Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
264/08.1GASEI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO VENTURA
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO SOB EFEITO DO ÁLCOOL
CONFISSÃO
ERRO MÁXIMO ADMISSÍVEL
Data do Acordão: 02/04/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SEIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 292.º DO C.P.; 344º, N.ºS 1 E 2 ALÍNEAS, A) E B) E 410.º, N.º 2, ALÍNEA C) DO C.P.P.; E 153.º N.ºS. 1, 2 E 5 E 170.º, N.ºS. 3 E 4 DO CÓDIGO DA ESTRADA E ART. 3.º DA LEI N.º 18/2007 DE 17.05.
Sumário: I. - Enquanto afirmação de uma realidade, a declaração confessória envolve a representação intelectual do facto cuja verdade se reconhece, estruturando-se como uma declaração de ciência e de verdade, feita necessariamente a partir da cognição do declarante e não da de terceiros.
II. – Ainda que sendo possível, a uma pessoa, reconhecer ter ingerido uma quantidade de bebida que supõe ser superior aquela que é permitida por lei não é possível afirmar que existiu confissão integral e sem reservas, mas sim uma confissão parcial, por a declaração se dever circunscrever à ingestão de bebidas alcoólicas e não ao seu quantitativo exacto.
III. - O legislador estradal procurou atingir na fiscalização da condução sob a influência de álcool garantias de respeito pela verdade e fê-lo através da estipulação da possibilidade de solicitação de contraprova, seja através de análise ao sangue, seja através de novo exame, repetindo a análise do ar expirado.
IV. – Ocorre erro notório na apreciação da prova “quando em operação de fiscalização de condutor para detecção de nível de alcoolemia no sangue, não seja levantada por ele qualquer dúvida sobre a autenticidade do valor registado inicialmente pelo aparelho de análise quantitativo de avaliação do teor de álcool no sangue, e mesmo sobre a fiabilidade deste último nem requerida contraprova, inexiste qualquer fundamento técnico-científico ou jurídico para a aplicação de qualquer margem de erro à taxa de alcoolemia detectada” - Acórdão da Relação de Guimarães de 11/06/2008.
Decisão Texto Integral: I. Relatório
Por sentença proferida em 30/06/2008 no processo sumário com o nº 264/08.1GASEI do T.J. de Seia, foi o arguido … absolvido de um crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo artº 292º, nº1, do CP.
Inconformado com essa decisão, veio o Ministério Público interpor recurso, no qual formula as seguintes conclusões[i]:

1 - O Ministério Público deduziu acusação em processo sumário imputando ao arguido um crime de condução em veículo de estado de embriaguez p. e p. pelo art. 292°, n°1 do C.Penal, porquanto este conduziu veículo automóvel, na via pública, e tendo sido submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue pelo método do ar expirado, através do alcoolímetro "Drager Alcotest 7110 MKIIP”, n° 0091, aprovado pela D.G.V. e controlado pelo I.P.Q. apresentou inicialmente (1,33 g/1) e da qual ficou ciente, declarou que desejava ser submetido, como foi, a exame de contra-prova, tendo este revelado uma taxa de álcool no sangue de 1,24 g/l..

2 - O MM° Julgador absolveu o arguido do citado crime, tendo, para tal, considerado que o mesmo apresentava uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1.15 g/l, invocando para o efeito a margem de erro admissível a que se alude na Portaria n°. 1556/2007, de 10.12 e ordenando que, após o trânsito em julgado da decisão recorrida, fosse extraída certidão dos presentes autos e fosse a mesma remetida à entidade administrativa competente da responsabilidade contra-ordenacional que subsistiria.

3 - Em sede de audiência de discussão e julgamento, o arguido confessou todos os factos que lhe foram imputados, conforme se retira das suas declarações registadas em suporte digital., constatando da respectiva acta da audiência o seguinte despacho do MM°. Juiz a quo: "Atenta a confissão integral e sem reservas assumida pelo arguido, nos termos do disposto no Art°- 344º, n°s 1 e 2 alíneas, a) e b) do C.P.P., a renúncia à produção de prova relativamente aos factos que lhe são imputados, considerando-se como provados".

4 - Porém, e não obstante tal confissão integral e sem reservas, o MM° Julgador a quo deu como provado que o arguido conduzia veículo automóvel com uma taxa de álcool no sangue diversa da constante na acusação e considerou que não se provou que o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por Lei Penal.

5 - Tendo o arguido confessado integralmente e sem reservas os factos que lhe foram imputados, como efectivamente o fez, e considerando o MM°. Julgador a quo tal confissão livre e relevante, teria de dar como provado que o arguido conduzia com a taxa de álcool constante da acusação, ou seja 1,24 g/1, sob pena de por força de ter declarado renúncia à prova respeitante a esses factos, impedir que o Ministério Público sustente, em termos probatórios, que o recorrido praticou o crime que lhe foi imputado.

6 - Deste modo, e ao considerar como provado valor diferente daquele que consta da acusação, que o arguido confessou, e cujos factos o Julgador a quo declarou em acta, que por força dessa confissão, se consideravam como provados, o MM° Juiz a quo incorreu nos vícios de contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão (art. 410º, n.° 2, al. b), do C. de Processo Penal).

7 - De acordo com o art°. 153°, n°1, do Código da Estrada o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito, o que sucedeu no presente caso, já que foi utilizado um alcoolímetro Drager, modelo Alcotest 7110 MK III, devidamente aprovado pelo Instituto Português da Qualidade e pela Direcção Geral de Viação, conforme publicações na 2a Série do Diário da República, que ocorreram, ainda, nos pretéritos dias 6 de Junho de 2007 e 21 de Junho de 2007, respectivamente.

8 - Segundo o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros na sua actual redacção, em vigor desde 11 de Dezembro de 2007, bem como na redacção anterior, a aprovação do modelo é válida por 10 anos, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação, sendo certo que, aquele Regulamento salvaguarda, no seu art° 10° (Portaria n°. 1556/2007, de 10.12) a utilização de alcoolímetros cujo modelo tenha sido objecto de autorização de uso, determinada ao abrigo de legislação anterior, como sucedeu relativamente ao alcoolímetro que foi usado no caso aqui em apreço, sendo que a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário (art° 4°, n°5, do D.L. n°. 291/90, de 20.09.).

9 - O Instituto Português da Qualidade é a entidade que a nível nacional garante a observância dos princípios e das regras que disciplinam a normalização, a certificação e a metrologia, incluindo os aparelhos para exame de pesquisa de álcool nos condutores de veículos.

10 - A aplicação das ditas margens de erro reporta-se à aprovação do modelo e às verificações dos alcoolímetros, da competência do Instituto Português da Qualidade, tanto assim que a Portaria n° 1556/2007, de 10 de Dezembro, esclarece que os erros máximos admissíveis são considerados aquando da aprovação de modelo/primeira verificação e na "Verificação periódica/verificação extraordinária" e não aquando de actos de fiscalização.

11 - Qualquer alcoolímetro que os respeite torna-se a partir de então um instrumento válido e fiável para as subsequentes medições realizadas, as quais devem ser consideradas nos valores obtidos sem nova consideração ou ponderação dos mesmos E.M.A..

12 - Tendo o auto de notícia sido levantado e assinado por agentes da Guarda Nacional Republicana que presenciaram os factos; a taxa de álcool revelada obtida através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares, terá que se considerar que o valor de taxa de álcool que o arguido apresentou na altura como definitivamente fixado, pois, verificadas tais circunstâncias, tais elementos fazem fé, até prova em contrário, constituindo, assim, prova legal plena.

13 Ao fazer uso das margens de erro, e apenas atentar na sua variação máxima e ordenando a remessa de certidão para a entidade administrativa para apreciação de responsabilidade contra-ordenacional, o MM° Julgador a quo pode, em situações semelhantes às dos presentes autos, contribuir para situações de impunidade já que aquela entidade pode, como se impõe, não lançar mão da aplicação de tais margens de errou ou aplicá-las em termos de variação mínima ou média e obter uma taxa de álcool igual ou superior a 1.20g/l que impossibilita a punição do arguido em sede de contra-ordenação, bem assim como em sede criminal, em virtude da proibição decorrente do ne bis in idem", o que não seria desejável para um país, como o nosso, conhecido pela elevada sinistralidade rodoviária, em larga escala associada à condução sob influência do álcool.

14 - Em face do supra exposto, consideram-se que os seguintes pontos de facto incorrectamente julgados:

...submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue pelo método do ar expirado - através do alcoolímetro Drager Alcotest 7110 MKIII, n°. 0091, aprovado pela Direcção-Geral de Viação e controlado pelo Instituto Português da Qualidade através da operação de verificação periódica de 31 de Maio de 2007, quando conduzia o indicado veículo, apresentou uma taxa de álcool no sangue de 1,33 g/l;

Submetido a exame de contraprova, efectuado através do mesmo aparelho, apresentou uma taxa de álcool no sangue de 1,24 g/l, correspondente à taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,1 S g/l;

O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem querendo e sabendo que conduzia veículo na via pública sendo portador de uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida e, perante a taxa de álcool no sangue que apresentou inicialmente (1,33 g/l), da qual ficou ciente, declarou que desejava ser submetido, como foi, a exame de contraprova, tendo este revelado uma taxa de álcool no sangue de 1,24g/l - factos estes dados como provados

"O arguido era portador de uma taxa de álcool no sangue de 1,24 g/l.

Sabia que aquela sua conduta era proibida e punida pela lei penal".

- factos estes dados como não provados, já que, em função da prova recolhida (toda a prova documental junta e declarações confessórias do arguido), devia ter sido dado como provado que o arguido apresentou uma taxa de 1,24 g/1..

15 - Ao não considerar o resultado que o alcoolímetro utilizado revelou - o qual se encontra junto aos autos -, bem como as declarações confessórias do arguido, o MM°. Julgador a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova;

16 - A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 292°, n° 1 do Código Penal; a alínea a) do n° 2 do art° 344º do C.P.Penal; os art°s. 153°, n°s. 1, 2 e 5 e 170°, ns. 3 e 4 do Código da Estrada e art°. 3° da Lei n°. 18/2007 de 17.05.

17 - Nestes termos, e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, deve o presente recurso merecer provimento e, consequentemente, ser determinada a revogação da douta sentença recorrida, na parte em que considerou que absolveu o arguido do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por atender à taxa de álcool determinada pelo alcoolímetro, descontado o erro máximo admissível e, consequentemente, ser o arguido condenado pelo mencionado crime, na pena principal e pena acessória que se reputar adequada, de acordo com a gravidade e exigências cautelares de prevenção geral e especial que se fazem sentir e atendendo à taxa de álcool no sangue que o arguido apresentou quando foi fiscalizado, ou seja, 1.24 g/1..
O arguido não apresentou resposta.
Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral adjunto emitiu parecer, no sentido da procedência do recurso.
Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do CPP, não houve resposta.
Foram colhidos os vistos e procedeu-se a conferência.
Fundamentação
Delimitação do objecto do recurso
É pacífica a doutrina e jurisprudência[ii] no sentido de que o âmbito do recurso delimita-se face às conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso [[iii]].
As questões colocadas pelo recorrente e a que cumpre dar resposta prendem-se com a impugnação alargada da decisão recorrida, de forma a que fique afirmado que o arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue (doravante referida pelo acrónimo TAS) de 1,24 gr/l e com presença evidenciada no texto da decisão dos vícios previstos nas als. b) e c) do nº2 do artº 410º do CPP, a saber contradição insanável entre a fundamentação e entre esta e a decisão, bem como erro notório na apreciação da prova.
Apreciação
Da decisão recorrida
Para a apreciação do recurso, importa tomar como ponto de partida a decisão recorrida, com seguinte teor:

Discutida a causa, o Tribunal julga provados os seguintes factos:

No dia 29 de Junho de 2008, pelas 2 horas, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula 00-00-TP, no Bairro do Purgatório, em S. Romão - Seia, e, ao ser submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue pelo método do ar expirado - através do alcoolímetro "Drager Alcotest 7110 MKIII n2 0091", aprovado pela Direcção-Geral de Viação e controlado pelo Instituto Português da Qualidade através da operação de verificação periódica de 31 de Maio de 2007 -, quando conduzia o indicado veículo, apresentou uma taxa de álcool no sangue de 1,33 g/I.

Submetido a exame de contraprova, efectuado através do mesmo aparelho, apresentou uma taxa de álcool no sangue de 1,24 g/l, correspondente à taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,15 g/I.

O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem querendo e sabendo que conduzia veículo na via pública sendo portador de uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida e, perante a taxa de álcool no sangue que apresentou inicialmente (1,33 g/I), da qual ficou ciente, declarou que desejava ser submetido, como foi, a exame de contraprova, tendo este revelado uma taxa de álcool no sangue de 1,24 g/I.

O arguido aufere cerca de € 500,00, trabalhando há cerca de um mês, na distribuição de bebidas.

A mulher aufere cerca de € 450,00.

Vivem em casa arrendada, pagando € 130,00 mensais de renda, com uma filha de 14 anos de idade, que é estudante.

O arguido é proprietário do veículo que conduzia na altura da fiscalização, encontrando-se a pagar um empréstimo bancário para a sua aquisição, que importa uma mensalidade de € 200,00.

Tem o 6° ano de escolaridade.

Não tem antecedentes criminais.

Tem bom relacionamento social e profissional, nada constando em seu desabono.

Não se provaram outros factos, nomeadamente:

O arguido era portador de uma taxa de álcool no sangue de 1,24 g/I. - Sabia que aquela sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

A convicção do Tribunal assentou na confissão integral e sem reservas por parte do arguido, tendo o Tribunal ponderado ainda o seu depoimento quanto às suas condições pessoais - no que relevaram ainda os depoimentos de .. e … -, no talão do exame, auto de notícia quanto à verificação do aparelho e certificado de registo criminal.

Ao arguido é imputada a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, crime que se encontra previsto no artigo 292° do Código Penal.

Segundo o mencionado normativo:

"1 - Quem, pelo menos por negligência, conduzir veiculo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/I, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - Na mesma pena incorre quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica".

Estamos aqui perante um crime de perigo abstracto que tem como elementos constitutivos:

- A condução de veículo;

- Em via pública ou equiparada;

- Com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/I.

Ora, em julgamento ficou demonstrado que o arguido conduziu o veículo automóvel, vindo a acusar, quando submetido ao competente exame, uma taxa de álcool no sangue de 1,24 g/I.

Importa, todavia, determinar qual a efectiva taxa de álcool no sangue que o arguido era portador aquando do acto de condução.

A questão ora suscitada tem em vista a publicação da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, que aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.

O artigo 8° e o anexo ao diploma em questão prevêem a existência de erros máximos admissíveis que constituem uma margem de erro tolerável na medição do teor de álcool no ar expirado em termos de constituir fundamento para aprovação do aparelho.

Basicamente tal significa que os alcoolímetros são submetidos a operações de verificação nas quais, se as medições efectuadas pelo aparelho se contiverem dentro dos limites definidos como erro máximo admissível, implicam a aprovação desse aparelho.

Ora, a previsão de tais margens de erro retira a possibilidade de se afirmar a absoluta exactidão das medições dos alcoolímetros.

Efectivamente, não se pode admitir que um aparelho em teste produza medições que não são exactas e que, por efeito da sua aprovação, as medições passem a ser exactas.

Isso constituiria uma simulação de absoluta fidedignidade do aparelho que a própria lei, ao prever a existência de margens de erro, afasta in 1/mine.

Assim, uma vez aprovado o alcoolímetro terá de se admitir a possibilidade de as respectivas medições se conterem dentro dos limites de erro máximo admissível, implicando que se considere que o arguido conduzia veículo automóvel na via pública sendo portador de uma taxa de álcool no sangue pelo menos equivalente ao valor determinado pelo aparelho descontado que seja o erro máximo admissível

Pelo contrário, a prova resultante da medição através de alcoolímetros - e meios de controlo da velocidade - só é passível de impugnação com recurso ao próprio meio impugnado. O que confere um carácter quase absoluto a esse meio de prova.

Nesse quadro é compreensível e exigível um grau de certeza que se fixa quase ao nível do absoluto.

Ora, em tais termos apenas podemos considerar como certo que um condutor é portador da taxa de álcool no sangue correspondente ao valor indicado pelo aparelho uma vez efectuado o devido desconto, isto é, uma vez aplicado o erro máximo admissível para o tipo de aparelho e a operação de verificação.

É certo que o arguido não pós em causa a taxa de álcool no sangue que acusou no aparelho, aceitando o resultado do exame de contraprova.

Contudo, essa circunstância não interfere com o raciocínio ora operado, dado que da acusação consta que o arguido, submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, apresentou a taxa de álcool no sangue de 1,24 g/I.

É precisamente esse facto que o arguido confessou, que o aparelho acusou essa taxa, não se podendo afirmar que o arguido confessou que conduzia o veículo automóvel com essa taxa, pois, como se afigura evidente, o arguido não dispõe de um mecanismo que lhe permita determinar qual a efectiva taxa de álcool no sangue de que é portador, estando fora das capacidades do ser humano medir a taxa de álcool no sangue.

Por outro lado, a força probatória de determinado meio de prova alheio ao arguido não pode estar dependente da vontade deste e da sua iniciativa em contraditá-lo.

Daí que o raciocínio operado não seja posto em causa pela confissão integral e sem reservas do arguido.

Assim sendo, não se mostra preenchido o elemento objectivo, taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/I, de que depende a punição criminal, pelo que improcederá a acusação nessa parte.

Sendo certo que subsiste a responsabilidade contra-ordenacional do arguido

[artigos 812, nos 1, e 5, alínea b), e 1462, alínea j), do Código da Estrada], este Tribunal não tem competência para aplicação das correspondentes sanções, por não se encontrar verificado o pressuposto definido no artigo 382, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações.

Em face do exposto, o Tribunal decide:

Absolver o arguido J... do imputado crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

Sem custas.
Apreciação
Da impugnação da decisão em matéria de facto
A primeira dimensão do recurso prende-se com impugnação alargada da decisão em matéria de facto. Na medida em que este tribunal da relação conhece de facto e de direito (artº 428º do CPP), a pretendida modificação da decisão de facto encontra enquadramento na impugnação da decisão, na forma e nos termos contemplados nos artºs. 412º, nº3 e 4 e 431º, al. b) do CPP. Só num segundo momento, caso se mantenha inalterada a decisão, caberá apreciar da presença de vício previsto no artº 410º, nº2, do Código de Processo Penal [[iv]].
O recorrente exprime discordância relativamente à decisão de facto que deu como não provada a taxa de álcool de sangue indicada na acusação – 1,24 g/l – e provada outra taxa – 1,15 g/l - e apela para a ponderação dos documentos de fls. 5 e 6 e das declarações confessórias do arguido, cujas específicas passagens a ponderar indica.
Estamos, então, em condições de apreciar a questão, a qual é simples na sua formulação: Deve ser dado como provado que o arguido conduziu veículo automóvel com a TAS de 1,24?
Na sua apreciação, existem duas vertentes distintas, uma primeira relativa ao valor da confissão integral e sem reservas declarada pelo Tribunal a quo e a segunda relativa à dedução da percentagem de erro máximo admitido para aquele tipo de aparelho.
2.3.1.1. Confissão
Decorre claramente dos documentos de fls. 5 a 6, e não é discutido, que no dia 29/06/08, pelas 02.04h, o arguido foi sujeito a medição do ar expirado pelo aparelho Dräger, modelo 7110 MKIII P[v], número de série ARPN-0091, o qual registou o valor de 1,33 gr/l de TAS e que, porque exerceu o direito a requerer contraprova através de novo exame ao ar expirado, foi 12 minutos depois sujeito a nova medição, obtendo-se então um registo de 1,24 gr/l de TAS.
Realizado julgamento sumário, o arguido «declarou pretender confessar de os factos que lhe são imputados no auto de notícia» [[vi]]. Seguiu-se o seguinte despacho judicial:
«Atenta a confissão integral e sem reservas assumida pelo arguido, nos termos do disposto no artº 344º, nºs 1 e 2, als. a) e b) do CPP, a renúncia à produção de prova relativamente aos factos que lhe são imputados, considerando-se como provados».
Todavia, e em contradição com essa última declaração, veio a ser proferida sentença em que se dá como não provado que o arguido era portador da TAS imputada (1,24 g/l) e como provado que a sua taxa era de «pelo menos 1,15 g/l».
Questiona o recorrente porque não foi atendida a confissão, o que encontra na decisão recorrida a resposta de que se entendeu que a essa admissão não abrange a TAS registada porque encontra-se «fora das capacidades do ser humano medir a taxa de álcool no sangue». Trata-se de entendimento seguido em diversas decisões, mormente do Tribunal da Relação do Porto [[vii]] e que fundamentalmente aceita a coexistência de confissão integral e sem reservas e a ausência de prova de facto imputado na acusação ao confitente. Pensamos que tal não pode acontecer. 
Na obra fundamental sobre a confissão no direito probatório, Lebre de Freitas começa por escrever:
«Confiteri significa em latim «falar em conjunto», no sentido de «concordar», «dizer a mesma coisa», e este significado etimológico da palavra harmoniza-se com o entendimento da confissão como o encontro de duas afirmações coincidentes. Este entendimento é, por alguns autores, feito remontar ao direito romano, onde a confissão exigiria a prévia alegação dum facto ou dum direito favorável ao alegante e reconhecido seguidamente pela parte contrária» [[viii]].
Esse sentido de reconhecimento e de desfavor encontra consagração no artº 352º do CC, nos termos do qual:
«Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária».
Naturalmente, enquanto afirmação de uma realidade, a declaração confessória envolve a representação intelectual do facto cuja verdade se reconhece. Por isso, a confissão estrutura-se como uma declaração de ciência e de verdade, feita necessariamente a partir da cognição do declarante e não da de terceiros [[ix]].
Assim definida a figura, importa dar razão ao MºPº quanto aponta contradição lógica entre declarar que o arguido confessou integralmente e sem reserva, ou seja, que reconheceu a verdade de todos os factos de que foi acusado e também que agiu de forma antijurídica [[x]] e depois dar como não provado alguns dos factos da acusação, com o argumento que se encontra fora da percepção do confitente.
É que se o Tribunal considera à partida que o facto é insusceptível de ser reconhecido por qualquer pessoa está a dizer que não existem razões de ciência para tal declaração e, então, não existe confissão. Essa situação não se distingue daquela em que o arguido afirma que não tem condições de saber se o facto é verdadeiro ou não mas quer concedê-lo, de forma a beneficiar dessa postura e do seu relevo atenuante[xi].
Sem prejuízo da valoração global das declarações do arguido, temos por certo que nesse caso não existe confissão. Falta-lhe o seu elemento fundamental: a declaração de verdade.
Posto isto, será adequado considerar que a presença e quantificação da taxa de álcool no sangue integra matéria exterior ao espaço cognitivo de qualquer pessoa? Pela nossa parte, a resposta é negativa.
Não sofre dúvida que os sentidos não permitem quantificar valores biológicos como a TAS, mas temos igualmente como certo que, existindo reflexos somáticos do consumo de álcool, o ser humano pode formular padrões experimentais de auto-aferição da influência etílico, a partir de um conjunto de índice que não carecem de instrumentos sofisticados. Esses índices coincidem em boa parte com os aspectos enunciados na portaria nº 902-B/2007, de 13/8, para o exame médico do estado de influenciado pelo álcool, como seja, a alteração do equilíbrio e da coordenação de movimentos bem como perturbação das funções cognitivas. Quem não associou o caminhar trôpego e a voz pastosa e entaramelada de outrem como sinais de pronunciada ingestão de álcool?
Pode objectar-se que este raciocínio apenas consente que se admita a confissão da ingestão de álcool e da sua influência mas nunca de uma taxa precisa, em particular quando próxima do limite legal da penalização. Mas, sendo a experiência uma construção diária a partir da partir da multiplicação de eventos, o grau de ingestão de álcool não escapa a esse domínio. Exemplificando, um qualquer indivíduo que num determinado dia e hora consome quatro porções de um tipo de bebida alcoólica e é sujeito a exame com recurso a alcoolímetro, acusando a TAS de 1,24 gr/l, caso repita nos dias imediatos esse exacto comportamento e exame pode consciente e validamente interiorizar que voltará a registar essa mesma taxa. Nada justifica, nesse quadro de circunstâncias, que se afirme absoluta incapacidade para formular uma declaração de ciência e de verdade relativamente a essa conduta [[xii]].  
Porém, no caso em apreço, ouvido o registo da prova verifica-se que o arguido admitiu ter bebido diversas cervejas e que, antes mesmo de realizar o primeiro exame, tinha consciência de que o resultado seria superior ao limite legal, ainda que sem poder determinar com exactidão qual a taxa.
Então, e ao contrário do que foi entendido, não se existiu confissão integral e sem reservas, como foi, erradamente, decidido mas sim confissão parcial, circunscrita à ingestão de bebidas alcoólicas. Quanto ao mais, mormente relativamente à TAS de 1,24 gr/l ou qualquer outra, nada foi reconhecido.
A este propósito, diz o recorrente que, tendo o Tribunal aceite a confissão como integral e feito actuar o disposto no artº 344º, nº2, al. a) do CP, ficou impedido de produzir prova sobre a veracidade da TAS e qualifica o procedimento como «perverso».
Acontece que o Tribunal, confrontado com confissão parcial e convicto que nenhuma prova pessoal poderia contribuir para a decisão relativa à parte não confessada, tinha ao seu dispor o disposto no artº 344º, nº4, do CPP, isto depois de respeitado o contraditório.
Acresce que o recorrente não indica qual foi a prova que, em concreto, ficou privado de ouvir sobre essa questão, o que torna espúria a indicação de prejuízo para o exercício da acção penal que se encontra constitucionalmente ao Ministério Público.
Face ao exposto, importa considerar que não existe fundamento para alterar a decisão em matéria de facto em virtude de confissão do arguido.
2.3.1.2. Dedução do erro máximo admissível
Passemos agora à segunda vertente do problema colocado, começando por dizer que esta discussão constitui seguramente uma das matérias mais revisitadas nos nossos Tribunais da Relação e que depara com resposta jurisprudencial diversa.
Para uma primeira orientação, a incidência de uma margem de incerteza na medição da TAS através do ar expirado conduz, por obediência ao princípio in dubio pro reo, à aplicação automática da percentagem máxima de erro, porque margem de incerteza, entendimento seguido pela decisão recorrida [[xiii]]; enquanto noutra orientação, que cremos maioritária, quando a fiabilidade do aparelho não seja fundadamente posta em causa, deve atender-se à medição registada [[xiv]], sem qualquer desconto, posição defendida pelo recorrente Ministério Público. com o devido respeito por opinião diversa, este vem sendo igualmente o entendimento que consideramos decorrer do regime legal vigente.
Vejamos porquê.
Nos termos do artº 153º, nº1, do Código da Estrada, o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito. Esse mesmo preceito estipula no nº2 a possibilidade do examinado requerer a realização de contraprova, o que pode acontecer, de acordo com a vontade do examinando, através de novo exame, novamente a efectuar através de aparelho aprovado para a análise do álcool no ar expirado (TAE), ou então através de análise ao sangue. Quando tiver lugar contraprova, diz o nº6 do mesmo preceito que o respectivo resultado prevalece sobre o resultado do exame inicial.
A exigência de aprovação do aparelho utilizado para a pesquisa de álcool no ar expirado e as regras de controlo metrológico encontram-se na portaria 1556/2007, de 10/12, a qual passou a acolher a Recomendação da OIML R 126, publicada em 1998 [[xv]], no âmbito do regime jurídico desse controlo, constante do D.L. 291/90, de 20/09, e também do regime geral do controlo metrológico, estabelecido na portaria nº 962/90, de 9/10 [[xvi]]. Resulta do referido D.L. que os instrumentos de medição estão sujeitos a controlo, o qual compreende uma de várias operações, a saber, a aprovação de modelo; primeira verificação; verificação periódica; e verificação extraordinária, sendo os critérios de qualidade metrológica estabelecidos nos respectivos regulamentos de harmonia com as directivas comunitárias ou, na sua falta, pelas recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML) ou outras disposições aplicáveis indicadas pelo Instituto Português de Qualidade. Em anexo, são indicados os valores de erro máximo admissível para efeito desse controlo, sendo que o valor aplicável para o intervalo de TAE de 0,40 e 2,00 é de 5% para a primeira verificação e de 8% para as subsequentes. Convertidos esses valores para TAS, o intervalo para essas percentagens é de 0,92 a 2,30.
Mas, subjacente ao regime jurídico de controlo metrológico encontra-se o postulado de que toda a medição, seja qual for a realidade ponderada, envolve necessariamente uma margem de incerteza quando aos valores finais registados [[xvii]]. Daí a previsão no D.L. de 291/90, de 20/9, de «tolerâncias admissíveis» [[xviii]] e na portaria 110/91, de 6/2, de «erro máximo admissível, para mais ou para menos, da concentração de álcool etílico», ou EMA, conceito continuado nas portarias que se lhe seguiram [[xix]]. Em todos esses diplomas, procura-se «definir barreiras limites dentro das quais as indicações dos instrumentos de medição, obtidas nas condições estipuladas de funcionamento, são correctas» [[xx]] e que perspectivam a sua aplicação unicamente aos actos de aprovação de modelo, primeira verificação e verificação periódica, e não à «correcção» os valores registados pelos aparelhos. Assim decorre inequivocamente da estatuição que os instrumentos que não ultrapassem a margem de tolerância admissível são aprovados e neles aposto o correspondente símbolo atestador de qualidade e fiabilidade, de acordo com o regulamento geral do controlo metrológico, constante da portaria nº 962/90, de 9/10.
Acresce que o legislador estradal procurou atingir na fiscalização da condução sob a influência de álcool garantias de respeito pela verdade e fê-lo através da estipulação da possibilidade de solicitação de contraprova, seja através de análise ao sangue, seja através de novo exame, repetindo a análise do ar expirado. Fica assim, na disponibilidade do arguido conformar-se com o primeiro resultado ou solicitar novo apuramento, sujeitando-se então à regra do artº 153º, nº6, do CE: o resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial.
Essa prevalência significa que o legislador confere ao resultado do exame de contraprova características de fiabilidade associadas à prova pericial [[xxi]], o que deve também acontecer com o resultado do primeiro exame quantitativo. De outra forma, não se compreenderia que o legislador admitisse a contraprova através do mesmo método.
Ao que nos parece, o sistema legislativo apenas encontra coerência na consideração de que o método de medição (medição do teor de álcool no ar expirado) e os aparelhos concebidos e aprovados para o efeito são fiáveis, pois o seu funcionamento controlado oferece as garantias possíveis de verdade, deixando à contra-prova a ultrapassagem da inescapável margem de incerteza associada à metrologia.
Note-se que nem mesmo a análise ao sangue escapa a essa condição, existindo estudos que colocam a sua fiabilidade aquém da conferida à medição do teor de álcool no ar expirado (TAE) [[xxii]].
Partilham-se, pelo exposto, das conclusões exaradas no Acórdão da Relação de Guimarães de 11/06/2008 [[xxiii]]:
«- Nem à face da Portaria 1556/2007 de 10 de Dezembro, nem da legislação que a precedeu, está ou esteve legalmente estabelecida qualquer margem de erro (mínimo e máximo) para aferir resultados obtidos pelos analisadores quantitativos de avaliação do teor de álcool no sangue, numa qualquer medição concreta. Tais margens de erro respeitam apenas à aprovação e verificação periódica dos alcoolímetros;
- No caso de dúvida sobre a autenticidade de tais valores e sobre a fiabilidade do aparelho, resta a realização de novo exame, por aparelho igualmente aprovado, ou a análise ao sangue;
- Quando em operação de fiscalização de condutor para detecção de nível de alcoolemia no sangue, não seja levantada por ele qualquer dúvida sobre a autenticidade do valor registado inicialmente pelo aparelho de análise quantitativo de avaliação do teor de álcool no sangue, e mesmo sobre a fiabilidade deste último nem requerida contraprova, inexiste qualquer fundamento técnico-científico ou jurídico para a aplicação de qualquer margem de erro à taxa de alcoolemia detectada, o que, a acontecer na decisão, gerará o vício do "erro notório" na apreciação da prova pelo Tribunal "a quo", nos termos do art. ° 410.°, n. ° 2, al. c), do Código de Processo Penal».
Posto isto, importa dizer que, na situação em apreço, este entendimento é o único compatível com as condicionantes metrológicas.
Tendo em atenção que entre um e outro exame, com recurso ao mesmo aparelho, mediaram 12 minutos – menos de metade da dilação máxima prevista no artº 2º da Lei 18/2007, de 17/5 - o desvio entre os resultados foi de -0,9 gr/l, ou seja, de -7%, próximo do desvio máximo negativo admissível de 8%, conforme a referida tabela constante da portaria nº 1556/2007, de 10/12.
Então, aplicar ao valor registado no último exame um desconto de 8% significa que ficaria ultrapassada a referida margem, contrariando, a própria certificação do aparelho, sem a menor dúvida sobre a sua fiabilidade.
Face ao exposto, cumpre alterar a decisão em matéria de facto, deixando provada a taxa efectivamente registada no exame de contra-prova, ou seja, a TAS de 1,24 gr/l.
Em conformidade, os factos provados com os nºs. 1 e 2 são modificados de nos seguintes termos:
No dia 29 de Junho de 2008, pelas 2 horas, o arguido … conduziu o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula 44-96-TP, no Bairro do Purgatório, em S. Romão - Seia, com uma taxa de álcool no sangue de 1,24 gr/I.
O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que conduzia veículo na via pública sendo portador de uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida e que esse comportamento era proibido e punido por lei.
O facto provado com o nº 3 é eliminado assim como aquele referido como não provado.
Dos vícios previstos no artº 410º, nº2, als. b) e c) do CPP – contradição insanável e erro notório na apreciação da prova
Sustenta o recorrente que existe contradição insanável na decisão recorrida quando afirma a confissão do arguido e inclui nos factos provados TAS distinta da imputada e erro notório na apreciação da prova com a dedução automática de uma margem de erro do alcoolímetro e, face ao que se referiu, apenas lhe assiste razão relativamente ao segundo desses vícios da decisão.
Porém, com a alteração da decisão em matéria de facto no sentido propugnado pelo recorrente e, então, expurgado o vício, fica prejudicada a apreciação de tais questões (artº 660º, nº2, do CPC).
Do crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo artº 292º, nº1, do CP
Nos termos do artº 292º, nº1, do CP, quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 gr/l, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. Define-se crime de perigo abstracto, justificado pelo relevo negativo na sociedade da sinistralidade estradal e, dentre esta, na incidência da ingestão de álcool, fortemente limitadora da capacidade de controlo de veículo e geradora de acidentes, muitos deles com perdas de vidas humanas.
No caso em presença, o arguido José Manuel Cardoso conduzia em via pública veículo automóvel com uma TAS de 1,24 gr/l, ou seja, no domínio da previsão do referido tipo penal.
Assim, dúvidas não restam quanto ao cometimento do crime por que foi acusado, cumprindo condená-lo pelo seu cometimento.
Da espécie e medida da pena
Na ponderação concreta da pena, tendo em atenção os critérios do artº 71º do C.P., cumpre determinar a medida da sanção tendo como limite e suporte axiológico a culpa do agente e em função das exigências da prevenção de futuros crimes, sem esquecer que a finalidade última da intervenção penal é a reinserção social do delinquente, sendo incompatível com o Estado de direito democrático finalidade retributiva[xxiv].
No modelo que enforma o programa político-criminal vigente, marcado, como decorre do artº 40º do CP, pelo binómio culpa-prevenção, cumpre encontrar primeiro uma moldura de prevenção geral positiva, determinada em função da necessidade de tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da validade da norma violada[xxv]. Fixada esta, correspondendo nos seus limites inferior e superior à protecção óptima e protecção mínima do bem jurídico afectado, deve o julgador encontrar a medida concreta da pena em conjugação com as exigências de prevenção especial de socialização do agente, sem ultrapassar a medida da culpa. Nesta tarefa, os critérios do artº 71º do CP «têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha e medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação de valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento, ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente»[xxvi].
No caso em presença, o arguido apresentava TAS muito próxima do mínimo correspondente à punição criminal, confessou a conduta, não regista qualquer condenação anterior e apresenta adequada inserção socioprofissional - é casado, trabalha na distribuição de bebidas e aufere €500,00 mensais, a esposa aufere €450,00, vivem em casa arrendada, pelo qual pagam €130,00 de renda e têm uma filha de 14 anos, estudante.
Perante tais factores, que remetem as exigências de prevenção geral positiva para níveis reduzidos, sem postergar a importância da contramotivação dirigida a este tipo de condutas fortemente perigosas, impõe-se, em obediência ao disposto no artº 70º do CP, perante pena compósita alternativa, a escolha da sanção não privativa da liberdade.
A moldura penal da multa situa-se entre o mínimo geral de 10 dias e o máximo de 120 dias, devendo atendendo-se na sua fixação, como na definição da taxa diária, à situação económica do arguido e financeira e aos seus encargos pessoais (artº 47º, nº2, do CP). Cabe fixar quantum sancionário que represente sacrifício mas não ultrapasse a culpa, preservando ainda o mínimo necessário e indispensável à satisfação das necessidades básicas do condenado e do seu agregado familiar.
Aqui chegados, importa acautelar uma distorção no sistema sancionatório, como seria a imposição de sanção pecuniária em sede penal inferior ao mínimo correspondente à infracção contra-ordenacional decorrente do artº 81º, nº5, al. b) do CE - €500,00. A confiança dos cidadãos na eficácia da norma penal ficaria fortemente colocada em crise se à passagem de uma conduta de contra-ordenação para crime correspondesse diminuição do significado económico da sanção.
Face ao exposto, entendemos adequada as finalidades da punição, sem exceder a culpa do arguido, fixar a multa em 75 (setenta e cinco) dias e a taxa diária em 7,00€ (sete euros), ou seja, em 525,00€ (quinhentos e vinte e cinco euros) de multa. Note-se que ao arguido assiste a possibilidade de requerer o pagamento em prestações, por período até dois anos, nos termos do artº 47º, nº2, do CP.
Nos termos do artº 69º, nº. 1, al. a) do CE, a condenação pelo crime tipificado no artº 292º do CP importa a condenação na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor por um período entre três meses e três anos. Como refere Figueiredo Dias, estamos perante verdadeira pena acessória, assente no pressuposto material da condenação por crime no exercício da condução, em circunstâncias especialmente censuráveis, elevando o limite da culpa, visando contribuir «em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano»[xxvii].
Também aqui, deve atender-se a primariedade penal e à TAS apresentada, emergindo como suficiente fixar a pena acessória no seu limite inferior, ou seja, em 3 (três) meses.
Dispositivo

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em:
Conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público;
Modificar os pontos 1, 2 e 3 dos factos provados e o facto não provado, da seguinte forma:
Os pontos 1 e 3 dos factos provados passam a ter a seguinte redacção:
No dia 29 de Junho de 2008, pelas 2 horas, o arguido J... conduziu o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula 44-96-TP, no Bairro do Purgatório, em S. Romão - Seia, com uma taxa de álcool no sangue de 1,24 gr/I.
O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que conduzia veículo na via pública sendo portador de uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida e que esse comportamento era proibido e punido por lei.
O ponto 2 dos factos provados é eliminado;
O facto não provado é eliminado;

Condenar o arguido … pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo artº 292º, nº1, do CP, na pena de 75 (setenta e cinco) dias e a taxa diária em 7,00€ (sete euros), ou seja, em 525,00€ (quinhentos e vinte e cinco euros) de multa e ainda na pena acessória de proibição de condução de qualquer veículo com motor

[i] Transcrição.
[ii] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2ª ed., Ed. Verbo, pág. 335 e Ac. do STJ de 99/03/24, in CJ (STJ), ano VII, tº 1, pág. 247.
[iii] Cfr., por exemplo, art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2, 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP e acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/95, publicado sob o n.º 7/95 em DR, I-A, de 28/12/95.
[iv] No sentido de que a apreciação da impugnação alargada deve preceder o conhecimento dos vícios evidenciados na decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, pois estes pressupõem a estabilidade do enunciado de factos, cfr. Ac. do STJ de 05-07-2007, Pº 07P2279 , de 05/07/200/, relator Cons. Simas Santos, www.dgsi.pt.

[v] Aquele modelo foi aprovado pelo IPQ por despacho 211.06.96.3.30, publicado Diário da República, II-série, de 2/09/96 e pelo director geral da DGV por despacho nº 12594/07, de 16/03/2007, publicado no Diário da República, II - Série, de 21/06/2007.
[vi] Acta de fls. 23.
[vii] Acórdãos da Relação do Porto de 10/09/2007, Pº 0843109, relator Des. Ernesto Nascimento, 26/11/2008, Pº 0812537, relatora Des. Maria Leonor Esteves, de 15/10/2008, Pº 0813607, relator Des. Luís Teixeira e de 26/11/2008, Pº 0812537, relatora Des. Isabel Pais Martins, todos em www.dgsi.pt.
[viii] José Lebre de Freitas, A confissão no Direito Probatório, Coimbra Ed., 1991, pág. 19.
[ix] Cfr. Lebre de Freitas, ob. cit., págs. 159 a 165.
[x] Tem razão Carlos Climent Durán, La prueba penal, 2ªed., tomo I, Tirant lo Blanch, 2005, pág. 374, quando refere que a prova por confissão passa pela declaração autoinculpatória; quando assim não acontece estamos perante simples declarações. Por isso mesmo, i.e. pela proximidade da condenação que acarreta, sentiu o legislador necessidade de regular especificadamente a sua produção (artº 344º do CPP).
[xi] Observe-se que essas situações não são raras.
[xii] No sentido exposto, admitindo que a confissão de arguido incida também sobre o valor da TAS, cfr. o Acórdão desta Relação de Coimbra de 11/11/2008, Pº 62/08.2, relator Des. Vasques Osório e também os Acs. da Relação do Porto de 28/05/2008, Pº 0811729, relator Des. Manuel Braz, 28/04/2008, Pº 0840644, relator Custódio Abel e de 02/07/2008, Pº 0814166, relatora Des. Maria do Carmo Dias, todos em www.dgsi.pt.
[xiii] Cfr. os acórdãos desta Relação de 09/01/2008, Pº 15/07.1 PAPBL-C1, relator Des. Jorge Raposo e Pº 426/04.6TSTR.C1, relator Des. Orlando Gonçalves; da Relação do Porto de 19/12/2007, Pº 000040884, relator Des. Pinto Monteiro; da Relação de Guimarães de 26/02/2007, Pº 2602/06.2, relator Des. Anselmo Lopes; e da Relação de Lisboa de 07/05/2008, Pº 2199/2008-3, relator Des. Carlos Almeida, todos em www.dgsi.pt. Em suporte desta orientação, veja-se igualmente Benjamin Rodrigues, Da Prova Penal, Tomo I, Coimbra Ed., 2008, págs. 112-117.
[xiv] Cfr. Acórdãos desta Relação de 30/01/2008, Pº nº 91/07.3 PANZN.C1, relator Des. Esteves Marques, de 30/01/2008, Pº 295/07.9 GTLRA.C1, relator Des. Vasques Osório, de 11/11/2008, Pº 62/08.2GBPNH.C1, do mesmo relator e de 10/12/2008, Pº 17/07.4PANZR; da Relação de Lisboa de 23/10/2007, Pº 7226/2007-5, relator Des. Vieira Lamim, de 03/10/2007, Pº 4223/2007-3, relator Des. Moraes Rocha, de 09/10/2007, Pº5995/2007-5, relator Des. Agostinho Torres, de 18/10/2007, Pº 7213/07-9, relator Des. Almeida Cabral, de 03/07/2007, Pº 5092/2007-5, relator Des. Vieira Lamim e de 07/05/2008, Pº 2199/2008-3, relator Des. Carlos Almeida; da Relação do Porto de 06/02/2008, Pº 00041033, relator Des. Donas Botto, de 12/12/2007, Pº 00040854, relator Des. António Gama e de 14/01/2009, Pº 0815205, relatora Des. Eduarda Lobo; e da Relação de Évora, de 22/05/2007, Pº 441/07-1, relator Des. Carlos Berguete e de 16/12/2008, Pº 2220/08-1, relator Des. Gomes dos Silva; da Relação de Guimarães de 11706/2008, Pº 806/08.2, relator Des. Cruz Bucho, de 25/07/2008, Pº 1604/08.2, relator Drs. Tomé Branco e de 29/09/2008, Pº 1188/08.2, relator Des. Fernando Monterroso, todos acessíveis em www.dgsi.pt. Também os acórdãos da Relação de Lisboa de 29/11/2007, Pº 866/07, relator Des. Guilherme Castanheira e de 21/02/2008, Pº 10259/07, relator Des. Carlos Benido, sumariados em www.pgdlisboa.pt. Igualmente neste sentido, cfr. M. Céu Ferreira e António Cruz, do Instituto Português de Qualidade, Controlo Metrológico de Alcoolímetros no Instituto Português de Qualidade, acessível em:  http://www.spmet.pt/comunicacoes_2_encontro/Alcoolimetros_MCFerreira.pdf
[xv]Não pode deixar de causar estranheza que o legislador tenha esperado nove anos para acolher tal recomendação.
[xvi] Para abarcar o todo o regime relativo ao controlo metrológico é necessário juntar a esses diplomas ainda o D.L. 192/2006, de 26/9, o qual tem aplicação circunscrita a um catálogo de instrumentos indicado. Os instrumentos de medição da taxa de álcool no ar expirado não estão incluídos nesse elenco.

[xvii] Cfr. as obras citadas no Ac. da Relação do Porto de de 12/12/2007, Pº 00040854 e ainda o texto, com o sugestivo título «Medir é errar»,  da autoria de Maria Teresa Restivo e Carlos Sousa,  acessível em http://ae.tagus.ist.utl.pt/p_de_bol/b_p/67.pdf.
[xviii] Artº 4º do D.L. 291/90, de 20/9.

[xix] Também o D.L. 192/2006, de 26/9, contém o conceito de «erro máximo admissível» para os instrumentos nele abrangidos, nos seguintes termos «Erro Máximo: Nas condições estipuladas de funcionamento e na ausência de perturbações, o valor do erro da medição não deve exceder o valor do erro máximo admissível estabelecido nos requisitos específicos aplicáveis ao instrumento em causa. Salvo indicação em contrário nos requisitos específicos relativos a cada categoria de instrumento, o valor do erro máximo admissível é expresso como valor do desvio, por excesso e por defeito, em relação ao valor verdadeiro da grandeza medida».
[xx] M. Céu Ferreira e António Cruz, ob.cit.
[xxi] Esse é o entendimento no país vizinho, como refere Carlos Climent Durán, La prueba penal, Tirant lo Blanch, Valencia, 2005, pág. 2183-2184. Citando duas decisões do Tribunal Constitucional espanhol, esse autor integra a medição da taxa de álcool no sangue no âmbito da prova pericial lato sensu, porque realizada através de instrumento técnico-especializado, cujo funcionamento assenta em princípios científicos e que, pela sua especificidade, não pode ser repetido. Também assim considera o Ac. da Relação do Porto de 12/12/2007, Pº 00040854, relator António Gama.
[xxii] Referem M. Céu Ferreira e António Cruz: «A fiabilidade dos processos de análise da TAS pode ser posta em causa, porque a sua qualidade não é regulamentada nem atestada por qualquer entidade, seja a instrumentação, sejam os meios de referência usados como padrão. Ao não serem submetidos a controlo metrológico obrigatório, não têm paralelo com a fiabilidade da disciplina do controlo metrológico obrigatório a que é submetida a instrumentação da TAE (...) Estudos comparativos entre as medições efectuadas para a TAS e a TAE, dentro deste intervalo de tempo, revelam, em regra, para os aparelhos existentes no mercado e submetidos ao controlo metrológico, uma menor incerteza de medição para a TAE e, consequentemente, uma maior fiabilidade para as medições».
[xxiii] Já referido na nota 6.
[xxiv] Figueiredo Dias, Fundamento, sentido e finalidades da pena criminal, Coimbra Ed., 2001, pág. 104 e segs.
[xxv] Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Ed. Aequitas, 1993, pág. 227.
[xxvi] Ac. do STJ de 28/09/2005, Pº 05P2537, relator Cons. Henriques Gaspar, www.dgsi.pt.
[xxvii] Figueiredo Dias, Direito Penal Português ..., pág. 165.