Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
328/98. 8GAACB-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PRESCRIÇÃO DA PENA
SUSPENSÃO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 03/17/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 122.º, ALÍNEA D), ALÍNEAS A) E C) DO N.º 1 DO ARTIGO 125.º DO C.P.
Sumário: I. - Entre o momento da prolação da sentença condenatória e o da revogação da suspensão da pena, a execução da pena (principal) de prisão não pode ser legalmente iniciada, pelo que, durante tal período de tempo, o prazo prescricional se mantém suspenso, nos termos do artigo 125º, n.º 1, al. a) do CP (e não, nos termos da alínea c)).
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

, arguida nos autos, veio interpor recurso do despacho, proferido em 31-7-2008, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão que lhe fora imposta.

E, da respectiva motivação extraiu as seguintes conclusões:

A- O disposto no artigo 122.°/1, alínea d) do Código Penal permite concluir que a responsabilidade criminal se extingue, e com ela a pena estabelecida, quando decorram quatro anos do trânsito em julgado da decisão que tiver aplicado esta última, nos casos em que a pena seja inferior a dois anos de prisão.

B- A Recorrente foi condenada numa pena de prisão de 18 meses - inferior portanto a dois anos -, por Acórdão do Tribunal Colectivo de Alcobaça, de 28 de Junho de 1999.

C- Em Julho de 2003, volvidos quatro anos do trânsito em julgado da sentença condenatória, a pena de prisão prescreveu, extinguindo-se a responsabilidade criminal da Recorrente.

D- A prescrição da pena não foi interrompida por qualquer facto, já que a detenção da Recorrente, como já foi judicialmente fixado, padeceu de ilegalidade.

E- Ainda que o prazo de prescrição apenas começasse a decorrer a partir do termo da suspensão da pena, a igual conclusão se chegaria: bastaria acrescentar três anos e em Julho de 2006 a responsabilidade criminal extinguiu-se.

F- Isto porque, durante todo o período que medeia entre Julho de 1999 e a presente data, o prazo prescricional não foi interrompido por decisões legais e válidas que incidissem sobre a execução da pena.

G- Por tudo o que fica exposto, é também ilegal o Despacho ora posto em crise, na medida em que desconsidera as normas do Código Penal supra citadas,

H- e os mais preciosos interesses juridicamente protegidos, que a elas subjazem, como a segurança e paz jurídica.

I- Impõem-se assim a revogação do Despacho do Tribunal Judicial de Alcobaça, de 31 de Julho de 2008, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos supra identificados.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. muito Doutamente suprirão, a Recorrente requer:

1. A revogação do Despacho do Tribunal Judicial de Alcobaça, de 31 de Julho de 2008, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos supra identificados.

O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta, pronunciando-se pela manutenção do despacho recorrido, por concluir que:

- o prazo de prescrição da pena ainda não ocorreu;

- tal prazo encontra-se suspenso nos temos do art. 125º, n.º 1 do Código Penal.

Nesta instância a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, defendendo que «à data de prolação do despacho que revogou a suspensão da execução da pena, proferido em 31 de Julho de 2008 e agora em recurso, já estava extinta, pelo decurso do prazo de prescrição, a pena suspensa decretada em substituição da pena de prisão aplicada, pelo que o recurso merecerá provimento, revogando-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que determine a extinção da pena de substituição aplicada por decurso do respectivo prazo de prescrição».

Os autos tiveram os vistos legais.

II – FUNDAMENTAÇÃO

É do seguinte teor o despacho recorrido:

Nos presentes autos, por acórdão datado de 28/06/1999 e transitado em julgado, foi a arguida …, condenada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 250, alínea a) do Decreto-Lei na 15/93, de 22/01, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, sob as seguintes condições:

a) Submeter-se a acompanhamento a realizar pelo IRS, durante o período da suspensão, que elaborará relatórios semestrais;

b) Submeter-se a tratamento, sob a orientação do IRS, à sua toxicodependência, incluindo internamento em estabelecimento adequado, se tal se mostrar necessário;

c) Obter trabalho, no prazo máximo de três meses, e desenvolvê-lo, de forma regular, durante todo o período da suspensão da execução da pena.

No decurso do período de suspensão da execução da pena, foi junto aos autos relatório social de acompanhamento, a fls. 161, comunicando o incumprimento, pela arguida, das condições que lhe foram impostas para suspensão da execução da pena, nomeadamente, mudança de residência, por diversas vezes, sem prévia comunicação ao IRS de qualquer alteração ao seu endereço, manutenção de contactos com toxicodependentes, não marcação de entrevista no CAT, não instauração de contactos com o Centro de Emprego de Alcobaça, com vista à sua inserção laboral, faltas consecutivas às convocatórias do IRS, acabando por se ausentar para local desconhecido, sem prévia comunicação ao IRS.

Notificada para se pronunciar quanto a este incumprimento que poderá levar à revogação da suspensão da execução da pena, a arguida juntou requerimento a fls. 417 e seguintes, alegando, em síntese, que não cumpriu de imediato as condições a que a suspensão da pena estava subordinada, no entanto, após prestar trabalho de curta duração em vários estabelecimentos comerciais, celebrou em 22 de Outubro de 2002 um contrato de trabalho a termo certo com a "…"; pelo período de seis meses, tendo celebrado em 21 de Julho de 2003 um outro contrato de trabalho a termo certo com a "…", contrato esse que estava ainda a cumprir em 3 de Março de 2004, data da sua detenção. Acresce que integrou o programa de terapias de substituição com cloridrato de metadona, junto do CA T de Loures - Póvoa de Santo Adrião, em 10 de Setembro de 2001, tendo cumprido o projecto terapêutico que lhe foi proposto até à data da sua detenção, pelo que considera ter cumprido as condições impostas no acórdão, devendo a pena aplicada ser declarada extinta.

Entretanto, a arguida ausentou-se para parte incerta, não tendo sido mais localizado o seu paradeiro.

Ora, os factos relatados no relatório social junto aos autos demonstram, com toda a clareza, que as finalidades que estiveram na base da suspensão não lograram ser alcançadas, pois que, não obstante a eminência da pena de prisão, a arguida não diligenciou por cumprir as condições que lhe foram impostas para a suspensão da execução da pena.

Com efeito, não obstante a mesma tenha comprovado nos autos que, três anos após a decisão iniciou trabalho, certo é que foram contratos de trabalho precários, cujos vínculos cessaram, quando a decisão lhe impunha que iniciasse trabalho no prazo de três meses após a decisão e que o mesmo se mantivesse, com carácter de regularidade no período da suspensão.

Acresce que, não obstante a arguida tenha iniciado, no ano de 2001, tratamento ao problema da dependência do consumo de produtos estupefacientes, certo é que, entretanto, se ausentou para parte incerta, não tendo concluído, com êxito, o programa que iniciou.

É ainda de referir que a decisão proferida nos autos, impunha à arguida que se sujeitasse a acompanhamento por parte do IRS, acompanhamento esse que a mesma declinou, não se apresentando a entrevistas, não comunicando as sucessivas alterações de residência, inviabilizando, dessa forma, que desse início a um programa individual de acompanhamento, conforme determinado no acórdão proferido nos autos.

Assim, e ao abrigo do disposto no art° 56°, n° 1, alínea a) do Cód. Penal, revogo a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos.

Notifique.

Após trânsito, vão os autos com vista ao Ministério público.

APRECIANDO

Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas limitam o seu objecto, a questão suscitada pela recorrente é a da extinção, por prescrição, da pena de 18 meses em que foi condenada.

Constituindo a suspensão da execução da prisão uma pena de substituição da pena de prisão, valendo como pena autónoma, no seu parecer a Exmª Procuradora-Geral Adjunta defende que à data da prolação do despacho recorrido já estava extinta, pelo decurso do prazo de prescrição, a pena suspensa decretada em substituição da pena de prisão aplicada.

Com interesse para os autos há a considerar o seguinte:

- por acórdão de 28-6-99 foi a arguida …condenada pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º, al. a) do DL n.º 15/93, de 22 Jan., na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, subordinada a determinadas condições, tendo em vista a sua recuperação do consumo de drogas e a sua reinserção social; esta decisão transitou em julgado em 13-7-99.

- por despacho de 24-1-2000 foi revogada a suspensão da execução da pena, por se ter considerado que a arguida não havia cumprido as condições de que dependia a suspensão da pena aplicada nos autos;

- foram emitidos mandados de captura da arguida, para cumprimento da pena imposta;

- foi a arguida detida em 3-3-2004;

- a arguida interpôs recurso do despacho que determinou o cumprimento da pena e, por acórdão deste Tribunal da Relação, de 27-10-2004, foi revogado o despacho proferido em 24-1-2000, tendo sido determinado a libertação da arguida, e que esta fosse notificada para se pronunciar sobre a revogação da suspensão;

- foi a arguida notificada em 1-12-2004;

- Em 31-7-2008 foi proferido o despacho recorrido, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos.

Sustenta a recorrente que a pena de prisão de 18 meses, em que foi condenada em 1999 se encontra extinta, por prescrição, nos termos do artigo 122º, n.º 1, al. d) do Código Penal.

Segundo a citada al. d) as penas inferiores a 2 anos de prisão prescrevem no prazo de quatro anos e, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito “o prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena”.

Ora, foi tal pena de prisão suspensa na sua execução, pelo período de 3 anos.

No que respeita à natureza da suspensão da execução da pena, é unânime a doutrina e a jurisprudência, de que se trata de uma pena de substituição, porque é aplicada e executada em vez da pena principal, a pena de prisão. Por outro lado, são as penas de substituição verdadeiras penas autónomas. Como refere o Prof. Figueiredo Dias ([i]) «a suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação, da execução da pena, mas uma pena autónoma e portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição».

Quando a suspensão da execução da pena não é revogada, a pena (principal) é declarada extinta – art. 57º, n.º 1 do CP.

A questão que agora se coloca é a do momento, o dies a quo, a partir do qual se deve iniciar a contagem do prazo de prescrição da pena de prisão; se com o trânsito em julgado da decisão condenatória que suspendeu a execução da pena de prisão, ou se com o trânsito em julgado da decisão que revogue tal pena de substituição, decisão esta que determina a execução da pena principal.

Como decidiu o Ac. do STJ, de 1-6-2006, in www.dgsi.pt, “só faz sentido que esse prazo se inicie com a decisão que efectivamente aplicou a pena e que, no caso, foi a que revogou a medida de substituição inicialmente aplicada”.

Assim sendo, enquanto se mantiver a suspensão, não se inicia o prazo de prescrição da pena (principal) de prisão, pelo que a suspensão da execução da pena pode ser tida como causa de suspensão da prescrição da pena de prisão a que alude a al. c) do n.º 1 do art. 125º do CP. Este tem sido o entendimento de Maia Gonçalves e Figueiredo Dias.

 Na versão originária do CP/82 dispunha o art. 123º, n.º 1, al. b) que «A prescrição da pena suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o condenado esteja a cumprir outra pena, ou se encontre em liberdade condicional, em regime de prova, ou com suspensão da execução da pena».

Com a revisão do Código Penal operada pelo DL n.º 48/95, de 14Mar., o art. 125º, sob a epígrafe “Suspensão da prescrição” estabelece que:

«1- A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:

a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar,

b) Vigorar a declaração de contumácia;

c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou

d) Perdurar a dilação do pagamento da multa.

2- A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.»

Para Figueiredo Dias ([ii]), referindo-se à versão originária do CP/82 “a actual al. b) do art. 123º não tem razão de ser bastante na parte respeitante à liberdade condicional, ao regime de prova ou à suspensão da execução da pena: quanto à primeira porque se não vê razão para que ela constitua fundamento de suspensão; quanto às outras porque elas são «outras penas» e cabem por isso na primeira parte do preceito”.

E, como salienta Maia Gonçalves ([iii]) “Em relação à versão originária (…), nota-se ainda, na al. c) do n.º 1, a eliminação de referência à liberdade condicional, ao regime de prova e à suspensão da execução da pena. Quanto à primeira, a CRCP não viu razão plausível para que constitua fundamento de suspensão; e quanto à segunda e à terceira por se tratar de casos de cumprimento de pena, que portanto cabem na primeira parte do preceito”.

Este entendimento levanta algumas dificuldades porquanto a al. c) do n.º 1 do art. 125º se reporta “ao cumprimento de outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade”. Ora, a suspensão da execução da pena é uma pena de substituição, não privativa da liberdade. Daí que, o STJ, por Ac. de 19-4-2007, in www.dgsi.pt, tenha decidido que entre o momento da prolação da sentença condenatória e o da revogação da suspensão da pena, a execução da pena (principal) de prisão não pode ser legalmente iniciada, pelo que, durante tal período de tempo, o prazo prescricional se mantém suspenso, nos termos do artigo 125º, n.º 1, al. a) do CP (e não, nos termos da alínea c)).

Reportando-nos aos autos:

Atendendo à pena de 18 meses de prisão aplicada à arguida, é de quatro anos o prazo de prescrição da pena, o qual se conta a partir do dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.

Tendo ficado suspensa a pena de prisão, o dies a quo do prazo prescricional ocorre com o trânsito em julgado da decisão que revogar (artigos 56º e 57º do CP) a pena de substituição e determinar a execução da pena principal.

In casu, por despacho de 24-1-2000, foi revogada a suspensão da execução da pena, o qual, no entanto, não produziu quaisquer efeitos, por ter sido revogado por acórdão desta Relação, de 27-10-2004. Entretanto, em 31-7-2008 foi proferido o despacho recorrido.

Deste modo, não tendo sido proferida decisão de revogação da pena de substituição, transitada em julgado, não se iniciou o prazo prescricional da pena de prisão, pelo que esta não está prescrita, contrariamente ao sustentado pela recorrente.

Importa verificar se, como defende a Exmª Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, à data da prolação do despacho recorrido já estava extinta, pelo decurso do prazo de prescrição, a pena suspensa decretada em substituição da pena de prisão aplicada.

Ora, entendemos que tal acontece.

Ficou a pena de prisão suspensa pelo período de 3 anos, não sendo automática a extinção da pena. Com efeito, nos termos do n.º 1 do art. 57º do CP «A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação». Acrescentando o n.º 2 que «Se, findo o período da suspensão, se encontrar pendente (…) incidente por falta de cumprimento de deveres (…), a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão».

Como decorre do n.º 5 do artigo 50º do CP, o período de suspensão inicia-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

O acórdão condenatório transitou em julgado em 13-7-99, pelo que o período de suspensão de 3 anos terminou em 13-7-2002.

Acontece que, sendo a suspensão da execução da pena uma pena de substituição da pena principal, está sujeita ao mesmo prazo de prescrição da pena de prisão, que no caso vertente era de 4 anos (art.122º, n.º 1, al. d)). E, nos termos do n.º 2 do art. 122º a prescrição conta-se da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, estando ainda a prescrição da pena de substituição sujeita às situações de suspensão e de interrupção da prescrição previstas nos artigos 125º e 126º do CP. Logo, nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 126º do CP, a prescrição da pena de substituição interrompeu-se com a sua execução (em 13-7-2002), começando então a correr novo prazo de prescrição de 4 anos.

Assim, não tendo sido revogada ou declarada extinta a suspensão da execução da pena, esta pena de substituição pena prescreveu em 13-7-2006.

Por conseguinte, em 31-7-2008, data em que foi proferido o despacho recorrido, já há muito que se encontrava extinta, por efeito da prescrição, a pena suspensa decretada em substituição da pena de prisão aplicada.

III - DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

- Conceder provimento ao recurso e, em consequência:

a) revoga-se o despacho recorrido;

  b) declarando-se extinta, por efeito da prescrição, a pena suspensa decretada em substituição da pena de prisão aplicada.


[i] - in Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2005, págs. 91, 329 e 339.
[ii] - in As Consequências Jurídicas do Crime – Parte Geral – II, pág. 715.
[iii] - in Código Penal Português anotado, 10ª ed., pág. 424.