Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3682/20.3T9LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE DA PESSOA COLECTIVA OU EQUIPARADA
Data do Acordão: 10/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE LEIRIA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 7.º, N.º 2, DO REGIME GERAL DAS CONTRAORDENAÇÕES
Sumário: I – O artigo 7.º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações requer uma interpretação extensiva, de modo a incluir no seu âmbito os trabalhadores, os administradores e gerentes e os mandatários ou representantes da pessoa colectiva ou equiparada, deste que actuem no exercício das suas funções ou por causa delas.

II – A responsabilidade contraordenacional das pessoas colectivas, sustentando-se numa imputação directa e autónoma, não exige a identificação nem a individualização da pessoa singular executante da acção típica e ilícita.

Decisão Texto Integral:









Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo n.º 3682/20.3T9LRA do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Leiria – JL Criminal – Juiz 1, por decisão de 10.05.2021 viu a arguida P., SA, confirmada a decisão administrativa, proferida pelo Município de Leiria, objeto de impugnação judicial, que a condenou pela prática de quinze contraordenações, p. e p. pelos artigos 18.º e 62.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento de Publicidade do Município de Leiria na coima única de 1.250,00 € (mil duzentos e cinquenta euros), resultante do cúmulo de quinze coimas parcelares, no montante individual de 300,00 € (trezentos euros),

2. Inconformada com a decisão recorreu a arguida P., SA, formulando as seguintes conclusões:

1. A douta sentença recorrida apreciando a impugnação judicial apresentada pela Recorrente decidiu pela improcedência da mesma assim mantendo a decisão condenatória proferida pela edilidade competente, crê-se que a douta sentença em crise incorreu em erro na interpretação e aplicação do Direito.

2. Dispõe expressamente o art. 7.º, n.º 2 do RGCO, que as pessoas coletivas serão sancionadas pelos factos praticados pelos seus órgãos societários no desempenho das suas funções e no interesse da pessoa coletiva. No caso sub judice, inexiste a identificação de quem foi o agente da infração. A douta sentença é omissa em identificar um órgão societário da Recorrente que tenha agido no âmbito das suas funções e no interesse da Recorrente.

3. Ao presumir que a infração foi cometida por funcionários da Recorrente entende o douto Tribunal a quo que o art. 7.º, n.º 2 do RGCO deverá ser interpretado extensivamente incluindo os funcionários da pessoa coletiva que ajam no cumprimento das suas funções e no interesse da pessoa coletiva.

4. Jurisprudência há que entende em sentido oposto à douta sentença sub judice, nomeadamente quando não se encontre determinada a relação entre o agente da infração e a pessoa coletiva. Entendimento que encontra acolhimento num caso como o dos presentes autos em que sequer há identificação do agente infrator. Neste sentido, o acórdão proferido, em 18 de março de 2015, pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, que teve como relatora a Desembargadora Alcina Costa Ribeiro, nos autos de processo n.º 304/14.5TBCVL.C1, disponível para consulta em www.dgsi.pt, supra transcrito e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

5. Forçoso será assim concluir que a douta sentença recorrida incorreu em erro na interpretação e aplicação do art. 7.º, n.º 2 do RGCO, que urge retificar revogando a douta sentença recorrida e, consequentemente, absolvendo a Recorrente.

6. A alegada infração pela qual a Recorrente se mostra condenada não encontra já previsão legal, com efeito, o “Licenciamento Zero”, aprovado pelo DL 48/2011, determinou a eliminação do licenciamento da afixação e da inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial em determinadas situações, designadamente as previstas nas várias alíneas do n.º 3, do art. 1.º da Lei 97/88, na redação que lhe foi dada pelo art. 31.º do DL 48/2011, que regula o regime geral de afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda, supra transcrita.

7. Subsequentemente, entrou em vigor, em março de 2015, o RJACSR, que consolidou legislação dispersa sobre a atividade comercial e que manteve intacto o “licenciamento zero”, prevendo no art. 7.º do DL 16/2015 as alterações aos artigos 1º, 2.º, 12.º, 15.º, 16.º, 25.º, 28.º, 29.º do DL n.º 48/2011, mantendo inalterado o disposto no art. 31.º do DL 48/2011.

8. Termos em que, a publicidade existente no estabelecimento em apreço se encontra em pleno cumprimento da legislação em vigor inexistindo qualquer infração da parte da Recorrente.

9. Consequentemente, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente.

Nestes termos,

E nos melhores de Direito que Vs. doutamente suprirão deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente/Recorrente.

Assim se decidindo se fará a costumada Justiça.

3. Foi proferido despacho de admissão do recurso.

4. Em resposta ao recurso, o Ministério Público concluiu:

1. Discorda o ora recorrente da sentença que julgou não verificada a nulidade invocada na impugnação judicial, mantendo a decisão administrativa condenatória.

2. Com efeito, entendeu a MM. Juiz que a prova produzida em audiência, bem como da demais prova junta aos autos, a decisão administrativa deveria ser mantida.

3. Não nos merece reparo a decisão recorrida.

4. Com efeito, e abstendo-nos de reproduzir os argumentos vertidos na decisão recorrida quanto ao enquadramento jurídico-legal da factualidade indiciada nos autos, entendemos que os mesmos são pertinentes, pelo que tal decisão, enquanto corolário lógico da argumentação expendida, tem a nossa concordância.

No entanto V. Ex.ªs farão a habitual Justiça.

5. O Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de o recurso dever improceder.

6. Cumprido o n.º 2, do artigo 417.º do CPP, a recorrente retomou os argumentos já exercitados no requerimento de interposição de interposição do recurso.

7. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foi o processo à conferência, cabendo agora decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

Tendo presente as conclusões, pelas quais se delimita o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de eventuais questões de natureza oficiosa, no caso em apreço importa decidir se (i) a decisão recorrida não interpretou corretamente o n.º 2, do artigo 7.º do RGCO; (ii) inexiste previsão legal das concretas infrações em causa nos autos.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar do despacho em crise [transcrição parcial]:

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

A – Factos Provados:

1. No dia 13.11.2018 foi levantado o auto de participação n.º 132/2018, que faz fls. 2, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual se descreve, em síntese, que a ora recorrente possui vários anúncios publicitários em um determinado estabelecimento sito na área do Município de Leiria [ali melhor identificados], sem que para o efeito possua a necessária licença emitida pela Câmara Municipal de Leiria, sendo tal conduta suscetível de integrar a violação do art. 62.º n.º1, alínea a) do RPML.

2. No dia 18.12.2018, foi elaborada a “Nota de Acusação” constante de fls. 5, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3. Por ofício postal datado de 18.12.2018, constante de fls. 6, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi a recorrente notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 50.º do RGCO, com cópia das referidas participação e “Nota de Acusação”, o qual foi rececionado pela recorrente no dia 08.01.2019.

4. Na sequência da referida notificação, após requerer prorrogação de prazo, a qual lhe foi deferida, veio, a fls. 19 e ss., no dia 11.02.2019, apresentar defesa escrita, arguindo a nulidade da notificação.


*

5. No dia 13.11.2018, a arguida possuía afixados, no seu estabelecimento comercial sito na Estrada (…), em (…), União das freguesias de (…), concelho de Leiria, pertencente à recorrente,

a. uma placa com 5,000x1,90

b. um totem com 1,20x6,00

c. um anúncio iluminado bi face em poste próprio com 5,00x1,00

d. quatro sequências de letras com 0,80x0,45

e. quatro sequências de letras com 1,85x0,45

f. duas sequências de letras com 4,40x0,80

g. duas sequências de letras com 2,40x0,80

6. Naquelas circunstâncias, a recorrente não era titular de licença emitida pela Câmara Municipal de Leiria que lhe autorizasse a exposição dos referidos anúncios publicitários.

7.  A arguida não diligenciou no sentido de obter a respetiva licença,

8. A arguida devia ter cumprido com as imposições regulamentares relativas ao licenciamento da publicidade, solicitando o prévio licenciamento.


*

9. No dia 03.07.2020, a recorrente mantinha a instalação dos anúncios publicitários acima referidos.

10. Até àquela data, a recorrente não apresentou qualquer pedido de licenciamento para os referidos elementos publicitários.

B. Factos Não Provados:

Da factualidade descrita na decisão administrativa no rol dos factos provados (excluídas, naturalmente, as referências meramente conclusivas e a descrição de diligências instrutórias) e nas alegações de recurso do recorrente, com relevo para a decisão a proferir, não ficaram por provar quaisquer factos.

C - Convicção do Tribunal:

Na medida em que a recorrente não arrolou testemunhas no seu recurso de impugnação e não deduziu oposição à prolação de decisão por despacho, prescindindo-se da realização da audiência de julgamento, a factualidade apurada resulta da factualidade descrita na decisão administrativa, conjugada com os demais atos processuais praticados e documentados nos autos nos termos constantes dos factos provados.

[…].

3. Apreciação

§1. Da errada interpretação do n.º 2, do artigo 7.º do RGCO

Não se conforma a recorrente com a interpretação levada a efeito pelo tribunal a quo do n.º 2, do artigo 7.º do RGCO, concretamente enquanto “estende” o regime de imputação à pessoa coletiva ou equiparada dos atos praticados no exercício de funções, ou por causa delas, pelos respetivos funcionários, agentes, trabalhadores ao serviço da pessoa coletiva ou equiparada.

Reconhecendo, embora, como ademais o ilustra o acórdão citado no requerimento de interposição do recurso, não se tratar de questão pacífica, não nos revemos no entendimento defendido pela recorrente enquanto, com apelo à referida norma, exclui a responsabilidade das pessoas coletivas ou equiparadas em relação às contraordenações que não sejam praticadas pelos seus órgãos, assim como enquanto exige a concreta identificação do agente singular que cometeu a infração para que esta possa ser imputada à pessoa coletiva.

O assunto não é novo; bem pelo contrário!

Com efeito, já muito se problematizou sobre o tema, assistindo-se a uma orientação dominante no seio da jurisprudência dos tribunais superiores [cf., v.g., os acórdãos do TRL de 27.062019 (proc. n.º 5840/14.OECLSB.L1), 12.01.2021 (proc. n.º 1874/19.7), do TRE de 26.06.2018 (proc. n.º 3716/17.9T9STB.E1), do TRG de 27.01.2020 (proc. n.º 510/19.6T8FAF.G1)], contrária à posição da recorrente, a qual encontrando sustentação em parte da doutrina [cf., v.g., Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Regime Geral das Contraordenações”, Universidade Católica Editora, págs. 52/53], surge ainda alcandorada no Parecer do Conselho Consultivo da PGR, n.º 11/2013 [in D.R., 2.ª Série, n.º 178, 16.09.2013), de cujas conclusões ora se destaca: “3. O Regime Geral das Contraordenações consagra um regime de imputação restritivo, no número 2 do artigo 7.º, ao limitar a responsabilidade das pessoas coletivas às contraordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções, ao contrário do que acontece na maioria dos regimes especiais (…). 4. O preceito do número 2 do artigo 7.º do Regime Geral das Contraordenações deve ser interpretado extensivamente, como, aliás, tem sido feito pela jurisprudência, incluindo do Tribunal Constitucional, de modo a incluir os trabalhadores, os administradores e gerentes e os mandatários ou representantes da pessoa coletiva ou equiparada, desse que atuem no exercício das suas funções ou por causa delas. 5. A responsabilidade contraordenacional das pessoas coletivas assenta numa imputação direta e autónoma, quer o fundamento dessa responsabilidade se encontre num “defeito estrutural da organização empresarial” (defective corporate organization) ou “culpa autónoma por défice de organização”, quer pela imputação a uma pessoa singular funcionalmente ligada à pessoa coletiva, mas que não precisa de ser identificada nem individualizada. […]. 7. O artigo 7.º do Regime Geral das Contraordenações adota a responsabilidade autónoma, tal como os regimes especiais em matéria laboral (artigo 551.º do Código do Trabalho), tributária (artigo 7.º do Regime Geral das Infrações Tributárias), económica (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro), de valores mobiliários (artigo 401.º do Código dos Valores Mobiliários), de concorrência (artigo 73.º da Lei da Concorrência) e de contraordenações ambientais (artigo 8.º da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais), pelo que não é necessária a identificação concreta do agente singular que cometeu a infração para que a mesma seja imputável à pessoa coletiva.”

E, como bem realça o Senhor Procurador-Geral Adjunto, também no acórdão n.º 566/2018 (proc. n.º 336/18) o Tribunal Constitucional concluiu não existirem razões para questionar e desconsiderar a referida interpretação extensiva do art.º 7º, n.º 2, do RGCO, reproduzindo-se, a respeito: Acresce que o termo “órgão”, do ponto de vista conceptual, não está necessariamente associado a um centro autónomo e institucionalizado de poderes funcionais- a uma realidade institucional ou estatutária (…). Por isso mesmo, são descortináveis diversas definições legais de “órgão”, consoante os fins concretamente visados pelo diploma em que as mesmas se inserem (…).

Na perspetiva material da atividade dos entes coletivos (por contraposição à perspetiva da sua estrutura organizatória) – que é aquela que releva a propósito da imputação de condutas individuais a uma pessoa coletiva -, pode entender-se o órgão como o indivíduo cuja atuação é imputada ao ente coletivo. Estando em causa uma conduta correspondente a uma declaração de vontade, é evidente que as regras estatutárias sobre os processos deliberativos internos tendem a assumir maior relevância (cfr. a mencionada definição legal constante do artigo 20.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo). Mas, tratando-se de simples atuações materiais, nada obsta a que a imputação se fundamente com base numa atuação em nome do ente coletivo e no seu interesse (representante) ou na circunstância de o mesmo indivíduo dispor no âmbito de tal ente de autoridade ou de uma posição de liderança para controlar a respetiva atividade.

Nessa medida, faltando uma definição legal própria aplicável no domínio específico do RGCO, e abstraindo de argumentos teleológicos e outros argumentos sistemáticos (por exemplo, uma maior adequação ao princípio da equiparação consignado no artigo 7.º, n.º 1, do RGCO), não se pode ter por absolutamente incompatível com o sentido literal do termo “órgão” referido no artigo 7.º, n.º 2, do RGCO um entendimento extensivo do mesmo, na linha da previsão das alíneas a) e b) do n.º 2 e do n.º 4 do artigo 11.º do Código Penal. De resto, o artigo 32.º do RGCO reforça tal entendimento: «[e]m tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contraordenações, as normas do Código Penal» (e, não, por exemplo, as do Código do Procedimento Administrativo)”.

Na situação concreta está em causa a afixação e inscrição em estabelecimento comercial da arguida de mensagens publicitárias, sem que a mesma fosse, para tanto, titular de licença por parte da Câmara Municipal de Leiria - factos só possíveis com o consentimento da ora recorrente, enquanto detentora das infraestruturas - sobre si recaindo, pelas razões expostas, a responsabilidade pelos ilícitos contraordenacionais que lhe vem imputados, a tal não obstando a não identificação da (s) concreta(s) pessoa(s) singular(es) que, no seio da instituição procedeu às ações e/ou omissões indevidas.

Na verdade, “Considerando a complexidade que pode ter uma organização empresarial, em certos casos pode tornar-se ineficaz a procura de identificação do agente concreto, uma vez que um ato poderá passar por mais de um órgão, não sendo por vezes fácil determinar a pessoa concreta que agiu, exigindo-se, apenas, a certeza que a infração foi cometida no seio da instituição (pessoa coletiva)” – [cf. acórdão TRL, de 12.01.2021].

Improcede, nesta parte, o recurso.

§2. Da ausência de previsão legal das infrações

Defende a recorrente que, com o “Licenciamento Zero”, aprovado pelo DL 48/2011, foi eliminado o licenciamento da afixação e da inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial em determinadas situações, designadamente as previstas nas várias alíneas do n.º 3, do art. 1.º da Lei 97/88, na redação que lhe foi dada pelo art. 31.º do DL 48/2011, donde a ausência de previsão legal das contraordenações em questão nos presentes autos.

Quanto a este específico ponto, mostra-se exarado na sentença:

Vem, porém, a recorrente sustentar ainda que a infração imputada (…) e acima analisada não encontra já previsão legal, na medida em que

«9. O “Licenciamento Zero”, aprovado pelo DL 48/2011, veio simplificar o regime de exercício de diversas atividades económicas mediante a redução dos encargos administrativos sobre os cidadãos e as empresas. E entre outras alterações determinou a eliminação do licenciamento da afixação e da inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial em determinadas situações, designadamente as previstas nas várias alíneas do n.º 3, do art. 1.º da Lei 97/88, na redação que lhe foi dada pelo art. 31.º do DL 48/2011, que regula o regime geral da afixação e inscrição de mensagem de publicidade e propaganda.

10. Subsequentemente, entrou em vigor, em Março de 2015, o Regime Jurídico de Acesso a Atividades de Comércio, Serviços e Restauração (RJACSR), que consolidou, num único diploma, legislação dispersa sobre a atividade comercial e que manteve inalterado o “Licenciamentos. Zero”.

11. Sem prejuízo do exposto o legislador optou por manter o licenciamento da publicidade na esfera do DL 48/2011, prevendo no art. 7.º do DL 16/2015 as alterações aos artigos 1º, 2º, 12º, 15º, 16º, 25º, 28º, 29.º do DL n.º 48/2011, e alterações subsequentes.

12. Nas alterações legislativas supra mencionadas não se encontra o disposto no art. 31.º do DL 48/2011, o qual se manteve inalterado desde a sua redação original.

13.Termos em que, a publicidade existente no estabelecimento em apreço se encontra em pleno cumprimento da legislação em vigor inexistindo qualquer infração da parte da Arguida.»

No âmbito da prossecução das suas atribuições, as autarquias locais podem elaborar regulamentos autónomos ou independentes, os quais devem indicar expressamente a lei que define a competência para a sua emissão (lei de habilitação), por eles não se poderem fundar diretamente na Constituição (cf. artºs. 241.º e 112.º, n.º 7, ambos da CRP).

Como tal, conforme se escreve no art. 1.º do RPML, o regulamento em referência foi elaborado, além do mais, no uso do poder regulamentar conferido às autarquias locais pelo n.º 7 do artigo 112.º e artigo 241.º da Constituição da República Portuguesa, ao abrigo do artigo 11.º da Lei n.º 97/88, de 17 de agosto, alterada pela Lei n.º 23/2000, de 23 de agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, relativa à afixação e inscrição de mensagens publicitárias, e atendendo ao regime do Decreto -Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, alterado pelo Decreto -Lei n.º 141/2012, de 11 de julho, e pelo Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de janeiro, que simplifica o regime de acesso e de exercício de diversas atividades económicas no âmbito da iniciativa «Licenciamento zero».

Assim, conforme acima referenciado, nos termos do art. 2.º e no n.º 1 do art. 3.º do RPML, o referido Regulamento estabelece, para vigorar no território do Município de Leiria, o regime da afixação e inscrição de mensagens publicitárias, incluindo a ocupação do espaço público por suportes publicitários, e, sem prejuízo das isenções previstas no mesmo diploma, aplica-se a toda a publicidade de natureza comercial.

Ora, nos termos dos arts. 1.º e 2.º da Lei 97/88, de 17.8, alterada pelo DL 48/2011, de 01.04 foi cometida às autarquias locais a tarefa de regulamentar o licenciamento de publicidade, latu sensu, na área territorial respetiva, cabendo-lhes, ainda, definir os critérios de licenciamento aí aplicáveis. Como a competência atribuída às câmaras municipais nesta matéria, visa-se que as autarquias que regulamentem a atividade publicitária dentro da área territorial respetiva, devendo estabelecer critérios a observar nesse licenciamento, que prossigam os objetivos indicados no art. 4.º da Lei n.º 97/88. Ou dito de outro modo, as câmaras municipais têm a competência que lhe é atribuída por lei para, dentro da área do respetivo concelho, licenciarem a publicidade que aí tiver lugar, definindo, em concreto, quais os critérios do licenciamento que entende aplicáveis para prosseguimento dos objetivos fixados na lei habilitante.

Como tal, considerando que o RPML foi elaborado à luz da lei habilitante referida, não se vislumbra ilegalidade ou inconstitucionalidade alguma, neste caso por violação do art. 241.º da CRP.”

Apreciação de que não nos afastamos atento o Regulamento da Publicidade do Município de Leiria, publicado no DR, 2.ª série, n.º 84, de 2 de maio de 2017, em cujo preâmbulo se lê: “A Lei n.º 97/88, de 17 de agosto, estabelece as regras gerais a que deve obedecer a afixação ou inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial, deixando aos órgãos municipais a incumbência de elaborar e aprovar os necessários regulamentos de execução.

[…]

Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, diploma que veio simplificar o regime de exercício de diversas atividades económicas, no âmbito da iniciativa “Licenciamento Zero”, foi limitado o âmbito da afixação ou inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial sujeitas a licenciamento, em especial as relacionadas com a atividade do estabelecimento, o que conduziu à alteração do Regulamento em vigor, conforme publicação no Diário da República, 2.ª série, n.º 118, de 20 de junho de 2012.

[…].”

Com efeito, depois do artigo 1.º fazer referência à “Lei habilitante”, o artigo 2.º define como objeto do dito Regulamento “o regime da afixação e inscrição de mensagens publicitárias, incluindo a ocupação do espaço público por suportes publicitários”, a vigorar no território do Município de Leiria, definindo o artigo 3.º o seu âmbito de aplicação, no sentido de abranger “toda a publicidade de natureza comercial”, isto sem prejuízo das isenções previstas (cf. o artigo 4.º), as quais, contudo, tendo em conta as mensagens objeto dos presentes autos, não colhem aplicação no caso concreto já que a tal se opõe a alínea i) do artigo 4.º, com referência ao Anexo I do RPML, mostrando-se as mesmas sujeitas a prévio licenciamento municipal (cf. artigos 9.º, 16.º e 18.º do Regulamento).

Na verdade, como realça a decisão recorrida, tendo sido cometida às autarquias locais a tarefa de regulamentar o licenciamento de publicidade na área territorial respetiva, cabendo-lhes definir, à luz de certos objetivos fixados na lei, os critérios de licenciamento aplicáveis no território do Município (cf. artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 97/88, de 17.08, alterada pelo D.L. n.º 48/2011, de 01.04), sendo que nenhuma das normas convocadas pela recorrente – se integralmente, e em articulação com as demais normas inscritas no respetivo diploma, lidas - é suscetível de abalar as atribuições assim definidas, não merece censura a decisão recorrida enquanto procedeu à aplicação, ao caso concreto, do citado Regulamento Municipal da Publicidade do Município de Leiria, à luz do qual as ações apuradas (mensagens publicitárias fixadas), não beneficiando das isenções previstas no seu artigo 4.º, dependem de prévio licenciamento, o que não sucedeu.

De facto com o Licenciamento Zero privilegia-se o recurso à mera comunicação prévia e à comunicação prévia com prazo, mas não se elimina situações em que as licenças e autorizações são exigidas, mantendo-se o licenciamento, que segue um procedimento administrativo comum, aplicável a finalidades diferentes das previstas no n.º 1 do artigo 10.º do D.L. n.º 48/2011, de 01.04, como é o caso dos autos – [cf. artigos 11.º, 12.º n.º 1, salvaguardando sempre os critérios definidos pelo Município].

Também neste ponto falece razão à recorrente.

III. Dispositivo

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente o recurso.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC`s – [cf artigo 8.º do RCP, com referência à tabela III].

Coimbra, 13 de Outubro de 2021

Processado e revisto pela relatora

Maria José Nogueira (relatora)

Frederico Cebola (adjunto)