasse com eles a Espanha, para os transportar, o que este aceitou.
4. Assim, pelo menos por 6 vezes, o arguido FF..., depois de previamente contactado pelo arguido TC...através do telefone, acedeu a deslocar-se a Espanha, no seu veículo de marca Opel, modelo Corsa, com a matrícula …, acompanhado dos arguidos TC...e MP..., pagando-lhe estes a despesa que fazia com tal deslocação, nomeadamente com combustível.
5. A heroína, desta forma, adquirida, pelos arguidos TC...e MP…, era separada na residência dos primeiros em doses devidamente        acondicionadas em pedaços de plástico, para depois procederem à venda de tais       "pacotes" com o peso aproximado de 0,20 gramas por 20 € cada a diversos       indivíduos que acorriam aí, sendo que, para o efeito e em regra, estes contactavam      previamente com os arguidos TC...e/ou MP...a fim de saberem se estes aí       se encontravam e se tinham heroína para vender.
6. Assim, CJ..., pelo menos desde o início de 2009, começou a adquirir heroína aos arguidos TC...e MP..., comprando, de cada vez, uma dose ou pacote por 20 € cada.
7. Das, pelo menos, dezassete vezes que se deslocou à residência dos arguidos TC...e MP...para adquirir heroína, previamente contactou estes arguidos pelo telefone com o n.º … a fim de saber se aí se      encontravam e se tinham tal substância para lhe vender.
8. Entre outras vezes, deslocou-se à residência dos arguidos TC...e MP...no dia 10/3/2010, pelas 15 horas e 52 minutos, e no dia 11/3/2010,       pelas 15 horas e 2 minutos, tendo-os previamente contactado para o telefone com o n.º …, a fim de se informar se estes aí se encontravam e se tinham heroína para vender, e, de ambas as vezes, comprou um pacote de heroína tendo entregue 20 € em dinheiro.
9. Também, no dia 15/4/2010, pelas 11 horas e 50 minutos, CJ…, deslocou-se uma vez mais à residência dos arguidos TC...e MP.... Porém, como estes não estavam em casa, acabou por não adquirir qualquer heroína.
10. E, além do mais, nos dias 26/4/2010, pelas 17 horas e 20 minutos, e 29/4/2010, pelas 18 horas e 35 minutos, após ter contactado com os arguidos para o n.º …, com o mesmo objectivo, comprou, de ambas as vezes, uma dose, tendo entregue 20 € em dinheiro.
11. CS..., pelo menos desde o início de 2010, adquiria heroína aos arguidos TC...e MP...para consumir.
12. Durante esse período de tempo, adquiriu tal substância, pelo menos, 7/8 vezes aos arguidos TC...e MP..., comprando de cada uma das vezes uma dose ou pacote, com cerca de 0,20 gramas, tendo entregue aos arguidos 20 € em dinheiro em cada uma das transacções.
13.E de cada uma dessas referidas vezes, contactava os arguidos TC...e MP..., de forma prévia e pelo telefone n.º ..., a fim de aferir se estes se encontravam em casa e se tinham heroína para vender.
14. Concretamente, no dia 30/3/2010, cerca das 17 horas e 49 minutos, chegou junto da residência dos arguidos TC...e MP..., ao volante do veículo de marca Fiat, modelo Punto, com a matrícula …, acompanhado da sua mulher, BB....
15. Aí chegados, CS... estacionou o veículo automóvel e do seu interior saiu BB... que se dirigiu à residência dos arguidos TC...e MP...e comprou 1 dose de heroína por 20 €, que entregou para o efeito.
16. Tendo de seguida voltado para o referido veículo automóvel e      abandonado o local.
17. BB...já anteriormente, em data não determinada, se havia deslocado por mais, pelo menos, uma vez à residência dos arguidos TC...e      MP...onde adquiriu uma dose ou pacote por 20 €.
18. Em dia não concretamente determinado, mas que se situa nos       últimos dias do mês de Fevereiro de 2010, a hora não concretamente apurada,        DD... dirigiu-se à residência dos arguidos TC...e ...       MP...e entregou, pelo menos, ao arguido TC..., €10, 00, por quantidade não       determinada de heroína, que este lhe cedeu.
19. No dia 11 de Março de 2010, DD…  contactou a arguida MP...por telefone para telemóvel, tendo esta afirmado       ter heroína para lhe vender.
20. Assim, pelas 15 horas e 42 minutos, DD… deslocou-se à residência destes arguidos no veículo automóvel de marca Audi, modelo A4, com a matrícula … aí chegado dirigiu-se à porta da mesma.
21. Então, a arguida MP...entregou-lhe um pacote de heroína com o peso liquido de 0,123 gramas, tendo recebido em troca 20 € em dinheiro, tendo-se o DD... de imediato dirigido ao referido veículo automóvel e abandonado o local.
22. HH..., por três ocasiões diferentes, em datas concretamente não determinadas, mas situadas entre Janeiro e Abril de 2010, adquiriu aos arguidos TC...e MP...três doses de heroína, a €20, 00 a dose, uma de cada vez.
23. Em datas não concretamente determinadas, mas que se situam todas já no decurso do ano de 2010, HB... adquiriu aos arguidos TC...e MP...heroína.
24. Para tanto e de forma prévia, HB... contactou com os arguidos através do n.º …, sendo que umas vezes      atendeu o arguido TC...e de outras a arguida MP..., que lhe confirmaram      sempre ter heroína para vender.
25. Deslocando-se à residência destes arguidos, HB... adquiriu, de uma vez, uma dose de heroína por €20, e, de outra vez, uma quantidade inferior de heroína, por €10, 00, sempre junto à porta de entrada da mesma.
26.PP… adquiriu heroína aos      arguidos TC...e MP..., sendo uma dose de cada vez, a €20,00, pelo      menos uma vez antes do Verão de 2009 e, também pelo menos, uma vez de 15       em 15 dias, a partir de Outubro de 2009 até Abril de 2010, ambos inclusive.
27.Para tanto e de forma prévia, telefonava aos arguidos para o n.º       …, falando umas vezes com o arguido TC...e de outras a arguida ...       MP...que lhe confirmaram ter heroína para vender.
28. Depois deslocava-se à residência destes ou a local perto desta e, a troco de 20 €, umas vezes o arguido TC..., outras a arguida MP...,      entregavam-lhe um pacote de heroína.
29.Pelo menos por duas vezes, em datas e horas não concretamente determinadas, mas já no decurso do ano de 2010, FB… contactou com o arguido TC...pelo telefone com o n.º  … a fim de saber se podia ir a sua casa para lhe adquirir heroína, tendo recebido resposta afirmativa.
30. Então, de seguida, deslocou-se à residência dos arguidos TC...e MP...e, em ambas as vezes, foi o arguido TC...quem lhe abriu a porta e recebeu.
31.Numa das vezes adquiriu um pacote de heroína, tendo pago por este 20 €, e da restante adquiriu 3 pacotes de uma vez, tendo pago por estes 50 €.
32. O arguido FF..., em finais de 2008, adquiriu pelo menos uma dose de heroína aos arguidos TC...e MP..., por €20, 00.
33.Pelo menos entre Julho de 2009 e Abril de 2010, ambos inclusive, o arguido FF... adquiriu heroína aos arguidos TC...e MP..., no valor mensal entre €300, 00 e €400, 00.
34.Em datas e horas não concretamente determinadas, mas desde inícios de Dezembro de 2009 até os arguidos TC...e MP...serem detidos, com uma periodicidade bissemanal, JM ... deslocou-se à residência dos arguidos, onde era recebido quer pelo arguido TC..., quer pela arguida MP..., que, a troco de 20 €, lhe entregavam de cada vez, uma dose de heroína.
35.No dia 23 de Abril de 2010, pelas 19 horas, os arguidos TC...e MP...deslocaram-se no veículo do arguido FF..., sendo este a transportá-los, a território espanhol, tendo regressado a hora não determinada, sendo os dois primeiros com uma quantidade de heroína não apurada.
36. Também no dia 27 de Abril de 2010, os arguidos TC…, MP...e FF..., uma vez mais com o veículo deste último, saíram da    residência dos dois primeiros pelas 16 horas e 30 minutos a caminho de Espanha,     donde regressaram cerca das 21 horas e 20 minutos, sendo os dois primeiros com       uma quantidade de heroína não apurada.
37. No dia 29 de Abril de 2010, cerca das 22 horas, os arguidos TC..., MP...e FF..., uma vez mais com o veículo deste último, saíram da residência dos dois primeiros dirigindo-se a Espanha com o fim de, estes últimos, adquirirem mais heroína.
38.Pelas 3 horas do dia 30 de Abril os arguidos TC…, MP...e FF... regressavam, sendo os dois primeiros com destino à sua       residência, quando foram interceptados pelos agentes da Polícia de Segurança      Pública da Esquadra de Investigação Criminal de ....
39.Após se ter procedido à revista com recurso a meios médicos do Hospital VVV... verificou-se que a arguida MP...ocultava no seu corpo, de forma endo-vaginal, heroína com o peso líquido de 24,842 gramas.
40. E na residência dos arguidos TC...e MP..., estes detinham ainda uma embalagem em plástico com heroína com o peso líquido de 0,040 gramas e uma outra com heroína com o peso líquido de 1,242 gramas.
41. Os arguidos TC...e MP...actuaram de forma livre, consciente e deliberada, durante, pelo menos, o período acima referido, de forma concertada e em união de esforços, comprando a heroína em Espanha, onde se deslocavam apenas com o propósito de a adquirirem, visando posteriormente vendê-la a diversas pessoas que lhe solicitassem heroína a troco de dinheiro, o que     conseguiram da forma supra descrita.
42. O arguido FF... actuou de forma livre, consciente e deliberada, desde finais de 2009, ao deslocar-se no seu veículo automóvel a     Espanha, acompanhado dos arguidos TC...e MP..., a fim de estes adquirirem     heroína, que sabia que estes últimos iriam posteriormente vender na sua residência, e actuou querendo isso mesmo.
43. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas por lei.
      *
Da contestação da arguida MP...:
I ° A arguida é consumidora de heroína, manifestando pretender      submeter-se a tratamento.
2° Os pais da arguida manifestam estar dispostos a recebê-la.
3° A arguida frequentava um curso superior na Escola Superior Agrária de ..., do qual desistiu.
4° A arguida frequentava, por altura da sua detenção, o CAT de ....
     *
Da contestação do arguido TC...:
O Arguido possui de habilitações literárias o 4.º ano de Escolaridade.
Não tem carta de condução.
Este arguido consome heroína e haxixe, desde os 15 anos de idade.
Começou uma relação amorosa com a Arguida MP...em torno do ano de 2003.
Por volta de 2006, os Arguidos MP...e TC...foram viver com a mãe deste.
A Arguida MP...era já consumidora de haxixe e heroína quando    começaram o seu relacionamento.
A Arguida perdeu o seu emprego em finais de 2008.
O Arguido exerceu a profissão de carpinteiro até cerca de Setembro de 2009, altura em que ficou desempregado.
A partir do momento em que o Arguido TC...ficou desempregado, o seu aspecto degradou-se, emagrecendo, apresentando-se mal vestido, mal cheiroso      e com os dentes podres.
A família associou tal facto a um aumento do consumo de estupefacientes.
Não obstante, a mãe deste arguido continuou a alimentá-lo.
O Arguido TC...deslocava-se a casa de sua mãe a pedir alimentos, por não os ter em casa.
A mãe do Arguido chegou a pagar-lhe a renda de casa, bem como as despesas correntes de água, gás e electricidade.
A roupa usada pelo Arguido era comprada pela sua mãe ou aquela que o seu irmão já não usava.
A casa em que TC...e MP...habitavam encontrava-se totalmente     degradada, com um cheiro nauseabundo e muito lixo acumulado.
Foi a mãe do Arguido TC...quem comprou a maior parte dos móveis que se achavam na casa, bem como o frigorífico.
No entanto, atendendo ao seu estado de degradação e sujidade, após a detenção dos Arguidos, aqueles foram entregues à associação "Projecto     Millenium – Associação Cristã de Apoio para Toxicodependentes, que se   encarregou de os retirar do local.
No momento em que se esvaziava a casa arrendada aos Arguidos, foram encontradas várias seringas usadas.
O Arguido TC...é tido como um jovem pacífico, proveniente de uma      família honesta, mas que se degradou com o vício da droga.
A droga apreendida aos Arguidos destinava-se, além do mais, ao     consumo próprio, não só de TC..., mas também de MP...e a ressarcir o Arguido      FF..., também ele consumidor, das despesas efectuadas com as     viagens a Espanha.
A porção de droga vendida destinava-se, além do mais, a suportar     consumo do Arguido e Arguida, bem como as despesas inerentes às viagens a     Espanha.
O Arguido TC...tinha menos de 5,00 na conta bancária quando foi     detido.
Tinha, na sua posse, no momento da detenção, €10.00, dois anéis e um fio de ouro.
Na busca efectuada à residência de TC...não foi encontrado dinheiro.
    *
Factos provados além da acusação pública e das contestações:
O arguido TC...provém de família de modesta Condição sócio-cultural, oriunda da zona de residência.
O progenitor é pedreiro e a mãe empregada doméstica e deles nasceram três filhos, dos quais foi o segundo.
A vivência intra-familiar inicialmente apresentou bom Relacionamento, embora se verificasse uma situação de alcoolismo por parte do progenitor, o que terá motivado a separação conjugal posteriormente verificada.
A infância não registou incidentes significativos e deste período, releva-se a frequência escolar. que iniciou oportunamente e cessou aos 14 anos, após conclusão do 5°. Ano, o qual foi precedido de algumas repetências, motivadas      por desinteresse e absentismo.
Pouco depois, iniciou-se profissionalmente na área da construção civil, onde, prioritariamente, se tem ocupado, embora de forma irregular.
Aos 18 anos, iniciou uma relação, em união de facto, que ainda mantinha até ser detido e preso preventivamente e da qual não possui descendentes, o que relaciona com as problemáticas específicas de ambos: companheira, co-arguida nos presentes Autos, embora trabalhasse na área da restauração, à data da prisão, encontrava-se desempregada há três anos.
No meio de residência, mantém um relacionamento de vizinhança distante mas cordial, embora a convivência fosse estabelecida, essencialmente, com pessoas conotadas com o consumo de estupefacientes.
Dos hábitos, destaca-se o progressivo e regular consumo de   estupefacientes, tendo iniciado o consumo de " haxixe" aos 14 anos e cinco anos    mais tarde, "heroína" e "cocaína", entre outras substâncias de que se tornou    dependente aos 21 anos.
Aos 22 anos, iniciou um tratamento no CAT de ..., que    manteve durante vários anos, mas que não alterou os citados hábitos.
Padece de algumas enfermidades associadas aos citados hábitos e no meio de residência o conceito social é desfavorável, por referência aos hábitos e    práticas criminais.
TC...residia com a companheira, numa moradia, de antiga    construção, localizada em zona central de ..., pela qual eram pagos     €200 de renda mensal.
No que respeita aos recursos financeiros, à data da prisão, o arguido     encontrava-se desempregado há 9 meses e não beneficiava de qualquer apoio     económico estatal, por alegados motivos de despedimento laboral.
Ao nível do agregado, os arguidos TC...e MP...eram apoiados pela mãe do arguido, quer em termos alimentares, quer ao nível do pagamento da renda de casa, a partir de Setembro de 2009.
No contexto das condições pessoais, o arguido assume hábitos de   toxicodependência desde os 21 anos, os quais condicionaram negativa     progressivamente, o seu modo de vida. No plano laboral, pese embora alguma     persistência, cessou o seu último desempenho, na qualidade de carpinteiro da     construção civil, por despedimento, motivado por incapacidades operativas e      absentismo.
A partir de então, as suas rotinas acentuaram a tendência para a ociosidade e exclusão, a par de uma convivência de risco, por conotação com pessoas de semelhantes hábitos de consumo.
Não desenvolvia afazeres ou ocupações de entretenimento de cariz     inclusivo ou ressocializador e a sua relação familiar, não obstante as referências ao     bom relacionamento com a companheira, evidencia inconsistência e ausência de      estruturação, por referência ao hábito comum de consumo de estupefacientes. As  repercussões sociais do mesmo são negativas, pelo que o seu conceito, no meio de residência, é desfavorável.
No contexto da perspectiva de vida, não apresentou projectos     preestabelecidos de vida, o que associa à necessidade de tratamento e cura da     toxicodependência, o que, ora, desenvolve no CRI de ...; iniciativa que    reconhece como imprescindível para alterar os hábitos e modo de vida. Neste    contexto, salienta-se também o facto de, futuramente, passar a coabitar com a     progenitora em casa desta.
Assume uma postura desculpabilizante face aos factos que lhe são imputados e um débil sentido crítico quanto aos bens jurídicos lesados.
Em termos familiares, constatam-se sentimentos de angústia pela actual situação jurídico-penal e uma maior preocupação e desejo de intervenção no    respectivo processo de recuperação, no qual exteriorizam sentimentos de interesse.
Este arguido encontra-se inscrito no CRI de ... desde 27.05.2003.
Desde então, fez vários tratamentos de desabituação para opiáceos, nomeadamente com Buprenorfina e Metadona. O tratamento com Metadona, iniciado em 08.07.2007, foi interrompido em 22.08.2008 e reiniciado em 06.08.2009, que manteve até 03.05.2010, data em que deixou de ser utente do referido Centro.
Nas análises que efectuou à urina, entre 12.08.2009 e 08.02.2010, os resultados foram sempre positivos, quanto à presença de cocaína e opiáceos, à excepção da análise de 19.08.2009.
São conhecidos a este arguido os seguintes antecedentes criminais:
      - Foi condenado por sentença, datada de 22 de Maio de 2009,  transitada em julgado a 22.06.2009, relativamente a factos praticados a     25.09.2008, integrantes do crime p.e p. pelo art. 40º, n.º 2, do DL. n.º 15/93,    de 22.01, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 6,50.
      *
A arguida MP... ... é a mais nova de 3 descendentes de um agregado familiar estruturado, com uma dinâmica harmoniosa e coesa, que lhe proporcionou as condições necessárias a um desenvolvimento equilibrado.
O seu percurso escolar decorreu sem dificuldades relevantes, tendo     completado o 12° ano de escolaridade e ingressado no curso de Engenharia       Biológica e Alimentar da Escola Superior Agrária de …, que acabou por      abandonar após o 1º semestre do 1º ano.
Aos 20 anos, saiu de casa dos pais para iniciar uma união de facto com o co-arguido TC..., carpinteiro de cofragens.
Entretanto aos 16 anos iniciara o consumo de haxixe e de ecstasy,       comportamento que evoluiu para substâncias de maior poder aditivo como a heroína e a cocaína.
Apresenta experiência profissional como empregada de mesa e balcão e promotora em hipermercados. O seu último emprego foi na esplanada do      Parque …, onde desempenhou funções entre Setembro de 2004 e       Setembro de 2007, altura a partir da qual ficou desempregada.
À data dos factos descritos na acusação, MP... residia com o companheiro na mesma residência, para onde se haviam mudado em finais de Julho de 2006.
A arguida não desempenhava qualquer actividade profissional, situação que se estendia ao seu companheiro, sendo o seu quotidiano orientado para a satisfação das suas necessidades aditivas. Com efeito, embora fosse       acompanhada pelo CAT, agora Centro de Respostas Integradas de ...,       desde 2002, encontrando-se integrada no programa de substituição da metadona,        MP... consumia regularmente heroína e cocaína.
No período em análise, a arguida mantinha pouco convivência com os progenitores e com as irmãs, elementos com os quais contactava sobretudo por       telefone. O encontro com a família ocorria em datas festivas, com o Natal, a Páscoa        e nos aniversários, pelo que o estilo de vida mantido pela arguida era desconhecido       dos progenitores.
A imagem social da arguida surge associada à toxicodependência e à inactividade laboral.
Em contexto prisional, a arguida tem assumido uma conduta ajustada às normas institucionais.
Entre 01/05/2010 e 07/05/2010, esteve internada nos Serviços Clínicos para desintoxicação de drogas. Tem beneficiado ainda de consultas de psiquiatria.
Tem recebido visitas assíduas da irmã mais velha e dos progenitores, estando estes últimos disponíveis para continuar a prestar-lhe suporte afectivo e económico e para recebê-la no seu agregado. A relação com o companheiro, preso no estabelecimento Prisional Regional de ..., entrou em ruptura durante o período de reclusão, situação para a qual terão contribuído os conflitos surgidos entre os familiares do casal relativamente ao pagamento das despesas associadas à sua habitação.
Os pais da arguida residem na ..., num bairro residencial antigo da cidade de .... A habitação, de tipologia 3, condições de habitabilidade satisfatórias.
O pai de MP..., canalizador na Câmara Municipal, e a     mãe, empregada doméstica, têm visto a estabilidade económica da família sido      perturbada com as despesas decorrentes do apoio prestado à arguida.
Nos contactos efectuados com elementos daquele meio residencial, não foram expressos sentimentos de rejeição perante a arguida, pelo facto de ter    residido numa zona da cidade oposta à dos progenitores durante o período em que     esteve envolvida no consumo de estupefacientes.
MP... ... revela motivação para se manter desvinculada do      consumo de estupefacientes, sendo sua intenção reintegrar o agregado familiar de    origem e retomar os estudos. Evidencia consciência crítica face ao crime pelo qual     vem acusada, reconhecendo os prejuízos causados às vítimas e à sociedade. Neste     contexto a sua situação jurídico-processual é motivo de elevada ansiedade.
Esta arguida esteve integrada em programa de subutex e metadona, mantendo o consumo de estupefacientes. Frequentou consultas de psicologia, ocorrendo a última em 12.10.2009.
Nas análises que efectuou à urina, em 01.05.2010, acusou negativo a cannabis, e positivo a cocaína e opiáceos.
Nas análises que efectuou à urina, em 25.05.2010, acusou negativo a cannabis, cocaína e opiáceos.
São-lhe conhecidos os seguintes antecedentes criminais:
- Foi condenada por sentença, datada de 22 de Maio de 2009, transitada em julgado a 22.06.2009, relativamente a factos praticados a 25.09.2008, integrantes do crime p.e p. pelo art. 40º, n.º 2, do D.L. n.º 15/93, de 22.01, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de €6, 50».

3.2. São estes os FACTOS NÃO PROVADOS (transcrição):

«Além dos que estão em contradição com os assentes e daqueles que se encontram prejudicados pela resposta dada a outros, não se provou:
Da Acusação Pública:
2. Desde finais de 2008, os arguidos TC...e MP...passaram a adquirir heroína em território espanhol, nomeadamente, em ...
6. A heroína assim adquirida, também com a participação do arguido FF..., era separada na residência dos arguidos TC...e MP..., por estes e pelo arguido FF..., em doses devidamente acondicionadas em pedaços de plástico.
8. CJ... adquiriu heroína aos arguidos TC...e MP...por 30 vezes.
13. Durante esse período de tempo, CS... adquiriu heroína aos arguidos TC...e MP...12 vezes.
16. Aí chegados, o arguido estacionou o veículo automóvel.
19. Nas circunstâncias de tempo assentes em 18., dos factos assentes ao nível da acusação pública, DD... contactou os arguidos TC...e MP...para o telefone ..., a fim de verificar se estes se encontravam em casa e se dispunha de heroína para vender.
20. Tendo obtido resposta afirmativa, DD... dirigiu-se à residência dos referidos arguidos e adquiriu ao arguido TC...um pacote de heroína, tendo, para tanto, entregue 15, 00 em dinheiro.
24. BC… recebeu a heroína dos arguidos TC...e MP...como forma de pagamento das reparações que efectuou num veículo automóvel de marca Opel, modelo Corsa, de cor vermelha e que pertencia ao arguido TC....
31. Por quatro vezes, em datas e horas não concretamente determinadas, no decurso do ano de 2010, FC… contactou com o arguido TC...pelo telefone com o n.º  … a fim de saber se podia ir a sua casa para lhe adquirir heroína, tendo recebido resposta afirmativa.
32. Em todas essas 4 vezes, foi o arguido TC...quem lhe abriu a porta e recebeu.
33. Das quatro vezes que aí se deslocou, por três vezes adquiriu 3 pacotes de cada vez, tendo pago por estes 50 € de cada vez.
34. Os arguidos TC...e MP...entregavam a JD…, de cada vez, uma quarta de heroína (cerca de 0,25 gramas de heroína).
42. O arguido FF... actuou de forma concertada e em união de esforços com os co-arguidos TC...e MP...e também adquiria heroína em Espanha.
      *
Da contestação da arguida MP...:
A arguida manifesta pretender ir residir para o X..., onde reside uma das suas irmãs, que manifesta proporcionar-lhe Alojamento.
Neste local, a arguida manifesta pretender matricular-se no ensino    superior, na área de curso de enfermagem ou de técnicas de análises laboratoriais.
A arguida manifesta pretender afastar-se da cidade de ..., por forma a evitar encontros com outras pessoas conhecidas desta, que consumam também heroína e que possam provocar uma recaída, pelo menos, até estar completamente recuperada.
      *
Da contestação do arguido TC...:
O Arguido TC...é tido como um jovem trabalhador.
A droga apreendida aos Arguidos destinava-se apenas ao consumo    próprio, não só de TC..., mas também da MP....
A droga era adquirida em Espanha por aí ser mais barata.
A porção de droga vendida destinava-se apenas a suportar o consumo do Arguido e Arguida, bem como as despesas inerentes às viagens a Espanha.
O ouro apreendido na posse do arguido TC...era seu, tendo-lhe sido oferecido por sua mãe.
A arguida MP...foi posta fora de casa onde residia com os seus pais e irmã, por aqueles».

3.3. Para formar a sua convicção, argumentou assim o tribunal «a quo» (transcrição):
«Da acusação pública:
Dos arguidos, apenas o FF... prestou declarações.
Foi ele quem reconheceu toda a factualidade que, em relação a si, consta da acusação pública, incluindo a envolvia os demais arguidos, bem como aquela que se acrescentou, na parte que se reporta ao seu consumo de produtos estupefacientes cedidos pelos arguidos TC...e MP....
Este arguido depôs de forma coerente, convicta e, aliás, consentânea com o registo das operações de vigilância da PSP de ..., quanto às saídas com destino a Espanha e respectivos regressos.
Tal convicção, porém, não se manteve no que tange ao alegado – por este arguido – desconhecimento de que os arguidos TC...e MP...se dirigiam a Espanha com vista a adquiriram droga.
Com efeito, o arguido FF... respondeu ao tribunal que aqueles arguidos se dirigiam a casas de jogo, o que o primeiro aproveitava para também desfrutar. Não faz sentido, porém, que os arguidos - sem fonte de rendimento conhecida -, ainda tendo que suportar as despesas de combustível das viagens, a pagar ao arguido FF..., fizessem tantas viagens, a 3 destinos, em Espanha, para jogar.
Por outro lado, a testemunha JJ…, um dos agentes da PSP envolvido nas vigilâncias à residência dos arguidos TC...e MP..., afirmou ao tribunal que o arguido FF..., ao ser detido, revelou que ficava nas cidades onde transportava os outros arguidos, à espera dos mesmos, no local por si indicado, sabendo que os mesmos iam adquirir droga, ainda que desconhecesse as quantidades.
Em terceiro lugar, ainda segundo as mesmas vigilâncias policiais, a afluência de consumidores/adquirentes de produto estupefaciente à residência dos arguidos aumentava significativamente, o que apenas poderia corresponder à existência de droga para vender.
Em quarto lugar, o arguido FF... também consumia heroína, e, pelas contas do gasto económico mensal, eram, pelo menos, 15 doses mensais as dispensadas pelos arguidos TC...e MP..., a conjugar com as vezes que as testemunhas ouvidas nestes autos, nos moldes assentes, também se dirigiam à residência dos arguidos, ou com estes contactavam, a fim de adquirirem produto estupefaciente.
Eis porque apenas poderíamos concluir que o arguido FF... sabia o que os arguidos TC...e MP...iam fazer a Espanha e acedeu auxiliá-los, transportando-os, pois que os mesmos não dispunham de meio de transporte, sendo certo que apenas o arguido TC...(face à matéria assente) não dispunha de carta de condução e a viatura alegadamente pertença da arguida MP...encontrava-se parada, sem condições de circulação.
Dessa forma, o arguido FF... garantia também a sua fonte de abastecimento de droga. Atenta a forma continuada como tudo aconteceu, sendo a interrupção apenas determinada pela detenção policial, o arguido FF... apenas poderia ter agido de forma deliberada e, igualmente, consciente – pois que se trata de uma pessoa dotada de uma capacidade normal de entender e de se coordenar de acordo com tal entendimento -, tanto      mais que o mesmo sentiu necessidade de negar qualquer conhecimento.
De qualquer forma, não se deu por provado que o arguido FF... actuasse em conjugação de esforços com os demais arguidos, porquanto não resultou demonstrado qualquer outro envolvimento da sua parte, à excepção do assente, sendo que os agentes da PSP que estiveram nas vigilâncias à habitação dos arguidos TC...e MP...deram conta que o arguido FF..., quando de regresso das viagens de Espanha, nem sequer entrava e, durante o restante período, as entradas eram tão rápidas quanto as dos demais consumidores.
A testemunha JJ…, agente da Esquadra de investigação criminal da Polícia de Segurança Pública, de ..., além do já referido, informou que a esquadra de ... teve notícia das movimentações de toxicodependentes junto à habitação dos arguidos TC...e MP..., o ... andar e não rés-do-chão – como garantiu a testemunha e as demais confirmaram -, tendo então sido montadas vigilâncias.
Os demais agentes da PSP de ...o confirmaram o que JJ… já havia salientado, concretizando que as vigilâncias tiveram lugar de 10/12 de Março a 30 de Abril de 2010 tendo como foco principal a casa de habitação dos arguidos TC...e MP..., onde se dirigiam diversos indivíduos conotados com o consumo de estupefacientes.
Confirmaram as deslocações efectuadas sob a condução do arguido FF... desconfiando, pela direcção que levavam e pela diminuição de afluência de pessoas ao prédio onde se situava a residência dos arguidos TC...e MP..., fazerem-no para adquirir droga em Espanha, como é normal, atento o conhecimento de que dispõem em situações semelhantes.
Referiram que o anel apreendido ao arguido TC...tinha gravado nome de pessoa diferente da arguida MP..., bem como a aliança apreendida à arguida MP..., nome diferente do próprio ou de alguém consigo relacionado e conhecido, razão pela qual procederam à respectiva apreensão, bem como dos demais bens em posse dos arguidos.
Confirmaram os autos de apreensão constantes dos autos, em particular fls. 111, 116 e 123.
A testemunha CJ... confirmou o que, em relação a si se deu provado, sendo que, quanto ao número de vezes que se dirigiu à habitação dos mencionados arguidos, após prévio contacto telefónico, nos moldes assentes, a fim de lhes adquirir droga, após várias hesitações, sendo Janeiro a Agosto de 2009, uma vez por mês, pelo menos, de Novembro de 2009 a Março de 2010, também, pelo menos, uma vez por mês, e, em Abril de 2010, 3 a 4 vezes, sempre com o fornecimento exclusivo, por banda dos arguidos TC...e MP....
A testemunha CS... reconheceu ter começado a adquirir droga aos arguidos TC...e MP...- o arguido FF... nem sequer o conhece – desde finais do Verão de 2009, o que aconteceu por 7 / 8 vezes, uma dose de cada vez, a €20, 00 a dose, sendo o modo de contacto o consignado na matéria provada.
A testemunha BB..., esposa da anterior testemunha, também reconheceu o que se veio a dar como provado, relativamente a si, nesses termos, sendo indiferente a casualidade de ter sido a arguida MP...a atendê-la, pois que já sabemos que o número de telefone de contacto era usado indiferentemente por qualquer dos arguidos e servia o propósito de combinação dos encontros tendentes à de transferência do produto estupefaciente.
A testemunha DD..., também consumidor de produtos estupefacientes, designadamente heroína, no âmbito de um depoimento atribulado, comprometido por razões não reveladas e receoso pelas consequências penais de divergência entre o depoimento agora prestado e as declarações que prestara perante o órgão de polícia criminal, acabou por reconhecer o que foi consignado na matéria assente.
Não tendo sido possível confrontar esta testemunha com as declarações prestadas em sede de inquérito, a parte que se deu por não provada é inevitável, uma vez que a detenção da mesma testemunha e a apreensão da droga apenas ocorreram em relação ao episódio de 11.03.2010, nenhuma outra prova tendo sido produzida.
(…)
Quanto à intenção criminosa dos arguidos TC...e MP...e sua consciência da ilicitude, apesar de nem sempre resultar explícita a intervenção das presunções judiciais, elas constituem um mecanismo necessário para levar o tribunal a afirmar a verificação de factos controvertidos, servindo-se de indícios para deles inferir a verificação de outros factos indiciários carecidos de prova directa. O art. 127º do CPP não proíbe o uso desses raciocínios lógico-mentais, nem a nossa lei processual penal faz qualquer referência a requisitos especiais no uso da prova indiciária, conquanto que estejam a coberto da lógica e da experiência comum. É o que conclui a propósito das referidas intenção e consciência.
Mais tivemos em consideração as perícias de fls. 412 e 504, os autos de apreensão de fls. 4,111,116 e120, o auto de busca e apreensão de fls. 123 e 124, os relatórios de vigilância de fls. 8,9,36,39,83,85,86,88 a 102, os elementos documentais de fls. 23,41,42,112,113,117,129,130, 270-271, 292-298, 300-306, 320, 321, 376 e 380 a 385, as imagens contidas no DVD, que foram recolhidas pela Polícia de Segurança Pública e a certidão de fls. 208 a 231.
       *
Da contestação da arguida MP...:
A testemunha AA…, confirmou o assente em 2º e 3º, da matéria provada ao nível da sua contestação, não confirmando – e até se manifestando desfavoráveis - o que transitou para a matéria não provada.
Quanto aos consumos de estupefacientes e à frequência do CAT (agora CRI), mais atendemos – além das testemunhas indicadas na acusação e da mãe do arguido TC...– às declarações/informações de fls. 803-804 e 809.
A própria arguida o reconheceu nas suas últimas declarações.
       *
Da contestação do arguido TC...:
Valorámos o depoimento das testemunhas ZZ…e SF…, respectivamente, mãe e irmã do arguido TC..., que confirmaram as datas mencionadas na matéria assente ao nível da sua contestação, a situação de toxicodependência do TC...e da MP..., o relacionamento amoroso entre estes, a situação laboral de ambos, as ajudas alimentares e de vestuário, a degradação do aspecto do TC...e o estado da casa quando os arguidos foram detidos.
Ainda que a mãe do arguido TC...o tenha afirmado, não se deu por assente que a arguida MP...tenha sido posta fora de casa pelos seus pais, pois estes não o confirmaram, antes pelo contrário.
Quanto aos consumos, por parte destes arguidos, foram os mesmos confirmados, desde logo, pelo arguido FF....
De qualquer modo, não se deu por provado que a droga adquirida pelos arguidos TC...e MP...se destinasse exclusivamente ao seu consumo próprio e a o pagamento das despesas do transporte proporcionado pelo arguido FF..., atenta a factualidade assente ao nível da acusação pública e o facto de os arguidos TC...e MP..., pelo menos, desde 28.12.2009, não disporem de qualquer rendimento público (cfr. fls. 320-321 e 376) e, pelo menos com a conta bancária de que se encontram extractos a fls. 292-298, titulada pela arguida MP...e com movimentação autorizada ao arguido TC..., os movimentos respeitam a diversos tipos de pagamento (cofidis, cetelem, supermercados e hipermercados, lojas de roupa), além de variados levantamentos.
Aliás, o próprio arguido TC...– nas suas últimas declarações - confirmou que a droga que veio a ser apreendida no dia da detenção e que a arguida MP...transportava na sua vagina se destinava não só a si e à sua companheira, como ao arguido FF... e a consumidores que, de antemão, estava convicto de que a viriam a adquirir.
Desconhece-se o preço de aquisição da droga, nos mercados espanhol e português.
A mãe do arguido TC...não confirmou que tivesse oferecido o ouro apreendido ao seu filho (cfr. fls. 116).
Quanto a ser o TC...um jovem trabalhador, além do carácter conclusivo do adjectivo, sempre se deve convocar o relatório social respectivo, onde resulta que o mesmo perdeu o emprego por desleixo.
As testemunhas FF... e JF... recordam-se do arguido do tempo em que o mesmo residia com os pais, perdendo, após esse marco temporal, o contacto.
O estado de toxicodependência corresponde a um quadro clínico traduzido na conclusão acerca da habitualidade dos consumos de produto 1estupefaciente.
Quanto a este ponto, os factos objectivos são os consignados na matéria assente, tendo por fonte os referidos meios de prova. O próprio arguido o reconheceu nas suas últimas declarações.
       *
            Outros Factos:
(…)
Mais considerámos os relatórios sociais referentes a cada um dos arguidos, complementados pelas informações de fls. 689, 781, 809, e 869.
No que toca ao relatório do arguido TC..., não reproduzimos a afirmação de que a arguida MP...estava a receber rendimento social de inserção, atenta a certificação de fls. 320-321 e 376 dos autos.
Os antecedentes criminais dos arguidos MP...e TC...louvaram-se nos respectivos CRC’s juntos aos autos.
(…)».

            4. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

            4.1. RECURSOS A e B
            É nula a prova de fls 112?
            Ambos os arguidos contestam a interpretação dada no despacho recorrido, entendendo que falta a validação de um Juiz para esta acto intrusivo na intimidade da MP....
É desse segmento que os arguidos vêm recorrer, entendendo que foi produzida uma prova nula (a inspecção ao corpo da arguida) durante o inquérito, o que pode inquinar esta sentença, na medida que a nulidade da prova proibida prejudica a sentença se a prova proibida tiver sido utilizada na fundamentação da decisão (a sentença é nula, nos termos do artigo 122º/1 do CPP, se fundada em provas nulas, ou seja, em provas insanavelmente nulas ou provas cuja nulidade é sanável, mas não deva considerar-se ainda sanada).
            Não se deixará de notar que se poderá cogitar a falta de legitimidade do recorrente TC...para recorrer deste despacho, assente que quem foi «inspeccionada» foi a MP..., não se podendo assim concluir que o despacho recorrido tenha sido proferido CONTRA ele ou que tenha sido ele afectado pela decisão em causa (cfr. artigo 401º/1 b) do CPP).
            Não obstante, se dirá que os dois recursos estão votados ao insucesso.
Vejamos.
            Analisado o auto de detenção de fls 103-104, constata-se que a PSP abordou os dois suspeitos TC...e MP...no dia 30/4/2010, após esquemas de vigilância aí descritos, tendo-os revistado e nada tendo encontrado.
            No decorrer dessa revista, a MP...terá dito à agente ... que efectivamente trazia droga no interior da sua vagina.
            Não tendo ela dado o seu consentimento para essa inspecção, foi contactado o titular do inquérito (Magistrado do MP) que, telefonicamente, deu ordens para que se procedesse à «revista/perícia» prevista no n.º 3 do artigo 53º do DL 15/93 de 22/1, tendo sido a MP...conduzida a um Hospital para efeitos dessa operação, a qual ocorreu pelas 3h45m desse dia 30 (cfr. fls 112 e 113).
Note-se que tal Magistrado acaba por validar tal ordem telefónica por despacho redigido a fls 157, 1ª parte, ainda com data de 30/4.
Como, então, classificar este acto inspectivo da pessoa da MP...?
Resulta do art.° 174°, n.° 1 do Código do Processo Penal que a revista[3] é o meio processual tendente a encontrar objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova sempre que existirem indícios de que a pessoa visada os oculta em si.
Já a perícia, de acordo com o disposto no art.° 151° do Código do Processo Penal, impõe-se quando a percepção ou a apreciação dos factos exigiram especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos.
Desta forma, a perícia consiste no estudo de natureza eminentemente técnica, científica ou artística, efectuado por pessoas especialmente habilitadas para tal, visando obter o seu parecer ou opinião, relativamente a factos com interesse para a prova a produzir.
Foi, no caso, trazida à colação a letra do artigo 53º da Lei da Droga, normativo invocado pelo magistrado titular do inquérito na ordem verbal e no despacho subsequente:
«1. Quando houver indícios de que alguém oculta ou transporta no seu corpo estupefacientes ou substâncias psicotrópicas é ordenada revista e, se necessário, procede-se a perícia.
2. O visado pode ser conduzido a unidade hospitalar ou a outro estabelecimento adequado e aí permanecer pelo tempo estritamente necessário à realização da perícia.
3. Na falta de consentimento do visado, sem prejuízo do que se refere no n.º 1 do artigo anterior, a realização de revista ou perícia depende de prévia autorização da autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência (…).
Ora, se o n.º 2 fala em perícia e já não em revista é porque se entende que aquilo que é feito num hospital deixa de ter a natureza de uma mera «revista», passando para o domínio das perícias, mesmo que atípicas (pois aqui não se pretende nenhuma avaliação pericial mas apenas o desencadear de um procedimento seguro para a saúde da visada).
Rigorosamente, foi feito um exame médico-legal - o exame é descritivo, fruto de observação, visionamento ou percepção directa, relatada ou registada.
Já a pura perícia é conclusiva, mercê de interpretação, apreciação ou juízo científico ou artístico relatado ou registado também.
O exame é, a maior parte das vezes, essencial ou imprescindível à realização de perícia.
Um exame, como meio de obtenção de prova, implica que se inspeccione, se observe ou se examine uma pessoa, um local ou uma coisa e que após tal inspecção, observação ou exame se registem documentalmente, em auto, quaisquer vestígios que possa ter deixado o crime, o criminoso e quaisquer indícios relativos ao modo porque, quando, como e ao lugar onde foi praticado, à pessoa ou pessoas que o cometeram ou sobre as quais foi cometido.
Por isso que o exame possa ser realizado em pessoas, em lugares e em coisas.
No fundo, um exame é um meio de obtenção de prova e exige a intervenção humana.
Em regra compete às autoridades judiciárias ou aos órgãos de polícia criminal ordenar a realização de exames. Tal pressupõe já, normalmente, a pré-existência de um processo.
Contudo, independentemente de processo e enquanto não estiver presente qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal competente, qualquer agente da autoridade pode tomar provisoriamente providências cautelares e isto se houver perigo imediato para a obtenção da prova.
Ou seja, assim que houver notícia da prática do crime, e mesmo sem precedência de processo, devem, quando possível, providenciar-se todos os esforços para evitar que os vestígios se apaguem ou alterem antes de serem examinados.
Em geral, quando não haja especiais, imediatas ou urgentes razões cautelares, e na fase de inquérito, a matéria dos exames pode ser prosseguida ou ordenada por, e assistida ou realizada perante, qualquer autoridade judiciária ou, até, por qualquer órgão de polícia criminal.
Tal decorre, desde logo, dos termos do disposto no artº 270º, nº 1, do Código de Processo Penal que estabelece que “o Ministério Público pode conferir a órgãos de polícia criminal o encargo de procederem a quaisquer diligências relativas ao inquérito”.
Só assim não é, excepcionalmente, quando se esteja perante “actos que são da competência exclusiva do juiz de instrução”, conforme se dispõe no artº 270º nº 2 do Código de Processo Penal.
E é da exclusiva competência do juiz “assistir a exame susceptível de ofender o pudor da pessoa, nos termos do artº 172º nº 2, segunda parte”, conforme impõe a alínea c) do nº 2 do artº 270º do Código de Processo Penal.
O nº 2 do artº 172º do Código de Processo Penal é, aliás, muito claro quando refere que “...os exames susceptíveis de ofender o pudor das pessoas devem respeitar a dignidade e, na medida do possível, o pudor de quem a eles se submeter.” E que “ao exame só assistem quem a ele proceder e a autoridade judiciária competente, podendo o examinando fazer-se acompanhar de pessoa da sua confiança, se não houver perigo”.
O CPP/87 distingue os exames, que qualifica como meios de obtenção da prova, da perícia, que qualifica como meio de prova.
A distinção assenta essencialmente em que a perícia é uma interpretação dos factos feita por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos; os peritos tiram dos vestígios as ilações que eles consentem e são estas ilações, as conclusões periciais, que são submetidas às autoridades para a sua apreciação; as conclusões periciais são os meios de prova.
“Nos exames, ou a autoridade judiciária se apercebe directamente dos elementos de prova, buscando directamente os vestígios e indícios, pela inspecção do local, das pessoas ou das coisas, e o exame é um meio de obtenção dos vestígios que são meios de prova ou, indirectamente, através do auto elaborado por autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal em que se descrevem os vestígios que o crime deixou e os indícios relativos ao modo como e ao lugar onde foi praticado.” (Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II Vol.; Lisboa, Verbo, 2002; p. 212).
A distinção feita pelo CPP parece assentar, pois, na exigência de «especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos» ou não. Porque se exigem aqueles conhecimentos especiais, «o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador» (art. 163º, nº 1). Nos exames, inspeccionam-se os vestígios que possa ter deixado o crime, mas esta inspecção não só exige especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, como os vestígios ou são depois objecto de perícia ou valorados directa e livremente pela autoridade judiciária.
Na nossa situação, temos então um exame médico-legal que foi autorizado pela autoridade judiciária competente (o MP – artigo 53º/3 do DL 15/93, aqui lei especial relativamente ao regime geral dos exames previsto no CPP), não sendo necessária a intervenção do JIC na medida em que não estamos perante um exame tipificado no n.º 2 do artigo 154º (não foi um exame sobre as características físicas e psíquicas da MP...), no n.º 2 do artigo 172º e no n.º 1, alínea b) do artigo 269º do CPP.
No nosso caso, já se sabia com antecedência que a arguida escondia droga no interior da sua vagina.
Apenas a queríamos tirar em segurança. O que se visava era retirar do interior do corpo desta arguida a heroína que já se sabia que estava ocultada no interior do corpo e que ela já até havia assumido perante a referida agente da PSP, o que nada tinha a ver com características físicas ou psíquicas.
Aqui discordamos a posição de Paulo Pinto de Albuquerque, abundantemente citado nas alegações de recurso, na medida em que não vemos qualquer necessidade de intervenção do JIC no exame previsto no n.º 3 do artigo 53º da Lei da Droga - haverá necessidade de intervenção judiciária mas já não judicial.
No caso, foi dada autorização prévia – depois confirmada por escrito - pelo titular do inquérito, sendo o bastante (apenas dizendo a lei que o titular do processo deverá estar presente, sempre que possível, o que significa que a sua presença não se torna obrigatória[4]).
Como tal, sendo uma perícia médico-legal o que foi feito à MP...(e não uma mera revista pois opinamos no sentido de que o corpo de um ser humano não pode ser objecto de uma revista), haverá que aplicar a regra especial do n.º 3 do artigo 53º do DL 15/93, tendo havido uma autorização do MP competente – estamos em fase de inquérito, não esqueçamos – para tal exame que não deixa de ter uma fisionomia pericial (embora mitigada).
E tal autorização é suficiente já que não estamos perante um exame dos previstos no nº 2 do artigo 154º, a exigir intervenção validatória de um Juiz.
Não aplicaremos, pois, as regras da revista (artigo 174º do CPP), mas as da lei especial, não contrariadas por qualquer preceito geral que possa mexer com os direitos, liberdades e garantias de um arguido.
Não nos esqueçamos ainda que a própria MP...foi ouvida no dia seguinte ao do seu exame por um Juiz que validou a sua detenção e a prendeu preventivamente, apondo o seu aval judicial em tudo o que teria ocorrido antes da apresentação da arguida à sua pessoa para 1º interrogatório judicial (cfr. fls 173).
Inexiste, pois, qualquer nulidade de prova.
Improcedem, assim, os RECURSOS A e B.

            4.2. RECURSOS C e D

4.2.1. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

4.2.1.1. Os dois recorrentes discordam da matéria de facto dada como provada e não provada, por divergirem do tribunal recorrido quanto à valoração da prova produzida em julgamento.

4.2.1.2. Antes de mais, interessa verificar se as conclusões dos 2 recursos estão correctamente formuladas.
Incidindo estes recursos sobre matéria de facto, nos termos do artigo 412º, n.º 3 do CPP, incumbe aos recorrentes o ónus de especificar
a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c)- as provas que devam ser renovadas.
Acentua depois o n.º 4 desse normativo que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do artigo 364º, n.º 2, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
O artigo 417º, n.º 3 do CPP (na versão revista de 2007, levada a cabo pela Lei n.º 48/2007 de 29/8) permite o convite ao aperfeiçoamento da respectiva peça processual se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 desse mesmo normativo.
Temos entendido o seguinte: se analisada a peça do recurso constatarmos que a indicação das especificações legais constam do corpo da motivação de forma assaz suficiente para se compreender o móbil do recorrente, não deveremos, assim, ser demasiado formalistas ao ponto de atrasar a tramitação de um processo quando existem conclusões e se consegue das mesmas deduzir, mesmo que parcialmente, note-se, as indicações previstas no n.º 2 e no n.º 3 do citado artigo 412º.
A este propósito, convém lembrar que as “conclusões aperfeiçoadas” têm de se manter no âmbito da motivação apresentada, não se tratando de uma reformulação do recurso ou da apresentação de um novo recurso - por outras palavras: o convite ao aperfeiçoamento, estabelecido nos n.º 3 e 4 do artigo 417.º, do C.P.P., pode ter lugar quando a motivação não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs. 2 a 5 do artº 412º do mesmo código, mas sempre sem modificar o âmbito do recurso.
Pelo que se o corpo da motivação não contém as especificações exigidas por lei, já não estaremos perante uma situação de insuficiência das conclusões, mas sim de insuficiência do recurso, insusceptível de aperfeiçoamento.
Contudo, no caso vertente, os recorrentes indicam no corpo da motivação as partes dos depoimentos gravados que crêem ter sido mal valorados pelo tribunal.
Como tal, e mesmo considerando que algumas das peças das alegações de recurso não primam pela perfeição processual, entendemos que quase todas satisfazem as condições mínimas para poder passar pelo crivo inicial.
Ou seja, e em conclusão:
Os recorrentes impugnam a MATÉRIA DE FACTO dada como provada, tendo sido cumprido – mesmo que deficientemente quanto à formulação das conclusões, no caso do RECURSO C - o determinado nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP.
Não nos ancoraremos em argumentos formais e ouviremos a prova gravada quanto a ambos os recursos.
E tal faremos até ancorados em recente e sábia decisão do STJ, datada de 1/7/2010 (Pº 241/08.2GAMTR.P1.S1).
Nesse aresto, assim se escreveu:
«O Tribunal da Relação, perante as falhas que apontou ao recurso quanto à impugnação da matéria de facto por confronto com as provas produzidas na audiência e documentadas em acta, falhas essas que revelariam um alegado mau cumprimento do disposto nos n.°s 3 e 4 do art.° 412.° do CPP, deveria ter mandado aperfeiçoar as conclusões do recurso antes de se pronunciar, corno tem sido jurisprudência constante deste STJ e do Tribunal Constitucional, para permitir um segundo grau de recurso em matéria de facto.
O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar inconstitucional, por violação dos direitos a um processo equitativo e do próprio direito ao recurso, as normas dos n.°s 3 e 4 do art. 412.° do CPP na interpretação segundo a qual o incumprimento dos ónus aí fixados, conduz à rejeição do recurso, sem a possibilidade de aperfeiçoamento (cfr. Acs de 26-9-01, proc. n.° 2263/01, de 18-10-01, proc. n.° 2374/01, de 10-4-02, proc. n.° 153/00, de 5-6-02, proc. n.° 1255/02, de 7-10-04, proc. n.° 3286/04-5, de 17-2-05, proc. n.° 4716/04-5, e de 15-12-05, proc. n.° 2951/05-5).
Assim decidiu que “(5) se o recorrente não deu cabal cumprimento às exigências do n.° 3 e especialmente do nº 4 do art. 412º do CPP, a Relação não pode sem mais rejeitar o recurso em matéria de facto, nem deixar de o conhecer, por ter por imodificável a matéria de facto, nos termos do art. 431º do CPP. (6) Este último artigo, como resulta do seu teor, não toma partido sobre o endereçar ou não do convite ao recorrente, em caso de incumprimento pelo recorrente dos ónus estabelecidos nos n. s 3 e 4 do art. 412º, antes vem prescrever, além do mais, que a Relação pode modificar a decisão da 1ª instância em matéria de facto, se, havendo documentação da provei, esta tiver sido impugnada, nos termos  do artigo 412º, n.º 3,  não fazendo apelo, repare-se, ao n.º 4 daquele artigo, o que no caso teria sido infringido. (7)- Saber se a matéria de facto foi devidamente impugnada à luz do n.º  3 do art. 412º é questão que deve ser resolvida à luz deste artigo e dos princípios constitucionais e de processo aplicáveis, e não à luz do art. 431º, al. b), cuja disciplina antes pressupõe que essa questão foi resolvida a montante. (8) Entendendo a Relação que o recorrente não forneceu os elementos legais necessários para reapreciar a decisão de facto nos pontos que questiona, a solução não é “a improcedência”, por imodificabilidade da decisão de facto, mas o convite para a correcção das conclusões. (Acs de 7-11-02, proc. n.º 3158/02-5 e de 15-5-03, proc. n.º 985/03-5)”.
E que, face à declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade da norma do art. 412.°, n.° 2, do CPP, interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas ais. a), b) e e) tem corno efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência (Ac. n.° 320/2002 do T. Constitucional, DR-IA, 07.10.2002), não pode manter-se a decisão da Relação que decidiu não tomar conhecimento dos recursos no que se refere à decisão de facto, por não terem os recorrentes dado cumprimento ao imposto nos n.° 3 e 4 daquele art. 412.°.
Em tal caso a Relação deve tomar posição sobre a suficiência ou insuficiência das conclusões das motivações e ordenar, se for caso disso, a notificação do recorrente para corrigir/completar as conclusões das motivações de recurso, conhecendo, depois, desses recursos. (Acs. de 12-12-2002, proc. n.° 4987/02-5, de 7-10-04, proc. n.° 3286/04-5, de 17- 2-05, proc. n.° 47 16/04-5, e de 15-12-05, proc. n.° 295 1/05-5).
Só não será assim se o recorrente não tiver respeitado, de todo, as especificações a que se reporta a norma legal em causa, pois o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação (cfr. os Acs. do STJ de 11-1-01, proc. n.° 3408/00-5, de 8-1 1-01, proc. n.° 2453/01-5, de 4-12-03, proc. n.° 3253/03-5 e de 15-12-05, proc. n.° 295 1/05-5).
Mas, se o recorrente, como é o caso dos autos, tendo embora indicado os pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa, com a indicação, nomeadamente, das testemunhas cujos depoimentos incidiram sobre tais pontos, que expressamente indicou (v.g., falta de vestígios de sangue na roupa, hora cm que ocorreu o homicídio e permanência do arguido no local de trabalho entre determinadas horas), só lhe faltando indicar “as concretas passagens das gravações em que funda a impugnação que imporia decisão diversa”, não se pode dizer que há uma total falta de especificações, mas, quanto muito, uma incorrecta forma de especificar. Tanto mais que, se o recorrente tem o ónus de indicar as concretas passagens das gravações, o tribunal tem o dever de atender a outras que considere relevantes para a descoberta da verdade (art.° 412.°, n.° 6, do CPP), sob pena do recorrente “escolher” a passagem que mais lhe convém e omitir tudo o mais que não lhe interessa, assim se defraudando a verdade material.
A Relação, ao proceder da forma como transcrevemos, não conheceu da impugnação da matéria de facto, já que a rejeitou por razões meramente formais e não deu oportunidade ao recorrente de corrigir os pequenos desvios em que, alegadamente, incorreu.
Portanto, omitiu pronúncia sobre questão de que deveria conhecer e incorreu na nulidade a que se reportam os art.°s 379.°, n.° 1, al. e) e 425.°, n.° 4, do CPP».

4.2.1.3. É sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto sob dois prismas:
· primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada (O NOSSO CASO);
· e dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do C.P.Penal.
Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a). b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP.

4.2.1.4. Estabelece o art. 410.º, n.º 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
            Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
No fundo, por aqui não se pode recorrer à prova documentada.
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cf. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo n.º 1509/97).
Ora, analisando a decisão recorrida, não vislumbramos qualquer indício desses vícios do artigo 410º/2 do CPP.

4.2.1.5. Já o erro de julgamento – ínsito no artigo 412º/3 - ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do CPP.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Como bem acentua Jorge Gonçalves nos seus acórdãos desta Relação, «o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, cfr. os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt)».
E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, já aqui aludida, prevista no artigo 412.º, n.º 3, do CPP.
A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Conforme jurisprudência constante, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, antes constituindo um remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados[5].
            A delimitação dos pontos de facto constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso relativo à matéria de facto. Ao tribunal de recurso incumbe confrontar o juízo sobre os factos que foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifique nas conclusões da motivação.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt).
Nos termos do artº 428º do CPP, as relações conhecem de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do artº 412º, nº 3 do mesmo diploma – tal não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, mas apenas um remédio jurídico votado a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelo recorrente.
Já o deixámos escrito - o recurso, no que tange ao conhecimento da questão de facto, não é um segundo julgamento, em que a Relação, agora com base na audição de gravações, e anteriormente com base na leitura de transcrições, reaprecie a totalidade da prova.
E se é certo que perante um recurso sobre a matéria de facto, a Relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, não é menos verdade que deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso como remédio e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo.
           
4.2.1.6. O artigo 127.º do C.P.P. consagra o princípio da livre apreciação da prova, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais.
Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Os poderes do tribunal na procura da verdade material estão limitados pelo objecto do processo definido na acusação ou na pronúncia, guiado pelo princípio das garantias de defesa do artigo 32º da CRP.
Sobre o tribunal recai o dever de ordenar a produção da prova necessária à descoberta da verdade material, tanto relativamente aos factos narrados na acusação ou na pronúncia, como aos alegados pela defesa na contestação e aos que surgirem no decurso da audiência de julgamento em benefício do arguido.
Quanto à fundamentação da PROVA, há que atentar em certos princípios:
os dos artigos 124º, 125º e 126º do CPP (princípio geral da legalidade das provas);
A convicção sobre a realidade de certo facto existirá quando, e só quando, o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável;
Não se procura uma verdade ontológica e absoluta mas apenas a verdade judicial e prática – não pode ser uma verdade obtida a qualquer preço mas apenas a que assenta em meios de prova que sejam legais;
A livre apreciação da prova (ou do livre convencimento motivado) não se pode confundir com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação arbitrária da prova, impondo-lhes a lei que extraia delas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso;
Não satisfaz a exigência de fundamentação da decisão sobre Matéria de Facto a mera referência genérica aos meios de prova produzidos, importando fazer a indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos que dos meios de prova relevaram ou que obtiveram credibilidade no espírito do julgador – não basta indicar o concreto meio de prova gerador do convencimento, urgindo expressar a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, o julgador adquiriu, de forma não temerária, a convicção sobre a realidade de um determinado facto.
A liberdade das provas não é, pois, absoluta, estando condicionada pela prudente convicção do julgador e temperada pelas regras da lógica e da experiência
            Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
            A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância certos meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe.
É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc.
As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
            Assim, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade, que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum (cf. Acórdão da Relação do Porto, de 21 de Abril de 2004, Processo: 0314013, www.dgsi.pt).
            Quer isto dizer que a ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º] – neste sentido, o Ac. da Relação de Lisboa, de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
A operação intelectual em que se traduz a formação da convicção não é, assim, uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente – aqui relevando, de forma muito especial, os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” (cf. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss. e Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Ed., 1974, Reimpressão, 205).

4.2.1.7. Comecemos pelo recurso C (do arguido TC...).

a)- Em primeiro lugar, antes de passar à análise de toda a prova produzida há que assentar no seguinte: fundamental nos casos de tráfico de estupefaciente em que não é possível obter prova directa dos factos é a valoração da chamada “prova indirecta”.
Neste sentido: J. M. Asencio Mellado, in “Presunción de inocência em Matéria Criminal”, 1992: “Quem comete um crime busca intencionalmente o segredo da sua actuação pelo que, evidentemente, é frequente a ausência de provas directas. Exigir, a todo o custo, a existência deste tipo de provas implicaria o fracasso do processo penal ou, para evitar tal situação, haveria de forçar-se a confissão o que, como é sabido, constitui a característica mais notória do sistema de prova taxada e o seu máximo expoente: a tortura.”.
Entendemos, assim, que há que ultrapassar os rígidos cânones da valoração pelo julgador exclusivamente da prova directa, para atribuir à prova indirecta, indiciária ou por presunções judiciais o seu específico relevo nos casos de maior complexidade, como é o do tráfico de estupefacientes.
Mittermayer, in “Tratado de La Prueba em Matéria Criminal”, 1959, dizia já o seguinte: “…o talento investigador do Magistrado deve saber encontrar uma mina fecunda para o descobrimento da verdade no raciocínio, apoiado na experiência e nos procedimentos que adopta para o exame dos factos e das circunstâncias que se encadeiam e acompanham o crime. Estas circunstâncias são outras tantas testemunhas mudas, que a Providência parece ter colocado à volta do crime para fazer ressaltar a luz da sombra em que o criminoso se esforçou por ocultar o facto principal; são como um farol que ilumina o entendimento do juiz e o dirige até aos vestígios seguros que basta seguir para chegar à verdade.”.
Por outro lado, há que afirmar que ao ser valorada a prova indiciária não se está a violar o princípio da presunção da inocência, uma vez que aquela valoração tem de ser objectivável, motivável e não arbitrária, baseada numa pluralidade de indícios, por exemplo:
- o aumento do património do arguido sem que a existência de actividade laboral ou exercício de negócios lícitos o justifique,
- o seu relacionamento com outras pessoas ligadas ao tráfico ou consumo de drogas,
- antecedentes criminais que o relacionem com anteriores actos de tráfico,
- elevada quantia em dinheiro aprendida em seu poder – nomeadamente em cash - para a qual não é encontrada qualquer justificação.
Este entendimento, que já começou a ser seguido na jurisprudência nacional, tem sido defendido pela jurisprudência de Espanha, conforme os seguintes Ac do Tribunal Supremo de Espanha:
- Ac nº 190/2006, de 1 de Março de 2006;
- Ac nº 392/2006, de 6 de Abril de 2006;
- Ac nº 562/2006, de 11 de Maio de 2006;
- Ac nº 560/2006, de 19 de Maio de 2006;
- Ac nº 557/2006, de 22 de Maio de 2006; e
- Ac nº 970/2006, de 3 de Outubro de 2006.
(ver todas estas referências in Revista Julgar, nº 2, 2007 – Euclides Dâmaso Simões – “Prova Indiciária).

b)- A convicção do Tribunal “a quo” é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.
Por isso, resulta que, para respeitarmos os princípios da oralidade e imediação na produção de prova, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.
Como opina o acórdão da Relação de Coimbra de 6 de Março de 2002 (C.J. , ano XXVII , 2º , página 44) , “quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
Nesta parte importa realçar que o objecto da prova pode incidir sobre os factos probandos (prova directa), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este (prova indirecta ou indiciária).
A prova indirecta “…reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova” – cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “ Curso de Processo Penal”, Vol. II, pág. 289[6].
Como acentua o acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996, “ a inferência na decisão não é mais do que ilação, conclusão ou dedução, assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz.” – cfr. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6.º, tomo 4.º, pág. 555.
No mesmo sentido veja-se o acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Fevereiro de 2000, ano XXV, 1.º, pág. 51.
Como já se disse, em matéria de apreciação da prova, o artigo 127.º do C.P.P. dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Na expressão regras de experiência[7], incluem-se as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, devendo as inferências basear-se na correcção do raciocínio, nas regras da lógica, nos princípios da experiência e nos conhecimentos científicos a partir dos quais o raciocínio deve ser orientado e formulado (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2.ª edição, p. 127, citando F. Gómez de Liaño, La Prueba en el Proceso Penal, 184).
            Atentas as naturais dificuldades de reconstituição do facto delituoso, há que recorrer, por vezes, à prova indirecta para basear a convicção da entidade decidente sobre a existência ou não da situação de facto.
            Como acentua Euclides Dâmaso, no seu artigo «Prova indiciária (contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo premente)», publicado na Revista Julgar, n.º 2, 2007, «vale isto por dizer-se que a “prova indirecta, indiciária, circunstancial ou por presunções”, que alguns decisores por vezes (infelizmente raras e apenas em crimes contra as pessoas) meticulosa e exigentemente praticam sem claramente assumirem fazê-lo, tem que ganhar adequada relevância jurisprudencial e dogmática também entre nós. Sob pena de a Justiça não se compatibilizar com as exigências do seu tempo e de se agravar insuportavelmente o sentimento de impunidade face aos desafios criminosos de maior complexidade e desvalor ético-jurídico, mormente os “crimes de colarinho branco” em geral e a corrupção e o branqueamento em particular».
Prieto-Castro Y Fernandiz e Gutiérrez de Cabiedes opinam mesmo que «o indício apresenta grande importância no processo penal, já que nem sempre se têm à disposição provas directas que autorizem a considerar existente a conduta perseguida e então, ante a realidade do facto criminoso, é necessário fazer uso dos indícios, com o esforço lógico — jurídico intelectual necessário, antes que se gere impunidade».
            Ao decidir como decidiu, não se alcança que o tribunal a quo tenha valorado contra o arguido qualquer estado de dúvida em que tenha ficado sobre a existência dos factos, do mesmo modo que também não se infere que o tribunal recorrido, que não teve dúvidas, devesse efectivamente ter ficado num estado de dúvida insuperável, a valorar nos termos do princípio in dubio pro reo.
Não se verificou, por conseguinte, em abstracto, e numa 1ª abordagem do problema, qualquer violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio e dos artigos 340.º, 355.º e 356.º, do CPP, num processo em que se discute o ilícito do tráfico de estupefaciente, matéria complexa e de difícil e tortuosa prova[8], assente que foi suficientemente explicitada na prolixa motivação da decisão final, no fundo, a peça processual onde se encontra «el trámite esencial para el control sobre la racionalidad de la convicción del juez» (Michele Taruffo, La Prueba de los Hechos, Editorial Trotta, SEPS 2002, p. 437).
O já citado princípio da livre apreciação da prova, como princípio estruturante do direito processual do continente europeu e, especificamente do direito processual penal português, assume, na dinâmica do processo de fundamentação da sentença penal simultaneamente, uma dupla função de ordenação e de limite.
Vinculado ao princípio da descoberta da verdade material, contrariamente ao sistema probatório fundado nas provas tabelares ou tarifárias que estabelece um valor racionalizado a cada prova, possibilita-se ao juiz um âmbito de discricionariedade na apreciação de cada uma das provas atendíveis que suportam a decisão.
Estamos perante uma discricionariedade assente num modelo racionalizado, na medida em que implica que o juiz efectue as suas valorações segundo uma discricionariedade guiada pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação.
Tal equivale a dizer que «o princípio da livre convicção libertou o juiz das regras da prova legal mas não o desvinculou das regras da razão» cf. Michelle Taruffo, «Conocimiento cientifico y estándares de prueba judicial», Jueces para la Democracia, Información y debate, nº 52, Marzo, 2005, p. 67.
Aqui chegados, só há que constatar que o tribunal recorrido, para chegar à sua decisão, valorou um conjunto diverso de provas, utilizando, de boa feição e pelo melhor método, as regras da razão, fundadas na lógica e na experiência, não se vislumbrando qualquer vício no seu modo de decidir.
Conclui-se, assim, que, não sendo meio de prova proibido por lei, pode o julgador, à luz das regras da experiência e da sua livre convicção, retirar dos factos conhecidos as ilações que se ofereçam como evidentes ou como razoáveis e firmá-las como factos provados, sendo esse um mecanismo recorrente na formação da convicção («basta pensar na prova da intenção criminosa; a intenção, enquanto elemento volitivo do dolo - enquanto decisão pela conduta, suposto serem conhecidos pelo agente os elementos do tipo legal de crime -, na medida em que traduz um acontecimento da vida psicológica, da vivência interna, não é facto directamente percepcionável pelos sentidos do espectador, havendo que inferi-la a partir da exteriorização da conduta. Só por recurso à presunção judicial, diluída naquilo que em processo penal se designa por “livre convicção”, é possível determiná-la, através de outros factos susceptíveis de percepção directa e das máximas da experiência, extraindo-se como conclusão o facto presumido, que assim se pode ter como provado»).

c)- No caso do RECURSO C, é colocada em crise a prova do facto 33.
«33. Pelo menos entre Julho de 2009 e Abril de 2010, ambos inclusive, o arguido FF... adquiriu heroína aos arguidos TC...e MP..., no valor mensal entre €300,00 e €400, 00».
Tal facto foi dado por provado também, embora não exclusivamente, por força do depoimento do arguido FF..., condenado como cúmplice.
Ouvido tal depoimento, também nós o classificamos de escorreito e claro, além de convincente, não padecendo de qualquer incoerência, tal como parece quererem demonstrar os pontos III e IV das alegações em análise.
O facto de poder ir a Espanha comprar droga, não invalida que não tenha comprado muita dela aos arguidos, sem ter de lá se deslocar…
As alegações do MP são eloquentes, a neste jaez:
«Ora, desde logo se dirá que é ponto assente que os arguidos TC...e MP...propuseram ao arguido FF... que este se deslocasse com eles a Espanha, para os transportar, o que este aceitou (facto 3 da matéria provada); pelo menos por 6 vezes, o arguido FF..., depois de previamente contactado pelo arguido TC...através do telefone, acedeu a deslocar-se a Espanha no seu veículo de marca Opel, modelo corsa, com a matrícula …, acompanhado dos arguidos TC...e MP..., pagando-lhe estes a despesa que fazia com tal deslocação, nomeadamente com combustível (facto 4 da matéria provada); a heroína adquirida era levada para casa dos arguidos TC...e MP…, onde era acondicionada em pedaços de plástico e vendida em parte a vários consumidores (factos 5 a 34 da matéria provada).
O recorrente apenas vem colocar em crise o ponto n.° 33 da matéria
provada porque, segundo refere, assentou exclusivamente no depoimento do co-arguido FF... e porque tal se apresenta corno inverosímil uma vez que este arguido também ia com os outros arguidos a Espanha.

Quanto às regras da experiência comum, a que o recorrente parece fazer apelo, dir-se-á que o que se prova segundo os pontos 3, 4, 5 e segs. é que os arguidos acordaram nas viagens a Espanha nos termos em que se refere a matéria provada.
Quanto ao facto de se provar que apenas os arguidos TC...e MP… compraram droga em Espanha e não o FF..., comprando-a este em Portugal àqueles, na verdade, fundamentou-se o tribunal no depoimento do FF... que segundo refere o douto acórdão depôs de forma coerente, convicta e de forma consentânea com as operações de vigilância dos elementos da PSP. Disseram ainda os elementos da PSP no momento da detenção dos arguidos, ao regressarem mais uma vez de Espanha, que o arguido FF... revelou que ficava, nas cidades onde transportava os outros arguidos, à espera dos mesmos, no local indicado, sabendo que os mesmos iam adquirir droga, ainda que desconhecesse as quantidades. Depois, ainda segundo os agentes da PSP a afluência de toxicodependentes dava-se na casa dos arguidos TC...e MP….
Verifica-se, desde logo que a prova que o tribunal apreciou não se limitou ao depoimento do co-arguido, quanto a quem comprava a droga em Espanha.
Aliás, anota-se que estamos no campo de um negócio clandestino e ilícito - também em Espanha - e que neste país também os vendedores se resguardam e se acautelam para não serem detectados pelas autoridades, pelo que é perfeitamente admissível que apenas algumas pessoas por razões que só a eles caberia esclarecer, mas que nos parecem óbvias, têm acesso a certos locais e negócios e não outras.
Isto para dizer que é verosímil que o FF... sendo consumidor de droga fosse com os outros a Espanha, por saberem quem aí fornecia droga e não se intrometesse na frente do negócio e se limitasse ao seu papel nos termos do acordo — pagamentos das despesas com o transporte — e depois tinha a possibilidade de comprar droga para si aos co-arguidos, como qualquer outro consumidor».
Aliás, o co-arguido que falou em audiência teve a presença na mesma audiência dos outros co-arguidos que puderam contraditar o depoimento deste, não o tendo feito, porque preferiram o seu direito ao silêncio.
Então o tribunal valorou as diversas provas e também os depoimentos de quem falou, da forma que entendeu ser mais credível, sem que tivesse, a nosso ver, violado as regras da livre apreciação da prova e da experiência comum.
Nem a lei, nem a jurisprudência impedem que se valore o depoimento de co-arguidos e é certo que o tribunal teve o cuidado de complementar o depoimento deste com as demais provas produzidas.
De facto, não resulta dos termos dos arts 344.º e 345.º do CPP que não podem ser valoradas as declarações de um co-arguido quando outro ou outros não confessaram os factos ou optaram pelo silêncio, embora do n.º 3 do primeiro normativo resulte que, sendo este o caso, o tribunal não deve logo dar como provados os factos imputados, havendo então que produzir prova por ausência da confissão integral e sem reservas referida no n.º 2 do mesmo art 344.º.
Note-se que o art. 125.° do CPP estabelece o princípio da admissibilidade de quaisquer provas no processo penal, e do elenco das provas proibidas estabelecido no art. 126° do CPP, não consta o caso das declarações dos co-arguidos (apenas sucede que os co-arguidos estão reciprocamente impedidos de ser testemunhas, dentro do mesmo processo, em caso de co-arguição e nos limites desta, como decorre do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 133.º do CPP).
Desta forma, a admissão do depoimento incriminatório de um arguido com relação a co-arguidos, observadas as regras processuais de produção de prova, não atinge os direitos de defesa destes, sendo aquelas declarações apreciadas livremente pelo tribunal (Neste sentido, por exemplo: Ac STJ, de 19-12-1996, CJ/STJ, IV, t. 3, 214; Ac STJ, de 21-4-1999, proc. 107/99, SASTJ, n.º 30-78; Ac STJ, de 30-5-1997, proc. n.º 498/96; Ac STJ, de 30-10-1997, proc. n.º 849/97; Ac STJ, de 28-6-2001, proc. n.º 01P1552, www. dgsi.pt; Ac STJ, de 12-3-2008, proc. n.º 08P694, www.dgsi.pt), mantendo-se tal regime no CPP/2007.
A proibição de valoração do silêncio do arguido incide sobre o silêncio que ele adoptou como a melhor estratégia processual, não se repercutindo na prova produzida por qualquer outro meio legal e que venha a precisar e demonstrar a responsabilidade criminal do arguido.
Já decidiu esta Relação por acórdão de 15/10/2008:
«I. - O n.º 2 do art. 132.º do CPP visa exclusivamente a protecção dos direitos de defesa do co-arguido que em processo penal depõe na qualidade de testemunha, em processo separado, para que deu o seu expresso consentimento, de modo a garantir o seu direito à não auto-incriminação;
II. - A prestação de depoimento, como testemunha, de co-arguido que no processo separado, deu o consentimento expresso não implica a violação das garantias de defesa, asseguradas pelo art. 32.º, n.º 1, da CRP, do arguido que está a ser julgado no processo onde esse depoimento é prestado;
III. – Desde que sujeitas ao princípio do contraditório podem ser valoradas as declarações de um co-arguido produzidas contra outro co-arguido, sendo para o caso irrelevante que o co-arguido esteja ou não presente na audiência de discussão e julgamento, pois tal ausência não afecta obviamente o exercício do contraditório através do respectivo defensor».
Portanto a questão que se coloca neste caso é, como em relação a todos os meios de prova, uma questão de credibilidade do depoimento do co-arguido, a qual só pode ser apreciada em concreto face às circunstâncias em que é produzida.
«Assim, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do co-arguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova, sem qualquer apoio na letra ou no espírito da lei».
Concluímos, assim, que o recorrente não invoca qualquer elemento de prova que contrarie ou infirme o conteúdo do referido depoimento cuja valoração, pela decisão recorrida, impugna.
Também não apresenta o tribunal a quo, na sua motivação, raciocínios incorrectos ou ilógicos, pelo que entendemos não assistir razão ao recorrente na pretendida alteração da matéria de facto.
Como tal, os dados trazidos no recurso não infirmam a conclusão 33ª dos factos provados, mantendo-se o mesmo facto intocável.
Improcede, assim, o fundamento deste recurso, quanto à matéria de facto.

4.2.1.8. E quanto ao RECURSO D (da arguida MP...)?

a)- Impugna ela os factos provados 5, 33, 35, 36, 39 e 41.
São eles:
«5. A heroína, desta forma, adquirida, pelos arguidos TC...e MP..., era separada na residência dos primeiros em doses devidamente acondicionadas em pedaços de plástico, para depois procederem à venda de tais "pacotes" com o peso aproximado de 0,20 gramas por 20 € cada a diversos indivíduos que acorriam aí, sendo que, para o efeito e em regra, estes contactavam previamente com os arguidos TC...e/ou MP...a fim de saberem se estes aí se encontravam e se tinham heroína para vender.
(…)
33. Pelo menos entre Julho de 2009 e Abril de 2010, ambos inclusive, o arguido FF... adquiriu heroína aos arguidos TC...e MP..., no valor mensal entre €300, 00 e €400, 00.
(…)
35. No dia 23 de Abril de 2010, pelas 19 horas, os arguidos TC...e MP...deslocaram-se no veículo do arguido FF..., sendo este a transportá-los, a território espanhol, tendo regressado a hora não determinada, sendo os dois primeiros com uma quantidade de heroína não apurada.
36. Também no dia 27 de Abril de 2010, os arguidos TC..., MP...e FF..., uma vez mais com o veículo deste último, saíram da residência dos dois primeiros pelas 16 horas e 30 minutos a caminho de Espanha, donde regressaram cerca das 21 horas e 20 minutos, sendo os dois primeiros com uma quantidade de heroína não apurada.
(…)
39. Após se ter procedido à revista com recurso a meios médicos do Hospital VVV... verificou-se que a arguida MP...ocultava no seu corpo, de forma endo-vaginal, heroína com o peso líquido de 24,842 gramas.
(…)
41.Os arguidos TC...e MP...actuaram de forma livre, consciente e deliberada, durante, pelo menos, o período acima referido, de forma concertada e em união de esforços, comprando a heroína em Espanha, onde se deslocavam apenas com o propósito de a adquirirem, visando posteriormente vendê-la a diversas pessoas que lhe solicitassem heroína a troco de dinheiro, o que conseguiram da forma supra descrita».
 
b)- Fiquemos pela impugnação da matéria factual, dando-se aqui por reproduzido o teor do nosso sentenciado em 4.2.1.7, a) e b), válido para este recurso também.
Quanto ao erro de julgamento no que tange ao facto provado 5º, não nos trouxe a recorrente qualquer prova que infirme a convicção do Colectivo, razão pela qual não há que mudar qualquer conclusão fáctica nesse sentido.
No que concerne ao facto 33, valem para aqui as considerações feitas atrás, no RECURSO C, quanto à validade e livre apreciação das declarações do co-arguido FF..., nada tendo também sido trazido nestas alegações que infirme o juízo conclusivo em causa.
No que diz respeito aos factos 35, 36 e 39, estão eles muito bem dados como provados, atenta até a improcedência dos RECURSOS A e B.
Finalmente, o facto 41 também não é alterado, mercê até da valoração feita pelo Colectivo, em termos de prova indirecta, admissível in casu.
Decidiu assim o Colectivo:
«Quanto à intenção criminosa dos arguidos TC...e MP...e sua consciência da ilicitude, apesar de nem sempre resultar explícita a intervenção das presunções judiciais, elas constituem um mecanismo necessário para levar o tribunal a afirmar a verificação de factos controvertidos, servindo-se de indícios para deles inferir a verificação de outros factos indiciários carecidos de prova directa. O art. 127º do CPP não proíbe o uso desses raciocínios lógico-mentais, nem a nossa lei processual penal faz qualquer referência a requisitos especiais no uso da prova indiciária, conquanto que estejam a coberto da lógica e da experiência comum. É o que conclui a propósito das referidas intenção e consciência».
No que tange aos factos da contestação, não dados como provados, TEMOS:
«A arguida manifesta pretender ir residir para o X..., onde reside uma das suas irmãs, que manifesta proporcionar-lhe alojamento.
Neste local, a arguida manifesta pretender matricular-se no ensino superior, na área de curso de enfermagem ou de técnicas de análises laboratoriais».
Entende a recorrente que esta factualidade está provada pelo depoimento do seu pai, J....
Ouvido este sofrido testemunho, só podemos dizer que estamos perante um pai cansado e angustiado, sem grandes certezas relativamente à vontade da filha mudar de rumo, sendo tal testemunho insuficiente para que possamos dar tal factualidade (de esperança) como apurada, sabendo como sabemos que os toxicodependentes têm vontades que a razão desconhece…
Estamos perante um progenitor que nem sequer conhece a filha que tem, nunca tendo conseguido detectar que a MP...consome desde os seus 16 anos de idade, 4 anos antes de ir viver com o TC..., na sua própria casa.
Note-se que nem sequer tentámos ouvir os depoimentos mencionados a fls 1099 na medida em que tal alegação não consta, como deveria, das conclusões do recurso.
Em conclusão, só pode improceder esta pretensão da recorrente (conclusões 1ª a 3ª).

4.2.1.9. Improcedem, assim, todos os fundamentos deste recurso, quanto à matéria de facto, mantendo-se todo o acervo dos factos provados e não provados, tais como foram elencados pelo tribunal recorrido.

4.2.2. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO

4.2.2.1. A TIPIFICAÇÃO DO CRIME

a)- Entendem os dois recorrentes que não foi feita prova da prática do crime do artigo 21º mas apenas do 25º.
Dispõe o art. 21º, nº 1 do Dec. Lei 15/93, de 22 de Janeiro, – Tráfico e outras actividades ilícitas:
Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.
Por sua vez dispõe o art. 25º do mesmo diploma – Tráfico de menor gravidade:
Se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou as quantidades das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.”.
A heroína integra a Tabela I-A, anexas ao Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
O crime de tráfico de estupefacientes – cujo tipo fundamental se encontra previsto no art. 21º – é um crime de perigo abstracto ou presumido, que tutela a saúde e a integridade física dos cidadãos isto é, a saúde pública.
Enquanto crime de perigo, consuma-se com a mera criação de perigo ou risco de dano para o bem jurídico protegido. Por isso que se trata também de um crime exaurido ou de empreendimento, um crime de tutela antecipada em que a protecção do bem jurídico recua a momentos anteriores a qualquer manifestação danosa (cfr. Acs. do STJ de 04/07/2007, CJ, S, XV, II, 234, de 19/04/2007, de 19/10/2006, ambos em http://www.dgsi.pt, e de 13/04/2005, CJ, S, XIII, II, 174).
É grande o desvalor social da actividade de tráfico de estupefacientes.
Mas tal não obsta ao reconhecimento de que esta actividade apresenta graduações diversas exigindo respostas diferenciadas da lei.
Assim, distingue o Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, a gravidade relativa de cada conduta, criando três tipos de tráfico, em função do grau de ilicitude e não da factualidade típica que, basicamente, se mantém.
Desta forma, temos que distinguir o grande tráfico previsto nos arts. 21º e 22º, o médio e pequeno tráfico previsto no art. 25º, e finalmente o tráfico-consumo, previsto no art. art. 26º.
Pretende o legislador permitir «ao julgador distinguir os casos de tráfico importante e significativo do tráfico menor, que apesar de tudo não pode ser aligeirado de modo a esquecer-se o papel essencial que os dealers de rua representam na cadeia do tráfico. Haverá, assim, que deixar uma válvula de segurança para que situações efectivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que, ao invés, se force ou use indevidamente uma atenuante especial.”.
O tipo legal privilegiado do art. 25º fica preenchido quando, preenchido o tipo do art. 21º ou do art. 22º, se mostre consideravelmente diminuída a ilicitude do facto. Esta considerável diminuição da ilicitude do facto será então o resultado de uma avaliação global da situação de facto, tendo em conta, entre outros factores, os meios utilizados, a modalidade e circunstâncias da acção, e a qualidade e/ou quantidade das substâncias, plantas ou preparados, reveladores de uma menor perigosidade da acção.
O advérbio “consideravelmente” que consta da previsão legal, não foi usado por mero acaso e, no seu significado etimológico, prevalece a ideia de notável, digno de consideração, grande, importante ou avultado.
Apesar de constarem expressamente da previsão legal índices caracterizadores da ilicitude, a utilização do advérbio “nomeadamente” significa que tal enunciação não é taxativa, devendo pois ser ponderadas todas as concretas circunstâncias de cada caso concreto, a fim de se poder concluir ou não, que, objectivamente, a ilicitude da acção típica tem menor relevo que a tipificada para os arts. 21º e 22º.
Como escreveu Maria João Antunes (Droga, Decisões de Tribunais de 1ª Instância, 1993, Comentários, 296), o art. 25º, ao estabelecer uma pena mais leve, impõe ao intérprete que equacione se a imagem global do facto se enquadra ou não dentro dos limites das molduras penais dos arts. 21º e 22º, sob pena de a reacção penal ser, à partida, desproporcionada. Ou seja, a concretização da considerável diminuição da ilicitude em cada caso concreto exige a aplicação de critérios de proporcionalidade que são pressupostos da definição das penas e depende, em grande parte, de juízos essencialmente jurisprudenciais (cfr. Ac. do STJ de 14/04/2005, CJ, XIII, II, 174).
Em qualquer caso, as concretas circunstâncias relevantes em sede de ilicitude, terão, como se referiu já, que ser avaliadas globalmente e numa perspectiva substancial, e não isoladamente e de um ponto de vista formal (cfr. Ac. do STJ de 19/04/2007, citado).
Lancemos mão do acórdão desta Relação de 3/4/2008:
«Retomando a previsão legal e, concretamente, as circunstâncias tipificadas no art. 25º, começaremos por dizer que, relativamente aos meios utilizados, traduzidos na organização e na logística de que o agente se serve, eles podem ser nulos, incipientes, médios ou de grande dimensão e sofisticação. Mas aqui relevará também a posição relativa do agente na rede de distribuição da droga.
Na que à modalidade ou circunstâncias da acção respeita, releva essencialmente o grau de perigosidade para a difusão da droga designadamente, a maior ou menor facilidade de detecção da sua penetração no mercado, e o número de consumidores fornecidos.
Quanto à qualidade das plantas, substâncias ou preparações, relacionada com a respectiva perigosidade, ela pode ser aferida pela sua colocação em cada uma das tabelas anexas ao Dec. Lei nº 15/93, e pelos resultados da investigação científica.
A quantidade das plantas, substâncias ou preparações reporta-se ao maior ou menor risco para os valores tutelados pela incriminação e, apesar das dificuldades de avaliação que suscita, para tal pode ser tomado como índice, o disposto no art. 26º, nº 3, do diploma que vimos referindo (cfr. Cons. Lourenço Martins. Droga, Decisões de Tribunais de 1ª Instância, 1994, Comentários, 51).
Para além destes elementos, porque a enunciação legal é, como dissemos, meramente exemplificativa, podem ainda se considerados, entre outros, a intenção lucrativa – que não sendo elemento do tipo, é inerente ao conceito de tráfico – e a sua maior ou menor intensidade e desenvolvimento, o facto de o agente ser ou não consumidor e, em caso afirmativo, se ocasional ou habitual – o que está directamente relacionado com a actividade exercida ou não como modo de vida – e ainda o tempo da actividade».

b)- Imputada foi aos recorrentes a autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, n.º 1 do dito DL.
Integra esta infracção o que a doutrina tem apelidado de crime “exaurido”, “excutido” ou “de empreendimento”, no qual o resultado típico se alcança logo, com aquilo que surge por regra como realização inicial do “iter criminis”, tendo em conta o processo normal de actuação, envolvendo droga que se não destine exclusivamente a consumo. A previsão molda-se, na verdade, em termos de uma certa progressividade, no conjunto dos diferentes comportamentos contemplados, que podem ir de uma mera detenção à venda propriamente dita.
Com tal progressividade pretende-se abarcar a multiplicidade de condutas em que se pode desdobrar a actividade ilícita relacionada com o tráfico de droga.
Tal preocupação, de perfil transversal, concretiza-se, com a integração vertical vertida em três tipos legais fundamentais que revelam a maior ou menor gravidade desta actividade em relação ao tipo fundamental daquele artigo 21.º, ou seja, o artigo 24.º no sentido agravativo e o artigo 25.º do mesmo diploma no sentido atenuativo.
Lateralmente com tal estrutura progressiva aceita-se que a natureza de crime de perigo abstracto, do crime do artigo 21.º citado, se traduz numa antecipação da tutela penal, independentemente da efectiva lesão do bem jurídico em causa, a saúde pública, antecipação cifrada na punição dos primeiros actos de execução do agente.
Portanto, não se exige, para preenchimento do tipo, o desenvolvimento da globalidade da acção projectada pelo agente. Porém, a consumação exige pois que se dê por provada, pelo menos uma das ocorrências ali referidas: “Cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qual quer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar, ou ilicitamente detiver (sublinhados nosso) produto estupefaciente não bastando o início de um qualquer processo executivo para se verificar a consumação.
Raciocinou, assim, o Colectivo para chegar a tal subsunção jurídica (sublinhado nosso):
«De acordo com o dito mapa anexo à Portaria n.º 94/96, de 26.03, o limite quantitativo máximo para cada dose média individual diária de heroína é de 0, 1 gramas. Ora, o peso líquido da droga detida pelos arguidos TC...e MP...ascendia a 26, 124 gr., o que daria para mais de 261 doses, que, a serem vendidas a €20, 00/dose, perfariam a soma de €5 220, 00.
Por seu lado, as transacções de heroína assentes ascendem ao total de €4 530, 00.
É certo que os arguidos TC...e MP...eram consumidores de heroína, ao tempo das transacções e da detenção do produto estupefaciente, sendo a arguida MP...desde 2002 e o arguido TC...desde 2003.
Desconhece-se a quantidade por si consumida.
O arguido TC...pugna por se convole a sua condenação em crime de tráfico de menor gravidade, atenta a sua dependência do narcótico em causa, logo, a quantidade - que o mesmo entende diminuta - que era destinada à transacção com terceiros.
Como se considerou, entre outros, no acórdão da RP, de 09.02.2009, não se pode dizer que os arguidos TC...e MP...actuassem “impulsionados apenas pela dependência de hábitos de consumo e se dedicassem ao tráfico apenas para angariar dinheiro suficiente para satisfazer as suas necessidades de ingestão imediata.
Esta compulsão, que procura saída através da comissão de actos delituosos, é a que mereceu a atenção do legislador no tipo em análise [o art. 26º, do D.L. n.º 15/93], devendo os tribunais valorar com minúcia as circunstâncias concorrentes no autor e no facto ilícito.
Não é condição suficiente que o agente seja consumidor; e tal condição anda muitas vezes associada a um modo de sobrevivência modesta.
Tal significa apenas que o agente se desresponsabilizou das obrigações para com a comunidade em que está inserido, apesar de ciente das consequências da sua opção, permitindo-se viver à custa da sociedade, sem trabalhar”.
Como lembra LUIS FERNANDO REY HUIDOBRO, “os altos preços que alcançam os estupefacientes explicam que o habitual consumidor destine parte das drogas adquiridas ilegalmente ao tráfico, obtendo com o preço ganhos que lhe permitam atender às suas necessidades e evitar os efeitos psicopatológicos da chamada crise de abstinência. Pode-se afirmar que todo o toxicómano é em potência um possível traficante”.
Acresce, no caso dos autos, que a arguida MP...ocultava no seu corpo a quantidade de 24,842 gramas, no regresso de uma viagem a Espanha, em cuja aquisição os arguidos, certamente, despenderam – bem como para o pagamento do combustível consumido pelo veículo conduzido pelo arguido FF... - boa parte do dinheiro realizado com a venda dos produtos estupefacientes.
Também não se pode considerar que o ser consumidor e as inerentes mazelas de degradação que andam a ele associadas, configuram motivo de atenuação especial; e há mesmo inúmeros casos de decisões dos tribunais que nem consideram atenuante comum.
Veja-se, como exemplo da pretensão inviável do arguido, o caso do acórdão do STJ, de 9.10.1997: a toxicodependência, provocada em virtude de uma conduta punida por lei, não pode conferir benefícios relevantes ao arguido, e embora a carência e que invade e domina o toxicodependente possa diminuir de alguma maneira a sua culpa em concreto, não serve de suporte a uma atenuação especial.
Ora, o crime base do artigo 21.° está projectado para assumir a função típica de acolhimento dos casos de tráfico de média e grande dimensão, tanto pela larga descrição das variadas acções típicas, como pela amplitude dos limites da moldura penal, que indiciam a susceptibilidade de aplicação a todas as situações, graves e mesmo muito graves, de crimes de tráfico.
Por fim, frise-se que, para o preenchimento do tipo penal, basta a simples detenção, distribuição e trânsito do produto estupefaciente.
A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), aferida em função de um conjunto de itens de natureza objectiva que se revelem em concreto, e que devam ser globalmente valorados por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental.
Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas, constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de «considerável diminuição de ilicitude».
As referências objectivas contidas no tipo para aferir da menor gravidade situam-se nos meios; na modalidade ou circunstâncias da acção e na qualidade e quantidade das plantas. Na sua essência o que pretende é estabelecer-se a destrinça entre realidades criminológicas distintas que, entre si, apenas têm de comum o facto de constituírem segmentos distintos de um mesmo processo envolvido no perigo de lesão. Na verdade, o legislador sentiu a aporia a que era conduzido pela integração no mesmo tipo leal de crime de condutas de matriz tão diverso como o tráfico internacional envolvendo estruturas organizativas integradas e produto de quantidades e qualidades muito significativas e negócio do dealer de rua, último estádio de um processo de comercialização actuando isoladamente, sem estrutura, e como mero distribuidor. Num segmento intermédio, mas nem por isso despojado, em abstracto, de significativa ilicitude situa-se o tráfico interno, muitas vezes com uma organização rudimentar (e com tendência a uma compartimentação cada vez maior dificultando a investigação).
Função essencial na interpretação do tipo em questão assume a referência feita pelo legislador no proémio do D.L. 430/83 quando já aí demonstrava a sensibilidade à diversidade de perfis de actuação criminosa dizendo que “daí a revisão em termos que permitam ao julgador distinguir os casos de tráfico importante e significativo, do tráfico menor que, apesar de tudo, não pode ser aligeirado de modo a esquecer o papel essencial que os dealers de rua representam no grande tráfico. Haverá assim que deixar uma válvula de segurança para que situações efectivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que ao invés se force ou use indevidamente uma atenuante especial”.
A relevância de tal pressuposto também é adequada para a prossecução de relevantes finalidades de prevenção geral e especial, justifica as opções legais tendentes à adequada diferenciação do tratamento penal entre os grandes traficantes (artigos 21º, 22º e 24º) e os pequenos e médios (artigo 25º), e ainda daqueles que desenvolvem um pequeno tráfico com a finalidade exclusiva de obter para si as substâncias que consomem (artigo 26º).
Sem qualquer margem para dúvida, a inexistência de uma estrutura organizativa e/ou a redução do acto ilícito a um único negócio de rua, sem recurso a qualquer a qualquer técnica ou meio especial, dão uma matriz de simplicidade que por alguma forma conflui com a gravidade do ilícito.
Como elementos coadjuvantes relevantes e decisivos surgem, então, a quantidade e a qualidade da droga.
A apreciação da quantidade detida deve apoiar-se em módulos do carácter qualitativo, entre os quais é possível enfatizar:
a)- O grau de pureza da substância estupefaciente, porque não são o mesmo cem gramas do heroína com um pureza de 3% que cem gramas da mesma substância com um pureza de 80%.
b)- O perigo da substância é também fundamento, porque não é o mesmo ter cem gramas de heroína ou de cocaína do que ter cem gramas do haxixe.
Poderá oferecer relevância a consideração de que a droga, quando chega nas mãos do consumidor, é frequentemente muito misturada e adulterada (com glucose e outros produtos), o que provoca que, para obter os efeitos pretendidos, aquele compra quantidades superiores às que adquiriria se o produto chegasse até ele no estado puro.
Não ignoramos que, sem tal tipo de actuação o flagelo da droga assumiria características muito diversas, com muito menor possibilidade de difusão.
Como se escreve no acórdão do STJ, de 29.10.2008, “porém, não podem ser razões de política criminal a comandar a operação de qualificação jurídica, mas unicamente o facto ilícito praticado e a sua inserção no tipo legal”.
Ora, tendo em conta a quantidade e qualidade da droga em causa, o modus operandi dos arguidos (infindável, até serem detidos), os montantes envolvidos até ao momento da detenção e a ausência de fontes de rendimento conhecidas, não há dúvidas não se vislumbrarem razões de diminuição da ilicitude no seu comportamento.
Condenam-se, pois, como co-autores no crime p. e p. pelo art. 21º, do D.L. n.º 15/93, de 03.01».
Não diríamos nós melhor, só podendo ter sido afastada a possibilidade de subsunção do comportamento ilícito deste casal a um mero artigo 25º, não nos convencendo as genéricas alegações apostas nas conclusões 4ª a 10ª do RECURSO C e na conclusão 4ª do RECURSO D.
O Colectivo não os considerou grandes traficantes, apenas traficantes, pois se fossem mesmo grandes, cairíamos na letra do artigo 24º.
Não encontrou razões para os considerar traficantes do artigo 25º, pois então.
Alegam os recorrentes que deveria o tribunal considerar que estaríamos em presença de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.° 25° do citado diploma legal, concretizando que se tratou de uma actividade que se prolongou no tempo por um ano e meio, num conjunto de 55 transacções provadas — excluindo as do co-arguido FF... — e que envolveram 8 toxicodependentes.
Olvidam os recorrentes:
· a quantidade de droga apreendida, segundo os pontos n.°s 39 e 40 da matéria provada;
· as transacções feitas ao co-arguido FF...;
· que o TC...adquiria a droga em Espanha, em diversos locais, em diferentes localidades em termos geográficos, onde se deslocava propositadamente para depois a revender em .... aos toxicodependentes que o procurassem.
A factualidade dada como apurada é bem mais gravosa do que aquilo que os dois recursos deixam transparecer, estando nós crentes que este tráfico continuaria, caso não tivesse havido intervenção policial.
Como bem se acentua nos autos, os contactos e as deslocações a Espanha revelam um certo à vontade na forma como se movimentavam nessas «andanças» em país diferente do nosso.
Não estamos perante traficantes de bairro, perto de uma incipiência organizacional.
Há algo mais do que isso.
Vejam-se as viagens a Espanha apostas nos factos 35º, 36º e 37º, não decerto para visitar o Escorial!
Também nós entendemos que não deve ser critério único para se apreciar a tipicidade do tráfico de droga, exclusivamente o número de transacções feitas e o número de toxicodependentes envolvidos para se estabelecer um limite quantitativo e uma fronteira determinada.
Quer isto significar que a opção pela subsunção no art.° 25° não pode estar exclusivamente dependente da quantidade de droga vendida pelo arguido, devendo ser apreciada a totalidade da matéria de facto dada como provada, as circunstâncias em que os factos eram praticados, o seu grau de organização, os meios utilizados, a quantidade de droga envolvida, o modo de vida dos arguidos etc., sendo certo que o art.° 25° citado aponta um conjunto de critérios, a título exemplificativo, que possam conduzir a que a ilicitude se mostre consideravelmente diminuída.
Ou seja, a quantidade de droga em causa, o modus operandi dos arguidos, os montantes envolvidos até ao momento da detenção e a ausência de fontes de rendimento conhecidas, não são passaporte para que possamos antever razões para a diminuição da ilicitude no comportamento dos arguidos.
Por tudo isto se entende que a apurada factualidade revela uma actividade de tráfico não desgarrada e esporádica, o que não deixa margem para se pensar neste casal como pequenos dealers, pequeno traficantes de rua que, de forma incipiente, auferem quantitativos pecuniários reduzidos, para sustentarem o seu vício ou necessidades elementares de subsistência, denotando-se antes, pela sua parte, uma certa capacidade organizativa e uma certa logística.
É, pois, de excluir a tese da verificação do crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º do DL n.º 15/93, de 22/1, tipo privilegiado, construído sobre o tipo – base, a partir da constatação de um contexto de menor desvalor da acção, sempre que o facto se mostre portador de uma ilicitude, ou seja de desvalor da acção, consideravelmente diminuída, servindo de factos - índices dessa considerável diminuição os meios usados, a modalidade ou circunstâncias da acção, a qualidade e a quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
Nem a quantidade de droga apreendida (heroína), com um enorme potencial lesivo da saúde individual e pública, autoriza a que se fale de tráfico de menor gravidade.
Foi, portanto, correcta a incriminação efectuada, na forma de tráfico simples p. e p. pelo art.º 21.º n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22/1, para a qual convergem factos suficientes, excluída à evidência, como se mostra, a incriminação por que pugnam os recorrentes.
Como tal, improcedem as conclusões dos recorrentes quanto à previsão incriminatória do seu comportamento

4.2.2.2. A MEDIDA DAS PENAS

a)- Mergulhemos agora na questão da ESCOLHA e da MEDIDA das penas a aplicar aos arguidos recorrentes.
O artigo 71º, n.º 1 do CP estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. O n.º 2 desse normativo estatui que, na determinação da pena, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor e contra ele.
De facto, na determinação da medida concreta da pena, dispõe o artigo 71.º, n.º 1 do C. Penal que ela é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, designadamente de entre as que constam do elenco do n.º 2, da mesma norma legal.
A medida concreta da pena há-de ser, assim, o quantum que é encontrado, de forma intelectual pelo julgador, através do racional e ponderado funcionamento dos conceitos de «culpa» e «prevenção, sendo a culpa o limite inultrapassável da punição concreta e casuística.
Dentro dos limites da moldura penal, há-de ser a culpa que fixa o limite máximo da pena que no caso será aplicada – a finalidade de prevenção geral de integração ou positiva orienta a determinação concreta da pena abaixo do limite máximo indicado pela culpa, aparentando-se mais com a prevenção especial de socialização, sendo esta a determinar, em última instância, a medida final da pena.
A determinação da pena dentro dos limites da moldura penal é um acto de discricionariedade judicial, mas não uma discricionariedade livre como a da autoridade administrativa quando esta tem de eleger, de acordo com critérios de utilidade, entre várias decisões juridicamente equivalentes, mas antes de uma discricionariedade juridicamente vinculada.
O exercício dessa discricionariedade pelo juiz na individualização da pena depende de princípios individualizadores em parte não escritos, que se inferem dos fins das penas em relação com os dados da individualização - trata-se da aplicação do DIREITO e, como acontece com qualquer outra operação nesse domínio, “mesclam-se a discricionariedade e vinculação, com recurso a regras de direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, actos cognitivos e puras valorações” (SIMAS SANTOS).
Neste domínio, o julgador tem de traduzir numa certa quantidade (exacta) de pena os critérios jurídicos de determinação dessa mesma pena...
            Sublinhe-se que estes constituem os princípios regulativos que deverão estar subjacentes à determinação de qualquer pena, funcionando a culpa como fundamento da punição em obediência ao princípio “nulla poena sine culpa” e limite máximo inultrapassável da pena, atendendo à dignidade da pessoa humana.
A prevenção, na sua vertente positiva ou de integração, mostra-se ligada às necessidades comunitárias da punição do caso concreto, e irá fixar os limites dentro dos quais a prevenção especial de socialização irá determinar, em última instância, a medida concreta da pena.
Na verdade, só se justificará a aplicação de uma pena se ela for necessária e na exacta medida da sua necessidade, ainda que sempre subordinada a uma incondicionável proibição de excesso, conquanto, ainda que necessária, a pena que ultrapasse o juízo de censura que o agente mereça é injusta e dessa forma inadmissível.
No crime de tráfico de estupefacientes como crime de perigo abstracto, as exigências de prevenção geral são determinantes na fixação da medida concreta da pena, para aquietação da comunidade e afirmação de valores essenciais afectados por comportamentos que, antes e para além de causarem efectivos danos, são aptos a colocar em perigo bens jurídicos essenciais, como sejam a segurança da comunidade a saúde e vida dos dependentes de estupefacientes e até a vida, de indiscutível valor supremo
«As necessidades de prevenção geral são prementes, visto que a situação que se vive em Portugal em termos de tráfico e de toxicodependência é grave, traduzida num significativo aumento da criminalidade e na degradação social de parte importante do sector mais jovem da comunidade» - Acórdão do STJ de 25-02-2009.
Também o Acórdão do STJ de 20/1/2010, é expressivo nesta matéria:
«O crime de tráfico de estupefacientes tutela a saúde pública em conjugação com a liberdade da pessoa, aqui se manifestando uma alusão implícita à dependência e aos malefícios que a droga gera.
As necessidades de prevenção geral são prementes, visto que a situação que se vive em Portugal em termos de tráfico e de toxicodependência é grave, traduzida num significativo aumento da criminalidade e na crescente degradação social de parte importante do sector mais jovem da comunidade.
Os últimos dados conhecidos sobre as consequências nefastas do consumo de estupefacientes apresentam-nos um quadro muito negativo, traduzido num aumento significativo do número de mortes ocorridas, em especial por overdose. Segundo o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, as mortes provocadas pelo consumo de estupefacientes subiram 45% entre 2006 e 2007, situando-se no preocupante patamar de 314 óbitos, o valor mais elevado desde 2001.
Certo é, por outro lado, que em 2007, no âmbito da Lei da Droga, foram condenadas 1420 pessoas, a maioria esmagadora por tráfico, com associação ao consumo em 2% dos casos. Em 31 de Dezembro de 2007 encontravam-se detidas 2524 pessoas condenadas por tráfico, representando 27% da população reclusa, o que significa ter sido interrompida a tendência decrescente de reclusos por tráfico que se vinha verificando desde o ano 2000.
Esta situação mostra-se consonante, aliás, com a que se verifica na generalidade dos demais países, bem retratada no comunicado emitido em Novembro de 2009 pelo Conselho de Segurança da ONU, no qual se refere que o tráfico de drogas está a transformar-se numa séria ameaça que afecta todas as regiões do mundo».
A esta luz, vejamos as duas penas, ambas situadas nos 6 anos de prisão efectiva.

b)- A moldura penal abstracta está situada na prisão de 4 a 12 anos.
Justificou, assim, o Colectivo as penas exactas:
«Relativamente aos arguidos TC...e MP..., quer as circunstâncias relativas aos factos, quer as pessoais - histórico criminal e integração familiar e profissional - são similares, como resulta da matéria assente e do que se explanou acerca da subsunção jurídico-penal.
Como então se destacou, não se pode considerar a ilicitude do facto diminuta, atentos os valores transaccionados, a actuação conjunta e a quantidade de produto estupefaciente.
De igual modo, a situação profissional de inactividade, a não interiorização do espírito subjacente à administração, pelo Estado, de sucedâneos das drogas consumidas por estes arguidos, desde 2002 (MP...) e 2003 (TC...), bem como do apoio psicológico desbaratado e o facto de a cessação da actividade ilícita ter sido provocada pela intervenção policial em flagrante delito e a experiência pessoal do efeito das drogas, também fazem acrescer, sobremaneira, as exigências de prevenção geral de integração positiva e especial de ressocialização.
Quanto ao manifestado apoio da família, constitui um factor de esperança, mas sem expectativas arrebatadoras, pois que toda a actividade ilícita se passou na zona residencial dos progenitores dos arguidos, com conhecimento preciso ou não dos mesmos, o que, nem assim, foi factor de retracção da parte dos arguidos ou de controlo por banda dos progenitores.
Por último, refira-se que os factos ora em apreço foram praticados depois da condenação por um crime também relacionado com a detenção de produto estupefaciente, em finais de 2008.
Nesta conformidade, numa moldura penal de 4 a 12 anos de prisão, condenam-se estes arguidos na pena de 6 anos de prisão».
De facto, há que atentar:
· no dolo directo com que agiram os dois arguidos;
· na média ilicitude dos factos: colaboração em actividade de tráfico de estupefacientes que permitiu a difusão de droga em dimensões já consideráveis, o que demonstra a indiferença dos arguidos pelos direitos de terceiros como a vida e a integridade física;
· nas suas idades (ele com 29 e ela com 28 anos de idade);
· no facto de não terem actividades profissionais, o que os pode levar de novo ao jugo e à descoberta dos heróis e das heroínas do costume;
· no facto de haver poucos projectos edificantes de vida;
· no facto de podermos pouco contar com familiares cansados de tanta promessa;
· no facto de não serem primários, tendo praticado este tráfico – que só terminou por acção policial – depois de uma 1ª condenação por consumo agravado.
Não vemos, pois, razão para lhes aplicar o mínimo legal da pena (4 anos de prisão), parecendo equilibrada a pena de 6 anos de prisão efectiva (assente que a efectiva execução da pena de prisão, num caso como o dos autos, mostra-se indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização das expectativas comunitárias).
Na verdade, e não obstante o conhecimento da profunda anomia em termos sociais e económicos que está em causa nestes casos específicos de tráfico de estupefacientes, esta actividade constitui um autêntico flagelo e dificilmente seria aceitável para o conjunto dos cidadãos que a pena correspondente a tal ilícito fosse mais baixa do que seis anos e que fosse ainda suspensa na sua execução.
Ora, aqui chegados, e com este pano de fundo, só há que considerar que as duas penas se mostram equilibradas e ajustadas às reais necessidades de prevenção que se sentem neste caso em que estes arguidos prevaricam, à custa da desgraça alheia (para já não falar da sua).
Os argumentos dos recorrentes são absolutamente genéricos e pouco eivados em factos justificativos da pura alegação.
Não podemos olvidar a gravidade deste comércio de corpos e de almas que é o tráfico de estupefacientes, capaz de lançar tanto jovem e suas famílias na penúria económica, emocional e física.
Somos nós que podemos também escolher o nosso próprio destino, passageiros de um tempo igualmente por nós determinado.
E a escolha foi a errada, mesmo aos quase 30 anos de idade.

            III – DISPOSITIVO
           
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção Criminal desta Relação em
· julgar não providos os 2 recursos dos arguidos TC... e MP..., confirmando-se, de facto e de direito, o DESPACHO recorrido;
· julgar não providos os 2 recursos dos arguidos TC... e MP..., confirmando-se, de facto e de direito, o ACÓRDÃO recorrido.
           
Comunique de imediato o teor desta decisão ao tribunal de 1ª instância (cfr. artigo 215º, n.º 6 do CPP).

            Condena-se cada um dos 2 arguidos recorrentes em custas, com a taxa de justiça fixada em 5 UCs para cada um [artigos 513º/1 do CPP revisto pelo DL 34/2008 de 26/2 e 8º/5 do RCP, este remetendo para a Tabela III).

 
           
Paulo Guerra (Relator)
Cacilda Sena


[1] Note-se que há um 3º arguido que não é recorrente, e cuja pena – como cúmplice - foi suspensa na sua execução.
[2] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»).
[3]Em regra, as revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas pela autoridade judiciária competente (art. 174°, nº 3, do C. Processo Penal).
Porém, os órgãos de polícia criminal podem efectuar revistas e buscas sem aquela autorização ou ordem, nos casos, a) de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade física de qualquer pessoas, b) em que o visado consinta desde que o consentimento fique, por qualquer forma, documentado, c) e aquando de detenção em flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão (nº 5 do art. 174°, do C. Processo Penal).
Nos casos previstos em a), a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada a fim de a validar, ou não (n° 6 do art. 174°, do C. Processo Penal).
Diga-se ainda que no âmbito das medidas cautelares e de polícia - que não são actos processuais mas de polícia, embora possam ser anteriores ou contemporâneos do processo (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 63 e ss.) aos órgãos de polícia criminal compete, mesmo antes de qualquer ordem da autoridade judiciária para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova designadamente, compete-lhes proceder a exames dos vestígios do crime e assegurar a sua manutenção, colher as informações que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição, e proceder a apreensões no decurso de revistas ou buscas (art. 249°, nºs 1 e 2, do C. Processo Penal).
Já o art. 251° do C. Processo Penal disciplina as revistas no âmbito das medidas cautelares e de polícia. Assim, também aqui os órgãos de polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária, à revista de suspeitos em caso de fuga iminente ou de detenção, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem de prova e que de outra forma poderiam perder-se (alínea a), do nº 1, do art. 251°, do C. Processo Penal) e ainda nos casos em que as pessoas na qualidade de suspeitos, devam ser conduzidos a posto policial, sempre que houver razões para crer que ocultam armas ou outros objectos com os quais possam praticar actos de violência, sendo nestes casos, correspondentemente aplicável o disposto no nº 6 do art. 174°, do C. Processo Penal.

[4] Estamos a falar de um exame nocturno, a requerer alguma urgência na sua conclusão porque podia estar em causa a iminência de uma detenção em flagrante delito, após meses de investigação e vigilância policiais.
[5] Cf. Acórdão da Relação do Porto de 11/7/2001, processo n.º 01110407, lido em www.dgsi.pt/trp.
[6] Cfr. ainda Michele Taruffo, La Prueba de los Hechos, Editorial Trotta, SEPS 2002, p. 455-456 – aí se deixa opinado que «la prueba podrá definirse como directa o indirecta en función de la relácion que se dé entre el hecho a probar y el objeto de la prueba. Se está ante una prueba directa cuando las dos enunciaciones tienen por objeto el mismo hecho, es decir, cuando la prueba versa sobre el hecho principal. Por tanto, es prueba directa aquella que versa directamente sobre el hecho a probar. En cambio, se estará ante una prueba indirecta cuando esta situación no se produzca, es decir, cuando el objeto de la prueba este constituído por um hecho distinto de aquel que debe ser probado por ser juridicamente relevante a los efectos de la decisión».
[7] A propósito de prova por regras de experiência e por presunções, leia-se o douto Acórdão da Relação de Coimbra de 6/1/2010 (25/07.5IDCBR.C1):
«Relevantes, no domínio probatório, para além dos meios de prova directos, são os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções.
O artigo 349.º do Código Civil prescreve que «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido», sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351.º do mesmo diploma).
No plano de análise em que nos movemos, importam as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquiri um facto desconhecido.
«Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (ou de uma prova de primeira aparência)».

As presunções simples ou naturais são simples meios de convicção, pois que se encontram na base de qualquer juízo. O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções.
As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto.
Como é referido no Ac. do STJ de 07-01-2004
[10], «na passagem de um facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.(…)
A ilação decorrente de uma presunção natural não pode, pois, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penam em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.
Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de descontinuidade, e sem relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência experimental típica determina um corte na continuidade do raciocínio e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões».
Em suma, nos parâmetros expostos, a apreciação da prova engloba não apenas os factos probandos apresáveis por prova directa, mas também os factos indiciários, factos interlocutórios ou habilitantes, no sentido de factos que, por deduções e induções objectiváveis a partir deles e tendo por base as referidas regras da experiência, conduzem á prova indirecta daqueles outros factos que constituem o tema de prova. Tudo a partir de um processo lógico-racional que envolve, naturalmente, também elementos subjectivos, inevitáveis no agir e pensar humano, que importa reconhecer, com consistência e maturidade, no sentido de prevenir a arbitrariedade e, ao contrário, permitir que actuem como instrumento de perspicácia e prudência na busca da verdade processualmente possível».
[8] Cfr. Acórdão do Tribunal Supremo de Espanha n.º 560/2006, de 19 de Maio de 2006 (lido no estudo de Euclides Dâmaso atrás citado):
1.A prova directa será praticamente impossível, dada a capacidade de camuflagem e o hermetismo com que actuam as redes clandestinas de fabrico e distribuição de drogas bem como de “lavagem” do dinheiro procedente daquelas.
1.1. Por isso a prova indirecta ou indiciária será a mais usual, pelo que é admitida pela Convenção de Viena de 1988 contra o tráfico ilícito de estupefacientes (art. 3º, nº 3).
2. O direito à presunção de inocência não se opõe a que a convicção judicial no processo penal possa formar-se sobre a base de prova indiciária.
2.1. Para isso é necessário que existam indícios plenamente provados, relacionados entre si e não desvirtuados ou abalados por outras provas ou contra indícios e que se tenha explicitado, de forma razoável, o juízo de inferência do julgador.
3. Por falta de prova directa, há que recorrer aos critérios da prova indirecta ou indiciária que o Tribunal Constitucional considera bastante para infirmar a presunção de inocência:
a) a quantidade de capital lavado ou branqueado;
b) a vinculação ou conexão desse capital com actividades ilícitas ou com pessoas ou grupos relacionados com as mesmas;
c) o aumento desproporcionado do património durante o período de tempo a que se refere aquela vinculação ou conexão;
d) a inexistência de negócios ou actividades ilícitas que justifiquem esse aumento patrimonial.
4. Cumprem-se todos esses requisitos quando:
a) o arguido possui uma embarcação de transporte rápido registado em seu nome, apesar de não ter emprego estável;
b) tem antecedentes policiais (declarações dos arquivos da Guarda Civil) que o relacionam com o narcotráfico e, concretamente, com outro co-arguido que tem antecedentes judiciais por tráfico de droga.