Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1367/10.8T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: ARRENDAMENTO
LEI APLICÁVEL
TRANSMISSÃO DO ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO POR MORTE DO LOCATÁRIO
Data do Acordão: 10/04/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE MÉDIA E PEQ. INSTÂNCIA CÍVEL DE AVEIRO.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 26º, Nº2, 27º, 28º, 57º, 59º, Nº1 DA NRAU (LEI Nº 6/2006, DE 27/02).
Sumário: I - Nos termos do nº 1 do art. 59º da Lei n.º 6/2006, de 27/02, lei que aprova o NRAU (art. 1º), este aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, “bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”.

II - Uma destas normas aplicáveis é o art. 57º do NRAU que estabelece, em norma transitória de direito material, o regime específico da transmissão por morte nos arrendamentos para habitação celebrados antes da vigência do RAU (art.s 26º, nº 2, 27º, 28º e 59º, nº 1, parte final, todos do NRAU).

III - Estabelece o art. 57º, nº 1, alínea e) do NRAU: “o arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva filho ou enteado maior de idade, que com ele convivesse há mais de um ano, portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%”.

IV - Analisada esta norma, verificamos que são requisitos da transmissão do arrendamento para efeitos da dita alínea e) do nº 1 do art. 57º do NRAU: a) – ser o filho maior de idade (para usarmos as palavras da lei); b) – ter o filho convivido com o primitivo arrendatário por mais de um ano; c) – ser o filho portador de deficiência com grau de incapacidade superior a 60%.

Estes requisitos são de verificação cumulativa.

V - Tendo o contrato de arrendamento sido celebrado em Maio de 1976 e tendo o seu arrendatário falecido em 22 de Julho de 2009, ou seja, já na vigência do NRAU (que entrou em vigor, nos termos do n.º 2 do seu art. 65º, a 27 de Junho de 2006), nos termos do nº 1 do artº 59º da Lei n.º 6/2006, de 27/02, que aprova o NRAU, este aplica-se ao dito contrato - “O NRAU aplica-se…bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”.

Decisão Texto Integral:

                Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I

                Na Comarca do Baixo Vouga – Juízo de Média e Pequena Instância Cível de Aveiro, M…, residente na Rua …, e D…, residente na Rua …,

intentaram a presente acção declarativa, com processo sumário, contra R… e marido H…, residentes na Rua …,

pedindo a condenação destes a reconhecer o direito de propriedade e a posse das AA. sobre os prédios identificados nos pontos 1º e 2º da petição inicial e a procederem à entrega imediata desses prédios às AA, livres e devolutos de pessoas e de bens.

Para o efeito e muito em resumo, alegaram que são donas e legítimas possuidoras, em comum e sem determinação de parte, do prédio urbano, destinado exclusivamente a habitação, composto de casa de um pavimento e logradouro, sito na Rua …, inscrito na matriz respectiva da freguesia …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº…, e, ainda, do prédio rústico, sito na Rua …, inscrito na matriz respectiva da freguesia de …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ...

Que o prédio urbano foi dado de arrendamento a A…, em 06/05/1976, pelo período de um ano, renovável por igual período.

Que este arrendatário faleceu a 22/07/2009 e não residia, na altura, no prédio arrendado, que era habitado pelos RR. e pelo seu agregado familiar.

Que o dito contrato de arrendamento caducou com a morte do referido arrendatário, não existindo nenhum título que legitime a fruição do imóvel pelos RR..

Que as AA solicitaram aos RR a entrega do imóvel, o que até ao presente ainda não sucedeu, continuando estes a habitarem o local referido, razão da presente demanda.

Que o marido da 1ª A. permitiu, por mero favor e gratuitamente, que o referido A… cultivasse o prédio identificado no ponto 2º da petição inicial.

Que os RR. cultivam o terreno sem qualquer título que legitime a sua fruição e que impedem as AA de utilizarem esse terreno, apesar das entregas do dito solicitadas pelas AA aos RR..


II

Contestaram os RR., alegando, muito em resumo, que a Ré sempre viveu com o pai no local arrendado, desde à mais de 45 anos, pelo que, por morte deste, o direito ao arrendamento transmitiu-se à Ré, sua filha, conforme comunicação oportunamente feita à senhoria.

E excepcionam o abuso do direito por as AA. terem instaurado a presente acção de despejo apesar de terem emitido os recibos de renda dos meses de Março a Setembro de 2010, após lhes ter sido comunicado, em Fevereiro de 2010, o falecimento do primitivo arrendatário, o que significa que aceitaram a transmissão do arrendamento.

Que o prédio identificado em 2 mais não é do que o quintal da casa e faz parte integrante do arrendamento.

Terminaram pedindo a improcedência da acção e a absolvição os RR do pedido.


III

Responderam as AA., alegando que os recibos referidos pelos RR foram emitidos em nome de A… e que o recebimentos dessas rendas não constitui uma aceitação da transmissão do arrendamento para os RR, mas apenas o recebimento de uma compensação pela ocupação do espaço.

Mantiveram o seu pedido inicial.


IV

                Terminados os articulados foi proferido despacho saneador-sentença, no qual foram verificados todos os necessários pressupostos à tramitação da presente acção, depois do que foi decidido julgar procedente a acção e condenar os RR a entregarem às AA. os prédios que ocupam, identificados em 1 e 2 dos factos provados, livres e devolutos, de pessoas e bens, no prazo de 15 dias após o trânsito em julgado da sentença.


V

                Dessa sentença interpuseram recurso os RR, recurso que foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

                Nas alegações que apresentaram os Apelantes concluíram do seguinte modo:

...


VI

                Contra-alegam as AA/Apeladas, defendendo a improcedência do recurso e a confirmação da sentença recorrida.


VII

                Nesta Relação foi aceite o recurso interposto, tal como foi admitido em 1ª instância, nada obstando ao conhecimento do seu objecto, o qual se pode resumir à apreciação da questão das seguintes questões:

A – Determinação da lei substantiva aplicável à situação discutida na acção – a eventual transmissão por morte do direito ao arrendamento do prédio em causa aos RR..

B – Se ocorre ou não a caducidade desse arrendamento, por morte do primitivo arrendatário, o pai da Ré.

C – Se se verifica ou não abuso de direito por parte das AA ao proporem a presente acção, depois de terem emitido recibos de rendas entre Março e Setembro de 2010.

                Para podermos apreciar tais questões importa, antes de mais, que enunciemos a matéria de facto a ter em conta, matéria essa que é a considerada na sentença recorrida, à qual nenhuma impugnação foi apresentada pelos Recorrentes e nem se alcançam razões para a sua alteração oficiosa.

                É ela, pois, formada pelos seguintes pontos, tal como constam da sentença recorrida:    

                Com este conjunto de factos, a sentença recorrida condenou os RR a fazerem a entrega do locado e do terreno agrícola em causa às AA, com base na seguinte argumentação:

O arrendamento foi celebrado a 6 de Maio de 1976. Portanto, ao que para aqui interessa, muito antes da entrada em vigor do RAU aprovado pelo art. 1.º do DL n.º 321-B/90, de 15/10, que entrou em vigor a 18/11/1990.

O arrendatário A… faleceu a 22 de Julho de 2009, ou seja, já na vigência do NRAU, que entrou em vigor, nos termos do n.º 2 do seu art. 65º, a 27 de Junho de 2006.

Nos termos do n.º 1 do art. 59º da Lei n.º 6/2006, de 27/02, que aprova (art. 1.º) o NRAU, este aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, “bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”.

Uma destas normas aplicáveis é o art. 57º do NRAU que estabelece, em norma transitória de direito material, o regime específico da transmissão por morte nos arrendamentos para habitação celebrados antes da vigência do RAU (art.s 26º, n.º 2, 27º, 28º e 59º, n.º 1, parte final, todos do NRAU).

Cumpre-nos definir o sentido e alcance daquele art. 57º do NRAU.

A regra da caducidade, por morte do arrendatário, do arrendamento de prédios urbanos para habitação admite, desde há muito tempo, excepções a possibilitar a transmissão da posição contratual do arrendatário falecido para elementos do núcleo familiar deste.

Ao que importa agora, estabelece o art. 57º, n.º 1, alínea e) do NRAU: “o arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva filho ou enteado maior de idade, que com ele convivesse há mais de um ano, portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%”.

Primitivo arrendatário é aquele que dá origem à cascata de devoluções”. Ou seja, no nosso caso, o pai da Ré.

Analisada a norma, verificamos que são requisitos da transmissão do arrendamento para efeitos da alínea e) do n.º 1 do art. 57º do NRAU: a) – ser o filho maior de idade (para usarmos as palavras da lei); b) – ter o filho convivido com o primitivo arrendatário por mais de um ano; c) – ser o filho portador de deficiência com grau de incapacidade superior a 60%.

Estes requisitos são de verificação cumulativa.

O regime do art. 57º do NRAU, como bem observa L.M. Teles de Menezes Leitão, facilita a transmissão, por morte do arrendatário, no arrendamento para habitação, em relação ao regime anterior, designadamente: a) – pelo que respeita ao requisito negativo de o arrendatário não ter outra habitação na localidade, antes previsto no art. 86º do RAU; b) – quanto à possibilidade de poder haver segunda transmissão, agora consentida pelo n.º 4 do art. 57º do NRAU. Mas, restringe-a na última parte da alínea e) do n.º 1.

O n.º 2 do art. 57º do NRAU nada mais faz que estabelecer a prioridade (hierarquia ou preferência) entre os beneficiários da transmissão. E não estabelecer direitos específicos para estes.

“A transmissão do arrendamento por morte do arrendatário é um verdadeiro legado ex lege. Por isso, é a própria lei que determina a pessoa para quem o arrendamento se transmite”. A ser assim (e é), a transmissão do arrendamento urbano para habitação por morte do arrendatário só tem lugar nos precisos termos definidos na lei.

Considerando o caso concreto, temos que: a) – a Ré é maior de idade; b) – não sofre de qualquer incapacidade (se sofresse tê-la-ia alegado).

Logo, não se verifica o elemento (restritivo) condicionante da transmissão do arrendamento habitacional a favor de filho maior previsto na parte final da alínea e) do n.º 1 do art. 57º do NRAU.

 Em consequência disso, o arrendamento em causa nesta acção tem de considerar-se caduco, com as consequências legais daí advenientes.

II - Os RR. defendem, porém, que as AA. aceitaram a transmissão do arrendamento, ao terem continuado a emitir os recibos das rendas entre Março e Setembro de 2001, quando já lhes tinha sido comunicado o falecimento do primitivo arrendatário. E que por isso incorrem em situação de abuso de direito ao proporem a presente acção.

“É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito” – art. 334º do C. Civil.

A A. M…, que recebeu a comunicação da morte do inquilino a 11/02/2010, respondeu à Ré, por carta datada de 24/02/2010, informando-a de que o contrato de arrendamento caducou e dando-lhe um prazo de três meses (até ao final de Maio de 2010) para a entrega do imóvel, livre e devoluto de pessoas e bens.

E não lhes tendo sido entregue o locado no final de Maio de 2010, as AA. propuseram, logo de seguida, a 30/07/2010, a presente acção (fls. 44).

Nada, pois, na actuação das AA. permitia concluir que as mesmas aceitaram qualquer transmissão do arrendamento. E, por conseguinte, as AA. ao solicitarem a entrega do imóvel por ter caducado o contrato de arrendamento não excederam, muito menos manifestamente, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

A emissão dos recibos de renda nunca poderia ser considerada reconhecimento inequívoco da transmissão do arrendamento, até porque foram emitidos em nome do anterior arrendatário – Anacleto Surrador.

Para além de que as AA. sempre poderiam pedir uma contrapartida pelo uso do locado, independentemente da existência do arrendamento ou de este ser válido ou nulo.

Esta excepção tem, pois, de ser julgada improcedente”.

Desde já entendemos e dizemo-lo que estamos em absoluto acordo com tais considerações e com a decisão proferida, fundamentação jurídica particularmente bem construída e bem exposta e relativamente à qual pouco podemos acrescentar, na medida em que a dita é a seguida, cremos de forma unânime, pela jurisprudência dos Tribunais Superiores e pela doutrina em geral.

Assim, no que respeita à questão supra elencada A – Determinação da lei substantiva aplicável à situação discutida na acção; a eventual transmissão por morte do direito ao arrendamento do prédio em causa aos RR -, também entendemos que uma vez que o contrato de arrendamento acordado com A… foi celebrado em Maio de 1976 e que esse arrendatário veio a falecer em 22 de Julho de 2009, ou seja, já na vigência do NRAU (que entrou em vigor, nos termos do n.º 2 do seu art. 65.º, a 27 de Junho de 2006), nos termos do nº 1 do artº 59º da Lei n.º 6/2006, de 27/02, que aprova o NRAU, este aplica-se ao dito contrato - “O NRAU aplica-se…bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”.

Conforme se escreve no Acórdão desta Relação de 28/04/2010, Proc.º nº 2989/08.2TJCBR.C1, disponível em www.dgsi.pt/jtrc, “…o nº 1 do artº 59º do NRAU prescreve que o NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias. Estas normas transitórias correspondem, com algumas adaptações, ao disposto no artº 12º, nº 2 do C. Civil, onde se prevê que quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.

A presente acção foi instaurada já após a entrada em vigor do Novo Regime do Arrendamento Urbano aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27/02.

Uma vez que o arrendamento objecto dos autos,…, subsiste à data da entrada em vigor do NRAU e é anterior à entrada em vigor do DL nº 257/95, de 30/09, há que concluir que o novo regime é aplicável aos caso dos autos, ex vi artºs 27º, 28º, 26º e 59º, nº 1, todos do NRAU…

Porém, esta aplicação do novo regime não significa uma aplicação retroactiva do referido regime mas antes e apenas que se aplica aos factos ocorridos após a sua entrada em vigor.

A morte do (arrendatário) ocorreu em 2009, em plena vigência do NRAU, pelo que as consequências jurídicas desse fenómeno na relação jurídica de(sse) arrendamento … são determinadas pelas previsões desta lei”.

Assim é, como bem resulta de toda a orgânica legislativa da citada Lei nº 6/2006, de 27/02.

Com efeito, basta atender a essa dita orgânica para percebermos que assim é: no seu Título I são enunciadas as (novas) normas do chamado Novo Regime do Arrendamento Urbano, dizendo-se logo no artº 1º que o objecto de tal lei é a aprovação do novo regime do arrendamento urbano (NRAU), seguindo as alterações legislativas tidas como adequadas para esse efeito.

Já no seu Título II, relativo às chamadas “Normas transitórias”, equacionam-se as situações relativas aos contratos habitacionais (que é o que nos interessa) celebrados na vigência do RAU e aos contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU (artºs 26º e 27), aí se dizendo que “(esses contratos) passam a estar submetidos ao NRAU, com (as) especificidades (que aí se enunciam), designadamente que “à transmissão por morte aplica-se o disposto nos artºs 57º e 58º”.

Também no Título III desse diploma – relativo às chamadas “Normas finais” - se dispõe que “o NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias” - artº 59º, nº 1.

Logo, não podemos ter dúvidas sobre tal aplicação e em concreto do disposto no artº 57º do NRAU.

Prosseguindo com a apreciação da questão B – Se ocorre ou não a caducidade desse arrendamento, por morte do primitivo arrendatário, o pai da Ré -, uma vez a definida a aplicação do citado regime jurídico, temos de nos ater ao disposto no citado artº 57º do NRAU que estabelece, em norma transitória de direito material, o regime específico da transmissão por morte nos arrendamentos para habitação celebrados antes da vigência do RAU (arts 26º, nº 2, 27º, 28º e 59º, nº 1, parte final, todos do NRAU).

Ora, tal como se escreve na sentença recorrida, “Ao que importa agora, estabelece o art. 57º, n.º 1, alínea e), do NRAU: “o arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva filho ou enteado maior de idade, que com ele convivesse há mais de um ano, portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%”.

Primitivo arrendatário é aquele que dá origem à cascata de devoluções”. Ou seja, no nosso caso, o pai da Ré.

Analisada a norma, verificamos que são requisitos da transmissão do arrendamento para efeitos da alínea e) do n.º 1 do art. 57º do NRAU: a) – ser o filho maior de idade (para usarmos as palavras da lei); b) – ter o filho convivido com o primitivo arrendatário por mais de um ano; c) – ser o filho portador de deficiência com grau de incapacidade superior a 60%.

Estes requisitos são de verificação cumulativa.

O regime do art. 57º do NRAU, como bem observa L.M. Teles de Menezes Leitão, facilita a transmissão, por morte do arrendatário, no arrendamento para habitação, em relação ao regime anterior, designadamente: a) – pelo que respeita ao requisito negativo de o arrendatário não ter outra habitação na localidade, antes previsto no art. 86º do RAU; b) – quanto à possibilidade de poder haver segunda transmissão, agora consentida pelo n.º 4 do art. 57º do NRAU. Mas, restringe-a na última parte da alínea e) do n.º 1.

O n.º 2 do art. 57º do NRAU nada mais faz que estabelecer a prioridade (hierarquia ou preferência) entre os beneficiários da transmissão. E não estabelecer direitos específicos para estes.

“A transmissão do arrendamento por morte do arrendatário é um verdadeiro legado ex lege. Por isso, é a própria lei que determina a pessoa para quem o arrendamento se transmite”. A ser assim (e é), a transmissão do arrendamento urbano para habitação por morte do arrendatário só tem lugar nos precisos termos definidos na lei.

Considerando o caso concreto, temos que: a) – a Ré é maior de idade; b) – não sofre de qualquer incapacidade (se sofresse tê-la-ia alegado).

Logo, não se verifica o elemento (restritivo) condicionante da transmissão do arrendamento habitacional a favor de filho maior previsto na parte final da alínea e) do n.º 1 do art. 57º do NRAU.

 Em consequência disso, o arrendamento em causa nesta acção tem de considerar-se caduco, com as consequências legais daí advenientes”.

Nada mais temos a acrescentar ao assim dito, pois nada mais se pode dizer, a não ser que estamos em total acordo.

Apenas acrescentamos, que a jurisprudência também assim tem entendido esta questão, como aliás, também dá nota a sentença recorrida.

Desde logo o Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº 196/2010, publicado no D R, 2ª série – nº 115 – de 16/06/2010, no qual é abordada uma questão idêntica à da presente acção, nele se fazendo alusão à evolução legislativa atinente ao direito material que tem regulado a chamada transmissão do contrato de arrendamento para habitação por morte do arrendatário, quando a morte do arrendatário tenha ocorrido posteriormente à entrada em vigor do NRAU e haja descendentes que convivessem com o arrendatário há mais de 1 (um) ano mas, à data do falecimento deste tenham mais de 26 anos de idade e não sejam portadores de incapacidade superior a 60% – e para cuja exposição se remete -, para se apreciar a então invocada inconstitucionalidade do artº 57º do NRAU, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27/02.

Conforme bem se escreve nesse aresto, “…

     Apesar da regra ser a caducidade do contrato de arrendamento de

prédio urbano, para habitação, no caso de morte do arrendatário, o

legislador, atendendo a que o agregado familiar deste é quase sempre

beneficiário desse contrato e, muitas vezes, comparticipa até na satisfação

da respectiva contraprestação, vem, desde há bastante tempo, a

admitir a transmissão por morte da posição contratual do inquilino para

os elementos desse núcleo familiar.

     Assim, no período anterior à entrada em vigor do NRAU, era o seguinte

o regime das transmissões da posição de arrendatário por morte deste,

consagrado no referido artigo 85.º, do RAU, na sua última versão:

1 O arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo

arrendatário ou daquele a quem tiver sido cedida a sua posição

contratual, se lhe sobreviver:

a) Cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de

facto;

b) Descendente com menos de um ano de idade ou que com ele convivesse

há mais de um ano;

c) Pessoa que com ele viva em união de facto há mais de dois anos,

quando o arrendatário não seja casado ou esteja separado judicialmente

de pessoas e bens

d) Ascendente que com ele convivesse há mais de um ano;

e) Afim na linha recta, nas condições referidas nas alíneas b) e d);

f) Pessoas que com ele vivessem em economia comum há mais de

dois anos.

2 — Caso ao arrendatário não sobrevivam pessoas na situação prevista

na alínea b) do n.º 1, ou estas não pretendam a transmissão, é equiparada

ao cônjuge a pessoa que com ele vivesse em união de facto

3 — Nos casos do número anterior, a posição do arrendatário

transmite -se, pela ordem das respectivas alíneas, às pessoas nele referidas,

preferindo, em igualdade de condições, sucessivamente, o parente

ou afim mais próximo e mais idoso.

4 — A transmissão a favor dos parentes ou afins também se verifica

por morte do cônjuge sobrevivo quando, nos termos deste artigo, lhe

tenha sido transmitido o direito ao arrendamento.

     O NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, nas

suas normas finais, no artigo 59.º, n.º 1, dispôs que o novo regime por

si implantado se aplicava aos contratos celebrados após a sua entrada

em vigor (27 de Junho de 2006), bem como às relações contratuais

que subsistam nessa data, sem prejuízo contudo do estabelecido nas

normas provisórias.

Ora, nestas últimas normas o artigo 26.º, n.º 2, determina que, relativamente

aos contratos celebrados durante a vigência do RAU, se

aplica o disposto no artigo 57.º, que regula a transmissão por morte do

arrendamento para habitação, o qual também é aplicável aos contratos

de arrendamento celebrados anteriormente à vigência do RAU, por força

do disposto no artigo 28.º

Assim, relativamente ao regime da transmissão da posição contratual

do arrendatário habitacional, por morte deste, o NRAU consagrou uma

solução aplicável aos arrendamentos celebrados após a sua entrada em

vigor, introduzida no artigo 1106.º, do Código Civil, e outra aplicável

aos arrendamentos celebrados anteriormente à sua entrada em vigor,

constante do seu artigo 57.º

No artigo 1106.º, do Código Civil, aplicável aos contratos de arrendamento

celebrados após a entrada em vigor do NRAU, dispõe -se o

seguinte:

1 O arrendamento para habitação não caduca por morte do arrendatário

quando lhe sobreviva:

a) Cônjuge com residência no locado ou pessoa que com o arrendatário

vivesse no locado em união de facto e há mais de um ano;

b) Pessoa que com ele residisse em economia comum e há mais de

um ano.

2 — No caso referido no número anterior, a posição do arrendatário

transmite -se, em igualdade de circunstâncias, sucessivamente para o

cônjuge sobrevivo ou pessoa que, com o falecido, vivesse em união de

facto, para o parente ou afim mais próximo ou de entre estes para o

mais velho ou para o mais velho de entre as restantes pessoas que com

ele residissem em economia comum há mais de um ano.

3 — A morte do arrendatário nos seis meses anteriores à data da

cessação do contrato dá ao transmissário o direito de permanecer no

local por período não inferior a seis meses a contar do decesso.

E no artigo 57.º, do NRAU, aplicável aos contratos de arrendamento

celebrados anteriormente à entrada em vigor deste diploma, consta o

seguinte:

1 — O arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo

arrendatário quando lhe sobreviva:

a) Cônjuge com residência no locado;

b) Pessoa que com ele vivesse em união de facto, com residência

no locado;

c) Ascendente que com ele convivesse há mais de um ano;

d) Filho ou enteado com menos de 1 ano de idade ou que com ele

convivesse há mais de um ano e seja menor de idade ou, tendo idade

inferior a 26 anos, frequente o 11.º ou 12.º ano de escolaridade ou

estabelecimento de ensino médio ou superior;

e) Filho ou enteado maior de idade, que com ele convivesse há mais

de um ano, portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade

superior a 60 %.

2 — Nos casos do número anterior, a posição do arrendatário

transmite -se, pela ordem das respectivas alíneas, às pessoas nele referidas,

preferindo em igualdade de condições, sucessivamente, o ascendente,

filho ou enteado mais velho.

3 — Quando ao arrendatário sobreviva mais de um ascendente, há

transmissão por morte entre eles;

4 — A transmissão a favor dos filhos ou enteados do primitivo arrendatário,

nos termos dos números anteriores, verifica -se ainda por

morte daquele a quem tenha sido transmitido o direito ao arrendamento

nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 ou nos termos do número

anterior».

Da análise comparatística dos regimes do revogado artigo 85.º, do

RAU, e do artigo 1106.º, do C.C., aplicável aos contratos celebrados

após a entrada em vigor do NRAU, constata -se que o novo regime do

Código Civil liberalizou deliberadamente a transmissão do arrendamento

por morte do arrendatário, ao que não foi estranho o fim do sistema da

renovação automática dos contratos de arrendamento para habitação.

Já o regime transitório do artigo 57.º, do NRAU, visou sobretudo

aperfeiçoar, na óptica do novo legislador, as regras de transmissão do

arrendamento, no âmbito do cariz vinculístico da grande maioria dos

contratos a que era aplicável, diminuindo em algumas circunstâncias a

possibilidade de transmissão do arrendamento e facilitando -a noutras

(vide, com apreciações globais não inteiramente coincidentes sobre

o sentido geral deste regime transitório, relativamente ao regime do

RAU, Sousa Ribeiro, em “O novo regime do arrendamento urbano:

contributos para uma análise”, em “Estudos jurídicos em homenagem

ao Prof. Dr. António Mota Veiga, pág. 770 -771, da ed. de da Almedina,

Menezes Leitão, em “Arrendamento Urbano”, pág. 122, da ed. de 2006,

da Almedina, e Rita Lobo Xavier, em “Concentração ou transmissão do

direito ao arrendamento habitacional em caso de divórcio ou morte”,

em “Estudos em honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão”,

vol. II, pág. 1046, da ed. de 2008, da Almedina).

Relativamente a uma primeira transmissão para um filho do arrendatário,

uma vez que é essa realidade que está em causa neste processo,

constata -se que no artigo 85.º, do RAU, apenas se exigia que este vivesse

no arrendado com o progenitor arrendatário há mais de um ano à data da

sua morte, ou que tivesse menos de um ano de idade; o artigo 1106.º, do

CC, apenas aplicável aos novos contratos de arrendamento celebrados

após a entrada em vigor do NRAU, ao englobar os descendentes do

arrendatário nas pessoas que com ele viviam em economia comum, além

de continuar a exigir que o filho do arrendatário vivesse com este no

arrendado há mais de um ano, à data da sua morte, passou a exigir que

essa convivência se desenrolasse numa situação de economia comum;

o artigo 57.º, do NRAU, aplicável aos contratos anteriores à sua entrada

em vigor, apenas admitiu a transmissão do arrendamento para filho do

arrendatário com menos de 1 ano de idade ou que com ele convivesse

há mais de um ano e fosse menor de idade ou, tendo idade inferior a 26

anos, frequentasse o 11.º ou 12.º ano de escolaridade ou estabelecimento

de ensino médio ou superior, ou que fosse portador de deficiência com

grau comprovado de incapacidade superior a 60 %, pelo que, relativamente

ao regime do RAU, restringiu a possibilidade de transmissão do

arrendamento para os descendentes do arrendatário.

E quanto à referida questão de constitucionalidade, foi aí entendido que:

“…

Nesta situação, a incerteza do momento da morte, aliada ao facto das

condições exigidas pelo RAU se reportarem a esse momento (convivência

com o arrendatário no ano anterior à sua morte) não permite de

modo algum que se reconheça como legítima qualquer expectativa de

transmissão do arrendamento alicerçada apenas num juízo de prognose

que tem por base a manutenção hipotética de todos os dados de facto e

de direito até à data da morte do arrendatário.

Na verdade, só nesse momento é que era possível constatar se estavam

ou não preenchidos os requisitos da transmissibilidade, pelo que não tem

fundamento a constituição anterior de qualquer posição de confiança

merecedora de protecção.

Na época em que o Recorrente viveu com a mãe no arrendado,

durante a vigência do RAU, a ordem jurídica não lhe permitiu,

num juízo de razoabilidade, a formação de qualquer expectativa

legítima de que ele iria suceder na posição de arrendatário que

pudesse limitar a aplicação de qualquer alteração legislativa nesse

domínio, ocorrida antes do óbito da mãe, no sentido de não admitir

essa sucessão.

O recorrente podia depositar esperanças ou até expectativas de natureza

política, de que nunca tendo o legislador limitado a transmissão do

arrendamento para os descendentes que convivessem com o arrendatário

no período anterior à sua morte, nomeadamente em função da idade

ou do grau de incapacidade, essa orientação legislativa não viesse a

ser tomada. Mas esses sentimentos ou convicções não têm relevância

jurídica e não podem pesar na delimitação da área de liberdade de

conformação do legislador.

Daí que também não se mostre violado pela interpretação normativa

sindicada o princípio da confiança, como emanação da ideia de Estado

de direito democrático.

2.6 — Conclusão

Não se revelando que a interpretação normativa questionada viole

qualquer parâmetro constitucional, deve o recurso ser julgado improcedente “.

                Depois, a jurisprudência em geral, citando-se, apenas como exemplos, o já referido acórdão desta Relação de 28/04/2010, in Procº nº 2989/08.2TJCBR.C1, no qual se escreve, a este propósito: “uma vez que o arrendamento …subsistia à data da entrada em vigor do NRAU e era anterior à entrada em vigor do DL nº 257/95, de 30/09, o novo regime do arrendamento urbano é-lhe aplicável, ex vi artºs 27º, 28º, 26º e 59º, nº 1, todos do NRAU aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27/02, …pelo que o direito ao arrendamento de que se arroga o interessado se extinguiu por caducidade”.

                O muito recente Ac. da Relação de Lisboa de 30/06/2011, Proc.º nº 6905/09.6TBOER.L1-1, onde se dispõe, além do mais, que “a Lei nº 6/2006, de 27/02, conhecida por NRAU, cujo início da vigência é 28/06/2006, aplica-se, em regra, imediatamente, a todos os contratos de arrendamento, mesmo aos que antes vigoravam. As excepções àquela regra resultam das normas transitórias constantes dos artºs 26º a 58º do NRAU e incidem sobre a transmissão por morte do direito do arrendamento…. Do artº 26º do NRAU decorre que o novo regime em matéria de transmissão por morte aplica-se aos contratos celebrados na vigência do RAU …e nos termos do artº 57º do NRAU, aplicável ex vi artº 27º, aquela norma deve, igualmente, ser aplicada aos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU…

Como nenhum dos RR reúne os requisitos que os habilitem a suceder ao arrendamento em causa (segundo p NRAU), verifica-se a caducidade do mesmo arrendamento, por morte da mãe de ambos…”.                 

                O Ac. Rel. Lisboa de 18/05/2010, Procº nº 319/09.5TBFUN.L1-7.

                O Ac. Rel. Porto de 13/09/2010, Procº nº 2460/07.0TBPVZ.P1.

                O Ac. Rel. Porto de 04/01/2011, Procº nº 2327/09.7TJPRT.P1.

                O Ac. Rel. Porto de 13/07/2011, Procº nº 50/11.1TBVLC.P1.

Apenas cumpre referir que tais arestos estão todos disponíveis em www.dgsi.pt.

                Na doutrina, para além dos autores e locais referidos na sentença recorrida, ainda se podem ver, entre outros, J.A. Santos, in “NRAU Novo Regime do Arrendamento Urbano anotado, 2006”, pgs. 222 a 225 e 458 a 465; Maria Olinda Garcia, in “A Nova Disciplina do Arrendamento Urbano, 2ª edição, pgs. 51 a 55; e Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, in “Arrendamento Urbano – novo regime anotado”, pg. 239.

Por último, cumpre que apreciemos a referida questão C – Se se verifica ou não abuso de direito por parte das AA ao proporem a presente acção, depois de terem emitido recibos de rendas entre Março e Setembro de 2010:

Ora, conforme já antes dissemos, estamos em total acordo com o entendimento da sentença recorrida (também) a este respeito, no sentido de que “II - Os RR. defendem, porém, que as AA. aceitaram a transmissão do arrendamento, ao terem continuado a emitir os recibos das rendas entre Março e Setembro de 2001, quando já lhes tinha sido comunicado o falecimento do primitivo arrendatário. E que por isso incorrem em situação de abuso de direito ao proporem a presente acção.

“É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito” – art. 334.º do C. Civil.

A A. M…, que recebeu a comunicação da morte do inquilino a 11/02/2010, respondeu à Ré, por carta datada de 24/02/2010, informando-a de que o contrato de arrendamento caducou e dando-lhe um prazo de três meses (até ao final de Maio de 2010) para a entrega do imóvel, livre e devoluto de pessoas e bens.

E não lhes tendo sido entregue o locado no final de Maio de 2010, as AA. propuseram, logo de seguida, a 30/07/2010, a presente acção (fls. 44).

Nada, pois, na actuação das AA. permitia concluir que as mesmas aceitaram qualquer transmissão do arrendamento.

 E, por conseguinte, as AA. ao solicitarem a entrega do imóvel por ter caducado o contrato de arrendamento não excederam, muito menos manifestamente, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

A emissão dos recibos de renda nunca poderia ser considerada reconhecimento inequívoco da transmissão do arrendamento, até porque foram emitidos em nome do anterior arrendatário – A…”.

Donde termos de concluir pela total improcedência do presente recurso, impondo-se a confirmação integral da muito bem fundamentada sentença proferida, o que se decide,


VIII

                Decisão:

                Face ao exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida nos seus exactos e precisos termos.

                Custas pelos Recorrentes.


***

                Nos termos do artº 713º, nº 7, do CPC, elabora-se o seguinte sumário:

I - Nos termos do nº 1 do art. 59º da Lei n.º 6/2006, de 27/02, lei que aprova o NRAU (art. 1º), este aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, “bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”.

II - Uma destas normas aplicáveis é o art. 57º do NRAU que estabelece, em norma transitória de direito material, o regime específico da transmissão por morte nos arrendamentos para habitação celebrados antes da vigência do RAU (art.s 26º, nº 2, 27º, 28º e 59º, nº 1, parte final, todos do NRAU).

III - Estabelece o art. 57º, nº 1, alínea e) do NRAU: “o arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva filho ou enteado maior de idade, que com ele convivesse há mais de um ano, portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%”.

IV - Analisada esta norma, verificamos que são requisitos da transmissão do arrendamento para efeitos da dita alínea e) do nº 1 do art. 57º do NRAU: a) – ser o filho maior de idade (para usarmos as palavras da lei); b) – ter o filho convivido com o primitivo arrendatário por mais de um ano; c) – ser o filho portador de deficiência com grau de incapacidade superior a 60%.

Estes requisitos são de verificação cumulativa.

V - Tendo o contrato de arrendamento sido celebrado em Maio de 1976 e tendo o seu arrendatário falecido em  22 de Julho de 2009, ou seja, já na vigência do NRAU (que entrou em vigor, nos termos do n.º 2 do seu art. 65.º, a 27 de Junho de 2006), nos termos do nº 1 do artº 59º da Lei n.º 6/2006, de 27/02, que aprova o NRAU, este aplica-se ao dito contrato - “O NRAU aplica-se…bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”.

             Tribunal da Relação de Coimbra, em  04/10/2011

Relator: Des. Jaime Carlos Ferreira

Adjuntos: Des. Jorge Arcanjo e Des. Isaías Pádua