Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
381/03.4TBMMV
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: MANDATO
RENÚNCIA
EFEITOS
Data do Acordão: 11/18/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MONTEMOR-O-VELHO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Legislação Nacional: ARTIGO 32.º, N.º 1, AL. A) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: A renúncia ao mandato não tem efeito suspensivo dos prazos processuais que estiverem em curso no momento da prática desse acto.
2. Notificada a renúncia ao mandante, segue-se um período de tempo – no máximo, os 20 dias que a lei faculta ao mandante para diligenciar com vista à constituição de novo mandatário judicial –, em que a parte não se encontra, efectivamente, assistida por advogado: já se extinguiu o mandato atribuído ao advogado renunciante, mas ainda não foi constituído novo mandatário judicial.
3. Nesse estrito período de tempo, a concatenação da obrigatoriedade de constituição de advogado (art. 32º, nº1, al) a) e do direito ao patrocínio, impõe que se considerem suspensos todos os actos processuais cuja prática seja susceptível de afectar a esfera jurídica do mandante, sem que seja necessário que a lei, especificamente, determine esse efeito suspensivo
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

A....e mulher B...., residentes em Ereira, Montemor-o-Velho, intentaram a presente acção com forma de processo ordinário, contra C...., divorciado, residente no lugar de Meãs, Montemor-o-Velho, pedindo:

a) que se declare que os autores são os legítimos e exclusivos arrendatários do terreno (ou área de terreno) identificado no art. 1º da petição inicial;

b) a condenação do réu “a reconhecer que a sua conduta é abusiva, ilegítima e ilegal e, por via disso, a indemnizar os AA. de todos os prejuízos materiais e morais descritos, no montante total de 32.264,80 euros, acrescido de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento”;

c) a condenação do réu a “indemnizar os AA. de todos os prejuízos materiais e morais que vierem a verificar-se no futuro, directa e necessariamente decorrentes da sua conduta sobre o arrendado, desde a presente data até à efectiva entrega do mesmo aos AA”.

Para fundamentar a sua pretensão invocam que:

Por contrato celebrado em 1.3.2002, com início nesta data e termo em 31.12.2002, renovando-se anualmente, D...., na qualidade de proprietária e senhoria, deu de arrendamento ao autor marido, para exploração agrícola, a área de terreno de 101.520 m2, do lote nº 531 das operações de emparcelamento do Campo da Ereira, sito em Gafas, freguesia de Ereira, concelho de Montemor-o-Velho;

No ano de 2000 o R. C...., então arrendatário do terreno em questão, instaurou contra a proprietária uma acção sumária (nº 236/2000) mas o Tribunal decidiu que a  denúncia efectuada em 24.4.2001 era operante, interpondo o C…. recurso, a que foi negado provimento;

Na pendência desse recurso, o autor e a senhoria acordaram verbalmente que o respectivo contrato de arrendamento só seria válido se ao recurso fosse negado provimento e só teria início após o trânsito em julgado da decisão, pelo que, surgido este, os autores lavraram, adubaram e semearam o arrendado com milho, vindo o réu, dias depois, desfazer essa cultura, semeando de novo o arrendado também com milho e colhendo a produção, nada colhendo os autores em 2002;

Em Abril de 2003 os autores abriram uma vala de drenagem e rega do terreno, nivelaram-no, lavraram-no e gradaram-no, para semear arroz e de imediato o réu, com máquinas, arrasou a vala e abriu sulcos no terreno, impedindo os autores de o cultivarem, vindo posteriormente o réu preparar de novo o terreno e semeá-lo com milho, causando prejuízos ao autor.

Além disso, sofreram transtornos, aborrecimentos e preocupações, nervosismo e vexame, pedindo por danos morais €2.500,00.

O Réu contestou, alegando que celebrou com a proprietária um contrato de arrendamento rural do prédio, a 1/12/1990, pelo que sendo de 2002 a decisão que decretou o despejo, nos termos do artigo 19°/2 do Regime do Arrendamento Rural o despejo só poderia ocorrer no fim do ano agrícola posterior à decisão – final do ano de 2003 –, só depois podendo o senhorio requerer mandado para a execução do despejo e dispor do bem, continuando o réu a pagar a renda até lá, não tendo nenhum comportamento ilícito passível de o onerar com uma qualquer obrigação de indemnizar os autores. Impugnou ainda alguns factos invocados na petição inicial e excepcionam que os autores agem com abuso de direito.

Em reconvenção, pedem a condenação dos autores a pagarem-lhe uma indemnização no montante de €38.500, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais que causaram, acrescida de juros legais contados desde a citação até integral pagamento.

Os autores apresentaram réplica, respondendo às excepções e impugnando a factualidade alusiva à reconvenção. Requereram, ainda, a intervenção da proprietária como associada dos autores.

Admitida a intervenção, a proprietária veio ao processo juntar procuração forense, com substabelecimento a favor do mandatário dos autores.

Em 7 de Maio de 2004, com a presença dos mandatários das partes, realizou-se audiência preliminar e elaborou-se despacho saneador, com selecção da factualidade assente e a levar à base instrutória. Proferiu-se, ainda, despacho com o seguinte teor:

“Em face da dificuldade referida pelos ilustres Mandatários de apresentarem os elementos probatórios, ficam os mesmos notificados para, no prazo de 15 dias apresentarem os mesmos”.

Em 7 de Maio de 2004 o mandatário do réu renunciou ao mandato (fls. 97 e 102).

O réu foi notificado pessoalmente em 3 de Junho de 2004 para constituir novo mandatário judicial, sob pena da reconvenção ficar sem efeito, prosseguindo o processo os seus trâmites (fls. 113).

Por requerimento apresentado em 21 de Junho de 2004 o réu constitui novo mandatário e juntou o rol de testemunhas, mais requerendo a gravação da audiência de julgamento (fls. 116 -118).

Os autores apresentaram requerimento concluindo pela extemporaneidade do requerimento de apresentação de prova pelo réu, concluindo que este devia ser desentranhado e restituído ao apresentante.

O tribunal proferiu então o seguinte despacho:

“Os Autores vieram suscitar a extemporaneidade do rol apresentado pelo réu. Contudo, tal não é assim, na medida em que, quando começou a correr o prazo para a sua apresentação, o então mandatário do réu renunciou à procuração.

Pelo exposto, admito o rol apresentado pelo réu (no prazo de 20 dias que lhe foi concedido para constituir mandatário), bem como o que foi apresentado pelos autores (fls. 109 e 116).

Notifique.”

Não se conformando, os autores recorreram, recurso que foi admitido como agravo, a subir a final e com efeito meramente devolutivo. Formulam, em síntese, as seguintes conclusões:

“(…) 5. O despacho recorrido, considerando suspensiva a renúncia do primitivo mandatário, admitiu os meios de prova apresentados pelo R. por os haver considerado apresentado em tempo.  

Ao admitir a apresentação dos meios probatórios pelo R. nas circunstâncias referidas, o despacho recorrido violou, nomeada e flagrantemente, o disposto no art. 39º nº3 do CPC, pelo que é nulo e deve ser revogado por acórdão a proferir, com todas as consequências legais, designadamente devendo ser anulados todos os actos posteriores entretanto praticados, a menos que o tribunal recorrido repare o agravo, assim se dando provimento ao presente recurso, como é de justiça”.

O réu apresentou contra alegações, concluindo, em síntese:

“ 1. Aos 7 de Maio de 2004, as partes foram notificadas para apresentarem os meios probatórios em 15 dias e neste mesmo dia o ilustre mandatário do R/recorrido veio renunciar ao mandato.

2. O ora recorrido só foi notificado, por meio de funcionário judicial, para constituir novo mandatário, nos termos do art. 39º, nº3 do C.P.C., em 3 de Junho de 2004, muito para além do prazo peremptório. (…)

4. Esta demora, ou seja, esta falta de notificação atempada por parte da secretaria judicial, certamente contribuiu de forma relevante para que a apresentação dos meios probatórios do R. não tenha ocorrido dentro do prazo de 15 dias, uma vez que quando o R. fora notificado da renúncia do mandatário já tinha sido ultrapassado o prazo peremptório.

5. À luz do nº3 do art. 265º do C.P.C. o tribunal goza de um “poder-dever” de indagação e recolha da prova relativa aos factos que lhe é lícito conhecer, desde que essa prova se mostre necessária, aios olhos do juiz, ao “apuramento da verdade” havida por material e «à justa composição do litígio”.

6. Foi no exercício desse “poder-dever” consagrado no referido artigo que o Meretíssimo Senhor Juiz a quo proferiu tal despacho. Isto porque, ao admitir o rol de testemunhas por parte do R. e ora recorrido decidiu  ser essa a diligência necessária  a uma justa composição do litígio e ao apuramento da verdade.

7. (…) dando cumprimento ao poder de direcção do processo e princípio do inquisitório e ao princípio da igualdade entre as partes (art. 3º-A do C.P.C. e art. 265º, nº3 CPC)”.

Procedeu-se a julgamento, com gravação do depoimento das testemunhas e respondeu-se aos quesitos, sem reclamações.

Proferiu-se sentença, que concluiu da seguinte forma:

Termos em que julgo parcialmente provadas e procedentes a acção e a reconvenção, e consequentemente:

Declaro que os Autores A....e mulher B.... são legítimos e exclusivos arrendatários do terreno em causa, sob o lote nº 531 das operações de emparcelamento do Campo da Ereira, constituído pelos prédios rústicos inscritos na matriz da freguesia da Ereira sob os artigos 962 e 973.

Condeno o Réu C.... a pagar aos Autores a indemnização global de novecentos e quarenta e dois euros e setenta e oito cêntimos (€942,78), por conduta ilegal no ano de 2003, lesiva dos demandantes, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até real embolso.

Mais condeno o Réu a indemnizar os Autores no que se apurar em liquidação de sentença relativamente a prejuízos por eles sofridos em virtude de o Réu ter continuado a ocupar o terreno em apreço, apesar de o Tribunal da Relação da Coimbra ter ordenado a restituição provisória do terreno ao gozo e fruição dos ora Autores.

Condeno os Autores a pagar ao Réu a indemnização global de oito mil e cinquenta e quatro euros (€8.054), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação da reconvenção até efectivo embolso.

Custas por Autores e Réu na proporção das sucumbências.

Ficam uns e outro absolvidos do demais pedido.

Registe e notifique”.

Não se conformando, os autores recorreram, pedindo que, no caso do agravo interposto não ser provido, se revogue a sentença. Formulam, em síntese, as seguintes conclusões:

1- A audiência de julgamento foi gravada. Porém, o depoimento da testemunha José Carlos Coelho Rosa (supostamente registado do nº0 ao nº 1028 do lado A da 1ª cassete) está completamente omisso na gravação e o depoimento da testemunha João Augusto Carvalho Martinho (que segundo a acta de fls. 189 e ss devia contar do nº 1095 até final do lado B da cassete nº1 e do nº 0 até ao nº 4318 do lado A da cassete II) está apenas em parte gravado.

2. Ora, a omissão ou deficiência de gravação dos depoimentos de testemunhas traduzem a omissão de actos que a lei prescreve, com influência no exame ou decisão da causa, importando nulidade, com a consequente anulação dos actos e termos subsequentes do processo, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 201º do C.P.C..

3. A decisão sobre a matéria de facto não se encontra devidamente fundamentada. Com efeito, a motivação é demasiado genérica, tendo-se omitido a obrigação de, a cada quesito (ou conjunto de quesitos) dizer quais foram os fundamentos probatórios em que o julgador se baseou para dar as respostas que deu (…).

4. Assim sendo, deve ser ordenado ao Tribunal recorrido que fundamente devidamente a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do nº5 do art.712 do C.P.C..

5. Por outro lado, revelam-se incorrectamente julgados os quesitos (ou pontos de facto) 16º a 21º, 23º, 24º, 25º e 32º. (…)     

8. A manter-se, tal como foi considerada, a matéria de facto, existe, a nosso ver, contradição entre, pelo menos, as respostas aos quesitos 2º e 3º e as respostas aos quesitos 16º, 17º, 19º e 20º, com prejuízo para as respostas aos demais quesitos referidos, tidos por incorrectamente julgados, ocorrendo, neste caso, a nulidade prevista na al) c do nº1 do art. 668º do C.P.C., com a consequente anulação da sentença recorrida”.

Os réus apresentaram contra alegações formulando, em síntese, as seguintes conclusões:

“(…) 4- Ainda que se possa admitir que existe omissão na gravação do depoimento de duas das testemunhas dos AA, pode considerar-se que essa omissão não obsta a que se possa apreciar e decidir da matéria de facto, não influindo, ao contrário do que alegam os AA, no exame ou boa decisão da causa.. (…)

10- O despacho de resposta à matéria de facto controvertida não só cumpre as exig~encias mínimas previstas no art. 653º do C.P.C., como também se pode considerar a motivação apresentada como razoável e suficiente.

11- Por outro lado também não pode proceder a alegação de que os quesitos foram incorrectamente julgados pois a apuração das respostas aos quesitos ora impugnadas, como o Meretíssimo Juiz a quo explicou na sua fundamentação da decisão da matéria de facto, resultam dos depoimentos das testemunhas, quer as do Réu quer das próprias testemunhas dos AA, que permitiram o cruzamento de informações para a determinação das quantias e rendimentos em causa alicerçados ainda na experiência que as testemunhas tem nas actividades agrícolas”.          

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO

A 1ª instância deu por provada a seguinte factualidade:

A) Em 1 de Dezembro de 1990, Maria Beatriz Rosa e o requerido outorgaram o doc. de fls. 20 (autos de providência cautelar), que designaram como “Contrato de Arrendamento Rural”, através do qual a primeira cedeu ao segundo a exploração do prédio, denominado Remolha, com a área 137.000 m2, inscrito sob os artigos 962 e 973 da matriz de Montemor-o-Velho, com destino à exploração ou cultivo de arroz, mediante o pagamento da renda anual de 100.000$00, com início em 1 de Dezembro de 1990 e com termo em 30 de Novembro de 1996, considerando-se renovado anualmente.

B) Através de carta expedida em 20 de Abril de 2000 e recebida pelo aqui requerido em 24 de Abril de 2000, a senhoria procedeu à denúncia do contrato de arrendamento rural referido em A).

C) O aqui réu deduziu oposição, que correu os seus termos através da acção sumária n° 236/00 neste tribunal, tendo tal oposição sido julgada improcedente e em consequência declarada a denúncia operante.

D) Interposto recurso pelo aqui réu foi tal apelação julgada improcedente, por acórdão datado de 16/04/2002 e transitado em julgado em 2 de Maio de 2002.

E) Em 1 de Março de 2002, D….. e o autor marido outorgaram o doc. de fls. 4 (autos de prov. caut.), que designaram como "Contrato de Arrendamento Rural", através do qual a primeira outorgante declarou dar de arrendamento ao segundo o prédio rústico denominado Remolha, sito em Gafas, Ereira, com área de 101.520 m2, correspondente ao lote n° 532 das operações de emparcelamento do Campo da Ereira, constituído pelos prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos 962 e 973, com destino à exploração agrícola, mediante o pagamento da renda anual de 15 euros por aguilhada, o que perfaz 2.820,00 euros, com início na data da sua celebração e termo em 31/12/2002, renovando-se anualmente a partir dessa data.

F) No ano de 2003, em Abril, os Autores abriram uma vala de drenagem e rega do terreno, nivelaram-no, lavraram-no e gradaram-no (com grade de discos), com vista a semear nele arroz.

G) De imediato o Réu, com máquinas, arrasou a vala e abriu sulcos no terreno, impedindo os Autores de o cultivarem.

H) Posteriormente, o Réu preparou de novo o terreno e semeou-o com milho.

I) No ano de 2002 os Autores gradaram o terreno com grade de discos, no que gastaram a quantia de €274,34 e aplicaram a monda química, que lhes custou a quantia de €498,80.

J) Os AA., no ano de 2002, nada colheram no prédio arrendado.

L) O Réu continua a ocupar o terreno em apreço, tendo nele, inclusive, uma sementeira de milho.

1° - Aquando da celebração do contrato referido em E), os outorgantes acordaram que o mesmo só seria válido se ao recurso fosse negado provimento e que só teria início após o trânsito em julgado da decisão.

2° - Em Maio de 2002 os AA. lavraram, adubaram e semearam o arrendado com milho.

3° - Uns dias após o R. desfez a cultura dos AA. com um tractor agrícola, semeou de novo o arrendado também com milho e colheu a produção.

4° - No ano de 2002 os autores para lavrarem o terreno gastaram a quantia de €374.

5° - E para procederem à chamada "adubação de fundo" gastaram a quantia de €1.613,11.

6° - Ao prepararem o terreno para a sementeira com a máquina conhecida por "rototerra" gastaram a quantia de €200.

7º - Gastaram em sementes e no trabalho da sementeira a quantia de €1.336.

8º - E fizeram a chamada "adubação de cobertura" no que gastaram a quantia de cerca de €1.393,14.

9° - Os Autores se tivessem que ceifar, regar e secar o produto, únicos trabalhos que não fizeram, gastariam em cada uma dessas operações, respectivamente, cerca de €466,60, €748 e €1.496;

10° - O autor marido teve que se deslocar a Montemor para prestar declarações nos inquéritos, bem como contactar o seu advogado.

11º -  Relativamente ao ano de 2003 os AA. gastaram a quantia de €244,44 na abertura da vala de drenagem e rega do terreno (34,92 x 7 horas).

12° - Lavraram o terreno com tractor, no que gastaram a quantia de €374.

13º -  Gradaram-no com grade de discos, tendo gasto quantia de cerca de €274,34.

14° - Os Autores voltaram a deslocar-se, várias vezes, a Montemor, para se queixarem na GNR, bem como para contactar o seu advogado.

15º -  A situação criada pelo R. desde o ano de 2002 causou aos AA. transtornos, aborrecimentos e preocupações, pô-los nervosos e vexou-os.

16º - No ano de 2002, após o reconvinte ter cultivado os prédios referidos em A) os Autores entraram no espaço com máquinas destruindo a sementeira e o réu replantou.

17º - Quando os AA. praticaram os actos referidos em 16°, o prédio já se encontrava lavrado, adubado e já tinham sido adquiridas as sementes, pago a trabalhadores e trabalhado o réu nos terrenos em causa.

18º - Nessas tarefas despendeu quantitativo nunca inferior a €5.000.

19º - Com a actuação descrita em 16° o A. danificou irreparavelmente toda a sementeira.

20º - Em consequência o Réu teve, novamente, que lavrar, alisar e adubar a terra e adquirir novas sementes.

21º - Depois replantou-as.

22º - A colheita foi cerca de 3/4 do que seria previsível.

23º -  O valor do produto recolhido pelo R., em 2002, não terá sido de menos de €21.173,97.

24º - No ano agrícola de 2002, naquele prédio, o Réu iria obter um lucro de cerca de €12.220.

25º - E só obteve cerca de €9.166.

26º - No ano de 2003, depois do R. ter procedido ao cultivo do prédio referido em A) esse espaço foi devassado com máquinas e a sementeira destruída.

27º - No momento referido em 2° o prédio referido em A) já se encontrava lavrado, bem como já estavam efectuadas todas as operações atinentes à plantação - adubação, aquisição de sementes e pagamento aos trabalhadores.

28º - Nessas tarefas o Réu despendeu montante superior a cerca de €5.000.

29º - Entre a data em que foi assinado o auto de entrega na providência cautelar (13/05/2003) e até à decisão da oposição proferida em 1ª instância, houve plantas que morreram.

32º - A actuação do Autor tem sido fonte de arrelias, transtornos e preocupações para o réu.

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO

1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C., diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 664.

Considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, assentamos que, no caso dos autos, cumpre conhecer, em primeiro lugar, da tempestividade do requerimento de apresentação de prova por parte do réu (recurso de agravo).

2. Nos termos do art. 39º, nº1, a renúncia do mandato tem lugar no próprio processo, é notificada ao mandante e os seus efeitos “produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes”, isto é, no que ao caso interessa, se o mandante réu, sendo obrigatória a constituição de advogado, depois de notificado da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias, o processo segue os seus termos aproveitando-se os actos anteriormente praticados pelo advogado – nº 3. [ [i] ]

Daqui resulta que, até à notificação da renúncia à parte respectiva, o advogado continua a ter o poder (dever) de exercer no processo o patrocínio, em defesa do seu constituinte. [ [ii] ]

Nada na lei permite atribuir ao acto em causa (renúncia ao mandato) efeito suspensivo dos prazos processuais que estiverem em curso no momento da renúncia, nem se vislumbra princípio processual que o imponha, exactamente porque a eficácia desse acto está dependente da verificação de um facto, a saber, a notificação do mandante, feita pessoalmente e com a advertência dos efeitos a que alude o nº3 do preceito.

No entanto, comprovada no processo essa notificação, segue-se um período de tempo – no máximo, os 20 dias que a lei faculta ao mandante para diligenciar com vista à constituição de novo mandatário judicial –, em que a parte não se encontra, efectivamente, assistida por advogado: já se extinguiu o mandato atribuído ao advogado renunciante, mas ainda não foi constituído novo mandatário judicial.

Nesse estrito período de tempo, a concatenação da obrigatoriedade de constituição de advogado (art. 32º, nº1, al) a) e do direito ao patrocínio, [ [iii] ] impõe que se considerem suspensos todos os actos processuais cuja prática seja susceptível de afectar a esfera jurídica do mandante – refira-se, a título exemplificativo, o prazo de apresentação dos meios de prova, designação (com cumprimento do disposto no art. 155º) e realização de audiência de julgamento, prazo de interposição de recurso e alegações …–, sem que seja necessário que a lei, especificamente, determine esse efeito suspensivo. [ [iv] ]       

Daqui decorre que, constituído novo mandatário judicial pelo réu, ou decorrido o prazo legal para esse efeito (os aludidos 20 dias), se retome a contagem do prazo em curso, devendo deduzir-se o tempo decorrido até à ocorrência do facto suspensivo.

Refira-se que entendemos que a hipótese configura um caso de suspensão, e não de interrupção, porquanto não se encontra fundamento para, em situações como a ora em apreço, beneficiar a parte com uma renovação do prazo.

Quid juris na hipótese em apreço?

As partes foram notificadas, por intermédio dos respectivos mandatários, em 7 de Maio de 2004, para no prazo de 15 dias apresentarem os meios de prova e, posteriormente, ainda nesse dia, o mandatário do réu renunciou ao mandato. O réu foi notificado pessoalmente em 3 de Junho de 2004 para constituir novo mandatário judicial, sob pena da reconvenção ficar sem efeito, prosseguindo o processo os seus trâmites e por requerimento apresentado em 21 de Junho de 2004 o réu constitui novo mandatário e juntou o rol de testemunhas, mais requerendo a gravação da audiência de julgamento.

O prazo de apresentação dos meios de prova consubstancia um prazo peremptório para a prática de acto processual e o seu decurso extingue o direito a praticá-lo, sem prejuízo, obviamente, das situações de justo impedimento.

No caso, à luz do que se deixou exposto, o prazo para apresentação dos meios de prova terminava em 22 de Maio de 2004 (sábado), transferindo-se para o primeiro dia útil seguinte, o dia 24 de Maio de 2004. Ou seja, aquando da verificação do facto suspensivo (3 de Junho de 2004), já havia decorrido o prazo em causa, concluindo-se, ao contrário do que se entendeu no despacho recorrido, que o requerimento em apreço, em que o réu arrolou testemunhas e requereu a gravação da audiência de julgamento, é extemporâneo.   

Em defesa da sua posição o réu aduz argumentos que, de todo, não convencem.

Em primeiro lugar, aponta para o atraso no cumprimento da notificação do mandante, pela secretaria, referindo que a falta de notificação atempada “certamente contribuiu de forma relevante para que a apresentação dos meios probatórios do R. não tenha ocorrido dentro do prazo de 15 dias”. Trata-se de conclusão que não está alicerçada em qualquer elemento constante do processo, sendo evidente que o disposto no art. 161º, nº 6 não é aplicável a casos como o dos autos, em que não ocorreu qualquer “erro” ou “omissão” pela secretaria, mas, tão só, eventual tramitação do processo sem rigoroso cumprimento do prazo de cinco dias previsto no art. 166º, nº1 (renúncia em 7 de Maio, por fax, original apresentado em 11 de Maio, conclusão do processo em 19 de Maio, despacho em 24 de Maio com cumprimento em 3 de Junho).          

Depois, o réu faz apelo a princípios processuais – princípio da igualdade das partes, de direcção do processo e do inquisitório –, indicando que o Sr. Juiz, quando proferiu o despacho em causa, mais não fez senão dar cumprimento e ser sensível a tais princípios, pautando-se por critérios de justiça e equidade.

Com todo o respeito, o agravado lê na decisão recorrida o que o texto da decisão, notoriamente, não consente. No despacho em causa, que supra se transcreveu, o Sr. Juiz limita-se a fundamentar de forma breve a sua decisão indicando, sucintamente, que o rol não é extemporâneo porquanto “quando começou a correr o prazo para a sua apresentação, o então mandatário do réu renunciou à procuração”, ou seja, atribui efeito suspensivo ao acto pelo qual o Sr. Advogado renunciou ao mandato, o que, como se viu, não é admissível.

Sempre se dirá, no entanto, que os princípios aludidos (cfr. os arts. 3ºA e 265º) nunca permitiram que, no caso em apreço, o tribunal adoptasse o procedimento sugerido pelo agravado, sob pena do tribunal se substituir à parte no ónus de indicação dos meios de prova, suprindo falhas do réu e pondo em causa o equilíbrio entre as partes. [ [v] ]

Em suma, impõe-se a revogação do despacho recorrido, que deve ser substituído por outro, indeferindo o requerimento de apresentação de prova apresentado.

Impõe-se, consequentemente, a anulação da audiência de julgamento e processado posterior, uma vez que prestaram depoimento algumas das testemunhas indicadas no rol ora em causa, tendo-se também procedido à gravação do depoimento das testemunhas na sequência de pedido feito pelo réu nesse requerimento, sendo certo que o tribunal alicerçou a resposta aos quesitos com base, também, no depoimento dessas testemunhas, conforme resulta do despacho de fundamentação.

                                             *

Assim sendo, é inútil apreciar do recurso de apelação interposto pelos autores.

                                             *

Conclusão

1. A renúncia ao mandato não tem efeito suspensivo dos prazos processuais que estiverem em curso no momento da prática desse acto.

2. Notificada a renúncia ao mandante, segue-se um período de tempo – no máximo, os 20 dias que a lei faculta ao mandante para diligenciar com vista à constituição de novo mandatário judicial –, em que a parte não se encontra, efectivamente, assistida por advogado: já se extinguiu o mandato atribuído ao advogado renunciante, mas ainda não foi constituído novo mandatário judicial.

3. Nesse estrito período de tempo, a concatenação da obrigatoriedade de constituição de advogado (art. 32º, nº1, al) a) e do direito ao patrocínio, impõe que se considerem suspensos todos os actos processuais cuja prática seja susceptível de afectar a esfera jurídica do mandante, sem que seja necessário que a lei, especificamente, determine esse efeito suspensivo.      

                                             *

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso de agravo e, consequentemente, revogando-se o despacho recorrido, decide-se não admitir, por extemporaneidade, o requerimento de apresentação de prova apresentado pelo réu, determinando-se o seu desentranhamento e entrega ao apresentante.

Consequentemente, anula-se a audiência de discussão e julgamento e processado subsequente.

Fica prejudicada a apreciação do recurso de apelação interposto pelos autores.

Custas a cargo do réu/agravado.

Notifique.

                                                        Coimbra, 18/11/2008

Relator: Isabel Fonseca; Adjuntos: Des. Távora Victor e Des. Nunes Ribeiro.

[i] Na redacção do Dec. Lei 180/96, de 25/9. No regime em vigor anteriormente a 1/1/97 e nos casos de constituição obrigatória de advogado, a renúncia só produzia efeitos depois de constituído o novo mandatário sendo que se a parte, notificada da renúncia, demorasse a constituir novo advogado, podia o renunciante requerer que o juiz fixasse prazo para esse fim, de sorte que, findo esse prazo sem constituição de advogado, extingue-se o mandado, prosseguindo os autos os normais trâmites se a falta fosse do réu.

Tratava-se de procedimento usualmente moroso, que se prestava a expedientes abusivos, o que terá estado na base da alteração do regime. Assim, pode ler-se no preâmbulo do DL nº 329-A/95 de 12/12: “Quanto ao patrocínio judiciário, procede-se no essencial, a uma reformulação do regime de renúncia do mandato judicial, procurando alcançar solução, que se supõe ponderada, entre a eventual inexigibilidade ao mandatário de prosseguir com o patrocínio do seu cliente e o interesse do autor em não ver o possível conflito entre o réu e o seu advogado repercutir-se negativamente na celeridade do andamento da causa”.

[ii] “O patrocínio judiciário consiste na assistência técnica prestada às partes por profissionais do foro (titulares do chamado ius postulandi), na condução do processo em geral ou na realização de certos actos em especial”, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, p.189.    

[iii] Nos termos do art. 20º, nº2 da C.R.P. “todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas e ao patrocínio judiciário”. Gomes Canotilho e Vital Moreira aludem à “proibição da indefesa”, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3º edição, Coimbra Editora, p.164, referindo que “a violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses”.     

[iv] Discorda-se, pois, do entendimento sufragado no Ac.TRL de 23/11/2005, proferido no processo 1823/2005-4 (Relator: Duro Mateus Cardoso), acessível in www.dgsi.pt, segundo o qual “o mandatário que antes de designado dia para a audiência de julgamento apresenta a sua renúncia ao mandato e requer a notificação à mandante, mantém o patrocínio durante o prazo de 20 dias, excepto se, entretanto, o mandante constituir novo mandatário”. 

No sentido que apontamos vide os Acs. R.L. de 17/05/2005 e de 23/3/2007, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 1808/2005-5 e 2213/07-5 (Relator: Filomena Clemente Lima); Sobre a matéria cfr. ainda o Ac. STJ de 06/03/2002, processo nº 02S337 (Relator: Cons. Mário Torres).  

[v] Sobre o princípio da igualdade de armas vide Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais, à luz do Código Revisto, Coimbra Editora, p. 105 e 106. Com interesse, vide o Ac.RL de 30/01/2008, proferido no processo nº 8379/2007-4 (Relator: Paula Sá Fernandes), acessível in www.dgsi.pt