Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
218/17.7T8OHP.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
MUDANÇA DO LOCAL DA SERVIDÃO
PRESSUPOSTOS
PREJUÍZO RELEVANTE
Data do Acordão: 05/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 1544.º E 1568.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – A mudança, a pedido do proprietário do prédio serviente, de uma servidão para outro local dentro do mesmo prédio apenas pode ser efectuada se essa mudança for conveniente para o prédio serviente e se não afectar/prejudicar – para além daquilo que possa ser considerado como mera comodidade sem relevância bastante para ser merecedora de tutela/protecção – a normal fruição das utilidades que a servidão proporciona em benefício do prédio dominante.

II – A mudança da servidão não pressupõe qualquer juízo sobre a superioridade ou prevalência de um dos interesses em causa sobre o outro (o interesse correspondente à necessidade ou vantagem que o dono do prédio serviente irá obter com a mudança da servidão e o interesse do dono do prédio dominante em não ver alterada essa servidão por força do prejuízo que isso vai implicar para o seu prédio); por muito relevante que seja o interesse do proprietário do prédio serviente na mudança da servidão, ela só poderá ser alterada se isso não implicar para o prédio dominante qualquer prejuízo sério, relevante e digno de protecção (o que não significa que tenha que ser um prejuízo grave e muito menos que seja superior ao interesse que o proprietário do prédio serviente pretende ver satisfeito com a mudança).

III – Estando em causa uma servidão de passagem à qual se acede através de via pública com piso asfaltado, a sua alteração para local onde passaria a ser acedida a partir de um caminho em terra batida que fica lamacento quando chove agrava as condições de acesso à servidão e de efectiva fruição das utilidades por ela proporcionadas, determinando, por isso, um prejuízo real e relevante que obsta a tal alteração.

IV – Se, em resultado de taludes existentes no prédio dominante que obstam à normal circulação na totalidade do prédio, as concretas utilidades que vinham a ser usufruídas e eram proporcionadas pela servidão de passagem se traduziam na utilização de (apenas) uma parte concreta do prédio, a servidão não poderá ser alterada para local que apenas daria acesso à outra parte do prédio que, até aí, não estava a ser usufruída/utilizada (a não ser que fossem efectuadas obras – custeadas pelo requerente da mudança – que assegurassem o acesso à parte restante); essa mudança implicaria uma alteração significativa das concretas utilidades que, até aí, estavam a ser gozadas e usufruídas por via da servidão, traduzindo, por isso, um prejuízo relevante para o efeito de obstar à mudança da servidão para esse local.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:

Apelação nº 218/17.7T8OHP.C1

Tribunal recorrido: Comarca de Coimbra - Coimbra - JC Cível - Juiz 1

Des. Relatora: Maria Catarina Gonçalves

Des. Adjuntos: Maria João Areias

                               Paulo Correia

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

AA, residente na Estrada ..., ..., nos ..., ..., ..., (entretanto falecida e agora substituída pelo seu herdeiro, devidamente habilitado, BB) instaurou acção, com processo comum, contra CC e mulher DD, residentes na Rua ..., nos ..., ..., ..., formulando os seguintes pedidos:

a) que se declare que a Autora é dona e legítima possuidora do prédio identificado no artigo 1º da P.I.;

b) que se declare que, em proveito deste prédio, está constituída, por usucapião, uma servidão predial de passagem de pessoas, animais e veículos de tração animal, tratores e veículos automóveis, que onera o prédio dos Réus identificado no artigo 10º da P.I.;

c) que se declare que esse direito de servidão se exerce, dentro do prédio dos Réus, pela forma, no leito e pelo trajeto indicados no artigo 19º desta petição;

d) que se declare que os actos praticados pelos Réus de obstáculo ao exercício dessa passagem são ilegais, insubsistentes e de má-fé;

e) que se declare que a ampliação da construção do prédio dos Réus, é ilícita, porque efetuada sem autorização da Câmara Municipal ..., e viola o direito de propriedade da Autora, porquanto foi edificado sob o prédio propriedade desta, e melhor identificado no artigo 1º da P.I.;

f) que se declare que as janelas, as portas, a caleira e os respectivos tubos de descarga das águas e o tubo preto de descarga de águas, foram executados/colocados sem o consentimento da Autora, e em clara violação do seu direito de propriedade;

g) que se declare que, com todos os actos anteriormente descritos, os Réus causaram, causam e continuarão a causar à Autora danos não patrimoniais que ainda não é possível quantificar.

h) que os Réus sejam condenados reconhecer os alegados direitos da Autora;

i) que os Réus sejam condenados a remover todos os obstáculos que impeçam o uso da servidão predial de passagem de pessoas, animais e veículos de tração animal, tratores e veículos automóveis, designadamente removendo o portão ou facultando um comando/chave do mesmo à Autora;

j) que os Réus sejam condenados a demolirem a totalidade do aumento de construção que levaram a efeito em relação ao projecto inicial, na parte que se encontra edificada sobre propriedade da Autora;

l) que os Réus sejam condenados a colocarem o muro delimitador das propriedades, e melhor descrito no artigo 17º da P.I., no devido lugar, ou seja, no local onde se encontrava antes de ter sido removido pelos Réus;

m) que os Réus sejam condenados a fecharem as janelas descritas nos artigos 22º a 24º da P.I., e bem assim fecharem as portas descritas nos artigos 29º e 30º da P.I., abstendo-se de as utilizar para acederem à sua casa pelo prédio da Autora;

n) que os Réus sejam condenados a removerem a parede de revestimento exterior da chaminé, e a própria chaminé, que se encontra na fachada poente da casa dos Réus;

o) que os Réus sejam condenados a removerem a caleira que se encontra colocada em toda a largura da dita fachada, e bem assim os respectivos tubos de descarga;

p) que os Réus sejam condenados a removerem o tubo preto de descarga de águas do interior da casa dos Réus para a propriedade da Autora, e taparem o respectivo buraco;

q) que os Réus sejam condenados pagar à Autora uma indemnização por danos não patrimoniais em montante que vier a ser liquidado em execução de sentença, mas que se quantifica na presente data em pelo menos 2.500,00€.

Alegou, em resumo, para fundamentar essa pretensão: que é proprietária do prédio que identifica na petição inicial e que confronta com um prédio dos Réus; que em 1999/2000, os Réus efectuaram obras no seu prédio que violaram o direito de propriedade da Autora (na medida em que: edificaram uma construção no prédio da Autora, desviaram o muro delimitador dos prédios, abriram janelas e porta que deitam directamente para o prédio da Autora sem guardar as distâncias legais, colocaram uma parede de revestimento exterior da chaminé e uma caleira que ocupam o espaço aéreo do prédio da Autora e colocaram tubos de descarga que deitam as águas para o prédio da Autora); que, em favor do seu prédio e sobre o prédio dos Réus, constitui-se, por usucapião, uma servidão de passagem (a pé, de tractor e de veículos automóveis) com as características e dimensões referidas na petição; que os Réus colocaram um portão no início dessa servidão (mantendo aberto, após insistência da Autora, um pequeno portão que apenas permite a passagem a pé), impedindo o acesso de veículos ao prédio da Autora e que essa situação tem causado danos à Autora (anda nervosa, angustiada e passou a ter receio de ali passar e de ser abordada pelos Réus de forma violenta).

Os Réus contestaram e deduziram reconvenção com os fundamentos que se resumem nos seguintes termos:

- Impugnam o facto de terem invadido ou ocupado, por qualquer forma, o prédio da Autora;

- Aceitam que o seu prédio está onerado com uma servidão de passagem a favor do prédio da Autora, impugnando, contudo, as características dessa servidão que são alegadas pela Autora e alegando, designadamente, que essa servidão tem cerca de um metro de largura e apenas se destina a permitir o acesso a pé;

- Aceitam ter colocado um portão na entrada para impedir os comportamentos abusivos que o marido da Autora vinha adoptando, deixando aberta uma parte desse portão para permitir o acesso pedonal ao prédio da Autora;

- Impugnam a existência e a relevância dos danos invocados;

- Alegam que, a ter existido qualquer servidão de passagem de animais e veículos, ela ter-se-ia extinto pelo seu não uso durante mais de vinte anos, uma vez que desde a morte do pai da Autora (em 1992), o prédio da Autora deixou de ser limpo e cultivado, sem qualquer passagem de meios de tracção animal e/ou mecânica;

- Declaram pretender alterar o traçado da servidão existente (de acesso a pé) nos termos que explicam no seu articulado e que alegam não prejudicar os interesses do prédio dominante.

Com esses fundamentos, concluem pela improcedência da acção e pedindo, em reconvenção:

a) que se declare que os Réus/Reconvintes são donos e legítimos possuidores do prédio que descrevem em pormenor;

b) que se declare que sobre o prédio rústico dos Réus/Reconvintes existiu sempre, ininterruptamente, à vista de toda a gente, durante mais de 20, 30, 40, 50, 60, 80 anos, desde tempos que excedem a memória dos vivos, uma servidão de passagem a pé, com uma largura de cerca de 1 metro por 36 metros de comprimento, com início na estrema de Norte a partir da Rua ... e no sentido de Sul, prosseguindo o seu leito num alinhamento rectilíneo junto ao limite da estrema de Poente até se alcançar a confrontação de Norte do prédio encravado da Autora/Reconvinda, com um acesso inicial actual em asfalto de cimento e granito seguido de um leito em terra batida;

c) que se declare que, a ter existido qualquer servidão de passagem de animais, e veículos de tracção animal, tractores e veículos automóveis a favor do prédio da Autora/Reconvinda, esta ter-se-ia extinguido pelo seu não uso durante mais de 20 anos;

d) que se julgue legítima e legal a mudança do sítio da dita servidão de passagem a pé, redefinindo-se a servidão de passagem a pé sobre o prédio dos Réus/Reconvintes, com uma largura de cerca de 1 metro por 34 metros de comprimento, com início na estrema de Sul a partir da Rua ... e no sentido de Norte, prosseguindo o seu leito num alinhamento rectilíneo junto ao limite da estrema de Poente até se alcançar a confrontação de Sul do prédio encravado da Autora/Reconvinda, com um leito em terra batida;

e) que os Autores/Reconvindos sejam condenados a reconhecer e a respeitar a servidão de passagem a pé e sua mudança de sítio nos exactos termos em que foi julgada legítima e legal.

Pedem ainda que a Autora seja condenada, como litigante de má fé, em multa condigna e indemnização a fixar a favor dos Réus/Reconvintes.

A Autora replicou, dizendo, em resumo:

- Que a servidão existente a favor do seu prédio é uma servidão de passagem a pé, de trator e de carros, nos termos alegados na petição inicial;

- Que a alteração da servidão pretendida pelos Réus prejudica fortemente os interesses da Autora, na medida em que implica que – com 71 anos e com dificuldades de locomoção – passe a deslocar-se aproximadamente 600 metros para cada lado desde a casa de arrumos até atingir a sua propriedade, por um percurso com desnível, o que implicará um enorme esforço físico acrescido para a Autora chegar à sua propriedade e transportar os utensílios agrícolas;

- Que, além do mais, o acesso actual à sua propriedade faz-se pela via pública, e posteriormente por uma pequena servidão de passagem devidamente asfaltada, e o local para onde pretendem mudar a servidão é um caminho estreito e em terra batida (e lamacento sempre que chove);

- Que a actual localização da servidão poucos transtornos provoca aos Réus, já que se trata apenas de um pequeno acesso com cerca de 2 metros e meio de largura por onze metros e meio de comprimento, o qual não implica a devassa da restante propriedade daqueles.

Conclui pedindo a improcedência da reconvenção.

Foi realizada a audiência prévia, no âmbito da qual:

- Foi proferido despacho que admitiu a reconvenção;

- Foi proferido despacho saneador;

- Foi fixado o objecto do litígio;

- Foram delimitados os temas da prova.

Após os trâmites legais e a realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença onde se decidiu nos seguintes termos:

I - Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada, e consequentemente, decido:

i) Declarar o Habilitado BB, na posição da falecida Autora AA, dono e legítimo proprietário do prédio descrito no ponto 1) dos Factos Provados;

ii) Declarar que, em proveito do prédio mencionado em i), está constituída, por usucapião, uma servidão predial de passagem de pessoas a pé que que onera o prédio dos Réus CC e mulher DD descrito nos pontos 8), 10), 11), 14), 44), 45) e 46) dos Factos Provados.

iii) Declarar que o direito de servidão nos termos aludidos em ii) exerce-se dentro do prédio dos réus, pela forma, no leito e pelo trajecto indicados no ponto 26) dos Factos Provados, e

iv) Em consequência do decidido em i), ii) e iii), condenar os Réus/Reconvintes CC e mulher DD a reconhecer os direitos do Habilitado nos termos do decidido atrás em i), ii) e iii).

v) Absolver os Réus Réus/Reconvintes CC e mulher DD dos pedidos formulados nas als. d), e), f) e g), i), j), m), n), o), p) e q) da petição inicial.

vi) Custas pela acção a suportar pelo Habilitado BB, na posição da falecida Autora AA (Nota: Apesar de o aparente vencimento parcial obtido pelo Habilitado, na presente acção, face ao decidido nos pontos i) e iv), o que é certo é que, por um lado, no que tange ao decidido em i), e parte do iv), os réus nunca puseram, em causa, que a autora era a legítima proprietária e possuidora do prédio nos termos aí identificados no ponto 1) dos Factos Provados (ou seja, a questão, em discussão, nos autos prendia-se menos com a circunstância de saber se a autora era propriedade sobre o prédio, em questão, do que se a autora era proprietária do prédio com a configuração, limites e área real, dadas pela autora, na petição inicial, mais concretamente, se, a parcela em litigio, nos presentes autos, fazia parte integrante ou não do prédio aí identificado, de cuja propriedade o habilitado, na posição da falecida autora, é titular, e nessa parte, provou-se que a mesma fazia parte integrante do prédio dos réus, por usucapião, e por arrastamento, nessa parte, que a autora/habilitado não obteve vencimento, mas sim os réus, e portanto, na realidade, quem obteve vencimento, nessa parte, foram os réus), e por outro lado, no que tange ao decidido em ii) e iii), e parte do iv), decidiu-se aí na esteira da versão sustentada pelos réus na sua contestação/reconvenção, e por dedução lógica, decidiu-se aí contra a versão sustentada pela autora (ou seja, quanto ao aí decidido prevaleceu menos a versão carreada aos autos pela autora na petição inicial do que a versão carreada aos autos pelos réus na contestação/reconvenção, e por arrastamento, quem, na realidade, aí obteve vencimento foi menos a autora/habilitado do que os réus).

II – Pelo exposto, julgo a reconvenção procedente, por provada, e consequente, decido:

a) Declarar os Réus/Reconvintes CC e mulher DD donos e legítimos possuidores de um prédio urbano destinado a habitação, sito ao n.º ... da Rua ..., no lugar de ..., na União de Freguesias ... e ..., no concelho ..., que se compõe de casa de habitação de rés-do-chão esquerdo amplo (garagem), rés-do-chão direito com 3 divisões, despensa e uma casa de banho, 1.º andar com quatro divisões, cozinha e duas casas de banho, com a área total e de implantação de 110 metros quadrados, com o valor patrimonial de 38.320,00 € e inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º ...91 (proveniente da matriz urbana da extinta freguesia ... com o artigo ...46) e de um prédio rústico sito à ..., na União de Freguesias ... e ..., no concelho ..., que se compõe de semeadura e vinha com 40 videiras e 13 oliveiras, com a área de 2.100 metros quadrados, a confrontar de Norte com Rua ..., EE e CC, de Sul com caminho, de Nascente com CC e FF e de Poente com GG e EE, com o valor patrimonial de 42,02 € e inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º ...95 (proveniente da matriz rústica da extinta freguesia ... com o artigo ...08), descritos com a natureza de prédio misto na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...24 da freguesia ... e aí inscrito a seu favor, em partes iguais, ele pela inscrição AP. ... de 1998/10/13 – Aquisição (Doação) e ela pela AP. ... de 2000/09/07 - Aquisição (Compra), quer por via do registo predial existente a seu favor quer por via da usucapião;

b) Declarar que sobre o prédio rústico dos Réus/Reconvinte Réus/Reconvintes CC e mulher DD existiu sempre, ininterruptamente, à vista de toda a gente, durante mais de 20, 30, 40, 50, 60, 80 anos, desde tempos que excedem a memória dos vivos, uma servidão de passagem a pé, com uma largura de cerca de 1 metro por 30 metros de comprimento, com início na estrema de Norte a partir da Rua ..., no sentido de Sul, prosseguindo o seu leito num alinhamento rectilíneo junto ao limite da estrema de Poente até se alcançar a confrontação de Norte do prédio encravado do Habilitado BB, na posição da falecida Autora AA, com um acesso inicial actual em asfalto de cimento e granito seguido de um leito em terra batida;

c) Julgar legítimo e legal a mudança do sítio da dita servidão de passagem a pé, às expensas dos réus, redefinindo-se a servidão de passagem a pé sobre o prédio dos Réus/Reconvintes CC e mulher DD, com uma largura de cerca de 1 metro e meio, com início na estrema a Sul, a partir da Rua ..., e no sentido de Norte, prosseguindo o seu leito num alinhamento rectilíneo junto ao limite da estrema de Poente até se alcançar a confrontação de Sul do prédio encravado da Autora/Reconvinda, com um leito em terra batida;

d) Condenar o Habilitado BB, na posição da falecida Autora AA, a reconhecer e a respeitar a servidão de passagem a pé e sua mudança de sítio nos exactos termos aludidos em c), às expensas dos réus.

e) Custas pela reconvenção a suportar pelo Habilitado BB, na posição da falecida Autora – cf. art. 527º, do CPC.

III – Pelo exposto, julgo o incidente de litigância de má-fé processual do Habilitado, na posição da falecida Autora, deduzido pelos Réus, improcedente, por não provado, e consequentemente, decido.

a) Absolver o Habilitado BB, na posição da falecida Autora AA do pedido de condenação em multa condigna e indemnização a fixar a favor dos Réus/Reconvintes CC e mulher DD.

b) Custas pelo incidente a suportar pelos Réus/Reconvintes CC e mulher DD, cuja tributação se fixa no mínimo legalmente previsto – cf. arts. 527º do CPC e 7º, nº4, do RCP”.

Inconformado com essa decisão, BB – habilitado na posição da falecida Autora – veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

1- Entende o Apelante que, salvo o devido respeito por melhor opinião, os factos dados como provados, impunham uma decisão diversa da que foi proferida, tendo havido um incorreto julgamento da matéria de direito.

2- Mais concretamente, o Apelante discorda com a sentença proferida, na parte em que o Meritíssimo “Juiz a quo” decidiu julgar legítimo e legal a mudança do sítio da dita servidão de passagem a pé.

3- O Apelante concorda naturalmente com o preceito normativo invocado pelo Meritíssimo Juiz “a quo” (artigo 1.568º do Código Civil), e bem assim, com os requisitos que referiu terem de se verificar para se aplicar tal preceito, mais concretamente, ser a mudança conveniente para o autor (ainda que neste caso o Meritíssimo Juiz “a quo” deveria pretender ter escrito “Réus/Reconvintes); não prejudicar os interesses do proprietário do prédio dominante; ser feita à custa de quem a requer; e ter o terceiro dado o seu consentimento para que a mudança se faça para o prédio deste, se for este o caso.

4- O Apelante considera que o Meritíssimo Juiz “a quo”, desconsiderou por completo os interesses do proprietário do prédio dominante, ou seja, os do aqui Apelante, valorizando apenas e só os dos Réus/Reconvintes.

5- Quanto ao primeiro requisito, o Apelante reconhece que há um ligeiro ganho de privacidade, pois, pelo menos a norte da propriedade dos Réus/Reconvintes, deixará de ali passar, contudo, a poente e a sul (cuja área onde não se conseguirá garantir a privacidade é muitas vezes superior à área localizada a norte) tal não acontecerá, pois o Apelante continuará a conseguir perceber quem está em casa dos Réus/Reconvintes, quem está na piscina, e bem assim ouvir toda e qualquer conversa que seja mantida em tom de voz mais elevada.

6- Assim, a mudança da servidão não traz vantagens sérias e evidentes para os Réus, mas antes um ligeiro ganho de privacidade a norte do seu prédio, mas reforçadamente perdida a poente e sul, sendo por isso mais um capricho destes, do que propriamente uma vantagem.

7- No que concerne ao segundo requisito, entende o Apelante que o mesmo não se encontra preenchido, pois o Meritíssimo Juiz “a quo” deu como provados factos que por si só, impedem a mudança de servidão.

8- Desde logo, resulta provado que a Autora tinha 71 anos à data em que instaurou a ação, e que faleceu com 74 anos, e que o habilitado, aqui Apelante, é também uma pessoa com mais de 70 anos de idade.

9- São por isso pessoas idosas, que usavam e usam a servidão de passagem, com início a norte, da Rua ..., pelo menos, a pé e com um carrinho de mão, para acederem ao seu prédio, para o cultivarem e dele recolherem produtos e o limparem, carregando instrumentos agrícolas para os auxiliarem no amanho da terra.

10- Pela diversa prova junta aos autos, resulta que o prédio do Apelante é inclinado, sendo mais elevado a norte, estando 10 metros mais alto que no limite sul do mesmo, situação que é atenuada pela existência de 7 socalcos, possuindo 5 deles acesso de uns para os outros, quer a pé, quer de trator de pequeno porte.

11- O acesso atual à sua propriedade é feito através da via pública que se encontra asfaltada, e o local para onde pretendem mudar a servidão é um caminho em terra batida e lamacento.

12- Ora, sendo o Apelante idoso, e por isso com menos destreza e equilíbrio, circular em terra batida e lamacenta, aumenta o risco de queda, e de sofrer com ela lesões físicas graves, além de que, circular num caminho com tais características com um carrinho de mão, tornar-se-á muito mais difícil.

13- Acresce que, devido ao desnível da propriedade para onde se pretende mudar a servidão de passagem, com cerca de 4,77 metros, e numa pequena extensão, terá de ser efetuada uma rampa bastante inclinada, implicando que o Apelante tenha um significativo aumento de esforço para a conseguir transpor, e bem assim transportar o carrinho de mão (carregado ou descarregado), ou mesmo, instrumentos agrícolas.

14- Deste modo, com todo o respeito por opinião diversa, não está em causa um pequeno, insignificante e mero incómodo, mas antes um sério prejuízo para o Apelante.

15- Além disso, resultou claro da prova constante dos autos, que o prédio do Apelante, no sentido Noroeste/Sudoeste, é constituído por 6 socalcos, e por isso 7 patamares/parcelas planas, sendo que é possível transitar a pé, e de trator, ainda que neste caso tendo de ser de pequeno porte e com alguma dificuldade, até ao 5º patamar.

16- Do 5º patamar ao 6º e 7º patamares não é possível transitar (nem a pé, nem de carro de mão), sendo que do 6º para o 7º já é possível transitar-se/passar-se, pois existe um desnível de 1,17 metros de altura do 5º para o 6º patamares, e do sétimo para o primeiro existe um desnível de cerca de 10 metros.

17- Deste modo, e com a servidão de passagem que atualmente existe, é possível usufruir com facilidade de cinco patamares, onde se consegue aceder a pé e de trator agrícola.

18- Se a servidão for alterada para a zona sul do prédio dos Réus/Reconvintes, além de ser necessário criar uma rampa desde o caminho público, passando pelo prédio destes, até atingir o sétimo patamar do prédio do Apelante, que atenue quase 5 metros de altura de desnível, a verdade é que o Apelante entra no sétimo patamar da sua propriedade, e ao chegar ao sexto patamar fica impedido de aceder aos demais cinco patamares, quer a pé, quer de trator (ainda que de pequeno porte), fruto do elevado desnível existente, e da inexistência de qualquer tipo de acesso entre esses dois patamares.

19- Assim, a mudança da servidão de passagem para sul, causará um enorme prejuízo ao Apelante, porquanto impedirá que o mesmo utilize aproximadamente 2/3 do seu prédio.

20- Dúvidas não restam que, o segundo requisito não se encontra verificado, já que a mudança de servidão, irá prejudicar seriamente os interesses do proprietário do prédio dominante, ou seja, do Apelante.

21- No que concerne à alteração do local da nova serventia, a Câmara Municipal ..., emitiu parecer favorável, mas condicionado ao facto da mesma ter de ser executada a título precário, pois nos termos da Lei nº 2110, de 10 de agosto de 1961, está sujeita a poder vir a ser alterada ou até extinta, caso não respeite os termos da lei, ou aquela entidade necessite de modificar o caminho que dá acesso ao início da mesma.

22- Ora, a servidão atualmente existente, faz-se por uma estrada, já devidamente empedrada, ladeada por muros e edificações, e por isso, insuscetível de sofrer quaisquer tipos de alargamentos ou modificações, ou seja, tem um carácter permanente.

23- Autorizar-se a modificação da servidão para a zona sul, estar-se-ia a substituir uma servidão executada a título definitivo por uma a título precário, havendo por isso a possibilidade do Apelante vir a ser prejudicado no futuro.

24- Face ao exposto, não há dúvidas que, as vantagens/benefícios obtidos pelos Réus/Reconvintes com a mudança da servidão, são manifestamente reduzidos, roçando quase o mero capricho.

25- Que o segundo requisito não se encontra verificado, pois a mudança da servidão irá prejudicar gravemente os interesses do proprietário do prédio dominante, desde logo, e além da maior dificuldade em transitar no novo local da servidão, e com maior risco para o Apelante de cair e sofrer lesões físicas graves, pelo facto de impossibilitar o Apelante de utilizar cerca de 2/3 do seu prédio, já que será fisicamente impossível para o mesmo aceder aos cinco primeiros patamares do prédio.

26- Com a decisão proferida, o Meritíssimo Juiz “a quo”, ignorou os sérios prejuízos que o Apelante irá sofrer, privilegiando uma ligeira maior comodidade dos Réus/Reconvintes.

27- Sopesando a conveniência dos Réus/Reconvintes e o prejuízo ou incómodo do habilitado na posição da falecida autora, claramente que aquela deve ceder face aos interesses deste.

28- Assim, deverá a douta sentença recorrida ser parcialmente revogada, e substituída por outra em que, face a tudo o que supra se expôs, declare que os Réus/Reconvintes não tem direito a efetuar a mudança da servidão, conforme por si peticionado, mantendo-se a servidão de passagem que existe atualmente a favor do Apelante, nos termos e com as características constantes no ponto 26 dos Factos Provados.

Os Apelados responderam ao recurso, formulando as seguintes conclusões:

(…).


/////

II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se estão (ou não) reunidos os pressupostos necessários para a mudança da servidão de passagem que foi peticionada, em sede de reconvenção, pelos Réus/Apelados.


/////

III.

Na 1.ª instância, julgou-se provada a seguinte matéria de facto:

1 - Conforme decorre do teor da certidão do registo predial junta como docs. nºs 1 e 2 com a petição inicial, a aquisição, por sucessão “mortis causa”, do prédio rústico, sito à ..., no lugar dos ..., na União das Freguesias ... e ..., concelho ..., composto por terreno de semeadura e vinha com oito oliveiras, com área 760 m2, que confronta de norte com EE, sul e nascente com HH (atualmente com os Réus) e poente com II, actualmente inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...97º da União das Freguesias ... e ... (mas que teve origem no artigo ...10º da freguesia ...), com o valor patrimonial de €14,01, e descrito na Conservatória do Registo Predial com o nº ...03º encontra-se inscrita a favor da Autora, pela AP. ...57, de 28/06/2017, na Conservatória do Registo Predial ..., enquanto única e universal herdeira dos falecidos pais GG e JJ, conforme escrituras de habilitação de herdeiros lavradas no Cartório Notarial ... em 16/02/2000 e 18/08/2003, respectivamente, de fls. 74 a fls. 74v, do Livro nº ...76..., e de fls. 139 a fls. 139v, do Livro nº 235-D juntas como docs. 3 e 4 com a petição inicial (arts. 1º (resposta restritiva) e 2º a 4º da petição inicial).

2 - Desde há mais de 20, 30, 40, 50 e mais anos que a Autora e os seus antecessores usam o prédio rústico identificado em 1), limpando-o, cultivando-o, plantando árvores de fruto, nomeadamente videiras, semeando e colhendo produtos hortícolas, aí entrando e saindo, pelo menos a pé e com carrinho de mão, pagando as respectivas contribuições e impostos, extraindo, enfim, todas as utilidades de que é susceptível e capaz … (resposta restritiva ao art.7º da petição inicial).

3- … de forma ininterrupta … (parte do art. 8º da petição inicial).

4 – …à vista de todos… (parte do art. 8º da petição inicial)

5-… sem oposição de ninguém… (parte do art. 8º da petição inicial).

6 - … sem lesar direitos alheios … (parte do art. 8º da petição inicial).

7 - … na convicção de exercerem um verdadeiro direito de propriedade (parte do art. 8º da petição inicial).

8 – Conforme decorre do teor das certidões da matriz predial e do registo predial juntas como docs. nº s 4, 5 e 6 com a petição inicial, a aquisição da parte urbana do prédio misto sito ao nº... da Rua ..., a Norte, e na Rua ..., a Sul, no lugar de ..., na União de Freguesias descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o nº ...55º da União das Freguesias ... e ... de ... e ..., no concelho ..., composta casa de habitação de rés-do-chão esquerdo amplo (garagem), rés-do-chão direito com 3 divisões, despensa e uma casa de banho, 1.º andar com quatro divisões, cozinha e duas casas de banho, com a área total e de implantação de 110 metros quadrados, com o valor patrimonial de 38.320,00€ e inscrito na respectiva matriz predial urbana, sob o artigo n.º ...91 (proveniente da matriz urbana da extinta freguesia ... com o artigo ...46) e a aquisição da parte rústica do prédio misto sito a Sul na Rua ..., na União de Freguesias ... e ..., no concelho ..., que se compõe de semeadura e vinha com 40 videiras e 13 oliveiras, com a área de 2.100 metros quadrados, a confrontar de Norte com Rua ..., EE e CC, de Sul com caminho, de Nascente com CC e FF e de Poente com GG e EE, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º ...95 (proveniente da matriz rústica da extinta freguesia ... com o artigo ...08), e descritos com a natureza de prédio misto na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...24 da freguesia ... está aí inscrita a favor dos Réus, pelas inscrições AP. ... de 1998/10/13 – Aquisição (Doação) e AP. ... de 2000/09/07 (resposta restritiva ao art. 10º da petição inicial e art. 69º da contestação/reconvenção).

9 - O prédio da Autora confina do lado norte, nascente e sul com o prédio dos Réus (art. 11º da petição inicial).

10 - O prédio urbano dos Réus tinha inicialmente implantada a Norte/Nascente uma construção antiga em pedra destinada a adega, sem quaisquer janelas ou portas viradas a poente, e que se encontrava em avançado estado de degradação, e encostada/pegada a tal construção, e situada mais para Sul/Poente, e voltada para a parcela, em litigio, tinha implantada uma construção antiga em pedra, destinada a curral de animais, sem quaisquer janelas ou portas viradas a poente, que se encontrava em avançado estado de degradação (resposta restritiva e explicativa ao art. 12º da petição inicial).

11 -- Por volta de finais do ano de 1998, os Réus decidiram efectuar obras de remodelação/reconstrução das duas construções em pedra pré-existentes, a saber: mais a Norte, a na construção implantada mais a norte destinada a adega, com uma porta em duas folhas e uma janela de descarga de uvas na fachada nascente e uma porta antecedida de um patamar na fachada Norte, e pegada a esta, e implantada a Sul/Poente, na construção destinada a curral de animais, e por volta do ano de 1999/2000, decidiram efectuar obras de ampliação da construção preexistente situada mais a Norte, tendo acabado por edificar uma moradia, na qual ainda hoje habitam (resposta explicativa ao art. 13º da petição inicial e resposta restritiva ao art. 45º da contestação/reconvenção).

12 - Numa primeira fase, os Réus apresentaram inicialmente junto da Câmara Municipal ... um projecto de construção, conforme planta de implantação que se junta como docs. 10 e 11 com a petição inicial, tendo executado a obra em conformidade (art. 14º da petição inicial).

13 - Mais tarde, apresentaram um projecto de alteração, no qual acrescentaram aproximadamente 23,8 m2 de superfície coberta, conforme nova planta de implantação apresentada perante a Câmara Municipal junta como doc. 12 com a petição inicial (art. 15º da petição inicial).

14 – Houve um acréscimo de construção em relação ao projecto inicial, ocupando uma área rectangular de 23,0m2, e houve um desvio, para poente, do muro, em pedra, situado a poente - e muro esse que, a partir do seu inicio a norte junto ao palheiro ali existente até à zona onde se inicia a casa de habitação dos Réus, delimita a propriedade destes com a propriedade confinante a poente pertencente a EE, e a partir dai, o muro prolonga-se para sul até ao limite sul/poente da casa de habitação dos Réus, onde delimita ai a parcela, em litigio, com a propriedade confinante a poente, pertencente a EE (resposta explicativa ao art. ...7º rectificado da petição inicial)

15 - O desvio efectuado ao muro delimitador dos prédios confinantes mais para poente ficou a dever-se ao aumento de construção e para permitir a manutenção da passagem e distanciamento para abertura de janelas e portas (art. 18º da petição inicial).

16 - O prédio urbano dos Réus (casa de habitação) a poente, mais concretamente, a fachada da casa virada a poente, confina com parcela, em litigio, delimitada pela parede poente da casa de habitação dos Réus e delimitada pelo muro aludido em 15) que a divide do prédio de EE (resposta restritiva e/ou explicativa ao art. 21º da petição inicial).

17 - Quando nos finais de 1998, os Réus decidiram reconstruir as casas em pedra que se encontravam manifestamente degradadas (e que hoje é a sua casa de habitação), sem qualquer autorização da Autora, procederam à edificação na dita fachada poente de seis janelas (no Rés-do-Chão e de Norte para Sul, uma janela com 0,90m (L) X 0,90m (H) a 1 m do chão; outra janela com 0,78m(L)X0,92 (H) a 1m do chão; outra janela com 1,5m(L)X0,86(h) a 1metro do chão. No 1º andar, e de Norte para Sul, uma janela com 1,10m(L)X1,20m(h) a 1 metro do chão; outra janela com 0,70m(L)X 1,10m(H) a 1 metro do chão e outra janela com 1,10m(L)X1,30m(H) (art. 22º da petição inicial).

18 - As referidas aberturas/janelas deitam directamente a poente para uma parcela de terreno, em litigio, que se estende até ao muro delimitador com a propriedade de EE (art. 23º da petição inicial).

19 - As aberturas estão dotadas de caixilhos de alumínio de abrir e fechar (art. 24º da petição inicial).

20 - As referidas aberturas a poente permitem que quem se encontre nas mesmas se debruce no respectivo parapeito, permitindo gozar de ar, vistas e luz e permitindo ainda largar de objectos e detritos do interior da casa de habitação dos Réus para faixa de terreno em litigio, que se estende, desde a parte ampliada da construção antiga destinada a adega no sentido poente, e desde a face poente da parede da construção antiga destinada a curral de animais (e construções essas reconstruídas/ampliada nos anos de 1999 a 2000 que deram lugar à casa de habitação dos Réus) até ao muro a poente delimitador com a propriedade de EE (resposta restritiva aos arts. 26º e 27º da petição inicial).

21- Efectuaram na mesma fachada a poente a abertura de uma porta, com 2,15 metros de altura por 1,00 metros de largura, que permite o acesso/saída da sua casa de habitação directamente para a parcela em litigio (art. 29º da petição inicial).

22- Após a apresentação do projecto de alteração referido em 13) dos Factos Provados, os Réus procederam à abertura de mais uma porta, com 1,95m(h)X1,25m(L), sem possuírem a necessária autorização camarária para o efeito, a qual permite igualmente o acesso/saída da sua casa de habitação directamente para a parcela, em litigio (art. 30º da petição inicial).

23 - Os Réus procederam à colocação de uma parede que serve de chaminé no início da fachada poente e de uma caleira em toda a largura da dita fachada, as quais se encontram sobre o espaço aéreo da parcela em litigio (art. 31º da petição inicial).

24 - Na dita fachada, e para escoar as águas pluviais da dita caleira, foram colocados na parede dois tubos de descarga, os quais conduzem e deitam tais águas directamente para a parcela em litigio (art. 32º da petição inicial).

25 - Na mesma fachada poente, os Réus colocaram um tubo preto voltado para a parcela em litigio (resposta restritiva ao art. 33º da petição inicial).

26 –- Os Autores, por si e seus antecessores para aceder ao seu prédio rústico e o cultivarem e dele recolherem produtos e o limparem, carregando instrumentos agrícolas para os auxiliarem no amanho da terra, há 20, 30 ou mais anos, utilizam, pelo menos, a pé e com um carrinho de mão, a partir de um caminho bem definido, outrora em terra batida, e agora, pavimentado com cimento e pedaços de tijoleira, com aproximadamente 1 metro e meio de largura, com início na confrontação norte do prédio misto dos Réus, mais concretamente onde o mesmo confronta com a Rua ... (junto a uma pequena arrecadação em pedra), prolongando-se depois no sentido norte-sudoeste, por uma extensão de aproximadamente 22,70 metros de comprimento através do prédio dos Réus até à quina noroeste da casa de habitação dos Réus, e a partir dai prolonga-se, em terra batida, ao longo da face poente da parede da casa de habitação dos Réus, numa extensão de 20,80metros de comprimento, até se a norte, a entrada para a 1ª plataforma do terreno/prédio encravado, em socalcos da autora, e caminho esse delimitado pelo muro em pedra situado a poente … (resposta restritiva/explicativa/ aos arts. 19º, 43º e 44º da petição inicial e resposta explicativa aos arts. 30º, 31, 32º e 33º e parte do art. 78º e art, 79º da contestação/reconvenção).

27 - … de forma ininterrupta quanto à extensão e modo de exercício do caminho de servidão de passagem aludida em 26) dos Factos Provados … (resposta explicativa a parte do art. 45º da petição inicial e parte do art. 78º da contestação/reconvenção).

28- … sem oposição de ninguém, nomeadamente, dos Réus e seus antecessores, quanto à extensão e modo de exercício do caminho de servidão de passagem aludida em 26 dos Factos Provados … (resposta explicativa aos arts. 42º e 47º da petição inicial e parte do art. 80ºº da contestação/reconvenção)

29 – …à vista de toda a gente quanto à extensão e modo de exercício do caminho de servidão de passagem aludida em 26 dos Factos Provados … (resposta explicativa a parte do art. 45º da petição inicial e parte do art. 80º da contestação/reconvenção).

30 - … na ignorância de lesão de direitos alheios quanto à extensão e modo de exercício do caminho de servidão de passagem aludida em 26 dos Factos Provados … (resposta explicativa a parte do art. 45º da petição inicial e parte do art. 80º da contestação/reconvenção).

31 - … na convicção de usarem um direito de passagem por esse caminho com a extensão e modo de exercício aludido em 26 dos Factos Provados (resposta explicativa a parte do art. 45º da petição inicial e parte do art. 80º da contestação/reconvenção).

32 - No início do segundo trimestre do ano de 2016, o Réu marido discutiu com o marido da Autora (habilitado na posição da falecida Autora), dizendo-lhe que não podia passar de carro/veículo automóvel através do caminho aludido em 26 dos Factos Provados porquanto não possuía tal modo de exercício do direito de passagem (art. 48º da petição inicial).

33 - O marido da Autora respondeu ao Réu marido que tinha o direito de ali passar (resposta restritiva ao art. 49º da petição inicial).

34 -Como o marido da Autora (habilitado na posição da falecida Autora) continuou a passar por aquele caminho de carro, os Réus decidiram colocar um portão no início do caminho, barrando o acesso de máquinas agrícolas e viaturas automóveis à propriedade da Autora, actualmente, do habilitado na posição da falecida Autora (resposta explicativa ao art. 51º da petição inicial).

35- Em data precisa que não se logrou apurar, no ano de 2016, os Réus procederam à pavimentação com peças de granito desde a entrada norte do seu prédio urbano em toda a sua extensão até à quina poente/norte da sua casa de habitação, ficando após tal obra, o caminho aí existente até à quina norte/poente da casa de habitação e a área envolvente a parecer um amplo espaço (logradouro) da entrada principal da casa de habitação dos Réus (resposta restritiva ao art. 52º da petição inicial e parte do art. 40º da contestação/reconvenção).

36 - Os Réus mantêm o portão parcialmente aberto, mais concretamente um pequeno portão, com aproximadamente 0,90m de largura, permitindo a passagem daqueles a pé, mas mantendo o restante portão (eléctrico) fechado, o qual impede o acesso de veículos automóveis, tractores e máquinas agrícolas (resposta restritiva ao art. 54º e ao art. 56º da petição inicial).

37 – Conforme decorre do teor do doc. nº22 junto com a petição inicial, os Réus apresentaram no dia 16/01/2017, uma queixa-crime contra o marido da Autora, acusando-o da prática do crime de introdução em lugar vedado ao público e de devassa da vida privada (resposta restritiva aos art. 60º e 61º da petição inicial e resposta restritiva ao art. 14º da contestação/reconvenção).

38- Conforme decorre do teor do doc. nº22 junto com a petição inicial, na fase de inquérito, resultou dos depoimentos das testemunhas ouvidas que o marido da Autora não praticou qualquer ilícito criminal, tendo o procedimento criminal sido objecto de despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, com o qual os Réus se conformaram ao não requererem a abertura de instrução (art. 63º da petição inicial e 15º da contestação/reconvenção).

39 – O marido da Autora, aqui habilitado, tem vindo a conduzir um automóvel a partir da Rua ..., e sem qualquer consentimento, entra no prédio misto dos Réus, estacionando a viatura no terreno a Norte que serve de logradouro da casa de habitação destes, por tempo indeterminado ausentando-se a pé do local e advertido para a necessidade de retirada o veículo, Réu marido, ignorou a interpelação feita, e o marido da Autora tem vindo a colocar, por diversas vezes e ao longo de meses um carro de mão de duas rodas e depósito de pedaços de madeira /lenha na parcela, em litigio, a poente/sul, sem sua autorização (resposta restritiva ao art. 12º da contestação/reconvenção).

40- O prédio rústico da Autora é um prédio encravado, sem acesso directo à via pública, quer à Rua ..., sita a Norte, do mesmo, quer à Rua ..., situada a Sul do terreno (art. 17º da contestação/reconvenção).

41 - Conforme decorre do teor do doc. nº12 junto com a contestação/reconvenção, o Réu marido apresentou, em 29/09/2017, uma denúncia pessoal nos Serviços Camarários do Município ... contra a Autora nos termos e com os fundamentos aí expressos, cujo teor se dá aqui por reproduzido (resposta restritiva ao art. 20º da contestação/reconvenção).

42 – Conforme decorre do teor de fls. 8 do doc. nº 13 junto com a contestação/reconvenção, a Autora apresentou no dia 14 de Novembro de 2016, na Câmara Municipal ..., um pedido de vistoria da casa de habitação dos Réus a fim de apurar «...se a mesma foi e está construída de acordo com o projecto aprovado pelos serviços técnicos...» e conforme decorre do teor de fls. 5 do doc. nº13 junto com a contestação, a Autora, a 2 de Dezembro de 2016, apresentou um requerimento na Câmara Municipal ..., no qual explicitou aí que o que pretendia era apresentar uma denúncia contra o Réu marido “ (…) em relação à sua casa de habitação (…) com vista a verificar se esta foi construída de acordo com o projecto apresentado e aprovado por essa Câmara Municipal, pois essa construção foi ampliada e ocupou parte do caminho que dá acesso à minha propriedade agrícola (…) e também que seja verificado se a piscina que construiu tem licença (...)” (art. 23º e 52º da contestação/reconvenção).

43 - O prédio da Autora no sentido Noroeste/Sudoeste tem um comprimento de cerca de 85 metros, dividido em seis socalcos/taludes, sendo o sétimo socalco a estrema sul do terreno da Autora com o terreno dos Réus, e são sete os patamares/parcelas planas que compõe o terreno da Autora, sendo que é possível transitar-se no sentido norte/sul dum patamar para o outro, a pé e tractor agrícola de pequeno porte com dificuldade, devido à diferença de cotas de terreno, até ao 5º patamar e do 5º patamar ao 6º e 7º patamares não é possível a transição, mas do 6º para o 7º patamar, onde há um poço já é possível transitar-se/passar-se (ou seja, do sul para norte é possível passar-se do 7º patamar para o 6º patamar, a mas não a partir deste para os outros cinco patamares, sendo o desnível do 5ºpatamar/plataforma do terreno para o 6º patamar do terreno de 1,17metros de altura e o desnível do 7º patamar para a primeira plataforma é de cerca de 10 metros (resposta explicativa ao art. 26º da contestação/reconvenção).

44 - O "aumento de Construção com uma "área de 23,8 m2" foi edificada sobre a faixa do terreno, em litigio, que sempre confrontou a poente com a propriedade de EE, e em relação à qual têm sido os Réus, desde, pelo menos, desde finais do ano de 1998 até à data da instauração da presente acção contra os Réus, como se fizesse parte integrante do seu prédio misto, a extraírem todas as utilidades proporcionadas pela dita faixa de terreno, em litigio, com a área de 78,50m2, incluindo-se aí a parte ampliada com 23,80m2, que se estende a poente até muro delimitador da propriedade de EE, e no sentido norte/sul, desde a quina da casa de habitação dos Réus até ao limite norte/sul da entrada para o 1º patamar do terreno da Autora, nomeadamente, habitando a dita casa de habitação; à vista de todos, sem oposição de ninguém, sem lesar direitos alheios, e na convicção de exercerem o direito de propriedade sobre tal parcela como parte integrante do prédio misto dos Réus (resposta explicativa aos arts. 46º , 47º e parte do 50º da contestação/reconvenção e resposta restritiva aos arts. 71º e 72º da contestação/reconvenção).

45 – Pelo menos, desde finais do ano de 1998 até à data da instauração da presente acção, têm sido os Réus a extrair todas as utilidades proporcionadas pela faixa de terreno, em litígio, adjacente ao alçado poente da sua casa de habitação e até ao muro delimitador da propriedade de EE situada a poente, nomeadamente, procedendo à sua limpeza, procedendo ao desvio do muro delimitador para poente, entrando e saindo pelas aberturas/portas aí implantadas na casa de habitação para tal faixa e de tal faixa para a casa de habitação e abrindo as janelas aí implantadas directamente para a dita faixa de terreno, e sendo nesse espaço que que a mãe do Réu marido, KK, tinha por hábito - à tarde e sempre que as condições atmosféricas o permitiam - sentar-se para apanhar um pouco de sol brando enquanto repousava, de forma ininterrupta, à vista de todos, sem oposição de ninguém, sem lesar direitos alheios, e na convicção de exercer o direito de propriedade sobre tal faixa de terreno como parte integrante do prédio misto (resposta explicativa aos arts. 47º a 49º e parte do 50º da contestação/reconvenção e resposta restritiva aos arts. 71º e 72º da contestação/reconvenção).

46 – À data da reconstrução/ampliação da sua casa de habitação, a partir das construções antigas, em pedra, preexistentes (ou seja, sensivelmente, entre finais do ano de 1998 e o ano de 2000), o Réu marido procedeu ao desvio" do muro em pedra delimitador da parcela, em litigio, a poente, a confrontar com o prédio de EE, na sequência de um acordo de alinhamento de estremas com a dita confinante EE anterior à execução da obra de ampliação da casa de habitação dos Réus (resposta explicativa ao art. 53º da contestação/reconvenção).

47 – Dado o comportamento tido pelo marido da Autora aludido em 39), os Réus acabaram, por colocar um portão na entrada a partir da Rua ... (art. 59º da contestação/reconvenção).

48 – Conforme decorre do teor do doc. nº 31 junto com a contestação/reconvenção, por carta registada, com aviso de recepção datada de 2 de Março de 2017, o Réu marido informou a Autora de que o dito portão “(...)tem uma parte articulada com cerca de um metro de largura que estará sempre aberta ou simplesmente encostada, pelo que o direito de acesso pedonal que possui para aceder ao seu prédio rústico não sofre qualquer alteração” (art. 60º da contestação/reconvenção).

49 – A distância entre a casa de habitação da Autora e o início da servidão de passagem a Norte do prédio dos Réus é de 668m2 e a distância entre a casa de habitação da Autora e o início do prédio dos Réus a Sul, na Rua ... é de 524m2 (Resposta explicativa ao art. 83º da contestação/reconvenção e nota: utilização “ex oficio” de tais factos instrumentais pelo tribunal na presente sentença, nos termos e com os fundamentos expressos no despacho proferido com Refª Citius nº 86990047, de 04/01/2022, e em relação ao qual as partes exerceram o contraditório na última sessão da audiência final).

50 - A mudança de sítio da servidão de passagem a pé e carrinho de mão, nos termos pretendidos pelos Réus no art. 82º da contestação/reconvenção viabilizará o propósito dos Réus fazerem a vedação (com materiais estáveis) da casa de habitação nele implantada e de parte do seu logradouro onde se encontra a área de lazer com piscina, o que permitirá dotar o mesmo prédio de maior qualidade, comodidade, conforto, reserva e privacidade, adequados ao pleno gozo do direito de propriedade por parte dos Réus/Reconvintes, seus filhos e demais familiares (art. 84º da contestação (reconvenção).

51- O acesso actual á propriedade da Autora faz-se pela via pública, a partir da Rua ..., com piso asfaltado, e o local para onde os pretendem mudar a servidão, a partir da Rua ... até ao inicio do prédio dos réus, a Sul, é um caminho em terra batida e lamacento sempre que chove (art. 26º da réplica).

52 – Consta da informação prestada pela Câmara Municipal ... constante de fls. 151, na sequência do requerido pelos Réus no requerimento de fls. 148vº a fls. 149, nos termos e com os fundamentos aí expressos cujo teor se reproduz aqui para todos os efeitos, o seguinte:

Relativamente ao processo mencionado, em epígrafe, serve o presente para comunicar que, por despacho de 11 de fevereiro, o pedido foi deferido, condicionado ao teor da informação técnica que se transcreve:

“Não se vê inconveniente no pedido condicionado a que a serventia da propriedade confinante com a via municipal, seja executada a titulo precário, não havendo direito a indemnização por quaisquer obras que os proprietários sejam obrigados a fazer, quer na serventia, quer ma propriedade servida, no caso de ser modificada a plataforma da via municipal, sendo da responsabilidade do proprietário a conservação e a realização de obras que forem impostas, nomeadamente evitar-se que os enxurros invadam a via, uma vez que o terreno a servir está a um nível superior” ( Nota: Aditamento/utilização “ex oficio” do facto instrumental, sob apreciação, pelo tribunal, em sede da prolação da sentença final, nos termos e com os fundamentos expressos no despacho proferido com Refª Citius nº 86990047, de 04/01/2022, e em relação ao qual as partes exerceram o contraditório , na última sessão da audiência final).

53 - Consta da informação prestada pela Câmara Municipal ... constante de fls. 212 dos autos, destinada a concretizar/complementar a informação constante do ponto 52) dos Factos Provados, na sequência da sua notificação do despacho de fls. 211, tendo, por base, o requerido conjuntamente pela Autora e pelos Réus a fls. 210, parte final, a fls. 221, parte final, dos autos, nos termos e com os fundamentos aí expressos, o seguinte:

(…)

-A constituição de servidões nas Estradas e Caminhos Municipais segue o regime previsto na Lei nº 2110 de 10 de Agosto de 1961.

As estradas e caminhos municipais tem faixas de protecção que se destinam a garantir a segurança do trânsito e a permitir a realização de futuros alargamentos e obras de beneficiação, pelo que se acordo com o art. 62º do citado diploma tem-se que:

Art. 62º - As serventias das propriedades confinantes com as vias municipais serão executadas a titulo precário, não havendo direito a indemnização por quaisquer obras que os proprietários sejam obrigados a fazer, quer na serventia, quer na propriedade servida, no caso de ser modificada a plataforma da via municipal.

As actuais serventias poderão manter-se desde que obedeçam às prescrições fixadas pelas câmaras municipais para o seu estabelecimento.

&1º Quando as serventias estejam mal conservadas ou a prejudicar as vias municipais, serão os proprietários obrigados a fazer, a expensas suas e dentro do prazo fixado pela câmara municipal, as obras que lhe forem impostas.

&2º Em todas as serventias, o leito deverá ser pavimentado com calçada, se outro tipo de pavimentação não for julgado preferível, a partir da faixa de rodagem, na extensão e largura necessárias, a fim de que não haja dano para a via municipal, devendo também evitar-se que os enxurros invadam esta quanto o terreno a servir seja de nível superior.

Trata-se de um direito de serventia administrativa, pelo que as actuais serventias poderão manter-se desde que obedeçam às prescrições fixadas pelas câmaras municipais para o seu estabelecimento, como é o caso, de acordo com o art. 62º da Lei nº 2110, de 10 de Agosto de 1961.” (Nota: Aditamento/utilização “ex oficio” do facto instrumental, sob apreciação, pelo tribunal, em sede da prolação da sentença final, nos termos e com os fundamentos expressos no despacho proferido com Refª Citius nº 86990047, de 04/01/2022, e em relação ao qual as partes exerceram o contraditório, na última sessão da audiência final).

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Não se julgaram provados os seguintes factos:

I - O novo projecto de alteração, e a subsequente ampliação da construção, com a área de 23,8 m2, foi totalmente edificada sobre o prédio rústico da Autora (art. 16º da petição inicial).

II - Os Réus começaram a intensificar os conflitos e as provocações aos Autores, passando a afirmar reiteradamente que ali não podiam passar mais (art. 50º da petição inicial).

III - Os Autores, para assegurarem o seu legítimo e consolidado o direito de passagem continuaram a exigir o direito de ali passarem, e que o portão ali colocado deveria ser removido ou encontrar-se permanentemente aberto, referindo que se tal não acontecesse não hesitariam em recorrer à via judicial para salvaguardar os seus direitos (art. 53º da petição inicial).

IV - Os Autores por diversas vezes solicitaram aos Réus para não se oporem à passagem daqueles, pois nenhum incómodo lhes trazia, nem trás, devendo manter ambas as partes do portão aberta (art. 55º da petição inicial).

V - Esta situação, e todos os actos praticados pelos Réus têm abalado e angustiado profundamente os Autores (art. 57º da petição inicial).

VI - A Autora encontra-se nervosa, angustiada e constrangida, passando a ter muito receio de se deslocar sozinha à sua propriedade, por poderem ser abordada de forma violenta pelos Réus (art. 59º da petição inicial).

VII - Os Réus tudo têm feito para amedrontar os Autores, constantemente ameaçando que vão recorrer ao tribunal para os impedir totalmente de passar no caminho, e bem assim que irão apresentar queixa-crime por entrarem em propriedade privada (art. 60º da petição inicial).

VIII - A Autora possui uma pequena casa de arrumos agrícolas a 100 metros do actual acesso ao seu prédio de onde transporta os utensílios agrícolas para a sua propriedade (art. 25º da réplica).

IX - A alteração da servidão nos termos pretendidos pelos Réus implicará para a Autora passar a deslocar-se aproximadamente 600 metros para cada lado, desde a casa de arrumos até atingir a sua propriedade, por um percurso com desnível, o que implicará um enorme esforço físico acrescido para a Autora chegar à sua propriedade e transportar os utensílios agrícolas (art. 26º da réplica).

X - A actual localização da servidão provoca poucos transtornos aos Réus, já que a sua trajectória e a extensão não implica a devassa da restante propriedade deles (art. 30º da réplica).


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IV.

Conforme resulta das alegações e respectivas conclusões, o presente recurso incide apenas sobre o segmento da decisão que se reporta à mudança da servidão que foi peticionada em reconvenção, ou seja, o segmento onde se decidiu:

c) Julgar legítimo e legal a mudança do sítio da dita servidão de passagem a pé, às expensas dos réus, redefinindo-se a servidão de passagem a pé sobre o prédio dos Réus/Reconvintes CC e mulher DD, com uma largura de cerca de 1 metro e meio, com início na estrema a Sul, a partir da Rua ..., e no sentido de Norte, prosseguindo o seu leito num alinhamento rectilíneo junto ao limite da estrema de Poente até se alcançar a confrontação de Sul do prédio encravado da Autora/Reconvinda, com um leito em terra batida;

d) Condenar o Habilitado BB, na posição da falecida Autora AA, a reconhecer e a respeitar a servidão de passagem a pé e sua mudança de sítio nos exactos termos aludidos em c), às expensas dos réus.

Refira-se, por outro lado, que o presente recurso também não incide sobre a decisão da matéria de facto, sustentando o Apelante – sendo apenas esse o fundamento do recurso – que, à luz da matéria de facto que se julgou provada (que aceita e não impugna) não se podiam considerar verificados os pressupostos necessários para a mudança da servidão que foi pedida pelos Réus e decretada pela decisão recorrida.

 Recorde-se que foi reconhecida (em segmento da decisão que não foi incluído no objecto do recurso) a existência de uma servidão de passagem a pé, sobre o prédio dos Réus e a favor do prédio da Autora (acima identificados),  com a largura de cerca de 1 metro por 30 metros de comprimento, com início na estrema Norte a partir da Rua ..., no sentido de Sul, prosseguindo o seu leito num alinhamento rectilíneo junto ao limite da estrema Poente até se alcançar a confrontação Norte do prédio encravado do Habilitado BB, na posição da falecida Autora AA, com um acesso inicial actual em asfalto de cimento e granito seguido de um leito em terra batida.

O que está em causa no recurso é a alteração do local dessa servidão que, conforme definido na sentença recorrida, passaria a ter uma largura de cerca de 1 metro e meio, com início na estrema a Sul, a partir da Rua ..., e no sentido de Norte, prosseguindo o seu leito num alinhamento rectilíneo junto ao limite da estrema Poente até se alcançar a confrontação Sul do prédio encravado da Autora/Reconvinda, com um leito em terra batida. E é esta alteração que não merece a concordância do Apelante e que motiva o presente recurso.

Analisemos, portanto, a questão.

A mudança de servidão a pedido – ou por exigência – do proprietário do prédio serviente (como é aqui o caso) está regulada no n.º 1 do art.º 1568.º do CC que dispõe nos seguintes termos:

O proprietário do prédio serviente não pode estorvar o uso da servidão, mas pode, a todo o tempo, exigir a mudança dela para sítio diferente do primitivamente assinado, ou para outro prédio, se a mudança lhe for conveniente e não prejudicar os interesses do proprietário do prédio dominante, contanto que a faça à sua custa; com o consentimento de terceiro pode a servidão ser mudada para o prédio deste”.

Assim, pondo de lado (porque não releva no caso dos autos) a situação em que se pretende mudar a servidão para outro prédio (caso em que também será exigível o consentimento do proprietário deste prédio), o proprietário do prédio serviente poderá sempre exigir a mudança da servidão para outro local dentro mesmo prédio (independentemente de acordo do proprietário do prédio dominante), desde que o faça à sua custa e desde que estejam verificados dois pressupostos cuja verificação lhe caberá demonstrar (por corresponderem a factos constitutivos do direito que invoca): a sua conveniência na mudança da servidão e a inexistência de prejuízo para os interesses do proprietário dominante.

Está em causa, portanto, a ponderação de dois interesses: de um lado, o interesse do proprietário do prédio serviente na mudança da servidão que, não tendo que corresponder a uma necessidade, se basta com uma mera conveniência; do outro lado, o interesse do proprietário do prédio dominante em não ver prejudicado o seu direito e o gozo efectivo das utilidades que ele proporciona ao seu prédio. Em qualquer caso, esses interesses têm que ser relevantes e dignos de protecção; o interesse do proprietário serviente na alteração da servidão não poderá corresponder a um mero capricho e, portanto, a alteração pretendida haverá de traduzir uma efectiva utilidade ou um qualquer benefício para a fruição do prédio; o mesmo acontece com o interesse do proprietário do prédio dominante que releva para efeitos de obstar à alteração, não relevando os caprichos ou meras comodidades sem relevância e significado, mas apenas o efectivo prejuízo que a alteração implicaria na fruição das utilidades que a servidão proporciona em benefício do prédio dominante[1]. Não terá que ser um prejuízo grave (nada na lei aponta para essa necessidade), mas tem que ser um prejuízo minimamente relevante que, nessa medida, seja digno de tutela ou protecção.

Refira-se que, apesar de a jurisprudência ter vindo a apelar, nesta matéria, a um juízo de proporcionalidade entre os interesses em questão (o interesse do dono do prédio serviente e o interesse do dono do prédio dominante)[2], a verdade é que, em bom rigor, não há lugar a qualquer juízo sobre a superioridade ou prevalência de um desses interesses sobre o outro: o interesse correspondente à necessidade ou vantagem que o dono do prédio serviente irá obter com a mudança da servidão e o interesse do dono do prédio dominante em não ver alterada essa servidão por força do prejuízo que isso vai implicar para o seu prédio. Na verdade, a mudança da servidão exige, à luz do disposto na lei, que ela não prejudique os interesses do proprietário do prédio dominante e, portanto, a partir do momento em que este prejuízo exista – e desde que ele seja sério (o que não significa que tenha que ser grave), relevante e digno de protecção – não interessa apurar/ajuizar se esse prejuízo é superior ou inferior à vantagem que a mudança traria ao prédio serviente, no sentido de saber qual deles deve prevalecer; por muito relevante que seja o interesse do prédio serviente na mudança, ele nunca prevalecerá sobre o prejuízo que essa mudança acarrete para o prédio dominante (desde que este prejuízo seja relevante e digno de protecção). Isso mesmo também se refere no Acórdão do STJ de 02/07/2009[3] onde se refere, a dado passo, que “…não basta…ao titular do prédio serviente demonstrar que sofre um prejuízo superior àquele que causa ao proprietário do prédio dominante, para que lhe seja legítimo impor a mudança de servidão”.

Refira-se, por outro lado, que os interesses relevantes em matéria de servidões prediais (nomeadamente os interesses a ponderar para efeitos de mudança da servidão) têm que ser vistos e analisados em termos objectivos, tendo como referência os prédios em causa, e não em função dos interesses subjectivos daqueles que são, em dado momento, os seus proprietários. Na verdade, a servidão não traduz uma relação entre pessoas, mas sim uma relação entre prédios, consubstanciada nas concretas utilidades que são proporcionadas ao prédio dominante pelo prédio serviente (art.º 1544.º) e, portanto, é nesse ponto de vista – ou seja, do ponto de vista da afectação da servidão ao prédio e não à pessoa do seu concreto titular, conforme se diz no Acórdão do STJ de 02/07/2009 (acima citado) – que têm que ser analisados os interesses em causa.

No caso dos autos, não haverá muitas dúvidas relativamente à conveniência do proprietário do prédio serviente (os Réus) em ver alterado o local de exercício da servidão. Com efeito, sendo certo que, conforme se retira da matéria de facto, a servidão em causa é exercida através de uma faixa de terreno que confina directamente com a casa de habitação aí existente cuja fachada tem janelas e porta que deitam directamente para essa faixa de terreno, é evidente que a mudança da servidão para outro local (mais afastado da casa) vem trazer um efectivo benefício à normal fruição dessa casa, na medida em que elimina – ou reduz significativamente – o devassamento da privacidade que resulta da passagem por esse local (junto às janelas e porta da casa). Ainda que a devassa de privacidade que é propiciada pelo exercício da servidão naquele local não seja muito diferente daquela que é permitida pela passagem de qualquer pessoa numa via pública em relação a casas que com ela confinam directamente, está em causa um interesse relevante e digno de protecção que não pode ser visto como mero capricho e que, como tal, justifica a alteração da servidão.

Mas, conforme dissemos, esse interesse – ainda que relevante – não basta para determinar a alteração da servidão, sendo ainda necessário que essa alteração não prejudique o conteúdo do direito de servidão, ou seja, que não afecte – para além daquilo que possa ser considerado como mero capricho ou comodidade sem relevância digna de protecção – a normal fruição das utilidades que a servidão proporciona em benefício do prédio dominante.

Ora, é precisamente aqui que reside a questão central que vem colocada no recurso, sustentando o Apelante – em desacordo com a decisão recorrida – que esse pressuposto não se pode ter como verificado, uma vez que a alteração da servidão lhe causa efectivo prejuízo.

Segundo o Apelante, esse prejuízo resulta das seguintes circunstâncias:

i. O facto de essa alteração implicar que o acesso passe a ser efectuado por um caminho em terra batida – quando é certo que, actualmente, é feito através de uma via pública que se encontra asfaltada – o que dificulta a circulação e aumenta o risco de quedas, tanto mais que o Apelante é idoso;

ii. O facto de na zona onde se pretende implantar a servidão existir um desnível com cerca de 4,77m que obrigará à construção de uma rampa muito inclinada que implicará um significativo aumento de esforço do Apelante para a conseguir transpor, designadamente quando transporta o carrinho de mão ou instrumentos agrícolas;

iii. A circunstância de a alteração da servidão implicar a impossibilidade de utilização de cerca de 2/3 do seu prédio, uma vez que esse acesso apenas permite aceder ao 7.º e 6.º patamar do prédio do Autor, não sendo possível, a partir daí, aceder aos demais patamares por força do desnível existente;

iv. A circunstância de a servidão existente ter um carácter permanente (por se fazer a partir de uma estrada, já devidamente empedrada, ladeada por muros e edificações, e por isso, insuscetível de sofrer quaisquer tipos de alargamentos ou modificações), enquanto que a servidão a executar a sul seria precária e poderia vir a ser alterada ou extinta, tendo em conta os termos do parecer da Câmara Municipal.

Relativamente às circunstâncias referidas em ii., a matéria de facto provada não contém quaisquer elementos, sendo certo que essa matéria não foi, oportunamente, trazida aos autos. Não resulta, portanto, da matéria de facto se existe (ou não) um desnível acentuado na zona onde se pretende implantar a servidão que obrigue à construção de uma rampa cuja inclinação (acentuada) implique um significativo aumento de esforço para a conseguir transpor. Refira-se que é possível perceber pelo teor do ponto 52 que os prédios estarão, de facto, a um nível superior à via da qual partiria a servidão, facto que acaba por ser confirmado pelos Apelados na resposta ao recurso, não obstante digam que a distância a percorrer dentro do seu prédio a partir da via até ao início do prédio do Apelante (que corresponderia ao leito da servidão a implantar) é de 20 metros e, portanto, permitiria construir uma rampa com pouca inclinação. De todo o modo, conforme dissemos, a matéria de facto não contém elementos bastantes.

É bom notar, no entanto, que cabia aos Réus/Apelados, enquanto requerentes/interessados na mudança da servidão, alegar e provar factos bastantes para concluir pela inexistência de prejuízo relevante para o prédio dominante, sendo certo que a inexistência desse prejuízo é um pressuposto legalmente exigido para a mudança da servidão e, consequentemente, um facto constitutivo do direito em questão (cfr. art.º 342.º, n.º 1, do CC).

Ora, para concluir pela inexistência desse prejuízo era necessário que tivessem sido alegadas as exactas características da servidão que iria resultar da pretendida alteração, o que, de algum modo, também pressupunha que fossem alegadas as obras que se pretendiam efectuar para assegurar essa servidão, no sentido de avaliar a sua exequibilidade e a sua aptidão para conferir a tal servidão os mesmos cómodos e utilidades que eram proporcionados pela anterior (refira-se que, antes da reforma de 1995, todas essas questões eram apreciadas e decididas no âmbito das acções de arbitramento e, ainda que essa categoria processual tenha sido eliminada, isso não significa que tais questões não devam igualmente ser objecto de alegação e decisão, até porque a mudança da servidão pressupõe que sejam determinadas/fixadas as obras que, para o efeito, se considerem necessárias).

Parece que, apesar de nada disso ter sido alegado oportunamente, a servidão a implantar nos termos pretendidos pelos Réus/Apelados exige a construção de uma rampa a partir da Rua ... que fica situada a um nível inferior (isso é reconhecido nas contra-alegações). Mas, sendo assim, era necessário saber qual era a inclinação dessa rampa e qual a diferença entre essa inclinação e aquela que existe na actual servidão, sendo certo, no entanto, que nada disso foi alegado, razão pela qual a matéria de facto provada não contém elementos sobre essa matéria. E isso, só por si, já dificultaria a conclusão de que a mudança da servidão não implica prejuízo relevante para o prédio dominante, como seria necessário para que tal mudança pudesse ser autorizada.

Mas, além do mais, pensamos ser possível concluir, em face da matéria de facto provada, que a pretendida alteração causa prejuízo – que é relevante e não pode ser considerado insignificante e desmerecedor de tutela – ao prédio dominante por força das circunstâncias referidas em i) e iii).

Vejamos.

Resultou provado (cfr. ponto 51 da matéria de facto provada) que o acesso à servidão, nos termos em que ela existe actualmente, é feito a partir de uma via pública (Rua ...) – a Norte dos prédios –  cujo piso é asfaltado e que o acesso à servidão, nos termos em que ela passaria a existir após a alteração pretendida pelos Réus, seria feita a partir de um caminho em terra batida (a Rua ...) – a Sul dos prédios – que fica lamacento sempre que chove.

Ora, do nosso ponto de vista e ao contrário do que se entendeu na decisão recorrida, essa alteração não é irrelevante para o gozo das utilidades proporcionadas pela servidão ao prédio dominante e constitui, na nossa perspectiva, bem mais do que um mero incómodo que não mereça protecção, na medida em que agrava, de modo relevante, as condições de acesso à servidão.

É certo, como se diz na decisão recorrida, que o prédio da Autora, sendo um prédio rústico afecto ao cultivo, também se torna lamacento, sempre que chova. Mas isso é assim por natureza, sempre foi assim, não se vislumbrando em que medida isso poderá contribuir para concluir que o facto de se passar a aceder à servidão de acesso a esse prédio por um caminho também lamacento corresponde a mero incómodo irrelevante ou prejuízo insignificante. Com efeito, ainda que o prédio – dada a sua natureza – se torne lamacento e ainda que a própria servidão possa também ter essas características, a verdade é que o acesso à servidão, nos termos em que ela existe actualmente, é feito por uma via com piso asfaltado que permite, naturalmente, a fácil circulação, quer de veículo, quer a pé e essas condições de circulação serão substancialmente agravadas se o acesso à servidão passar a ser feito – como pretendem os Réus – através de um caminho em terra batida que, quando chove, fica lamacento o que, naturalmente, criará obstáculos à circulação, designadamente a pé e com carrinho de mão, tornando-a mais morosa e exigindo maior esforço. Em períodos de maior chuva, a circulação nesse caminho poderá até tornar-se inviável, designadamente para pessoas de idade mais avançada ou com condições físicas mais débeis. É certo, portanto, que a facilidade e comodidade da servidão actualmente existente proporciona ao prédio dominante uma utilidade, um benefício e uma mais valia que, facilitando o uso normal e regular do prédio, de modo algum, podem ser considerados como insignificantes e irrisórios e que não serão proporcionados pela servidão que resultaria da pretendia alteração.

Pensamos, portanto, em face do exposto, que está em causa um agravamento relevante das condições de acesso à servidão e de efectiva fruição das utilidades por ela proporcionadas que traduz um prejuízo relevante para os efeitos previstos no art.º 1568º.

Mas, além disso, a pretendida mudança da servidão também interfere, de modo relevante, com as utilidades que, através dela, o prédio dominante pode usufruir.

Vejamos.

Resultou provado que o prédio do Autor/Apelante está dividido em seis socalcos/taludes que dão origem a sete patamares (parcelas planas), sendo possível transitar, a pé e com tractor agrícola de pequeno porte, entre os primeiros cinco patamares (situados mais a Norte por onde se inicia a actual servidão) e entre o 6.º e 7º patamares (situados a Sul para onde se pretende mudar a servidão), não sendo possível, no entanto, transitar do 5.º para o 6.º patamar (e vice versa) tendo em conta a existência de um desnível de 1,17m.

Significa isso, portanto, que, com a servidão a Norte (como existe actualmente), é possível aceder e utilizar regularmente os cinco patamares subsequentes a essa servidão, não sendo viável (pelo menos sem a realização de obras ou intervenção no terreno) a regular utilização do 6.º e 7.º patamares. Com a servidão a Sul (para onde se pretende mudar), a situação ficaria invertida, ou seja, essa servidão daria acesso ao 7º e 6º patamares, mas não permitiria a normal e regular utilização dos restantes cinco patamares.

Naturalmente que, uma vez assegurado o acesso ao prédio a partir da via pública, caberia aos proprietários do prédio dominante fazer as obras ou intervenções necessárias que permitissem a circulação e a utilização de todo o prédio. A verdade é que não o terão feito e, portanto, independentemente das razões que o determinaram (fosse porque aqueles patamares não tinham aptidão para cultivo ou fosse porque entenderam não se justificar a realização de qualquer intervenção nesse sentido), as concretas utilidades que vinham a ser usufruídas pela servidão traduziam-se apenas na utilização – assegurada pelo acesso através da servidão – daqueles 5 patamares.

Ora, essa concreta utilidade – que vinha sendo assegurada pela servidão – e que se traduzia no acesso, circulação e regular utilização desses patamares, seria, pura e simplesmente, eliminada pela mudança da servidão para Sul que apenas permitia aceder e utilizar em termos regulares os 6.º e 7.º patamares, inviabilizando, portanto (a não ser com a realização de obras ou intervenções no terreno), a normal e regular utilização dos patamares que até aí vinha sendo efectuada através da servidão.

Independentemente da questão de saber se a área daqueles cinco patamares é superior ou inferior à área dos 6.º e 7.º patamares e independentemente da questão de saber se aqueles patamares têm (ou não) maior e melhor aptidão agrícola que estes – questões que nem sequer encontram resposta na matéria de facto provada – a verdade é que a mudança da servidão implicaria uma alteração muito significativa da utilização do prédio que vinha sendo efectuada e, consequentemente, das concretas utilidades que eram gozadas e usufruídas por via da servidão e essa circunstância não poderá deixar de ser considerada com alteração relevante da servidão e das utilidades por ela proporcionadas e, consequentemente, como prejuízo relevante para os efeitos previstos no citado art.º 1568.º, ou seja, para o efeito de obstar à mudança da servidão.

Poder-se-á dizer, no entanto, que esse prejuízo poderia ser eliminado por obra/intervenção no prédio dominante (a custear, naturalmente, pelos Réus, enquanto interessados na mudança da servidão) que assegurasse o acesso regular do 6.º patamar aos 1.º a 5.º patamares.

A verdade, porém, é que essa matéria não foi trazida aos autos e, como tal, não foi debatida e apreciada, desconhecendo-se, por isso:

- Se os Réus/Apelados estão (ou não) dispostos a realizar essa intervenção;

- Se essa intervenção era exequível e em que termos;

- Se essa intervenção teria ou não implicações para o prédio dominante que provocassem algum prejuízo que não devesse ser imposto aos respectivos proprietários.

De qualquer forma, ainda que essa questão pudesse ser ultrapassada com a realização de obras/intervenções que eliminassem aquele prejuízo, sempre permaneceria o prejuízo – acima referido – resultante das más condições de circulação da via a partir da qual se pretendia implantar a servidão que, naturalmente, não estão na disponibilidade e não dependem da vontade dos Réus/Apelados.

Significa isso, portanto, que não é possível afirmar – como seria necessário para que tal pretensão fosse viável – que a mudança da servidão não prejudica os interesses do proprietário do prédio dominante, não estando, por isso, reunidos os pressupostos necessários para a pretendida mudança de servidão, sendo certo que eram os Réus/Apelados (requerentes da mudança) que tinham o ónus de provar a inexistência de tal prejuízo.

Impõe-se, portanto, em face de tudo o exposto, julgar procedente o recurso e revogar a decisão recorrida no segmento sobre o qual incide o presente recurso, ou seja, na parte – constante do ponto II, c) e d) – em que se decidiu julgar legítima e legal a mudança da servidão nos termos ali mencionados e em que se condenou o Habilitado a reconhecer essa mudança.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

(…).


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V.
Pelo exposto, concede-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida no segmento – constante do ponto II, c) e d) – em que se decidiu julgar legítima e legal a mudança da servidão nos termos ali mencionados e em que se condenou o Habilitado a reconhecer essa mudança, absolvendo-se a Autora (agora substituída pelo seu sucessor devidamente habilitado) desses pedidos que haviam sido formulados em reconvenção.
Custas a cargo dos Réus/Apelados.
Notifique.

                              Coimbra,

                                             (Maria Catarina Gonçalves)

                                                  (Maria João Areias)

                                                      (Paulo Correia)                    





[1] Sobre esta matéria, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª edição, revista e actualizada, pág. 671.
[2] Cfr. Acórdãos da Relação do Porto de 19/11/2002 (processo n.º 0020168), da Relação de Coimbra de 12/10/2010 (processo n.º 67/09.6TBSPS.C1) e da Relação de Guimarães de 21/02/2019 (processo n.º 312/17.4T8CHV.G1), disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[3] Proferido no processo n.º 08B3995, disponível em http://www.dgsi.pt.