Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
437/18.9T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOÃO MOREIRA DO CARMO
Descritores: RECURSO DE FACTO IRRELEVANTE PARA A DECISÃO
CONCEITO DE INVALIDEZ DEFINITIVA E ABSOLUTA
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO, COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 805.º, N.º E 806.º, N.º 1 E 2, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: i) Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância, importância ou suficiência jurídica para a solução de direito e mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente;

ii) Considerada nula e excluída a cláusula de um contrato de seguro vida, que contém o conceito de invalidez absoluta e definitiva de que depende o accionamento da respectiva cobertura, deve, perante um declaratário normal, considerar-se o mesmo preenchido casuisticamente se o A., pessoa com 51 anos de idade, é portadora de insuficiência renal grave e crónica com hemodiálise, com uma incapacidade permanente global de 70%, incapaz permanentemente para a sua profissão,  que auferia a retribuição mensal líquida de 534 €, tendo deixado de ter condições físicas e anímicas para exercer o cargo de sócio-gerente, tendo-lhe sido deferido pensão de invalidez, desde 8.2017, no valor de 311,47 €, sendo que fruto da incapacidade de que padece, o A. necessita de, semanalmente, realizar sessões de diálise, realizando-as 3 vezes por semana (aos dias úteis de 2ª, 4ª e 6ª), e mercê da sobredita insuficiência renal crónica com a implicada necessidade de realização de hemodiálise, que lhe confere a incapacidade atrás referida, e dos tratamentos a que se encontra sujeito, apresenta condição física que é, no presente, débil e inspira cuidados de saúde constantes

Decisão Texto Integral:
Proc.437/18.9T8CTB

Nº 778

I - Relatório

1. AA e mulher, BB, residentes em ..., instauraram acção declarativa contra Banco 1..., S.A., com sede em ..., e T-VIDA, Companhia de Seguros de Vida, S.A, com sede em ..., actualmente Generali Seguros, S.A., e GNB, Companhia de Seguros de Vida, S.A, com sede em ..., actualmente Gamalife – Companhia de Seguros de Vida, S.A, pedindo que seja:

1. Declarada a nulidade e exclusão da cláusula constante no nº 2 do artigo 1º das Condições Especiais da apólice dos contratos de seguro subscritos pelos AA., titulados pelas apólices n.ºs ...23, ...24 e ...87, por abusiva e violadora do princípio da boa-fé e dos deveres de informação e comunicação.

E, consequentemente, ser/serem,

2. Condenadas a 2ª Ré e a 3ª Ré no reconhecimento da invalidez total e definitiva do A. marido, desde 11 de Julho de 2017;

3. Condenada a 2ª Ré a indemnizar os AA nos termos contratuais, entregando, nomeadamente, à 1ª Ré o capital em dívida, referente aos contratos de mútuos identificados em 4º e 6º, ou seja, a quantia de 63.826,63 €, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde 1.8.2017 e até integral pagamento;

4. Condenada a 3ª Ré a indemnizar os AA nos termos contratuais entregando, nomeadamente, à 1ª Ré o capital em dívida referente ao contrato de mútuo identificado em 25º, ou seja, a quantia de 36.020,03 €, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde 1.8.2017 e até integral pagamento;

5. Condenada a 1ª Ré a reembolsar os AA das prestações que foram obrigados a depositar nesse Banco, desde Agosto de 2017, em cumprimento dos contratos de mútuo, no montante total de 3.924,99 €, bem como, das que lhes possam vir a ser exigidas, até efetivo e integral pagamento do capital em dívida e respetivos juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde 1.8.2017 e até absoluto pagamento;

6. Condenadas a 2ª e 3ª Rés a reembolsar os AA. dos valores debitados desde Agosto de 2017, na conta titulada pelo A. marido na mutuante 1ª Ré, a título de prémios de seguro, da quantia de 637,03 €, bem como das que lhe possam vir a ser exigidas até efetivo e integral pagamento das quantias peticionadas, acrescida de juros.

Para tanto, em súmula apertada, os autores invocam a existência de três contratos de mútuos celebrados com o 1º réu, a que se encontram associados os conexos contratos de seguro, ora celebrados com a 2ª ré (no caso dos primeiros dois), ora com a 3ª ré (no caso do terceiro) que garantem o pagamento dos valores em dívida conexos com os mútuos, em caso de morte e de invalidez absoluta e definitiva. Reclamam os pagamentos dos capitais devidos posto que, basicamente, em 11.7.2017, foi atestado que o autor marido é portador da deficiência “insuficiência renal grave crónica com hemodiálise”, conforme consta do atestado médico de incapacidade multiuso, que lhe confere uma incapacidade permanente global de 70%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, sendo que, em resultado disso, está incapaz de exercer qualquer atividade remunerada, tendo passado consequentemente já à condição de pensionista, auferindo apenas a conexa pensão. Reputam de nulas, por abusivas, as cláusulas que definem nos contratos de seguro ajuizados a condição de “invalidez absoluta e definitiva”. Que, de resto, se devem ter por excluídas por não comunicadas (ao abrigo do regime das cláusulas contratuais gerais). Está basicamente em causa uma cláusula que define o estado de invalidez absoluta e definitiva, quando, em consequência de doença ou acidente, o segurado: i) fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer atividade remunerada; ii) fique na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efetuar quaisquer atos elementares da vida corrente; e, iii) apresente um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.

O réu Banco 1..., S.A., contestou, dizendo, em síntese, que não corresponde à verdade que o banco mutuante tenha exigido aos AA que a contratação dos respectivos contratos de seguro do ramo vida fossem celebrados com as 2ª e 3ª RR. Os AA tinham toda a liberdade para contratar o seguro do ramo vida com qualquer seguradora válida que operasse em Portugal. Sublinha que não existe fundamento legal para que o R. seja condenado a restituir as prestações pagas pelos mutuários após a ocorrência do sinistro. Mais alegou que o banco mutuante informou os AA das cláusulas referentes aos contratos de seguro que regulavam os requisitos para accionamento dos contratos de seguro em caso de invalidez absoluta e definitiva, por consequência de doença.

As 2ª e 3ª rés contestaram, invocando a prescrição dos direitos dos autores na medida em que a doença que determinou a incapacidade do autor foi, como alegam, detectada em 2012. Sublinham igualmente que o estado do autor não preenche a sobredita definição de invalidez absoluta e definitiva. Finalmente, que os autores foram informados da abrangência de cada cobertura e os seus requisitos.

Os autores responderam, dizendo que o facto de o primeiro diagnóstico feito ao A. marido ter ocorrido no ano de 2012, não significa que desde essa altura este seja portador de uma qualquer incapacidade, pelo que não ocorre a referida prescrição.

*

A final foi proferida sentença que declarou a nulidade das cláusulas a que se referem os pontos 56) e 57), dos factos provados, por abusiva e violadora do princípio da boa-fé e exclusão das mesmas por violação dos deveres de informação e comunicação, e julgou improcedente o demais peticionado, absolvendo as RR.

*

2. Os AA recorreram, concluindo que:

1.ª A decisão proferida na sentença sub judice, na parte em que julgou improcedentes os pedidos 2. a 7. do petitório da petição inicial, reflete uma incorreta análise da prova carreada e produzida para/nos autos.

2.ª O tribunal a quo adotou, para justificar aquela improcedência, uma argumentação de carácter eminentemente teórico, que, para além de não conseguir ultrapassar as

dificuldades de aplicação ao caso concreto, é contraditória com o objeto do litígio e os temas da prova fixados, com a circunstância de da jurisprudência citada não ser possível retirar a interpretação e a analogia que consta da motivação da sentença.

3.ª Falece razão jurídica ao tribunal a quo quando argumenta como argumenta a fls. 69 e 70 da sentença, porquanto, o primeiro dos Acórdãos aí citados nenhum reflexo pode ter no caso dos autos, nem fundamentar qualquer decisão a proferir, por incidir sobre um caso de contratação dum seguro individual em relação ao qual nenhuma nulidade foi invocada, ao passo que, no nosso caso está em jogo um contrato de seguro de grupo contributivo (do ramo vida) e a declaração de nulidade duma das cláusulas desse contrato, e, quanto ao segundo Acórdão, da dele nota de rodapé citada não consta o que a 1.ª instância afirma, antes coisa diferente, conforme revelado a fls. 41 da motivação desta apelação.

4.ª Os AA./Apelantes, ante o objeto do litígio e os temas da prova fixados, cumpriram o ónus de prova que lhes era exigível para a procedência total da ação.

5.ª Discutindo-se nos autos o direito de os AA./Apelantes verem condenadas as 2.ª e 3.ª RR./Apeladas a acionarem as apólices dos contratos de seguro em crise, nos quais um dos riscos cobertos é a invalidez por doença, aquilo que competia ao A./Apelante marido provar era, dado tratar-se de facto constitutivo do direito indemnizatório de que se arroga, a sua situação de doença, e o seu enquadramento no conceito de invalidez a adotar ante a alegada (e, afinal, provada) nulidade da cláusula das condições das apólices daqueles contratos onde esse conceito encontra(va) definição, o que sucedeu, conforme o demonstra a procedência do pedido 1. do petitório da petição inicial e, bem assim, os factos provados números 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 49, e, 55.

6.ª O ónus de prova exigido pela 1.ª instância para a procedência total do pedido formulado pelos AA./Apelantes consubstancia uma diabolica probatio (prova diabólica), por injusta e desproporcional, e, logo, inexigível, uma vez que, conforme afirmado pelo Sr. Perito dos autos em audiência de julgamento [cf. minutos … do seu depoimento, constante do ficheiro de áudio 20220112135619_1743579_2870662.wma], a análise dos termos duma situação de invalidez, gerada por doença ou acidente, exige olhar, necessariamente, para a profissão que o inválido tinha antes dessa doença ou acidente, num quadro circunstanciado, e não genérico, pois que, é o concreto posto de trabalho, e respetivas capacidades para o mesmo, que o sinistrado tinha à data da doença ou do acidente, que permite determinar o quantum da incapacidade geradora de invalidez, e nada mais, não sendo possível, nas palavras daquele Perito, “divagar sobre profissões”, sendo este, aliás, e também, o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, conforme se pode ler em Acórdão datado de 18.09.2014, referente ao processo n.º 2334/ 10.7TBGDM.P1.S1, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro GRANJA DA FONSECA.

7.ª A doença do A./Apelante marido – insuficiência renal grave crónica com hemodiálise, de estadio 5 –, que lhe confere uma incapacidade permanente de integridade físico-psíquica de 70% e 60% à luz, respetivamente, da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doença Profissional e da Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil, e o torna incapaz de exercer a sua profissão/atividade remunerada, em termos definitivos e permanentes – cf. factos provados n.º 39, 40, e, 49 –, e, bem assim, fisicamente débil, com necessidade de cuidados de saúde constantes – cf. facto provado n.º 55 –, preenche o conceito de invalidez absoluta e definitiva aplicável na ausência duma definição legal válida, e, consequentemente, o risco de invalidez necessário ao acionamento das apólices dos contratos de seguro em dissídio.

8.ª Foram incorretamente dados como não provados os factos alegados nos artigos 40.º, 41.º, 73.º, 74.º, e, 83.º da petição inicial, que deveriam ter obtido resposta positiva.

9.ª Os factos descritos nos (interligados) artigos 40.º, 41.º, e, 83.º da petição inicial deveriam ter sido julgados provados em coerência com o que se deu como provado nos números 41, 42, 43, 44, e, 45 dos factos provados da sentença, uma vez que, se se dá como provado que o A./Apelante marido, na sequência da doença de que padece, deixou de exercer a sua profissão habitual e passou à categoria de pensionista, com o recebimento duma pensão de invalidez, isso significa, necessariamente, que deixou de exercer uma atividade remunerada e, consequentemente, de auferir rendimentos do trabalho, circunstância que conduz a que tenha um rendimento inferior ao que tinha, e a que, desde 10.08.2017, não tenha remunerações registadas na Segurança Social, não sendo admissível alegar-se que sempre poderia estar a exercer uma atividade remunerada em regime ilegal, no contexto de economia paralela, pois que isso significaria transformar o processo num processo de intenções, ilegal e inconstitucional.

10.ª A fundamentação aduzida pelo tribunal a quo para julgar como não provados os factos descritos em 40.º, 41.º, e, 83.º da petição inicial – cf. p. 41-42 da sentença – é enviesada, uma vez que, a circunstância de a testemunha arrolada que abordou esses factos ser filha dos AA./Apelantes não lhe retira qualquer credibilidade, porquanto, o seu depoimento foi absolutamente coerente com a prova documental junta aos autos [cf. minutos …do seu depoimento, constante do ficheiro de áudio 2021112314344 0_1743 579_287 0662.wma], não sendo admissível confundi-lo (o depoimento) com a sua pessoa, sob pena de pré-julgamento, que sempre seria inadmissível à luz dos princípios adjetivos e substantivos aplicáveis.

11.ª Os factos descritos nos (interligados) artigos 73.º e 74.º da petição inicial deveriam ter sido julgados provados em coerência com o que se deu como provado nos números 14, 27, 28, 33, 56, e, 57 dos factos provados da sentença, e como não provado a fls. 24-26 da sentença, quanto ao artigo 29.º do articulado da 1.ª Ré/Apelada e aos artigos 22.º, 25.º, 29.º, 40.º, e, 52.º do articulado (conjunto) das 2.ª e 3.ª Rés/Apeladas, e, sucedaneamente, com a procedência do pedido 1. do petitório da petição inicial.

12.ª Quando os AA./Apelantes aderiram aos contratos de seguro de grupo contributo do ramo Vida sub judice a confiança neles criada foi a de que – conforme relatado de modo sério, isento, credível, e, natural pelo A./Apelante marido em sede de julgamento [cf. minutos …do seu depoimento, constante do ficheiro de áudio 20211123163351_1743579_2870 662.wma] – estariam a cobrir, para além do risco morte, o risco de invalidez, decorrente duma incapacidade absoluta e permanente por doença ou acidente, de um deles, que os impedisse de exercer a sua profissão habitual remunerada, e, assim, ultrapassar a impossibilidade de liquidar os valores mutuados em dívida à data do sinistro, invalidez essa sem qualificativos.

13.ª A confiança descrita na conclusão anterior não poderia ser outra porquanto – conforme dado como provado (factos provados 8, 9, 14, 27, 28, 33, e, 56) e não provado (cf. pp. 24-26 sentença) –, os AA./Apelantes, para além de não terem ficado na posse de nenhum exemplar das condições das apólices sub judice, desconheciam, efetivamente, o que estavam a contratar, pois que não lhes foi promovida, por parte das RR./Apeladas, qualquer informação e comunicação em 2005 e 2010 (anos das contratações dos mútuos) quanto a um conceito e/ou tipo/modalidade de invalidez, cuja formulação inicial foi alterada após a adesão sem, igualmente, qualquer comunicação – cf. facto provado n.º 56 –, e, bem assim, à necessidade de se ter de verificar um conceito/tipo/modalidade de invalidez para acionar essas apólices, acrescendo a circunstância de no documento complementar à escritura de mútuo celebrada em 28.01.2005 inexistir a indicação de um conceito ou tipo de invalidez, pelo que o alegado em 73.º e 74.º da petição inicial não poderiam deixar de ser como aí se alegou.

14.ª No caso dos autos, não nos podemos guiar por um tipo ou modalidade concreto de invalidez, com qualificativos pré-determinados, antes por um conceito geral e abstrato, sem qualificativos, porquanto foi reconhecida e declarada nos autos a nulidade da cláusula das apólices dos seguros de vida em dissídio referente ao conceito de invalidez absoluta e definitiva, por violação dos deveres de informação e comunicação aos AA./Apelantes, e, bem, assim, do princípio da boa-fé.

15.ª Uma invalidez, ante o exposto na conclusão anterior, e para efeitos de determinação do risco coberto por um seguro de grupo contributivo do ramo Vida como os dos autos, só pode ser um estado de uma pessoa que a incapacite, completa e definitivamente, de exercer a sua profissão/atividade remunerada, por ser essa a única noção compatível com o risco/fim precípuo que a 1.ª Ré/Apelada, como beneficiária, poderia pretender acautelar quando exigiu aos AA./Apelantes, como condição à concessão dos mútuos, a adesão àqueles contratos, uma vez que, só existirá uma situação negocial séria e equilibrada e, bem assim, uma razão válida para o seguro e para a adesão, se esse seguro puder ser acionado em caso de perda da capacidade de ganho para manter o regular reembolso do mútuo (capital e juros), em consequência da morte ou da incapacidade permanente para o exercício da profissão/atividade remunerada donde provinha essa capacidade, independentemente da possibilidade de exercício de outra atividade compatível com os conhecimentos e capacidades do sinistrado/lesado, sendo esta a situação concreta do A./Apelante marido.

16.ª A noção de invalidez aventada na conclusão precedente é a única conciliável com a casuística dos presentes autos e, bem assim, a que corresponde ao entendimento que a nossa jurisprudência vem adotando para os casos em que, como aqui sucede, importa determinar, ante a ausência duma definição contratual válida, quando e como se verifica o risco da invalidez num contrato de seguro de grupo contributivo do ramo vida, associado a um contrato de mútuo, conforme o revelam os Acórdãos citados a fls. 41- 43 da motivação desta apelação.

17.ª A especificidade da doença do A./Apelante marido – que é crónica, progressiva, e terminal, e muito incapacitante, da qual não é expectável uma evolução positiva das lesões desde 04.01.2019 –, inviabilizam a manutenção da sua profissão e, bem assim, qualquer reajuste/reconversão profissional, porquanto lhe impõe: i) profundas restrições físicas e alimentares; ii) tratamentos médicos constantes e regulares, nomeadamente, a realização de sessões de hemodiálise três vezes semana, que lhe geram cansaço e o limitam no dia-a-dia, para as quais não tem alternativa, dado encontrar-se no estadio mais elevado da doença, não sendo o transplante nenhuma alternativa ou cura, antes, e também, uma forma de tratamento; iii) cuidados alimentares e físicos permanentes; e, iv) um profundíssimo impacto negativo em termos psicológicos e sociais – cf. factos provados n.ºs 53, 54, 59; depoimento do médico assistente, minutos … do ficheiro áudio 20211123145956_1743579_ 2870662.wma; depoimento do perito médico, minutos …do ficheiro de áudio 20220112135619_1743579_2870662.wma; depoimento da testemunha CC, minutos …do ficheiro áudio ficheiro áudio 20211123144754_174 3579_2870662; e, depoimento da testemunha DD, minutos …do ficheiro áudio 20211123144754_1 743579_2 870662.

18.ª Tendo o A./Apelante marido 51 (cinquenta e um) anos de idade e baixas qualificações profissionais, e encontrando-se sujeito a tantas restrições em decorrência da sua doença, é extraordinariamente baixa a possibilidade de conseguir uma qualquer contratação suscetível de não afetar, seriamente, o seu equilíbrio físico e psicológico, e permitir-lhe obter rendimentos suficientes, e equiparáveis aos que usufruía, para manter a sua capacidade de ganho em níveis satisfatoriamente aptos a fazer face ao serviço de dívidas que contraiu junto da 1.ª Ré/Apelada – num total mensal de € 558,44 (facto provado n.º 36), equivalente à retribuição que auferia (facto provado n.º 42) – e, por imposição contratual desta, segurou, para o que paga os respetivos prémios mensais (cf. provado n.º 19).

19.ª Sem prejuízo de o A./Apelante marido ainda se mexer, e não estar em estado

vegetativo, não há dúvidas de que, a sua atual capacidade de ganho pelo exercício da sua profissão é absoluta e permanentemente inexistente, tanto mais que foi reformado por invalidez, com uma reforma de € 311,47 (trezentos e onze euros e quarenta e sete cêntimos) – cf. facto provado n.º 45 –, sendo esse facto que o impede de cumprir, de pagar, os mútuos bancários sub judice, e, logo, salvaguardar o fim precípuo dos contratos de seguros em dissídio, não sendo a sua capacidade residual/remanescente suscetível de permitir-lhe obter uma retribuição, um ordenado, na verdadeira aceção da palavra, pois está incapaz, permanentemente, e em termos reais, de trabalhar.

20.ª Foi atribuído um excessivo relevo em termos de juízo decisório ao facto provado n.º 49, na parte em que se refere que o A./Apelante marido estaria capaz para “desempenhar actividades remuneradas/profissões que não envolvam esforços físicos e compatíveis com o seu estado de saúde”, pela circunstância de “nem a Junta Médica que avaliou a incapacidade do autor no contexto da segurança social, nem o sr. perito médico nestes autos concluíram que o autor está incapaz para toda e qualquer profissão” (cf. p. 39 da sentença), porquanto esse argumento conclusivo proveio unicamente do relatório pericial proveniente da Segurança Social, datado de 13.09.2017, junto aos autos em 07.10.2019, tendo sido com base nele que o Sr. Perito fez constar a mesma conclusão no seu relatório pericial, sem que nenhum dos peritos subscritores de cada um desses relatórios pudesse afirmar coisa diferente, uma vez que, pelas razões avançadas na conclusão 6.ª, uma invalidez absoluta e definitiva, e seu respetivo quantum, afere-se, rectius, só pode aferir-se, em face da concreta atividade desenvolvida pelo sinistrado à data do sinistro, num quadro circunstanciado, e não genérico, sendo, assim, manifestamente impossível divagar por profissões e determinar que outras profissões e/ou atividades poderiam ser exercidas, não competindo ao A./Apelante marido fazer essa prova (ou do contrário), dado o seu caráter diabólico.

21.ª Não é possível concluir, de per si, que por o A./Apelante marido (poder) estar incapaz “apenas” [como se não bastasse ou não fosse, por si só, suficientemente penalizador e grave!] para a sua profissão, já não o estará, necessariamente, para as demais, não competindo ao A./Apelante marido, relembre-se, fazer a prova do contrário (de estar incapaz para toda e qualquer profissão), pois, conforme demonstrado em 2. Da motivação desta alegação e escrito na conclusão 6.ª, isso significaria impor-lhe um ónus de prova diabólico, por impossível, e, logo, de imposição legal indevida.

22.ª Não assiste razão ao tribunal a quo quando afasta o acionamento dos contratos de seguro de grupo contributivo do ramo Vida em dissídio pelo facto de se considerar que poderia exercer outras profissões, com exceção das “atividades remuneradas/profissões que não envolvam esforços físicos e compatíveis com o seu estado de saúde” – cf. facto provado n.º 49; e, p. 17 da sentença –, pois que isso significa desconsiderar em absoluto as graves limitações de que o A./Apelante marido padece em virtude da sua doença, que o tornam fisicamente débil e lhe exigem cuidados de saúde constantes – cf. facto provado n.º 55 –, e o impedem, em termos reais e efetivos, de trabalhar, e solver, realisticamente, às dívidas que contraiu junto da 1.ª Ré/Apelada.

23.ª Estão provadas todas as condições necessárias ao acionamento da cobertura complementar de invalidez absoluta e definitiva dos contratos de seguro de grupo contributivo do ramo VIDA em dissídio e, sucedaneamente, à procedência total da ação.

24.ª Mal andou o tribunal a quo ao decidir como decidiu.

Nestes termos, e nos demais de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve julgar-se a presente alegação de recurso de apelação procedente e, em consequência, revogar-se a douta sentença proferida pelo

tribunal a quo, na parte em que julgou improcedentes os pedidos 2. a 7. do petitório da petição inicial, proferindo-se, a final, decisão que os julgue totalmente procedentes, assim se fazendo JUSTIÇA!

3. O Banco 1..., S.A. contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

4. As seguradoras Generali e Gamalife também contra-alegaram, igualmente pugnando pela confirmação da sentença. 

 

II - Factos Provados

 

1) Na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º 1416/da freguesia ..., mostra-se descrito o seguinte:

Prédio Urbano, sito na Estrada ..., composto por edifício de ..., ... andar e logradouro, que confina do Norte com Servidão Particular, do Sul com EE, do Nascente com Estrada Municipal e do Poente com FF, inscrito na matriz da União de Freguesias de ... e ... sob o artigo ...03 que teve origem no artigo ...92 da extinta freguesia ...) (vide doc.... e ... – juntos com a pi, patenteados nos autos a fls.25 a fls.27-v, do p. físico)).

2) Sendo que sobre tal descrição pende, entre outras, a inscrição da respectiva aquisição, POR COMPRA, em favor do autor AA, casado com BB no regime de comunhão de adquiridos, por compra a GG e mulher HH. 2103 (vide doc.... e ...).

3) Por escritura pública intitulada de compra e venda, celebrada no dia 28/01/2005, na Agência do Banco 2..., S.A., na cidade ..., intervindo na qualidade de primeiros outorgantes GG e mulher HH, e na qualidade de segundo outorgante AA, as partes declararam entre si, entre o mais que consta do teor da conexa escritura patenteada nos autos a fls.28 a fls.30, do p.f. – doc.... junto com a pi, cujo conteúdo se dá por reproduzido, pelos primeiros outorgantes foi dito:

“Que pelo preço de NOVENTA MIL EUROS, que já receberam, vendem ao SEGUNDO OUTORGANTE, livre de quaisquer ónus ou encargos, o seguinte:

PRÉDIO URBANO constituído por edifício de ..., ... andar, sótão e logradouro, sito na Estrada ..., naquela freguesia ..., inscrito na matriz respectiva sob o artigo ...92, (…), descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... quatrocentos e dezasseis, da mesma freguesia ... (…)”.

Pelo segundo outorgante foi dito:

Que aceita esta venda nos termos exarados, que o prédio adquirido se destina exclusivamente a sua habitação própria e permanente”.

4) Por escritura pública intitulada de MÚTUO COM HIPOTECA, celebrada no dia 28/01/2005, na Agência do Banco 2..., S.A., na cidade ..., intervindo na qualidade de primeiros outorgantes AA e mulher BB, e na qualidade de segundo II (na qualidade de procurador do “Banco 2..., S.A.”), as partes declararam entre si, entre o mais que consta da conexa escritura patenteada nos autos a fls.30-v a fls.34-v, do p. físico, o seguinte:

PELOS PRIMEIROS OUTORGANTES FOI DITO:

Que são donos e legítimos possuidores do seguinte imóvel, por eles adquirido hoje, por escritura lavrada imediatamente anterior à presente:

PRÉDIO URBANO constituído por edifício de ..., ... andar, sótão e logradouro, sito na Estrada ..., naquela freguesia ..., inscrito na matriz respectiva sob o artigo ...92, (…), descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... quatrocentos e dezasseis, da mesma freguesia ... (…)”.

Que por esta mesma escritura, eles PRIMEIROS OUTROGANTES se confessam devedores ao “Banco 2..., S.A.” (…), da importância de NOVENTA MIL EUROS, que neste acto recebem do mesmo Banco, por empréstimo que este lhes concede ao abrigo das normas para o regime geral do crédito à habitação.”.

“Que o referido empréstimo de NOVENTA MIL EUROS será liquidado em TRINTA anos, em TREZENTAS E SESSENTA prestações mensais constantes sucessivas de capital e juros, vencendo-se a primeira no dia dez de Fevereiro de dois mil e cinco (…).”

Que, em garantia do bom pagamento da importância mutuada, (…), eles primeiros outorgantes, por esta mesma escritura constituem HIPOTECA a favor do “Banco 2..., S.A., sobre o prédio atrás identificado (…)”

“Que os referidos empréstimos e hipoteca se regulam pelos termos constantes do documento complementar, (…), anexo a esta escritura”.

“PELO SEGUNDO OUTORGANTE FOI DITO:

“Que aceita, para o Banco que representa, a confissão de dívida e a hipoteca, nos termos exarados.”

5) Por escritura pública intitulada de MÚTUO COM HIPOTECA, celebrada no dia 28/01/2005, na Agência do Banco 2..., S.A., na cidade ..., intervindo na qualidade de primeiros outorgantes AA e mulher BB, na qualidade de segundo II (na qualidade de procurador do “Banco 2..., S.A.”), as partes declararam entre si, entre o mais que consta da conexa escritura patenteada nos autos a fls.35 a fls.39, do p. físico, o seguinte:

PELOS PRIMEIROS OUTORGANTES FOI DITO:

Que são donos e legítimos possuidores do seguinte imóvel, por eles adquirido hoje, por escritura lavrada imediatamente anterior à presente:

– PRÉDIO URBANO constituído por edifício de ..., ... andar, sótão e logradouro, sito na Estrada ..., naquela freguesia ..., inscrito na matriz respectiva sob o artigo ...92, (…), descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... quatrocentos e dezasseis, da mesma freguesia ... (…)”.

Que por esta mesma escritura, eles PRIMEIROS OUTROGANTES se confessam devedores ao “Banco 2..., S.A.” (…), da importância de DEZ MIL EUROS, a liquidar em TRINTA anos, em TREZENTAS E SESSENTA prestações mensais constantes sucessivas de capital e juros, vencendo-se a primeira no dia dez de Fevereiro de dois mil e cinco (…).”

“Que o referido empréstimo se destina a fazer face a compromissos financeiros assumidos anteriormente pelos primeiros outorgantes e a aquisição de equipamento para a sua residência.”

Que, em garantia do bom pagamento da importância mutuada, (…), eles primeiros outorgantes, por esta mesma escritura constituem HIPOTECA a favor do “Banco 2..., S.A.”, sobre o prédio atrás identificado (…)”

“Que os referidos empréstimos e hipoteca se regulam pelos termos constantes do documento complementar, (…), anexo a esta escritura”.

“PELO SEGUNDO OUTORGANTE FOI DITO:

“Que aceita, para o Banco que representa, a confissão de dívida e a hipoteca, nos termos exarados.”

6) As hipotecas foram registadas provisoriamente a favor do Banco 2..., S.A., pelas apresentações três e quatros, de 10 de dezembro de 2004, e averbadas definitivamente em 31 de janeiro de 2005, conforme descrito na Conservatória do Registo Predial ..., nos termos da sobredita descrição predial (doc. n.º ...).

7) Os referidos acordos de “mútuo e hipoteca” encontram-se regulados pelos termos contantes dos respectivos documentos complementares, que instruem e estão anexos às ditas escrituras, nos termos declarados nestas.

8) Nos termos da cláusula 5.ª do documento complementar anexo à escritura de mútuo com hipoteca a que se alude em 4) dos factos provados, “O(s) mutuário(s) obriga(m)-se a manter (seguro(s) de vida pelo prazo e montante do empréstimo, para garantir, em caso de morte ou invalidez, a liquidação do montante em dívida de capital e juros” – cf. doc. n.º ....

9) Igualmente, nos termos da cláusula 4.ª do documento complementar anexo à escritura de mútuo com hipoteca a que se alude em 5), “O(s) mutuário(s) obriga(m)-se a manter (seguro(s) de vida pelo prazo e montante do empréstimo, para garantir, em caso de morte ou invalidez, a liquidação do montante em dívida de capital e juros vencidos” – cf. doc. n.º ....

10) Nesse contexto, por intermediário da 1.ª Ré (actualmente Banco 1..., S.A.), os AA. receberam dois documentos da 2.ªRé - T-VIDA, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A..

11) Um referente às condições gerais e especiais do “contrato do seguro de vida”, prévia e antecipadamente elaboradas.

12) Outro com o boletim para adesão a seguro do ramo vida da 2.ª Ré.

13) Na sequência, os AA. aderiram a dois seguros do ramo VIDA da 2.ª Ré, um para cada mútuo (a que se alude em 4) e 5)), pelo prazo de trinta anos (duração dos mútuos celebrados), e pelo valor do mútuo concedido.

14) As apólices dos seguros encontram-se em poder da 1.ª Ré.

15) Por documento intitulado de “TÍTULO DE MÚTUO COM HIPOTECA”, celebrado a 09 de Setembro de 2010, na Conservatória do Registo Predial ..., intervindo como primeiro outorgante o “Banco 2..., S.A.”, e como segundos AA e mulher BB, os AA. declararam ter recebido a quantia de € 42.600,00 (quarenta e dois mil e seiscentos euros), do primeiro outorgante, a liquidar em trinta anos, em trezentas e sessenta prestações mensais constantes sucessivas de capital e juros, com taxa de juro anual de 10,5%, nos termos do qual, os autores/segundos outorgantes, constituíram a favor do Banco, hipoteca sobre o imóvel (supra identificado em 1)), para garantia, entre o mais, do capital mutuado e juros (nos termos do documento junto aos autos a fls.108 a fls.116, do p. físico). Foi declarado nos termos do conexo documento que “Tal empréstimo reger-se-á pelas cláusulas constantes do presente título, bem como pelas cláusulas constantes de um documento complementar (anexo I), que arquivo e que integra o presente título” (patenteado nos autos a fls.110 a fls.116, cujo conteúdo se dá por reproduzido).

16) A conexa hipoteca sobre o dito prédio foi registada a favor do “Banco 2..., S.A.”, pela apresentação 1168 de 09/09/2010 (vide a conexa sobredita descrição predial).

17) No contexto do acordo a que se alude em 15), foi outorgado um seguro vida que se encontra titulado por uma apólice (vide designação infra).

18) Nos termos das cláusulas 6.ª e 5.ª do documento complementar das escrituras dos contratos de mútuo com hipoteca a que se alude em 4) e 5), “O(s) mutuário(s) é(são) obrigado(s) a mostrar que tem(têm) em dia o pagamento dos prémios dos seguros. Em caso de atraso por parte do(s) mutuário(s) no cumprimento dessas obrigações, poderá o Banco alterar ou anular os seguros e efectuar os correspondentes pagamentos, debitando os respectivos custos na conta de depósito à ordem dos mutuário(s) aberta no Banco.” – cf. docs.n.ºs ... e ...). Idem quanto ao mútuo a que se alude em 15), nos termos da cláusula décima terceira do documento complementar patenteado nos autos a fls.110 a fls.116 do p. físico, cujo teor se dá por reproduzido.

19) Os AA. asseguram o pagamento dos prémios de seguro do ramo VIDA.

20) – Os AA. despendem em prémios, mensalmente, uma quantia variável, cobrada por débito direto, na conta identificada infra – nos pontos 23) e 24) da factualidade dada como provada, em quatro movimentos (cf. doc.n.º ...):

- “Cobrança JJ – Companhia De Adc. ...62”;

- “Cobrança JJ – Companhia De Se Adc ...48”;

- “Cobrança KK, Companhia D Adc ...98”;

- “Cobrança KK, Companhia D Adc ...68”.

21) Em 08/09/2017, o autor procedeu à entrega, em agência da 1.ª Ré – Agência da ... – do formulário “Participação de Sinistro Acidente/Doença – Crédito Habitação”, documento junto como n.º 18, patenteado nos autos a fls.70 e seg., e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

22) Após tomada de posição da 2ª e 3ª rés, declinando que a condição ao autor se integre nas coberturas acordadas, foi neste contexto que o A. enviou resposta, por carta escrita com A/R, datada de 30/01/2018, às cartas enviadas pelas 2.ª e 3.ª Rés (patenteadas nos autos a fls.54-v e a fls.55), reiterando pela ativação dos seguros (cf. doc. n.º ...0 – patenteado nos autos a fls.72 a fls.72-v, cujo conteúdo se dá como reproduzido).

*

Factos controvertidos que se consideram provados:

a) Da Petição inicial:

23) Ao “mútuo” a que se alude em 4), foi atribuído o n.º ...10 e as denominações de “BHP – AQUISIÇÃO C/ HIPO” e “CRÉDITO HIPOTECÁRIO AQUIS HPP E6”, conforme documentos denominados “Posição Integrada” e extrato integrado, referente à conta ...00, titulada pelo A. marido na 1.ª Ré, juntos como docs. n.ºs ... e ..., e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

24) Ao “Mútuo” a que se alude em 5) foi atribuído o n.º ...11 e as denominações de “MULTIOPCOES C/ HIPO” e “CRÉDITO HIPOTECÁRIO MO C/HIPO E6”, conforme documentos denominados “Posição Integrada” e extrato integrado, referente à conta ...00, titulada pelo A. marido na 1.ª Ré, juntos como docs. n.º ... e ..., e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

25) Dispõe-se no ponto 11 da “Ficha de informação de crédito à habitação” disponibilizada pela 1.ª Ré, antes da celebração dos mútuos a que se alude em 4) e 5), denominado “Condições e Benefícios concedidos no Crédito à Habitação”: “Seguros de Vida – É obrigatória a realização de seguro de vida a favor dos titulares do empréstimo. No qual conste como Beneficiário Privilegiado o Banco Mutuante. (…) É exigida a cobertura da morte por doença ou acidente assim como a Invalidez Absoluta e Definitiva por Doença ou Total e Permanente por acidente. O montante do Seguro não pode ser inferior ao montante do empréstimo concedido.” – cf. doc. n.º ....

26) No contexto a que se alude em 4) e 5), quanto aos seguros de vida associados ao conexos mútuos, regiam e vigoravam as condições gerais e especiais patenteadas nos autos a fls.366 a fls.369.

27) Como condição indispensável à outorga/concessão dos mútuos a que se alude em 4) e 5), a 1ª ré impôs a obrigatoriedade da adesão a seguro de vida por parte dos titulares do empréstimo, no qual constasse como “Beneficiário Privilegiado o Banco Mutuante”, que cobrisse o risco de morte ou invalidez dos mutuários, conquanto não necessariamente junto da 2ª ré (a adesão (realização) a (de) seguro de vida poderia ser feito junto de qualquer outra companhia de seguros).

28) Se não o fizessem, o mútuo não lhes seria concedido.

29) Os AA. preencheram os respetivos boletins de adesão.

30) Ao “mútuo” a que se alude em 4), dos factos provados, encontra-se associado o “contrato de seguro” titulado pela apólice n.º ...23 – cf. doc. ...0.

31) Ao “mútuo” a que se alude em 5), dos factos provados, encontra-se associado o “contrato de seguro” titulado pela apólice n.º ...24 – cf. doc. ...0.

32) Ao “Mútuo” a que se alude em 15) foi atribuído o n.º ...09 e as denominações “REESTRUTURAÇÃO” e “CRÉDITO HIPOTECÁRIO MULTI EU6 HIP”, conforme documento denominado “Posição Integrada” e extrato integrado referente à conta ...00, titulada pelo A. na 1.ª Ré, juntos como docs. n.º ... e ..., e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

33) Como condição indispensável à outorga/concessão do mútuo a que se alude em 15), a 1ª ré impôs a obrigatoriedade da adesão a seguro de vida (realização de seguro de vida) por parte dos titulares do empréstimo, no qual constasse como “Beneficiário Privilegiado o Banco Mutuante”, que cobrisse o risco de morte ou invalidez dos mutuários, conquanto não necessariamente junto da 3ª ré (a realização de seguro de vida (ou adesão a) poderia ser feita junto de qualquer outra companhia de seguros).

34) Assim, a celebração do mútuo a que se alude em 15), foi, igualmente, acompanhado de adesão a “contrato de seguro do ramo VIDA”, desta vez, da 3.ª Ré, com o preenchimento de boletim de adesão disponibilizado pela 1.ª Ré.

35) No presente (com referência a Fevereiro de 2018), os AA. são devedores junto da 1.ª Ré, no valor de € 99.846,66 (noventa e nove mil oitocentos e quarenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), a título de capital (não comtemplando juros, impostos e outros encargos) repartido da seguinte forma (cf. doc. n.º ...):

- contrato n.º ...10, € 57.443,87 (cinquenta e sete mil, quatrocentos e quarenta euros e oitenta e sete cêntimos);

– contrato n.º ...11, € 6.382,76 (seis mil, trezentos e oitenta e dois euros e setenta e seis cêntimos);

- contrato n.º ...09, € 36.020,03 (trinta e seis mil e vinte euros e três cêntimos).

36) Mensalmente, os AA. despendem, em prestações, o montante de € 558,44 (quinhentos e cinquenta e oito euros e quarenta e quatro cêntimos), repartido da seguinte forma (cf. doc. n.º ...):

- contrato n.º ...10, € 287,06 (duzentos e oitenta e sete euros e seis cêntimos);

- contrato n.º ...11, € 35,16 (trinta e cinco euros e dezasseis cêntimos);

- contrato n.º ...09, € 236,22 (duzentos e trinta e seis euros e vinte e dois cêntimos).

37) No que tange aos “mútuos” a que se alude em 4) e 5), nos termos descritos nos respectivos documentos complementares anexos aos referidos “mútuos”, e, bem assim, nas condições gerais e especiais dos seguros de vida associados aos referidos mútuos celebrados com a 1.ª Ré, a 2.ª, enquanto seguradora, garante, em caso de morte ou de invalidez (absoluta e definitiva – em consequência de acidente ou doença) dos mutuários/segurados, ora AA., a liquidação à mutuante/beneficiária privilegiada, in casu, a 1.ª Ré, do montante em dívida do capital e dos juros.

38) No que tange ao “mútuo” a que se alude em 15), nos termos descritos no documento complementar anexo ao mútuo em apreço, e, bem assim, nas condições gerais e especiais dos seguros de vida associados ao mútuo celebrados com a 1.ª Ré, a 3.ª Ré, enquanto seguradora, garante, em caso de morte ou de invalidez (absoluta e definitiva – em consequência de acidente ou doença) dos mutuários/segurados, ora AA., a liquidação à mutuante/beneficiária privilegiada, in casu, a 1.ª Ré, do montante em dívida do capital e dos juros.

39) Em 11/07/2017, foi atestado que o A. marido é portador da deficiência “insuficiência renal grave crónica com hemodiálise”, conforme consta do Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, datado de 11/07/2017, junto como doc. n.º ...2, patenteado nos autos a fls.55-v, do p. físico e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

40) Mercê daquela insuficiência, foi atribuída ao A. (e o autor padece de) uma “incapacidade permanente global” de 70% (setenta por cento), de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, sendo que na base daquele atestado multiusos está um relatório médico e deliberação (patenteados nos autos a fls.289 a fls.291-v) – que concluiu que o autor se encontrava numa situação de incapacidade permanente relativamente à sua profissão.

Mercê ainda daquela insuficiência renal crónica com necessidade de hemodiálise, o autor apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica valorizável em 60,00 pontos, avaliado de acordo com a tabela nacional de incapacidades em direito civil.

41) Até então, o A. era sócio-gerente na sociedade comercial J..., Lda., NIPC ..., conforme doc. n.º ...3 e ...4.

42) Auferia a retribuição mensal líquida de € 534,00 (quinhentos e trinta e quatro euros) – cf. doc. n.º ...3.

43) Fruto da insuficiência renal crónica com necessidade de hemodiálise de que veio a padecer e padece, o A. deixou de ter condições físicas e anímicas para exercer o cargo de sócio-gerente, tendo procedido à renúncia à gerência e à cessão das quotas que detinha naquela sociedade, identificada em cf. doc. n.º ...4).

44) Foi-lhe deferida pensão de invalidez, com data de início em 30/08/2017, passando da situação de trabalhador para a de pensionista, nos termos do documento emitido pelo Instituto da Segurança Social, IP – Centro Nacional de Pensões, datado de 13/10/2017, junto como doc. n.º ...5, patenteado nos autos a fls.68, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

45) O valor da pensão de invalidez é de € 311,47 (trezentos e onze euros e quarenta e sete cêntimos) – cf. docs. n.ºs ...6 e ...7.

46) Nesse circunstancialismo, o A. procurou proceder à participação de sinistro por doença, relativamente aos mútuos a que se alude em 4), 5) e 15), a fim de ativar os inerentes seguros, referenciados, entre outros, nos pontos 13) e 17).

47) Para tanto, no âmbito do plasmado em 21, O A. providenciou pelo preenchimento do campo 5, referente a “informação do médico assistente”, deslocando-se ao Centro de Saúde ..., tendo o seu Médico Assistente preenchido aquele campo, com a indicação de que o primeiro diagnóstico havia ocorrido no ano de 2012, atestando que o A. é portador da deficiência “insuficiência renal grave crónica com hemodiálise”.

Sem prejuízo, no ano de 2012, o autor não estava acometido de “insuficiência renal grave crónica com hemodiálise”, antes com alterações na função renal (sem hemodiálise ou incapacidade para o seu trabalho) que acabou por evoluir com o tempo para aquela “insuficiência renal grave crónica”, com necessidade de hemodiálise.

48) Na sequência da sobredita participação por sinistro, as 2ª e 3ª rés declinaram que o referido em 39) e 40) (neste ponto quanto ao parecer da Junta Médica apenas), se enquadrasse nas coberturas dos seguros a que se alude em 13) e 17), observando que “o seguro em causa prevê o pagamento do Capital em caso de Morte ou Invalidez Absoluta e Definitiva do Segurado”, concluindo que a “Invalidez da qual o segurado é portador não se enquadra no previsto nas Condições Especiais dos Seguros Complementares do Seguro”, isto porque consideram que “Qualquer segurado é considerado em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando, por consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer atividade remunerada e, simultaneamente, na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efetuar cumulativamente os atos elementares da vida corrente e apresentar um grau de incapacidade igual ou superior a 85% de acordo com a “Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais” oficialmente em vigor no momento do reconhecimento da invalidez.”.

49) Para além do consignado em 39) e 40), mercê da apontada insuficiência renal crónica com necessidade de hemodiálise, o autor está incapaz para o exercício da sua profissão habitual.

O autor apenas poderá desempenhar actividades remuneradas/profissões que não envolvam esforços físicos e compatíveis com o seu estado de saúde.

50) O autor aderiu aos seguros do ramo VIDA, com o preenchimento dos boletins de adesão, cujos impressos foram antecipadamente elaborados, não tendo tido qualquer intervenção na elaboração das cláusulas.

51) Despendeu, desde Agosto de 2017 até ao momento (a Fevereiro de 2018), em prestações mensais, a quantia de € 3.924,99 (três mil novecentos e vinte e quatro euros e noventa e nove cêntimos), repartida nos seguintes termos:

- Agosto de 2017: € 573,06 (300,78 + 35,31 + 236,97) – cf. extrato integrado n.º 08/2017 (doc. n.º ...2);

- Setembro 2017: € 559,19 (287,06 + 35,16 + 236,97) – cf. extrato integrado n.º 09/2017 (doc. n.º ...3);

- Outubro 2017: € 558,49 (287,06 + 35,16 + 236,27) – cf. extrato integrado n.º 10/2017 (doc. n.º ...4);

- Novembro 2017: € 558,90 (287,06 + 35,16 + 236,68) – cf. extrato integrado n.º 11/2017 (doc. n.º ...5);

- Dezembro 2017: € 558,46 (287,06 + 35,16 + 236,24) – cf. extrato integrado n.º 12/2017 (doc. n.º ...6);

- Janeiro 2018: € 558,45 (287,06 + 35,16 + 236,23) – cf. extrato integrado n.º 01/2018 (doc. n.º ...7);

- Fevereiro 2018: € € 558,44 (287,06 + 35,16 + 236,22) – cf. extrato integrado n.º 02/2018 (doc. n.º ...7);

52) Em prémios de seguro, desembolsou, até ao presente (de Agosto de 2017 a Fevereiro de 2018), a quantia de € 637,07 (seiscentos e trinta e sete euros e sete cêntimos), repartida nos seguintes termos:

- Agosto 2017: € 89,83 (8,48 + 25,88 + 5,55 + 49,92) – cf. extrato integrado 08/2017 (doc. n.º ...2);

- Setembro 2017: € 90,22 (8,48 + 26,06 + 5,57 + 50,11) – cf. extrato integrado 09/2017 (doc. n.º ...3);

- Outubro 2017: € 90,61 (8,48 + 26,23 + 50,31 + 5,59) – cf. extrato integrado 10/2017 (doc. n.º ...4);

- Novembro 2017: € 90,98 (8,48 + 26,40 + 50,49 + 5,61) – cf. extrato integrado 11/2017 (doc. n.º ...5);

- Dezembro 2017: € 91,37 (8,48 + 26,58 + 50,68 + 5,63) – cf. extrato integrado 12/2017 (doc. n.º ...6);

- Janeiro 2017: € 91,74 (8,48 + 26,75 + 50,86 + 5,65) – cf. extrato integrado 01/2018 (doc. n.º ...7);

- Fevereiro 2018: € € 92,32 (8,69 + 26,93 + 51,03 + 5,67) – cf. extrato integrado n.º 02/2018 (doc. n.º ...7);

53) Fruto da incapacidade de que padece, o A. necessita de, semanalmente, realizar sessões de diálise.

54) O A. realiza sessões de diálise três vezes por semana (2.ª, 4.ª e 6.ª), das 18h00 às 22h30 – cf. doc. n.º ...8.

55) Mercê da sobredita referida insuficiência renal crónica com a implicada necessidade de realização de hemodiálise, que lhe confere a incapacidade plasmada no ponto 40), dos factos provados, e dos tratamentos a que se encontra sujeito, a condição física do A. é, no presente, débil e inspira cuidados de saúde constantes.

56) No que tange aos “mútuos” a que se alude em 4) e 5), que, como supra se deu como provado, no contexto a que se alude em 4) e 5), quanto aos seguros de vida associados ao conexos mútuos, regiam e vigoravam as condições gerais e especiais patenteadas nos autos a fls.366 a fls.369, naquele contexto, estabelecia-se no ponto 8. Das condições especiais do seguro em causa:

“8. SEGURO COMPLEMENTAR DE INVALIDEZ ABSOLUTA E DEFINITIVA

8.1. Garantias

Se um segurado/Pessoa Segura vier a invalidar-se absolutamente e definitivamente em consequência de doença ou acidente, ficará garantido por este seguro complementar o pagamento antecipado do capital do Seguro Principal que consta das Condições Particulares Certificado Individual.

(…)

8.2. Definição de Invalidez Absoluta e Definitiva (IAD)

O Segurado/Pessoa Segura é considerado em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando, em consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e, simultaneamente, na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida corrente e/ou apresentar um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a “Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais” oficialmente em vigor no momento do reconhecimento de invalidez.

Entende-se por acto elementar da vida corrente:

- Lavar-se: (…).

Alimentar-se: (…).

Vestir-se: (…).

Deslocar-se no local de residência habitual.

*

Aos termos do sobredito seguro/clausulado/apólice ...01, por força de uma alteração ajustada entre a T-Vida, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. (entretanto incorporada na Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., após alterada para Seguradoras Unidas, S.A., e depois para Generali Seguros, S.A.,), e o Banco 2..., S.A. (actualmente Banco 1..., S.A.), com data de outorga de 28 de Dezembro de 2006, mas com menção em epígrafe de “ALTERAÇÃO A PARTIR DE 01 de Janeiro de 2006”, e com menção no corpo do documento/acta, patenteado nos autos a fls.140-v, cujo conteúdo se dá por reproduzido, que “Faz parte integrante desta Apólice, a partir de Agosto de 2006”, alterou-se, em outras, o “artigo 8.2 das Condições Especiais dos Seguros Complementares do Seguro de Vida Grupo Contributivo”.

Assim, por força da alteração introduzida à apólice ...01, passou-se a dispor no referido ponto:

8.2. Definição de Invalidez Absoluta e Definitiva (IAD)

O Segurado/Pessoa Segura é considerado em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando, em consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e, simultaneamente, na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida corrente e desde apresente um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a “Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais” oficialmente em vigor no momento do reconhecimento de invalidez.

(….)

57) No que tange ao “mútuo” a que se alude em 15), no dia 14.06.2010, os Autores, na qualidade de Segurados, aderiram a um contrato de seguro de vida que tem como Tomador de Seguro e Beneficiário o então denominado Banco 2..., S.A. e como Seguradora a Ré GNB Vida, sendo que quanto ao seguro de vida associado ao conexo mútuo, regiam e vigoravam as condições da apólice n.º ...01 “SEGURO DE VIDA GRUPO TEMPORÁRIO CONTRIBUTIVO”, da “BES VIDA” (isto é, BES Vida - Companhia de Seguros S.A., que depois alterou a sua denominação social para GNB – Companhia de Seguros de Vida, S.A., e para, actualmente, Gamalife – Companhia de Seguros de Vida, S.A., patenteadas nos autos a fls.148 a fls.157, cujo conteúdo se dá por reproduzido, mormente as respectivas condições particulares patenteadas a fls.148-v a fls.152-v; bem como as condições gerais e especiais patenteadas nos autos a fls.153 a fls.157, sendo naquele contexto, estabelecia-se no ponto 8. Das condições especiais do seguro em causa:

“8. SEGURO COMPLEMENTAR DE INVALIDEZ ABSOLUTA E DEFINITIVA

8.1. Garantias

Se um segurado/Pessoa Segura vier a invalidar-se absolutamente e definitivamente em consequência de doença ou acidente, ficará garantido por este seguro complementar o pagamento antecipado do capital do Seguro Principal que consta das Condições Particulares Certificado Individual.

(…)

8.2. Definição de Invalidez Absoluta e Definitiva (IAD)

O Segurado/Pessoa Segura é considerado em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando, em consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e, simultaneamente, na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida corrente e desde que apresente um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a “Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais” oficialmente em vigor no momento do reconhecimento de invalidez.

Entende-se por acto elementar da vida corrente:

- Lavar-se: (…).

Alimentar-se: (…).

Vestir-se: (…).

Deslocar-se no local de residência habitual.

(….).

*

b) da Contestação do Banco 1..., S.A.:

58) Consta do formulário de adesão ao seguro de vida a que aderiram os autores no ano de 2010 (a que se alude, entre outros, no ponto 17), dos factos provados) que os AA. declaram expressamente “terem-lhes sido prestadas todas as informações relevantes para a subscrição do presente contrato, nomeadamente, as suas principais características e âmbito das garantias bem como os esclarecimentos exigíveis nos termos previstos no artigo 18º e 185º do DL 72/2008, de 19 de Abril.”

59) E, ainda, “terem tomado conhecimento e recebido a segunda via da Proposta de Subscrição e as Condições Contratuais e a informação sobre o Mediador de seguros prevista no Art.º 32 do Decreto-Lei n.º 144/2006 de 31 de Julho.”

C. da Contestação do SEGURADORAS UNIDAS, S.A. e GNB – COMPANHIA DE SEGUROS VIDA, S.A.:

60) Em 2012, o autor não estava acometido de “insuficiência renal grave crónica com hemodiálise”, antes com alterações na função renal (sem hemodiálise ou incapacidade para o seu trabalho) que acabou por evoluir com o tempo para aquela “insuficiência renal grave crónica”, com necessidade de hemodiálise.

*

Factos não provados:

 

a) Da petição inicial

(…)

40.º - No presente, não exerce qualquer atividade remunerada.

41.º- Não aufere rendimentos do trabalho.

Conexamente, a matéria do artigo 83.º (Possui, no presente, um rendimento mensal inferior ao que possuía antes de ser declarado incapaz e auferir pensão de invalidez, na qualidade de pensionista).

73.º - Quando o A. celebrou os contratos de seguro, conexionados aos contratos de mútuo, fê-lo, efetivamente, convencido de que os mesmos poderiam, e deveriam, ser acionados quando falecesse ou padecesse de uma incapacidade absoluta e definitiva que o impossibilitasse de exercer uma atividade remunerada, e solver, sem dificuldade, aos compromissos assumidos. Na verdade,

74.º - Se assim não fosse, nunca o AA. teriam celebrado os contratos de mútuo bancário com a 1.ª Ré. Realmente,

*

III - Do Direito

 

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Verificação do conceito de Invalidez Absoluta e Definitiva.

- Em caso positivo, suas consequências.

 

2. Os Recorrentes impugnam a decisão da matéria de facto, relativamente aos factos não provados 40º, 41º, 73º, 74º e 83º da p.i., pretendendo que eles passem a provados, com base no depoimento da testemunha CC, conjugado com as respostas dadas aos factos provados 41) a 45), e declarações de parte do A., conjugado com outros factos provados e não provados elencados na sentença recorrida, que indicam (cfr. conclusões de recurso 8ª a 13ª).

Na sentença apelada exarou-se a seguinte motivação, em relação a tal matéria:

“Deu-se como não provada a matéria dos artigos 40.º e 41.º, da petição inicial, ou seja, não provado que, no presente, o autor não exerce qualquer atividade remunerada, pelo que não aufere rendimentos do trabalho, dado que se entende que, neste ponto, a prova produzida é escassa e pouco segura no sentido de permitir uma aferição segura (e conexamente a matéria do artigo 83.º).

Sabemos, é certo, que o autor está incapaz para o exercício da sua profissão (os sobreditos pareceres e perícias médicas assim o concluíram) e que faz hemodiálise três vezes por semana.

Porém, nem a Junta Médica que avaliou a sua incapacidade no contexto da Segurança Social, nem o sr. perito médico nomeado nestes autos concluíram que o autor está incapaz para toda e qualquer profissão.

Sublinhado isto, relativamente ao facto de, actualmente (à data da entrada da acção, bem entendido; sem prejuízo de juízo de actualidade aos dias de hoje), o autor não exercer qualquer actividade remunerada, em rigor, apenas a filha do autor se pronunciou ao de leve em audiência (a testemunha CC).

Referiu que a pensão é o único rendimento do pai.

Não soou particularmente convincente nem totalmente explícita quanto ao facto de o pai não trabalhar. Apesar de acompanhar a vida dos pais com regularidade (não se dúvida), fá-lo dalguns anos a esta parte à distância, já que reside em .../Distrito ..., o que prejudica a sua razão de ciência.

Sem prejuízo, não podemos olvidar que a testemunha em causa é filha dos autores.

Em suma, o tribunal entende que a prova produzida a esse respeito não foi segura (tendo a discussão sido muito curta).

Impunha-se no sentido de dotar o tribunal de maior segurança que a prova fosse mais ampla e isenta (estranha-se que nenhuma outra testemunha indicada pelos autores tenha dito claramente que o autor não trabalha ou nada faz profissionalmente).

É certo que igualmente também não ficou minimamente demonstrado que o autor exerça qualquer actividade remunerada (absolutamente nenhum indício ou testemunha o corroborou).

Ainda assim, afigurou-se curta e ligeira a produção de prova no sentido de se dar como provado o alegado pelo autor.

X

Deu-se como não provada a matéria alegada nos artigos 73.º e 74.º, da PI, ou seja, que quando o A. celebrou os contratos de seguro, conexionados aos contratos de mútuo, fê-lo, efetivamente, convencido de que os mesmos poderiam, e deveriam, ser acionados quando falecesse ou padecesse de uma incapacidade absoluta e definitiva que o impossibilitasse de exercer uma atividade remunerada, e solver, sem dificuldade, aos compromissos assumidos.; e que, se assim não fosse, nunca o AA. teriam celebrado os contratos de mútuo bancário com a 1.ª Ré, considerando que nenhuma prova esclarecedora foi feita nessa sentido.

Com efeito, nenhuma testemunha se referiu a tais pontos.

Mesmo o autor, ouvido em sede de esclarecimentos aquando da prestação do depoimento da testemunha LL (em jeito de acareação), não abordou propriamente a matéria em causa.

Daí dar-se como não provada a conexa matéria.”.

2.1. Em relação aos factos não provados da p.i., 40º, 41º, e 83º, ouvimos o depoimento da filha do A. CC, gravado em CD.

A mesma, perguntada sobre se o pai só tem rendimentos da reforma, respondeu sim. Perguntada se além desse rendimento, o seu pai não tem mais nenhum respondeu não.

Cremos que o tribunal a quo decidiu bem, pelos motivos que exarou, pois perante as únicas e singelas respostas de “sim” e “não”, não é possível firmar-se com convicção sustentada e segura a matéria que se pretendia provar, despida de qualquer outro elemento probatório adjuvante.

Também não colhe o argumento da resposta necessariamente positiva a tal matéria face à prova dos factos 41) a 45), pois estes não arrastam aqueles, já que a circunstância de o A. ter trabalhado como sócio-gerente, auferir nela determinada retribuição, estar impedido de exercer tal função, e ter-lhe sido atribuída pensão de invalidez, com determinado valor, não implica, como é óbvio e é do conhecimento de todos nós, que não possa exercer outra actividade remunerada.   

Não procede, pois, a impugnação nesta parte,

2.2. Quanto aos factos não provados da p.i. 73º e 74º, independentemente da motivação do julgador de facto, eles acabam por não relevar no nosso caso concreto, pois não se discute aqui eventual anulação do mútuo bancário ou das apólices de seguro por erro do A., bem pelo contrário, já que ele pretende prevalecer-se delas para se libertar das suas responsabilidades bancárias e de seguro.

Ora, é apodíctico que a impugnação da matéria de facto consagrada no art. 640º do NCPC não é uma pura actividade gratuita ou diletante.

Se ela visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados, ela tem, em última instância, um objectivo bem marcado. Possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada ou não provada, para que, face à eventual nova realidade a que se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. Isto é, que o enquadramento jurídico dos factos tidos por provados ou não provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada.  

Assim, se por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante ou insuficiente para a solução da questão de direito e para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois nesse caso mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo factual anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente destituído de eficácia, por não interferir com a solução de direito encontrada e com a decisão tomada.

Por isso, nestes casos de irrelevância ou insuficiência jurídica, a impugnação da matéria de facto não deve ser conhecida sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente (vide Ac. desta Relação de 12.6.2012, Proc.4541/08.3TBLRA, em www.dgsi.pt).

Isto porque, a alteração da matéria de facto, nos pontos precisos que forem impugnados será irrelevante, insuficiente ou desnecessária se nenhuma interferência tiver na dita solução de direito.

No nosso caso verifica-se que o conhecimento dos mencionados factos acaba por ser desnecessário, por não terem importância para o recurso dos AA e para a solução jurídica da causa. A provarem-se tais factos, eles, em concreto, não são relevantes, por si, para influírem na decisão final do recurso e do mérito da causa.

Considerando o explicitado, e tendo em conta que a impugnação de facto deduzida pelo A. visa factualidade que acaba por se tornar dispensável para a sorte do seu recurso, então a referida impugnação, relativamente à apontada factualidade não tem de ser conhecida.

3. Na sentença recorrida escreveu-se que:

vi. Da densificação do conceito de Invalidez Absoluta e definitiva;

Sendo, assim, de afastar o plasmado conceito, a pergunta que a seguir se coloca é, então, com que conceito operativo de INCAPACIDADE ABSOLUTA E DEFINITIVA ficamos?

Ora, importa, subsequentemente, densificar um conceito de Invalidez Absoluta e definitiva a que possamos lançar mão (operativo) e, a final, julgar ou não verificado o inerente risco.

O caminho metodológico a seguir é indagar o sentido normal daquela previsão contratual, na senda da integração e interpretação da declaração negocial, a qual, como é consabido, nos termos do artigo 236.º, deverá valer com o sentido que um declaratório normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (vide os artigos 236.º a 239.º do C.C., conjugadas com os artigos 7.º 10.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 15 de Outubro, respeitante às Cláusulas Contratuais Gerais).

Este artigo consagra, na primeira parte, a denominada teoria da impressão do destinatário. Dele resulta que o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante.

O que deve, pois, àquela luz ser considerado como Invalidez Absoluta e Definitiva (IAD) para efeitos de acionamento do contrato de seguro subjacente a um contrato de mútuo, onde figura como beneficiário irrevogável a instituição bancária que concedeu o crédito aos AA:

Defendem-se, na jurisprudência, essencialmente duas noções:

Segundo alguns acórdãos, uma invalidez absoluta e definitiva será, para um declaratário normal, um estado da pessoa que o deixa totalmente incapaz, para o resto da vida, de exercer a sua actividade, designadamente laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência.

Segundo outra orientação jurisprudencial, sendo o risco coberto, para além da morte, a invalidez absoluta definitiva, mesmo não havendo especificação do conceito dessa invalidez, o declaratário médio e medianamente sagaz, não pode deixar de entender que a mesma se refere a todo e qualquer trabalho que não apenas ao trabalho habitual do segurado. (cf., neste sentido, Acórdão do STJ de 19-06-2018, relatado por PAULO SÁ, disponível no referido site).

São, pois, aquelas duas noções que nos interpelam.

É, porém, este último conceito que a jurisprudência vem considerando de forma prevalecente, como nos dá conta o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-03-2021, relatado por GRAÇA AMARAL, disponível naquele site, onde pode ler-se “ao eliminar-se tal segmento da referida cláusula a definição de invalidez absoluta e definitiva para efeitos do contrato reconduz-se às situações em que, como consequência de doença, o segurado fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada”

Em nota de pé-de-página acrescenta-se “trata-se, aliás, de conceito que, na ausência da sua definição contratual, a jurisprudência tem vindo pacificamente a considerar.

Da nossa parte, sem desconsideração dos sobreditos dois caminhos hermenêuticos, ambos igualmente defensáveis (sendo que a inclinação do signatário, entre os dois, pende para o segundo por se afigurar ser aquele que em princípio atinge imediatamente um declaratário normal), e conquanto até possamos como ponto de partida utilizar aquele tal conceito orientador (base) que equipara (pelo menos) a definição de invalidez absoluta e definitiva às situações em que, como consequência de doença, o segurado fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada (independentemente das percentagens de incapacidade ou da dependência de terceira pessoa), cremos ser de seguir uma orientação porventura não tão rígida, mas mais maleável e adaptável à casuística própria de cada concreta situação, afigurando-se preferível a adopção de uma concepção que atende na sua globalidade ao tipo de doença em causa, as limitações dela decorrentes para a pessoa em concreto, considerando as suas qualificações profissionais, a sua anterior profissão, as reais e efectivas possibilidades de reconversão, porventura o seu salário prévio à patologia em causa e as reais e concretas possibilidade de atingir, por via da reconversão (se viável) um salário equiparado, próximo ou afastado, para no fundo se perceber se aquela concreta doença de que padece o segurado/com aquelas concretas limitações, face às suas concretas qualificações e capacidades remanescentes, induz irremediavelmente a uma perda sensível das suas reais capacidades de ganho e de gerar rendimento, no fundo até para fazer face ao serviço das dívidas que contraiu e que segurou (pense-se no caso de um futebolista com elevados rendimentos a quem é diagnosticada uma doença que o impede de esforços físicos do tipo que se exigem a um jogador de alta competição, mas que mantém capacidade residual para outras profissões – neste caso, realisticamente, não se vislumbrando uma profissão alternativa que realisticamente possibilite rendimentos análogos ou próximos – havemos de concluir pela existência de uma situação de incapacidade absoluta e definitiva. Pense-se nos exemplos clássicos do cirurgião ou pianista que são acometidos de patologias que os impossibilitam ou limitam no uso das mãos. Em princípio, nestes casos, a reconversão profissionais (se possível) não conduzirá a uma situação sequer remotamente próxima em termos de possibilidade de ganhos. Também aí existirá Incapacidade Absoluta e definitiva).

É esta orientação/ponderação casuística, que se perfilha, que se plasma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-02-2020, relatado pelo relator RICARDO COSTA, disponível no mesmo site, onde se pode ler :“Não existindo uma definição legal, o percurso definidor desse conceito de invalidade permanente tem que considerar as condicionantes aludidas, assumindo natural destaque o interesse (e finalidade racional) do contrato de seguro e o contexto de coligação imposta com os contratos de financiamento. Logo, a nosso ver, não pode deixar de assentar, na sua base, numa deficiência física e/ou intelectual que, não obstante os cuidados, os tratamentos e os acompanhamentos, clínicos e reabilitadores, realizados depois do sinistro, subsiste a título definitivo em sede anatómica-funcional e/ou psicossensorial. Depois, implica esse trilho precisar que esse estado deficitário, independentemente do seu nível ou grau ou percentagem de incapacidade (desde que não seja residual ou insignificante), teve consequência (enquanto impacto decisivo) na alteração ou modificação do estado de vida, pessoal e profissional, anterior ao sinistro. Para esse juízo sobre o reflexo do sinistro, há que ter em conta, numa ponderação múltipla e não individualmente exclusiva, nomeadamente, a actividade anteriormente desenvolvida como fonte de rendimentos, a idade e o tempo restante de vida activa profissional, a perda de independência psico-motora, o tipo de doença ou restrição de saúde, as habilitações e capacidades literárias e profissionais da pessoa segura e a possibilidade de reconversão para actividade compatível com essas habilitações e capacidades com igual ou aproximada medida de rendimentos, sempre com enquadramento na situação remuneratória concreta (e projecção na “capacidade de ganho”) do segurado após a estabilização das sequelas do sinistro.

É relevante a invalidez, por isso, que, em concreto, se traduz em restrições que, atendendo aos esforços, capacidades e qualificações específicas da profissão exercida, inviabilizam sem mais a manutenção da profissão ou outra com rendimentos equiparáveis, mesmo que sem necessária articulação com os constrangimentos que frustrem a conservação das tarefas da vida diária com a autonomia apresentadas no momento pré-sinistro. De facto, nela se encontram os requisitos da permanência ou definitividade na afectação da capacidade de ganho que cumprem o interesse do contrato de seguro. Já não será assim, por exemplo, quando o sinistro provoca uma incapacidade elevada para o trabalho mas a subsequente reconversão profissional para outras tarefas na mesma entidade patronal não conduz a alteração remuneratória”

Ora, no caso, com vista à aplicação daquele modelo hermenêutico ao caso, perscrutando no acerco factual, sabemos que:

- Em 11/07/2017, foi atestado que o A. marido é portador da deficiência “insuficiência renal grave crónica com hemodiálise”, conforme consta do Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, datado de 11/07/2017, junto como doc. n.º ...2, patenteado nos autos a fls.55-v, do p. físico e que aqui se dá por integralmente reproduzido;

Mercê daquela insuficiência, foi atribuída ao A. (e o autor padece de) uma “incapacidade permanente global” de 70% (setenta por cento), de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, sendo que na base daquele atestado multiusos está um relatório médico e deliberação (patenteados nos autos a fls.289 a fls.291-v) – que concluiu que o autor se encontrava numa situação de incapacidade permanente relativamente à sua profissão.

Mercê ainda daquela insuficiência renal crónica com necessidade de hemodiálise, o autor apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica valorizável em 60,00 pontos, avaliado de acordo com a tabela nacional de incapacidades em direito civil.

Sabemos igualmente que o autor está incapaz para o exercício da sua profissão habitual.

- O A. era sócio-gerente na sociedade comercial J..., Lda., NIPC ..., conforme doc. n.º ...3 e ...4.

Auferia a retribuição mensal líquida de € 534,00 (quinhentos e trinta e quatro euros);

Fruto da insuficiência renal crónica com necessidade de hemodiálise de que veio a padecer e padece, o A. deixou de ter condições físicas e anímicas para exercer o cargo de sócio-gerente, tendo procedido à renúncia à gerência e à cessão das quotas que detinha naquela sociedade, identificada em cf. doc. n.º ...4).

Foi-lhe deferida pensão de invalidez, com data de início em 30/08/2017, passando da situação de trabalhador para a de pensionista, nos termos do documento emitido pelo Instituto da Segurança Social, IP – Centro Nacional de Pensões, datado de 13/10/2017;

O valor da pensão de invalidez é de € 311,47 (trezentos e onze euros e quarenta e sete cêntimos);

Como se disse, sabemos que o autor está incapaz para o exercício da sua profissão habitual.

Como sabemos que o autor apenas poderá desempenhar actividades remuneradas/profissões que não envolvam esforços físicos e compatíveis com o seu estado de saúde.

Não logrou, todavia, o autor provar que está incapaz para toda e qualquer profissão.

Tem, portanto, apuradamente, uma incapacidade relativa.

Não logrou o autor demonstrar que não é viável uma espécie de reconversão profissional ou o exercício de uma actividade alternativa à que tinha e que possa gerar rendimentos compatíveis com os que tinha anteriormente (provou-se que auferia a retribuição mensal líquida de € 534,00 (quinhentos e trinta e quatro euros)).

Não podemos dizer que anteriormente auferisse rendimentos muito elevados (face aos provados) que dificilmente e comprovadamente são insusceptíveis de serem alcançados através de uma profissão ainda ao alcance do autor.

Não ficou de demonstrado que inexista no mercado de trabalho qualquer profissão que o autor possa e tenha habilitações para exercer (que não impliquem esforços físicos) que lhe consinta rendimentos similares aos anteriores auferidos.

Era ao autor a quem cabia alegar e provar (em alternativa) que: a) estava incapaz para toda a qualquer profissão (alegou, mas não provou), b) ou que em alternativa, tratando-se de uma incapacidade relativa, estando apenas incapaz para o exercício da sua profissão habitual, como é o caso, não está capaz do exercício de qualquer outra profissão que lhe consinta rendimentos similares aos anteriormente percepcionados (neste ponto, a matéria alegada e apurada não consente grandes ilações – sendo ao autor a quem cabia o conexo ónus).

Razão pela qual não se tem por verificado o alegado conceito/cobertura de Invalidez Absoluta e definitiva.”.

Os apelantes discordam (pelas razões constantes das suas conclusões de recurso 1ª a 7ª e 14ª a 23ª). Cremos que têm razão. Analisando.

Relembre-se que as cláusulas contratuais gerais dos contratos de seguro, relativamente à cobertura de Invalidez Absoluta e Definitiva (IAD) – conforme exigência do Banco mutuante -, foram declaradas nulas e também foram excluídas, não se podendo, pois, operar com as definições delas constantes. Subsistiu, assim, a necessidade de apreciação do que enformará conceptualmente uma IAD, despida da aludida definição, de acordo com a interpretação de um declaratário normal.

Esta apreciação passa, decisivamente, pela análise da jurisprudência sobre o tema.

Os recorrentes esgrimem com os acórdãos do STJ de 9.7.2014, Proc.360/08.5TVLSB, e de 2.6.2015, Proc.109/13.0TBMLD, disponíveis em www.dgsi.pt., mas que são de desconsiderar, pois incidem sobre situação diferente, sobre Incapacidade Total e Permanente (IPT).

Relativamente à IAD, notam-se essencialmente 3 orientações.  

Uma, segundo a qual a referida invalidez tem que ser um estado de uma pessoa que a incapacite, completa e definitivamente, de exercer a sua profissão, como actividade remunerada. Orientação que rejeitamos, pois a incapacidade para o exercício da sua profissão não é incapacidade para o exercício de outras profissões.

Outra, de sentido oposto, de acordo com a qual uma invalidez absoluta e definitiva será um estado da pessoa que o deixa totalmente incapaz, para o resto da vida, de exercer a sua actividade, designadamente laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência. Isto é, não pode deixar de entender-se que a mesma se refere a todo e qualquer trabalho que não apenas ao trabalho habitual do segurado – neste sentido vão os Acds. do STJ de 29.3.2011, Proc. 313/07.0TBSJM, de 19.6.2018, Proc.2300/15.6T8PNF, e de 2.3.2021, Proc. 2615/18.1T8VRL, disponíveis no referido site.  

Uma terceira, digamos intermédia, mais maleável e flexível, adaptável à casuística própria de cada concreta situação, em que se atenda, nomeadamente, ao tipo de doença em causa, as limitações dela decorrentes para a pessoa em concreto, as suas qualificações profissionais, a sua anterior profissão, as reais e efectivas possibilidades de reconversão, incluindo o seu salário prévio à patologia em causa e as reais e concretas possibilidade de atingir, por via da reconversão, se viável, um salário equiparado, próximo ou afastado, para se perceber se aquela doença, aquelas concretas limitações, face às suas concretas qualificações e capacidades remanescentes, provoca irremediavelmente uma perda sensível das suas reais capacidades de ganho e de gerar rendimento, para fazer face ao serviço da dívida que contraiu e que segurou – neste sentido vão os Acds. do STJ de 29.4.2010, Proc.5477/06.8TVLSB e de 27.2.2020, Proc.125/13.2TVPRT, disponíveis no mesmo site.  

É esta última a orientação que preferimos e que subscrevemos.

Há que verificar agora os factos apurados. Sabemos que: em 11.7.2017, foi atestado que o A. marido é portador da deficiência “insuficiência renal grave crónica com hemodiálise”, conforme consta do Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, da mesma data; mercê daquela insuficiência, foi atribuída ao A. (e o autor padece de) uma “incapacidade permanente global” de 70%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, sendo que na base daquele atestado multiusos está um relatório médico e deliberação que concluiu que o autor se encontrava numa situação de incapacidade permanente relativamente à sua profissão; mercê ainda daquela insuficiência renal crónica com necessidade de hemodiálise, o autor apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica valorizável em 60 pontos, avaliado de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil; que o A. está incapaz para o exercício da sua profissão habitual de sócio-gerente na J..., Lda., e onde tinha tarefas inerentes a vendedor (vide o doc. da Seg. Social de fls. 289 v.), e onde auferia a retribuição mensal líquida de 534 €; fruto da insuficiência renal crónica com necessidade de hemodiálise de que veio a padecer e padece, o A. deixou de ter condições físicas e anímicas para exercer o cargo de sócio-gerente, tendo procedido à renúncia à gerência e à cessão das quotas que detinha naquela sociedade, tendo-lhe sido deferida pensão de invalidez, com data de início em 30.8.2017, passando da situação de trabalhador para a de pensionista, nos termos do documento emitido pela Seg. Social, datado de 13.10.2017, sendo o valor da pensão de invalidez de 311,47 €; fruto da incapacidade de que padece, o A. necessita de, semanalmente, realizar sessões de diálise, realizando-as 3 vezes por semana (2ª, 4ª e 6ª), das 18h às 22h30; mercê da sobredita referida insuficiência renal crónica com a implicada necessidade de realização de hemodiálise, que lhe confere a incapacidade atrás referida, e dos tratamentos a que se encontra sujeito, a condição física do A. é, no presente, débil e inspira cuidados de saúde constantes.

Ora se está provado que o A. apenas poderá desempenhar actividades remuneradas/profissões que não envolvam esforços físicos e compatíveis com o seu estado de saúde, a verdade é que todo o quadro acabado de descrever inculca, para um declaratário normal, a interpretação e conclusão que o A. está numa situação de invalidez absoluta e definitiva.

Não se afigurando possível, num juízo de prognose, que se possa afirmar que o A. tem possibilidades de fazer uma real reconversão profissional ou o exercício de uma actividade alternativa à que tinha e que possa gerar rendimentos compatíveis com os que tinha anteriormente. Trata-se de pessoa com 51 anos de idade, portadora de insuficiência renal grave e crónica com hemodiálise, com uma incapacidade permanente global de 70%, incapaz permanentemente para a sua profissão,  que auferia a retribuição mensal líquida de 534 €, tendo deixado de ter condições físicas e anímicas para exercer o cargo de sócio-gerente, tendo-lhe sido deferido pensão de invalidez, desde 8.2017, no valor de 311,47 €, sendo que fruto da incapacidade de que padece, o A. necessita de, semanalmente, realizar sessões de diálise, realizando-as 3 vezes por semana (aos dias úteis de 2ª, 4ª e 6ª), e mercê da sobredita insuficiência renal crónica com a implicada necessidade de realização de hemodiálise, que lhe confere a incapacidade atrás referida, e dos tratamentos a que se encontra sujeito, apresenta condição física que é no presente, débil e inspira cuidados de saúde constantes.  

Razão pela qual se tem por verificado o alegado conceito/cobertura de IAD.

Procede o recurso nesta parte, quanto ao pedido formulado em 2.

4. No respeitante à ultima questão recursiva, considerando a resposta acabada de dar ao ponto 3, vejamos as suas implicações financeiras.

Quanto ao pedido formulado em 3., considerando o facto provado 35), a 2ª R. tem de indemnizar os AA nos termos contratuais, entregando ao 1º R. o capital em dívida, referente aos contratos de mútuos atrás identificados, ou seja, a quantia de 63.826,63 €.

Quanto ao pedido formulado em 4. considerando o facto provado 35) a 3ª R. tem de indemnizar os AA nos termos contratuais entregando, ao 1º R. o capital em dívida referente ao contrato de mútuo atrás identificado, ou seja, a quantia de 36.020,03 €.

Nestes 2 pedidos, vêm reclamados juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde 1.8.2017. Contudo, não se vê como, pois o Banco 1..., S.A. não só os não peticionou, como a serem devidos isso só ocorrerá depois do trânsito em julgado da presente decisão que ordena a referida entrega e mesmo assim só após interpelação do Banco 1..., S.A. às 2º e 3ª RR (arts. 805º, nº 1, e 806º, nº 1 e 2, do CC).

Referente ao pedido formulado em 5., atento o facto provado 51), a 1ª R. tem de reembolsar os AA das prestações que foram obrigados a depositar nesse Banco, desde Agosto de 2017 até Fevereiro de 2018, em cumprimento dos contratos de mútuo, no montante total de 3.924,99 €, bem como, das que lhes possam vir a ser exigidas, até efetivo e integral pagamento do capital em dívida.

Respeitante ao pedido formulado em 6., atento o facto provado 52), as 2ª e 3ª RR têm de reembolsar os AA dos valores debitados desde Agosto de 2017 até Fevereiro de 2018, a título de prémios de seguro, da quantia de 637,03 €, bem como das que lhe possam vir a ser exigidas até efetivo e integral pagamento das quantias peticionadas. 

Também aqui, nestes 2 pedidos, vêm pedidos juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde 1.8.2017. Porém, o devedor só fica constituído em mora, depois da interpelação judicial ou extrajudicial. Não se demonstrando esta última mas apenas aquela só são devidos os peticionados juros desde a data da citação para a acção, o que ocorreu, em 15.3.2018 (vide fls. 102), relativamente à 1ª R., e em 13.3.2018 (vide fls.100/101) relativamente às 2ª e 3ª RR (arts. 805º, nº 1, e 806º, nº 1 e 2, do CC). 

(…)

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, assim se revogando parcialmente a decisão recorrida, e, em consequência, além do sentenciado, condena-se:

a) a 2ª e a 3ª RR no reconhecimento da invalidez total e definitiva do A. marido, desde 11 de Julho de 2017;

b) a 2ª R. a indemnizar os AA nos termos contratuais, entregando, à 1ª R. o capital em dívida, referente aos contratos de mútuos identificados, ou seja, a quantia de 63.826,63 €;

c) a 3ª R. a indemnizar os AA nos termos contratuais entregando, nomeadamente, à 1ª R. o capital em dívida, referente ao contrato de mútuo identificado, ou seja, a quantia de 36.020,03 €;    

d) a 1ª Ré a reembolsar os AA das prestações que foram obrigados a depositar nesse Banco, desde Agosto de 2017 a Fevereiro de 2018, em cumprimento dos contratos de mútuo, no montante total de 3.924,99 €, bem como, das que lhes possam vir a ser exigidas, até efetivo e integral pagamento do capital em dívida e respetivos juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde 15.3.2018 e até integral pagamento;

e) a 2ª e 3ª Rés a reembolsar os AA. dos valores debitados desde Agosto de 2017 até Fevereiro de 2018, a título de prémios de seguro, da quantia de 637,03 €, bem como das que lhe possam vir a ser exigidas até efetivo e integral pagamento das quantias peticionadas, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde 13.3.2018 e até integral pagamento.

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Custas da acção a cargo dos AA e das RR na proporção, face ao vencimento/sucumbência.

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                                                                                     Coimbra, 10.1.2023

Moreira do Carmo

Fonte Ramos

Alberto Ruço