Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
444/07.7TBFVN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: DIREITO DE REGRESSO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 07/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FIGUEIRÓ DOS VINHOS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.498 CC, 118, 148 CPENAL, 19 C) DL 522/85
Sumário: 1. O alargamento do prazo de prescrição, previsto no art.498 nº3 do CC, aplica-se ao direito de regresso.

2. Pagando uma Seguradora indemnizações a uma pluralidade de lesados, o prazo de prescrição do direito de regresso inicia-se, não a partir do último acto de pagamento, mas desde cada um dos actos de pagamento, por se tratar de indemnizações autónomas.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. A (…) – Companhia de Seguros, SA, com sede no Porto, interpôs a presente acção sob a forma ordinária contra N (…), residente em Figueiró dos Vinhos, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 53.582,77 €, acrescida dos juros de mora, à taxa legal até efectivo e integral pagamento.

Fundamentou o seu pedido no facto de no exercício da sua actividade ter celebrado com R (…) seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado por apólice que identifica, referente ao veículo de matrícula 22-15-LU. Que o R., tripulando tal veículo, foi interveniente em acidente de viação, o qual ocorreu por sua culpa exclusiva, tendo resultado desse mesmo acidente, danos de diversa natureza no montante global da quantia peticionada, o qual foi integralmente pago pela A. Acontece, que o R. conduzia sob influência do álcool, tendo apresentado uma taxa de alcoolémia de 2,88 g/l, o que atribui à A. o direito de regresso contra o R. a fim de ser reembolsada dos montantes dispendidos.

Citado, o R. apresentou contestação na qual invocou a prescrição do direito á indemnização, por os pagamentos da A. a várias entidades terem ocorrido em momentos diferentes, uns em 2002 e o último em 2004, com excepção do montante de 17.684, 34 € pagos pela A. em 16.3.2007, tendo ainda alegado que o acidente se deu por culpa exclusiva do condutor do outro veículo, sendo que, mesmo que assim se não entenda, não existe qualquer nexo de causalidade entre o álcool de que era portador e o acidente.

A A. respondeu à excepção invocada, afirmando que o seu direito de regresso nasceu ex novo a partir do momento em que foi efectuado o último dos pagamentos ao lesado, não tendo sobre essa data passado o prazo de prescrição definido no art. 498º, nº 3, do CC e, mesmo que assim não fosse sempre no caso teria ocorrido causa de interrupção, na medida em que no processo crime que correu termos contra o ora R., a A. deduziu chamamento do mesmo ao pedido cível formulado, servindo a citação naquele processo como acto demonstrativo da intenção de exercer o direito de regresso que agora pretende efectivar.

*

A final foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência condenou o R. a pagar à A., a quantia de 53.582,77 €, acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva, contados da citação e até integral pagamento.

*

2. O R. interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões:

(…)

3. A A. contra-alegou apresentando as seguintes conclusões:

(…) recurso e consequentemente confirmada aquela decisão, assim se fazendo, JUSTIÇA

II – Factos Provados

1. A A. dedica-se à indústria de seguros em diversos ramos não vida.

2. No exercício da sua actividade, a A. celebrou com R (…) o contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice nº186635, nos termos do qual assumiu o risco de responsabilidade civil por danos emergentes da circulação do veículo marca “Hyundai”, modelo “Accent”, com a matrícula 22-15-LU.

3. No dia 25 de Novembro de 2001, pelas 21.30horas, na Rua Comendador Araújo

Lacerda, em Figueiró dos Vinhos, ocorreu um embate entre o veículo LU, conduzido pelo R. e o ciclomotor com a matrícula 1-FVN-16-69, conduzido por P (…).

4. No local onde ocorreu o embate, a faixa de rodagem tem a largura de 6,40 m e o piso encontrava-se em bom estado de utilização.

5. Nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas, o tempo estava bom.

6. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o veículo LU circulava no sentido Colmeal-Figueiró dos Vinhos, enquanto o ciclomotor seguia em sentido contrário.

7. No local, a via configura uma curva para a direita, atento o sentido Colmeal- Figueiró dos Vinhos.

8. Ao entrar na referida curva, o R. perdeu o controlo do veículo que conduzia e saiu da sua hemi-faixa de rodagem, invadindo a hemi-faixa de rodagem destinada à circulação dos veículos que seguiam em sentido oposto, aí passando a circular.

9. Na sequência disso, o R. accionou os travões do veículo que conduzia, deixando um rasto no pavimento de cerca de 9 metros e foi embater com o seu veículo contra o motociclo.

10. Em consequência do embate ocorrido entre o veículo e o ciclomotor, o corpo do (…) veio a cair no chão, no passeio do lado direito, atento o sentido

Figueiró dos Vinhos – Colmeal.

11. Após o embate, o R. foi submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue e acusou uma taxa de álcool no sangue de 2,88 g/l.

12. Os factos descritos em 8. e 9. ocorreram em consequência de o R. estar a conduzir com uma taxa de álcool no sangue, pois o álcool que o R. ingeriu diminuiu-lhe a capacidade de conduzir, uma vez que a taxa de álcool no sangue de que era portador lhe perturbava significativamente a percepção da realidade que o rodeava.

13. Como consequência directa e necessária do embate, o Paulo Santos sofreu fractura da diáfise do fémur esquerdo e esfacelo da face anterior da perna esquerda.

14. Em consequência das lesões sofridas, P (…) foi submetido a tratamento hospitalar e cirúrgico, frequentou consultas e tratamentos médicos em regime de ambulatório e efectuou fisioterapia.

15. Em virtude disso, a A. pagou ao Centro Hospitalar de Coimbra a quantia de

11.610,41€, ao Centro Hospitalar de S. Francisco de Leiria a quantia de 18.231,49€ e a (…), enfermeiro e fisioterapeuta a quantia de 1.582,40€.

16. O P (…) residia no concelho de Figueiró dos Vinhos.

17. Desde a data do embate até 2004, deslocou-se várias vezes a Coimbra e Leiria para realizar consultas, exames e tratamentos.

18. Tais deslocações foram realizadas de táxi, pertença de (…) – Automóveis de Aluguer, Ldª, a quem a A. pagou a quantia de 3.114,78€.

19. P (…) suportou despesas de deslocações a tratamentos e de farmácia no valor de 1.224,67€.

20. A A. reembolsou P (…) de tais despesas.

21. Em consequência do embate, o motociclo do P (…) sofreu estragos orçados em 134,68€, quantia que a A. lhe pagou.

22. Os pagamentos supra mencionados foram efectuados entre os anos de 2002 e 2004.

23. Correu termos no Tribunal da comarca de Figueiró dos Vinhos o processo comum singular com o nº 146/01.8GCVGV, no qual se discutiram os factos em causa na presente acção, ali figurando como arguido, demandante cível e demandada respectivamente o ora R., o referido P (…) e a ora A.

24. A A. requereu e foi admitido, no dito processo, o chamamento do ora R., então arguido, nos termos do artº 330º, nº1 do CPC.

25. No referido processo foi proferida sentença, cuja cópia se encontra junta a fls. 115 a 163 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais, na qual, para além do mais, se decidiu condenar a A. a pagar a P (…) pelos restantes danos patrimoniais decorrentes do acidente a quantia de 7.000€ e pelos danos não patrimoniais a quantia de 9.800€, acrescidas de juros, tendo, efectivamente a A. pago ao P (…) a quantia de 17.684,34€, em 16.3.2007.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 684º, nº 3, e 690º do CPC).

Nesta conformidade as questões a decidir são as seguintes.

- Nulidade processual.

- Alteração da matéria de facto.

- Nulidade da sentença.

- Prescrição.

2. Na petição inicial a A. alegou, além do mais, ter pago ao C. Hospitalar de S. Francisco de Leiria a quantia de 18.231,49 €, por prestação por esta de assistência hospitalar ao lesado vítima do acidente de viação. Juntou 2 documentos para comprovar o alegado, que mencionavam a ocorrência do pagamento em 2002. Aquele facto foi seleccionado e passou para a base instrutória. Após tal selecção o R. no seu requerimento probatório pediu se oficiasse a tal centro hospitalar para vir informar a data concreta de 2002 em que os pagamentos teriam sido feitos. O que foi deferido por despacho judicial de fls. 205/206. A secção oficiou em 20.5.2008 (a fls. 209), insistiu em 4.7.2008 (a fls. 210), e voltou a insistir em 26.2.2009 (a fls. 231), sem que tal instituição tivesse respondido até 10.3.2010, data em que decorreu a audiência de julgamento. No final da mesma foi dada a palavra para alegações às partes, nomeadamente ao Sr. Advogado do R. que nada requereu (vide acta de fls. 353/355), e marcado o dia 24.3.2010 para prolação do despacho sobre a resposta á matéria de facto. Neste dia, estando o mesmo Sr. Advogado presente, foi proferido o aludido despacho, que lhe foi facultado, sem que o mesmo tivesse previamente ou até ao termo de tal acto requerido o que quer que fosse (vide acta de fls. 356/359), designadamente sobre a resposta em falta do referido centro hospitalar, o que se impunha, pois era o momento último para o fazer, já que a julgadora de facto ia responder à factualidade controvertida, nomeadamente a tal matéria de pagamento hospitalar. Conduta que é incompreensível, na perspectiva do R., se a resposta em falta era assim tão importante para o mesmo.

Assim, a ter o tribunal cometido a proclamada nulidade processual, como defende o R. nas conclusões do seu recurso, então a mesma ter-se-á consumado naquela última data – 24.3.2010 – e perante o R., pelo que este devia de imediato ter arguido a respectiva nulidade, como decorre imperiosamente do disposto no art. 205º, n 1, 1ª parte, do CPC. O que o R. não fez. Não podendo, agora, fazê-lo em alegações de recurso (apresentadas em 5.11.2010).      

Improcede, pois, esta parte do recurso.

3.

(…)

Não se vê, pelo exposto, razão para alterar a matéria de facto, como o apelante pretende, improcedendo esta parte do recurso.

4.1. Diz o recorrente que atenta a alteração da matéria dada como provada a sentença recorrida é nula, visto o disposto no art. 668º, nº 1, c), do CPC.

Tal normativo dispõe que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.

L. Freitas, CPC Anotado, Vol. 2º, 2ª Ed., nota 3. ao citado artigo, pág. 704, explica este dispositivo legal, esclarecendo que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar., decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se.

Na sentença recorrida fez-se o seguinte discurso argumentativo.

A A. alegou e provou a culpa do condutor na produção do acidente, nos termos dos arts. 483º, nº 1, e 487º, nº 2, do CC, por violação do art. 13º, nº 1, do C. Estrada. Mais, a A. alegou e logrou provar que o acidente ocorreu por o R. estar a conduzir com uma taxa de álcool no sangue de 2,88 g/l, pois que o álcool que havia ingerido lhe tinha diminuído a capacidade de conduzir, uma vez que a taxa de que era portador lhe perturbava significativamente a percepção da realidade que o rodeava.

Daqui concluiu-se que a TAS de 2,88 g/l de que o R. era portador aquando do acidente contribuiu comprovadamente para o embate que efectivamente ocorreu e, assim sendo, em inteira obediência ao referido AUJ 6/2002 conjugado com o art. 19º do DL 522/85, de 31.12, encontrando-se provado o nexo de causalidade entre a taxa de álcool no sangue de que o R. /condutor era portador e a produção do acidente, considerou-se estarem reunidas as condições legais para a A. reclamar do demandado os quantitativos por si pagos.

Perante este correcto juízo conclusivo, e a sua evidente consequência condenatória para o R., a sentença recorrida, em coerência, condenou o mesmo, nos termos peticionados pela A.

Inexiste, por isso, qualquer contradição lógica no decidido, antes se verifica coerência entre os fundamentos da mesma e o sentenciado.

Não se verifica, pois, a arguida nulidade da sentença, improcedendo esta parte do recurso.    

4.2. Diz ainda o recorrente que a sentença, viola ainda o disposto no art. 659, nº 3, do CPC, uma vez que não teve em conta a prova documental junta aos autos pela autora.

Dispõe tal normativo que na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados.

Quer dizer, na anterior decisão sobre a matéria de facto o tribunal deu como provados os factos sujeitos à sua livre apreciação, constantes da base instrutória ou só dos articulados. Agora, na sentença, o juiz deve considerar, além desses, os factos cuja prova resulte da lei, isto é, da assunção dum meio de prova com força probatória pleníssima, plena ou bastante, independentemente de terem sido considerados como assentes ou não na condensação.

Ao fazê-lo, o juiz examina criticamente as provas, mas de modo diferente do julgador de facto: não se trata agora de jogar com a convicção formada pelo meio de prova, mas de verificar atentamente se existem determinados factos para a seguir aplicar a norma de direito probatório. Nomeadamente, o documento, o objecto da declaração confessória, e os articulados das partes. Ao fazer tal operação, o julgador poderá então concluir que se provaram determinados factos concretos, por via de prova documental, por confissão ou resultantes de acordo das partes (neste sentido L. Freitas, ob. cit., nota 3. ao artigo 659º, pág. 677).

No nosso caso, o recorrente diz que foram desconsiderados documentos juntos aos autos pela A., todavia, não concretiza um único.

Qual foi o documento ou documentos, a que o julgador não atentou e que revestiam força probatória plena, pelo que os correspondentes factos deviam ter sido dados como provados ? Não se sabe porque o R. não os indicou.

Como o tribunal não se pode pôr a adivinhar, nem sequer tem essa tarefa, a alegação do recorrente é manifestamente inconclusiva, razão pela qual tem de ser rejeitada.     

Diga-se, aliás, que a prova documental junta pela A., foi considerada pelo julgador tendo servido para dar como provado, desde logo, matéria constante dos factos assentes, aquando da selecção da matéria de facto. E posteriormente serviu para dar respostas de provado aos quesitos 6º, 8º a 13º e 18º, que hoje fazem os factos provados 15., 17. a 22.

Improcede, assim, esta parte do recurso.

5. Já acima referimos, sintetizadamente, qual o discurso jurídico-argumentativo da sentença recorrida, que levou, em juízo conclusivo, à decisão de condenação do R. O mesmo objectou e objecta, ainda agora, com a prescrição do direito da A., relativamente aos pagamentos e montantes constantes do ponto 7. das suas conclusões, face ao prazo de prescrição legal de 3 anos consagrado no art. 498º, nº 2, do CC, que regula o direito de regresso entre os responsáveis, prazo de 3 anos que começa a contar-se a partir do cumprimento.

Não discutem as partes, antes aceitam, que a A. na presente acção está a exercer um direito de regresso. Este tribunal também nada tem a censurar nesse aspecto. Igualmente aceitam as partes que o referido prazo tem o início da sua contagem após o cumprimento, o mesmo é dizer após o pagamento pela A. O que também se mostra acertado.

A divergência respeita, apenas, ao prazo de prescrição, 3 ou 5 anos ?; ao início do prazo de prescrição quando existem diversos credores/lesados, diversos prazos ou um prazo unívoco - o mesmo é dizer, o prazo conta-se desde a data de cada um dos cumprimentos, como é entendimento do R., ou o da extinção integral da obrigação de indemnizar, concluído o último dos pagamentos, como pretende a A. ? Há ainda que verificar, caso se opte pelo entendimento que existem diversos prazos se existe causa interruptiva da prescrição.

Vejamos cada uma destas sub-questões.

5.1. No nº 3 do referido art. 498º do CC dispõe-se que se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.

Sabemos que o R. foi condenado em processo-crime, além de outro crime, pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148º, nº 1, do C. Penal, pelos factos que também estão em apreço nos presentes autos (factos 23. e 25., e teor da mesma sentença), crime este cuja moldura abstracta vai no seu limite máximo até 1 ano de prisão, o que equivale a reconhecer que o prazo de prescrição penal é de 5 anos (art. 118º, nº 1, c), do C. Penal).

Em situações de direito de regresso é, também aplicável o alargamento do prazo mencionado no nº 3 do citado art. 498º do CC, o que, no caso concreto, implicaria a sua elevação de 3 para 5 anos ?

Entendemos que sim, de acordo, aliás, com a jurisprudência que julgamos maioritária, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, à qual aderimos.

Na verdade, afigura-se-nos seguro que o único requisito para a sua aplicação é o facto ilícito constituir crime sujeito a prazo de prescrição mais longo do que o dos nºs 1 e 2 desse normativo; o que importa é a maior gravidade do facto, sendo irrelevante a circunstância de ter havido ou não procedimento criminal, designadamente por motivo de amnistia ou de falta de queixa.

É justamente por se aplicar quer ao nº 1, quer ao nº 2, que a regra do nº 3 surge a seguir a esses dois primeiros números do art. 498º, e não logo a seguir ao nº 1 onde naturalmente seria colocada se fosse intenção do legislador aplicar o alargamento do prazo apenas ao direito à indemnização referido no nº 1, e não também ao direito de regresso mencionado no nº 2.

Vide neste sentido, Acds. do STJ de 1.6.99, BMJ, 488, pág. 244, de cujo sumário se respiga que o prazo de prescrição do direito de regresso é o previsto no art. 498º, nº 2 do CC, sem prejuízo do disposto no seu nº 3; de 13.4.2000, publicado no BMJ 496, pág. 246, aí se decidindo que o alargamento do prazo de prescrição estabelecido no art. 498º, nº 3 do CC se aplica a qualquer das hipóteses previstas nos números anteriores; de 20.2.2001, CJ, T. 1, pág. 126, aí se decidindo que o alongamento do prazo de prescrição depende apenas de o facto ilícito constituir crime para que a lei estabelece prazo mais longo, e não de ter sido exercido o direito de queixa; de 24.10.2002, CJ, T. 3, pág. 104, onde se decidiu que o alargamento do prazo da prescrição não está subordinada à condição de haver procedimento criminal; de 26.6.2007, Proc.07A1523, in www.dgsi.pt, onde se decidiu que se o facto ilícito constituir crime sujeito a prazo de prescrição superior a três anos, o alargamento do prazo legal também se aplica ao direito de regresso. E ainda o Ac. Rel. Porto, de 9.5.2007, CJ, T. 3, pág. 167.

Igualmente explica A. Varela que "Não é, pois, necessário que haja ou tenha havido acção crime na qual os factos determinantes da responsabilidade civil tenham de vir à barra do Tribunal, ainda que observados sob prisma diferente. Basta que haja, em princípio, a possibilidade de instauração do procedimento criminal, ainda que, por qualquer circunstância (v. g., por falta de acusação particular ou de queixa ou por amnistia entretanto decretada) ele não seja ou não possa ser efectivamente instaurado.

Sendo assim, o alongamento do prazo prescricional do direito à indemnização estabelecido no n.º 3 do artigo 498º do Código Civil assenta numa base de carácter inegavelmente pessoal, porque radica na especial gravidade do facto ilícito danoso praticado pelo agente.

Ë porque o facto ilícito imputado ao lesante constitui crime (e crime de gravidade tal que para o respectivo procedimento judicial se estabelece um prazo superior ao da prescrição da responsabilidade civil) que a lei admite a exigibilidade da indemnização cível para além do triénio definido naquela disposição legal” (cfr. RLJ, 123, pág. 46).

Sendo esta, como se salientou acima, a razão de ser do mencionado preceito legal não se sufraga, em sentido contrário, o Ac. do mesmo Tribunal de 4.11.08, Proc.08A3119, citado na decisão recorrida, no referido sítio, cujos argumentos decisivos residem no facto de “É que se não pode esquecer a existência do princípio da adesão da dedução da indemnização civil no processo criminal e se o prazo de prescrição criminal ainda não decorreu, se não compreenderia que se extinguisse o direito à indemnização civil – conexa com o crime - e ainda estivesse a decorrer o prazo para a prescrição penal operar, onde o legislador entendeu dever ser deduzido o pedido de indemnização civil – dentro de certas limitações constantes das normas penais. Daqui parece apontar para que a extensão do prazo de prescrição do nº 3 referido apenas se justifica no prazo de prescrição do direito do lesado e não do direito de regresso”, interpretação restritiva, por restringida ao lesado, que atrás rejeitámos, e em que “Ora no caso do direito de regresso, este nada tem a ver com a fonte da obrigação extinta pela seguradora, cuja satisfação pela seguradora o fez nascer, direito de regresso este que a mesma veio exercer, sendo este direito de regresso independentemente da fonte do daquela obrigação extinta que pode ter origem em mera responsabilidade civil – nomeadamente pelo risco – ou pode resultar da prática de um crime grave com prazo alongado de prescrição penal”, pois nos casos de risco o prazo de prescrição do direito de regresso será sempre de 3 anos, obviamente por não haver crime.

Concluímos, por isso, que no nosso caso o prazo de prescrição é de 5 anos.

5.2. Aqui chegados busquemos qual é o início do prazo de prescrição.

Nos casos em que há pluralidade de lesados, e o pagamento a cada um deles vai sendo completado no tempo, em alturas diversas e sucessivas, relativamente a esses casos escreveu-se no citado Ac. do STJ, de 26.6.2007, o seguinte: “Por outro lado, a circunstância de haver uma pluralidade de credores a quem a A. indemnizou, entre (…), em nada interfere, pois, ao invés do que sustenta a A./recorrente, o início do prazo de prescrição deve ser contado desde a data de cada um dos pagamentos, e não apenas desde o último acto de pagamento, não se sufragando a tese de que a A. seguradora cumpriu uma só obrigação de indemnização derivada do mesmo facto ilícito, com carácter global e unitário, e de que só se pôde dar por cumprida a obrigação depois de tudo ter pago aos diversos credores.

Na verdade, a lei não distingue os casos de unidade ou pluralidade de lesados, no que concerne ao início do prazo de contagem de prescrição dos créditos resultantes do direito de regresso (artºs 306º, nº 1 e 498º, nº 2 do CC).

O princípio geral é o de que o início do prazo de prescrição se inicia na data em que o lesado soube do seu direito, independentemente da data em que conheceu quem era o responsável ou a extensão do dano (artºs 498º, nº 1 e 569º do CC), e a A. soube do seu direito de regresso logo que fez cada um dos pagamentos, altura em que cumpriu a sua obrigação para com cada um dos credores.

No caso vertente havia uma pluralidade de obrigações da A. seguradora perante a pluralidade de credores, titulares de direitos de indemnização autónomos, pelo que o prazo de prescrição do crédito de regresso da A. iniciou-se relativamente a cada um dos pagamentos efectuados (artº 306º, nº 1), altura em que surgiu o direito de regresso…)”.

Neste mesmo sentido decidiu outro Ac. do STJ, de 28.10.2004, Proc.04B3385, in www.dgsi.pt, que “Visto que no caso espécie houve pluralidade de lesados a quem a recorrida indemnizou sucessivamente ao longo de considerável período de tempo, coloca-se a questão de saber se o início do prazo de prescrição deve ser considerado iniciado desde cada acto de pagamento a cada um dos lesados ou apenas deste o último acto de pagamento.
A recorrida (…) entende que embora desdobrando-se por vários sujeitos e parcelas, a obrigação de indemnização derivada do mesmo facto ilícito assume carácter global e unitário para o obrigado em termos de só depois de tudo haver pago se poder considerar haver cumprido a sua obrigação.

A este propósito, importa ter em linha de conta que no âmbito da obrigação de indemnização de uma pluralidade de lesados no quadro da responsabilidade civil a situação é de pluralidade de obrigações do sujeito passivo no confronto com cada um dos sujeitos do lado activo.
Ademais, resulta da lei o princípio geral no sentido de que o início do prazo de prescrição se inicia na data em que o lesado soube do seu direito, independentemente da data em que conheceu quem era o responsável ou a extensão do dano (artigos 498º, n.º 1 e 569º do Código Civil).
Para além disso, a lei não distingue ou particulariza, nesta matéria, quanto ao início do prazo de prescrição do direito de crédito de regresso, os casos de unidade e de pluralidade de lesados, limitando-se a expressar que ele se inicia quando puder ser exercido… (artigos 306º, n.º 1 e 498º, n.º 2, do Código Civil).

Ora, onde a lei não distingue, também não é legítimo que o intérprete distinga, excepto se houver ponderosas razões de sistema que o imponham, razões essas que se não vislumbram nesta matéria.
O argumento da recorrida, porventura a pensar no disposto no artigo 9º, n.º 3, do Código Civil, da inconveniência de, em casos de pluralidade de lesados corporalmente e de tratamentos prolongados, terem de ser interpostas várias acções para evitar a prescrição do direito de regresso, não assume a relevância por ela pretendida.

É que, para situações desse tipo (…), o prazo de prescrição pode ser interrompido no confronto de qualquer dos seus beneficiários por via da notificação judicial avulsa a veicular a exigência da prestação envolvida pelo direito de crédito de regresso (artigo 323º, n.º 1, do Código Civil).

Decorrentemente, a conclusão é no sentido de que o prazo de prescrição do direito de crédito de regresso da recorrente se iniciou em relação a cada uma das pessoas que indemnizou no momento em que cada uma foi indemnizada “.

Podendo, ainda, ver-se na mesma linha de pensamento o Ac. do STJ, de 27.3.2003, Proc.03B644, mesmo sítio, que expendeu que: “É indubitável que o direito de regresso da seguradora, nos termos do artigo 19º, al. c), do Dec.lei n. 522/85, só surge com a satisfação da indemnização, o que bem se compreende, uma vez que o direito de regresso é um direito nascido ex novo na titularidade daquele que extinguiu (no todo ou em parte) a relação creditória anterior ou daquele à custa de quem a relação foi considerada extinta (7), tal como decorre do disposto no art. 306º, nº 1, do citado diploma onde se prescreve que "o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido".

Todavia, in casu, pode constatar-se a existência de um elemento perverso que impede a aplicação tout court desse regime: é que a seguradora não procedeu ao pagamento simultâneo das indemnizações devidas aos diversos lesados no acidente (ou em consequência dele). De facto, resulta dos autos que a autora pagou: a) à "F - Transportes, SA", pela reparação do veículo …; b) à "G", pela paralisação do veículo …; c) à "F - Transportes, SA", pela deslocação de mecânicos e viatura ao local do acidente…; d) pela reparação do veículo …; e) à "E", pelo aluguer de um veículo de substituição…; f) ao Hospital de São Luís, por assistência médica prestada…; g) ao Hospital de Santa Maria, por assistência médica prestada…; h) ao Hospital de São José, por assistência médica prestada…; i) e ao lesado C, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos…
Ou seja, quando a acção foi intentada … haviam já decorrido mais de 3 anos sobre o pagamento efectuado pela seguradora das indemnizações atrás referidas nas alíneas a) a f), sendo, todavia, certo que a mesma seguradora apenas pagou a última indemnização respeitante ao acidente em causa em …

Refere, a propósito, o acórdão recorrido que "a obrigação de indemnização, resultante de danos como os emergentes do acidente de viação em causa e com o conteúdo dos arts. 562º e segs. do Cód. Civil, diz respeito a uma pluralidade de lesados e a uma pluralidade de eventos danosos ressarcíveis a cargo do obrigado; ou seja, embora desdobrando-se por vários sujeitos e por várias parcelas, a obrigação de indemnização consequente do mesmo facto ilícito assume um carácter global e, de algum modo, unitário, para o obrigado, pois só quando tudo paga se pode entender ter cumprido a sua obrigação. Assim, os sucessivos acordos indemnizatórios a que chegue, de per si, não correspondem ao cumprimento integral da obrigação perante os lesados, nem o habilitam a liquidar a obrigação, designadamente para efeitos de exercício de direito de regresso, sob pena de, mesmo que pagos sucessivamente ao mesmo sujeito - também ele titular de uma obrigação de indemnização global - poderem ser considerados prescritos e outros não, relativamente ao falado exercício de regresso"

Por seu turno, "também o valor da indemnização constitui uma questão de direito, pelo que só averiguadas as diferentes componentes, em termos de natureza e qualidade dos danos e dos critérios da sua quantificação - que não, necessariamente, da quantificação em si, na medida em que deva ser relegada para execução de sentença - será viável afirmar que estão conhecidos os aspectos respeitantes à obrigação de indemnizar. Por isso mesmo o prazo de prescrição só pode iniciar-se quando o credor de tal direito tiver ressarcido todas as obrigações subjectiva e objectivamente parcelares"

(…)
Não se nos afigura, porém, que essa tenha sido a melhor interpretação das normas jurídicas aplicáveis ao caso, designadamente das constantes dos arts. 306º, nºs 1 e 4, 498º, nºs 1 e 2, do C.Civil e 19º, al. c), do Dec.lei nº 522/85.

É inequívoca a conclusão de que o art. 19º do Dec.lei nº 522/85, quando alude à satisfação da indemnização pela seguradora, quer referir-se à assunção por esta da responsabilidade civil dos sujeitos da obrigação de segurar (arts. 8º, nº 1 e 2º, nº 1).

E daí que, como acima se mencionou, a satisfação da indemnização pela seguradora represente o surgimento, ex novo, na sua titularidade, por força do direito de regresso que lhe é conferido, de um direito de crédito para com o condutor responsável pelo acidente de que provieram os danos indemnizáveis e indemnizados.

Todavia, ao referir que satisfeita a indemnização, a seguradora tem direito de regresso, não distingue, de forma alguma, a indemnização global que a seguradora satisfez (em caso, por exemplo, de uma pluralidade de lesados ou de uma pluralidade de danos sofridos pelo mesmo lesado), antes e naturalmente, parece ter em conta que, relativamente à satisfação de qualquer indemnização (total ou parcial, líquida ou ilíquida), desde que exigível pelo lesado, nasce para a seguradora o imediato e consequente direito de regresso.

Por sua vez, dispõe o art. 306º, nº 1 do C.Civil, que o prazo de prescrição se inicia, em regra, quando o direito puder ser exercido…

(…)
Por último refere o nº 2 do art. 498º do C.Civil, que "prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis".
(…)

Ora, face a estas considerações/justificações, mas ainda perante a análise comparativa das normas dos arts. 498º, nº 1, do C.Civil e 19º, al. c), do Dec.lei nº 522/85, não se nos afigura aceitável configurar as diversas indemnizações a pagar pela seguradora por força do mesmo acidente, como um conjunto incindível, como traduzindo o pagamento de uma única indemnização global, por forma a só se ter como liquidada (note-se que liquidada não é, aqui, sinónimo de satisfeita) no momento em que ela proceda ao pagamento da última parcela devida ao(s) lesado(s).
Na verdade, o prazo de 3 anos para o exercício, pelo lesado, do direito a obter indemnização, referido naquele nº 1 do art. 498º, "conta-se da data em que o lesado tenha conhecimento do seu direito, não propriamente do dano. Logicamente, ligado ao conhecimento desse direito, está o conhecimento de que alguém está obrigado a indemnizar. Mas, segundo a lei, não interessa que seja desconhecida a identidade da pessoa do responsável, como não interessa o conhecimento da extensão integral do dano, em face do que dispõe o art. 569º" (10).
Sabe-se, por norma, que o acidente ocorreu em data precisa, que, em princípio, todos os interessados conhecem. Obviamente que os lesados ficam nessa mesma data a saber do seu direito a reparação. Esta a normalidade das coisas. (…). Segue-se que o réu, que invoca a prescrição, alegará e provará a data do acidente, presumindo-se que nessa mesma data o lesado teve conhecimento do seu direito a reparação…

O mesmo acontece, certamente por analogia, com a satisfação pela seguradora de uma indemnização de que nasce o seu direito de regresso contra o condutor do veículo. Paga essa indemnização, ainda que parcelar, conhecerá a seguradora o seu direito, começando a correr o prazo de prescrição (art. 498º, nº 2) independentemente de saber a identidade dos possíveis demais lesados ou sequer o montante global dos danos decorrentes do acidente.
(…).
Outra solução permitiria que a seguradora fosse pagando, praticamente quando quisesse, as diversas indemnizações devidas, sem que o lesante contra quem ela teria o direito de regresso, pudesse gozar da segurança que lhe adviria da certeza de que já nada mais lhe podia ser exigido.
E não deixa de ser verdade que facilmente a seguradora podia pagar simultaneamente as indemnizações devidas, fazendo com que só nessa data nascesse o seu direito de regresso: bastava que, em vez de negociar com os diversos lesados … deixasse que aqueles a accionassem para, se obtida a sua condenação, proceder ao pagamento de tudo aquilo em que fosse condenada.

Ademais, e como bem aduz o recorrente, seria exigível por parte da seguradora, se não pretendia que ocorresse a prescrição, a diligência minimamente esperada de, lançando mão da faculdade do nº 1 do art. 323º, do citado código, designadamente através de notificação judicial avulsa, interromper o decurso do prazo de prescrição, inutilizando o já decorrido entretanto (art. 326º, nº 1).”.

Subscreve-se estes importantes considerandos juridíco-argumentativos, por nos parecerem inteiramente ajustados, face aos textos legais e sua pertinente interpretação.

O que significa que nestes casos, de pluralidade de lesados/credores, independentemente de o facto gerador da responsabilidade ser o mesmo, completando o pagamento a cada um dos lesados, o devedor que cumpriu possui todos os elementos para poder exercer o seu direito, independentemente dos pagamentos que venha a efectuar no futuro e, mesmo que pretenda evitar o incómodo de ter que propor diversas acções com base no mesmo acidente, poderá, sempre recorrer a acto interruptivo do prazo que já sabe em curso, por exemplo através de uma notificação judicial avulsa

Perante este entendimento, temos que reverter agora ao caso concreto, para verificar se não haverá prescrição relativamente aos pagamentos efectuados pela A., mencionados no ponto 7. das conclusões de recurso do R., considerando que o prazo de prescrição, como dito acima é de 5 anos, e que a acção entrou em juízo em 9.10.2007 (vide carimbo a fls.1).

A este propósito é de relembrar que o R. na sua contestação, à vista dos docs. juntos pela A. com a p.i., se limitou a dizer que os aludidos pagamentos decorreram uns em 2002 e o último em 2004 (vide art. 8º de tal articulado).

Sabido que a prescrição é um facto extintivo do direito invocado pelo credor, ao R. cabia o ónus da sua prova (art. 342º, nº 2, do CC), designadamente cabia-lhe alegar e subsequentemente provar a data em concreto em que ocorreram tais pagamentos, de modo a que se pudesse concluir pela ultrapassagem do prazo de 5 anos no confronto pagamentos da A. versus propositura da acção, o que não fez, embora seja certo que se provou, como o R. alegara, que os indicados pagamentos ocorreram no referido período de tempo (vide facto provado 22.)

À partida, em princípio, improcederia tal excepção de prescrição, atentas as datas em jogo. Contudo, como decorre do art. 515º do CPC, é aquisição processual as datas em que ocorreram tais pagamentos, pois as mesmas decorrem dos apontados docs., juntos pela A. com a p.i.

Assim, quanto aos docs. 6 e 7 juntos com a p.i., a A. pagou ao C. Hospitalar Coimbra, a quantia de 5.462,24 € em 2.9.02, pelo que tal pagamento não pode ser reclamado por haver prescrição; docs. 8 e 9 juntos com a p.i., a A. pagou ao mesmo C. Hospitalar, a quantia de 5.998,39 € em 2.9.02, pelo que está prescrito; doc. 12 junto com a p.i., a A. pagou ao C. Hospitalar S. Francisco, a quantia de 4.658,66 € em 2002. Não está prescrito, porque o R. não logrou provar que tal pagamento ocorreu antes dos 5 dias, em que se tem por interrompida a prescrição, previstos no art. 323º, nº 2, do CC; doc. 13 junto com a p.i., a A. pagou ao mesmo C. H. S. Francisco, a quantia de 13.572,83 € em 2002. Não está prescrito, porque o R. não logrou provar que tal pagamento ocorreu antes dos 5 dias, em que se tem por interrompida a prescrição, previstos no art. 323º, nº 2, do CC; docs. 14/15 juntos com a p.i., a A. pagou ao enfermeiro/fisioterapeuta (…) a quantia de 406,40 € (e não 508 €, como afirma o recorrente) em 5.11.2002 (vide o respectivo carimbo, e não em 26.9.2002, como afirma o recorrente), pelo que não está prescrito; doc. 20 junto com a p.i., a A. pagou ao taxista (…) a quantia de 101,84 € em 01.8.2002, pelo que está prescrito.

Ou seja, no que concerne aos pagamentos descritos no ponto 7. das conclusões de recurso, deve, em princípio, ser julgada provada e procedente a excepção de prescrição invocada pelo recorrente, relativamente aos 3 apontados pagamentos, num total de 11.563,47 € (5.462,24 € + 5.998,39 € + 101,84 €).

Isto é, o R. só deverá ser condenado a pagar a quantia de 42.019,30 € (53.582,77 € em que foi condenado – 11.563,47 €).

5.3. Finalmente há que verificar se quanto aquelas três quantias pagas pela A. e cujo direito de recebimento se mostra prescrito, não haverá interrupção atempada da prescrição, conforme a A. defende.

Diz ela que já interrompera o prazo de prescrição dos pagamentos em causa, nos autos de processo crime supra referidos, em que era arguido o R. e demandada civil a A., porquanto deduziu na contestação o chamamento daquele ao pedido cível, conforme resulta de fls. 2 a 7 da certidão respectiva que consta dos presentes autos. Que a A. justificou o interesse no chamamento pelo acautelamento do seu direito de regresso, pois pretendia ser ressarcida das despesas já suportadas e a suportar com a reparação do sinistro. Assim, tal acto é suficiente para produzir a interrupção da prescrição, nos termos do art. 323º, nº 1, do CC, pois o pedido de citação do ora R. naqueles termos exprime claramente a intenção de exercer o direito, tal como prevê o supra citado preceito. Ora, resultando da certidão que tal contestação entrou em juízo no dia 25.3.2004, nos termos do art. 323º, nº 2, do CC, o prazo prescricional sempre se interromperia 5 dias após aquela data.  

Como sabemos, correu termos no tribunal da comarca de Figueiró dos Vinhos processo comum singular, no qual se discutiram os factos em causa na presente acção, ali figurando como arguido, demandante cível e demandada respectivamente o ora R., o referido P (…) e a ora A., tendo a A. requerido e sido admitido, no dito processo, o chamamento do ora R., então arguido, nos termos do art. 330º, nº1, do CPC (factos 23. e 24.).

Compulsada a respectiva certidão (junta a fls. 105 e segs.) alcança-se que só o mencionado P(…) demandou a ora A., para ressarcimento dos seus prejuízos, por dano patrimonial futuro e dano moral, tendo a ora A. sido condenada a indemnizar tal lesado, pelos referidos prejuízos.

Na dita contestação (entrada em juízo em Março de 2004), a ora A. deduziu incidente de intervenção provocada acessória do ora R., ao abrigo do art. 330º, nº 1, com fundamento em direito de regresso contra o mesmo. O ora R. chamado declinou qualquer responsabilidade, mas tal atitude não impede que se considere vinculado ao caso julgado, quanto à sentença proferida, relativamente aos factos e ao direito, e no que respeita às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior acção de indemnização (cfr. o art. 332º, nº 4, do CPC). Nada mais.

Quer isto dizer, que o ora R. não foi chamado, nem ficou, por isso, vinculado no que diz respeito à existência de quaisquer danos/prejuízos advindos para terceiro por assistência à vitima, designadamente aos ora em apreço, as despesas hospitalares do C. Hospitalar de Coimbra e de transporte do taxista A. (…).   

De facto, a A., na dita contestação, a A. justificou o interesse no chamamento pelo acautelamento do seu direito de regresso, mas com uma referência genérica à sua pretensão de ressarcimento das despesas já suportadas e a suportar com a reparação do sinistro (vide os seus art. 27º a 29º). De facto, disse aí ter vindo a prestar assistência clínica ao demandante P (…), quer em espécie, quer em dinheiro, tendo-o reembolsado pelas despesas com tratamentos, medicamentos, transportes e deslocações (art. 28º), e que as despesas suportadas atingiam um valor próximo dos 35.000 € (art. 29º), mas de concreto, nada precisou, designadamente as que agora estão em discussão, o que podia ter feito, pois à data da sua contestação (Março de 2004), em que deduziu o identificado incidente já as ditas despesas referentes ao C. H. Coimbra e taxista (…) estavam pagas (relembre-se que tais pagamentos foram feitos em Agosto e Setembro de 2002).

Ora, a interrupção da prescrição, com citação ou notificação judicial, ou qualquer outro meio judicial, previstos no art. 323º, nº 1 e 4, do CC, tem de resultar de acto que exprima a intenção de exercer o direito, mas que o exprima com clareza, de modo preciso e bem delimitado. A fim de que o citado ou notificado compreenda bem e concretamente qual o direito que está ou pode vir a ser exercido contra si, para assegurar sua defesa, o seu natural direito ao contraditório.

É que não podemos deixar de atender às razões de interesse e ordem pública que estão na base do próprio instituto da prescrição - certeza do direito e segurança do comércio jurídico – pelo que cremos, sem qualquer afoiteza, que seja qual for o meio interruptivo da prescrição para que o mesmo produza esta eficácia, necessário se torna que o credor que o pratica concretize, minimamente, o direito ou direitos que pretende reclamar do devedor, não sendo, portanto, suficiente qualquer declaração de intenção vaga ou genérica de exercício de direito ou de direitos contra o mesmo. É que o efeito interruptivo do mesmo baseia-se, precisamente, em que, a partir dele, o devedor fica a ter conhecimento do direito ou direitos que o credor exerce ou pretende exercer judicialmente contra si.

Neste sentido veja-se o Ac. do STJ, de 2.11.2005, Proc.05S1920, in www.dgsi.pt, onde se explicita que “A prescrição é o instituto que regula a extinção de direitos que não sejam exercidos durante determinado tempo. Nos termos desse instituto, decorrido o tempo previsto na lei, o beneficiário da prescrição pode recusar-se a cumprir a prestação ou pode opor-se, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (art.ºs 298, n.º 1 e 304, n.º 1, do CC).

(…)

Como resulta da letra do disposto no art.º 323 (intenção de exercer o direito), o facto interruptivo da prescrição consiste no conhecimento que o obrigado teve, através duma citação ou notificação judicial, de que o titular pretende exercer determinado direito (Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, 4.ª edição, pag. 290). Deste modo, é necessário, antes de mais, que o requerente do acto interruptivo da prescrição se assuma como titular de determinado direito. Mas não basta que se assuma como titular de um mero direito virtual. Tem de afirmar-se como titular de um direito efectivo, minimamente definido nos seus contornos e fundamentos. De outro modo, o requerido não ficará ciente do direito que contra ele é invocado ou se pretende invocar e o requerimento tem de ser considerado inepto, por aplicação analógica do disposto no art. 193, n.º 2, a), do CPC, nos termos do qual a petição inicial é inepta, quando falte ou seja ininteligível o pedido ou a causa de pedir” - o sublinhado é nosso. Em idêntico sentido pode ver-se também o Ac. do STJ, de 22.2.2007, Proc.06B4510, mesmo sítio.

Exposto o regime legal da interrupção da instância e a sua razão de ser, não podemos deixar de dizer que no nosso caso circunstancialmente não se verificam, pois a A. foi extremamente parca, imprecisa e genérica a transmitir ao ora R. o direito que pretendia exercer em regresso contra ele, não tendo minimamente concretizado que pretendia exercer algum direito de reembolso atinente aos indicados pagamentos ao C. H. Coimbra e taxista (…), apesar de na altura já saber que os tinha efectuado.  

Concluímos, portanto, que inexistiu causa interruptiva da prescrição, relativamente aos apontados créditos, ao contrário do que a recorrida defendia.

IV – Decisão

Por tudo o exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso do R./recorrente, e em consequência condena-se o R. a pagar à A. a quantia de 42.019,30 €, no mais se mantendo a sentença recorrida.

*

Custas pelo R./recorrente e A./recorrida, na proporção do vencimento/decaimento. 

*

 Coimbra, 12.7.2011

João Moreira do Carmo ( Relator )

Alberto Ruço

Judite Pires