Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5412/17.8T8VNF.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: RELATÓRIO DA JUNTA MÉDICA
NOTIFICAÇÃO AOS INTERESSADOS
NULIDADE PROCESSUAL
CONHECIMENTO EM RECURSO
Data do Acordão: 03/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - LAMEGO - JUÍZO TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTºS 1º, Nº 2, AL. A), E 139º, Nº 1 DO CPT DE 2009.
Sumário: I – O relatório da junta médica efetuada em processo emergente de acidente de trabalho tem que ser notificado aos interessados previamente à sentença, desde logo para que possam reclamar contra qualquer deficiência, obscuridade ou contradição que considerem que a mesma padeça (art.º 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT e 485.º, n.ºs 1 e 2 do CPC) (…).

II - A omissão dessa notificação constitui nulidade de acto processual, a qual deve ser arguida perante o juiz no prazo de 10 dias subsequentes à notificação da sentença que imediatamente se lhe seguiu (art.º 195.º, n.º 1, 199.º, n.º 1 e 149.º, n.º 1 do CPC.

III - A nulidade processual em questão pode ser conhecida por via de recurso.

IV - Tratando-se de uma nulidade não sanada e concomitante a uma decisão judicial que a sancionou implicitamente, se a nulidade está a coberto de uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer acto que a lei não admite ou a omissão de um acto que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e tramitar como qualquer outro do mesmo tipo.

Decisão Texto Integral:








Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - O presente processo especial para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho foi instaurado na sequência de participação do acidente ocorrido em 13.08.2016, que afectou o Sinistrado F..., nascido a 20.02.1977, quando este exercia a sua actividade profissional de pintor de 1ª por conta, sob a autoridade, direcção e fiscalização da entidade empregadora “F...-Empresa de Trabalho Temporário Unipessoal, Ld.ª”, que transferiu a responsabilidade infortunística laboral para a “COMPANHIA DE SEGUROS A..., S.A.”.

Procedeu-se à realização de exame médico, tendo o Senhor Perito médico considerado o Sinistrado afectado de uma incapacidade permanente parcial de 24,3576%, com IPATH, desde 22.11.2017.

Foi realizada a tentativa de conciliação a que se refere o artigo 108.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, sob a presidência do Digno Magistrado do Ministério Público.

Em consequência da não conciliação, a seguradora, que não concordou com a IPP que foi atribuída ao Sinistrado, com IPATH, requereu a realização de exame por Junta Médica, nos termos dos artigos 117.º, n.º 1 alínea b) e 138.º, n.º 2, ambos do Código de Processo do Trabalho, formulando os respectivos quesitos.

Procedeu-se à realização de exame do Sinistrado por Junta Médica.

O Sinistrado foi submetido a Junta Médica e, bem assim, a exame da especialidade de ORL.

A final vieram os Srs. Peritos a considerar, por unanimidade, o Sinistrado afectado de uma incapacidade permanente parcial de 23,12%, com IPATH.

Seguidamente foi proferida sentença cuja parte dispositiva a seguir de transcreve:

» Face ao exposto, decide-se:

Fixar ao Sinistrado, F..., a incapacidade permanente parcial de 23,12%, com IPATH, desde 22.11.2017, dia seguinte à data da alta;

» Condenar a Seguradora “Companhia de Seguros A..., S.A.” a pagar ao Sinistrado as seguintes prestações:

- uma pensão anual e vitalícia, actualizável anualmente, no valor de 5.807,22€ a partir de 22.11.2017, actualizada para 5.911,75€ a partir de 01.01.2018 e actualizada para 6.006,34€ partir de 01.01.2019; mas uma vez que o Sinistrado já se encontra pago, por parte da Seguradora, de uma pensão provisória calculada desde o dia seguinte à data da alta até ao mês de Abril de 2019, e vem recebendo uma pensão provisória mensal no montante correspondente a 70% da retribuição mensal que auferia, fixada por decisão de 03.04.2019 proferida nestes autos, haverá que deduzir tais montantes já pagos até à data dos pagamentos a efectuar pela Seguradora;

- o subsídio por elevada incapacidade permanente no valor de 4.257,41€.€, vencido desde 22.11.2017;

- a quantia de 42,00€ a título de despesas de transporte vencida desde 08.11.2018;

- juros de mora sobre as prestações atribuídas, vencidos e vincendos, à taxa anual de 4% (ou outra que entre em vigor), desde a data do vencimento de cada prestação até efectivo e integral pagamento”.

II – Inconformada, veio a seguradora interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

1 - A Ré não aceitou o resultado do exame médico singular, pelo que foi pela mesma requerida a realização de Junta Médica, apresentado os respectivos quesitos, passando os autos para a respectiva fase contenciosa, sendo certo que a fixação de IPP e da atribuição de IPATH eram as únicas questões que faltavam dirimir nos autos.

2 - O Autor foi submetido a exame por Junta Médica em 20.12.2018, tendo os Senhores peritos Médicos considerado que o Sinistrado deveria ser submetido a Junta Médica na especialidade de Otorrinolaringologia para resposta aos quesitos formulados a fls. 196 dos autos.

3- Foi deprecado à Comarca do Porto a realização da respectiva Junta Médica na predita especialidade médica, o que ocorreu no dia 8.02.2019, sob o nº de Carta Precatória ... do Juiz 3 do Tribunal do Trabalho do Porto.

4- Após a realização de exames auxiliares de diagnóstico reuniu de novo a Junta Médica da Especialidade de Otorrinolaringologia em 31 de Maio de 2019, tendo os Senhores Peritos respondido aos quesitos de fls. 196, formulados pela Ré e de onde resulta a atribuição de IPP ao Sinistrado de 27,2% e ainda que o mesmo sofre de limitação impeditiva para o exercício da sua profissão habitual.

5- Após a Junta Médica de Especialidade voltou a reunir a Junta Médica final, em 26.09.2019 onde os Senhores Peritos, por unanimidade, subscrevem, na íntegra a Junta Médica de Otorrinolaringologia, bem como as respostas dadas aos quesitos de fls. 196, corrigindo a IPP para 23,12%, uma vez que não havia sido tomado em conta a IPP anterior de que o Sinistrado era portador, de 15%, sendo certo que somente o resultado desta Junta Médica foi notificada à Ré.

6 - Tal como resulta da análise das respostas dadas pelos Senhores Peritos da Especialidade, bem como das respostas dadas pelos Senhores Peritos a final, não existem qualquer fundamentação apresentada pelos mesmos para que o Sinistrado se encontre afectado de IPATH por força das lesões e sequelas que para ele resultaram do acidente dos autos.

7 - A falta de notificação do resultado da junta de especialidade impediu a Ré de pedir esclarecimentos aos Senhores Peritos que a compuseram, como se impunha e impõe, nomeadamente que fundamentassem a sua posição.

8- A falta de notificação do resultado da junta médica de especialidade implica uma nulidade de todos os actos que processualmente lhe sucederam, nos termos e para efeitos do disposto no nº 1, al. b) do artigo 615º do CPC.

9 - A falta de qualquer fundamentação apresentada pelos Senhores Peritos para atribuição ao Sinistrado de IPATH determina que a decisão proferida pela Mª Juiz igualmente não se encontre fundamentada para poder decidir como decidiu.

10 - A sentença proferida violou o disposto no artigo 3°, nº 3 do CPC e o disposto no nº 1, al. b) do artigo 615º do CPC.

Com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando a sentença recorrida por violação do disposto pelo princípio do contraditório plasmado no nº 3 do artigo 3° do CPC, o que determina a nulidade da sentença e de todos os actos processuais realizados após a realização da Junta Médica de Especialidade.

Não foram apresentadas contra alegações.

Nesta Relação o Exmº PGA emitiu fundamentado parecer no sentido da manutenção do julgado.

III. Factos provados:

A) No dia 13.08.2016, pelas 11.30 horas, na Trofa, quando prestava o seu serviço de pintor de 1ª, por conta da entidade empregadora “F... – Empresa de Trabalho Temporário Unipessoal, Ld.ª”, quando pintava linhas rectas no chão com uma máquina rotativa ao virar a mesma, o Sinistrado foi projectado contra um poste, daí resultando lesões e consequentemente as seguintes sequelas: alterações vestibulares e hipoacusia.

B) À data do acidente o/a Sinistrado/a tinha a responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a “Companhia de Seguros A..., S.A.”., pela remuneração anual de 10.631,26€.

C) A data da consolidação das lesões sofridas pelo Sinistrado é 21.11.2017.

D) O Sinistrado já havia sofrido um acidente de trabalho a 28.03.2007, cujo processo correu termos no Tribunal do trabalho de Valongo – processo nº ..., tendo-lhe sido fixada uma incapacidade permanente parcial de 15%.

E) Por força do acidente aqui em causa o Sinistrado ficou afectado de uma incapacidade parcial permanente de 23,12%, com IPATH, desde 22.11.2017.

F) O Sinistrado esteve afectado de incapacidade temporária absoluta desde 14.08.2016 até 21.11.2017, tendo já recebido a totalidade da indemnização devida a este título.

G) O Sinistrado gastou 42,00€ em transportes por deslocações obrigatórias, que a Seguradora aceitou pagar.

H) O Sinistrado encontra-se a receber da Seguradora uma pensão provisória mensal no montante correspondente a 70% da retribuição mensal que auferia, fixada por decisão de 03.04.2019 proferida nestes autos; e recebeu já a pensão provisória calculada com base na IPP de 13,60% atribuída pelos serviços clínicos da Seguradora, calculada desde o dia seguinte à data da alta até ao mês de Abril de 2019, conforme a mesma decisão de 03.04.2019 proferida nestes autos.

IV. As conclusões da alegação delimitam o objecto do recurso pelo que, no caso, cumpre decidir:

1.Se a sentença é nula

2.Se ocorreu a nulidade processual traduzida na falta de notificação à recorrente do resultado da da junta médica de especialidade.

Da nulidade da sentença:

De acordo com a apelante, a pretensa falta de qualquer fundamentação apresentada pelos Senhores Peritos para atribuição ao Sinistrado de IPATH[1] determina que a decisão proferida pela Mª Juiz igualmente não se encontre fundamentada para poder decidir como decidiu, pelo que a sentença será nula atento o disposto no nº 1, al. b) do artigo 615º do CPC.

Decidindo:

Antes de mais diga-se que, conforme se assinala no Manual de Processo Civil de A. Varela e outros, 2ª edição, págªs 686 a 691 “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”

No que concerne à falta de fundamentação a que alude a mencionada alínea b), ensina-nos Alberto dos Reis: “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade (…)”- Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pag.140.

O mesmo entendimento tem sido defendido por Doutrina mais recente.

Refere Lebre de Freitas, in Código Processo Civil, pag.297 que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”.

Por sua vez, Teixeira de Sousa, afirma que “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, CRP; art. 158º, n.º 1)”.

No mesmo sentido diz o Conselheiro Rodrigues Bastos, que “a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afeta o valor legal da sentença” (cfr."Notas ao Código de Processo Civil", III, pag.194).

A nível jurisprudencial, desde há muito que os tribunais superiores, pacificamente, tem considerado que a nulidade prevista na alínea b) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a fundamentação se mostra deficiente, errada ou incompleta (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/4/1975-BMJ 246º, p.131; Acórdão da Relação de Lisboa de 10/3/1980-BMJ 300º, P.438; Acórdão da Relação do Porto de 8/7/1082-BMJ 319º, p.343; e, mais recentemente, Acórdão da Relação de Coimbra de 6/11/2012, P. 983/11.5TBPBL.C1 e Acórdão da Relação de Évora, de 20/12/2012, P. 5313/11.3YYLSB-A.E1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.).

Uma simples leitura da sentença sob recurso revela, sem necessidade de grande esforço, que a mesma não é nula por falta de fundamentação.

Da mesma constam quer os fundamentos de facto (reproduzidos neste acórdão) quer os fundamentos de direito que levaram à decisão proferida (cfr. fls 274 e ss da sentença), em absoluto respeito pelo princípio da fundamentação consagrado no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa.

Em suma, nos presentes autos, não se verifica a nulidade da sentença prevista na alínea b) do nº1 do referido artigo 615º.

Da nulidade processual:

Alega a recorrente que não foi notificada do resultado da junta médica da especialidade de otorrinolaringologia realizada em 31.05.19 e que tal omissão constitui nulidade processual.

Em primeiro lugar há que saber se o resultado da junta médica tinha, no caso, de ser notificada à seguradora.

Conforme dá nota o Exmº PGA no seu parecer a jurisprudência não têm decidido uniformemente no que respeita à questão em análise.

Segundo o Ac. da Rel. de Évora, de 25.9.2014, proc. 17/05.9TTSTR.2.E1[2], estribado em jurisprudência do STJ que cita, “O resultado do exame por junta médica realizada em processo especial de acidente de trabalho não tem de ser notificado às partes processuais, pelo que a sua notificação juntamente com a notificação da decisão final não constitui nulidade processual.

A sustentar esta decisão lê-se no acórdão que “na verdade, dispondo o art. 139º n.º 1 do Cod. Proc. Trabalho – na redacção que lhe foi conferida pelo art. 1º do Dec. Lei n.º 295/2009 de 13-10 – que «a perícia por junta médica, constituída por três peritos, tem carácter urgente, é secreta e presidida pelo juiz», daí decorre uma significativa diferença entre esse tipo de exame pericial e o exame pericial, enquanto meio de prova a que se alude nos artigos 568º [atual art.º 467º] e seguintes do Cod. Proc. Civil. É que, como bem se refere no último dos citados Arestos a propósito da perícia por junta médica prevista no Código de Processo do Trabalho «o carácter secreto da diligência e a presença obrigatória do Juiz consequenciam que, no domínio laboral, não haja lugar a reclamação das partes», (…)destinando-se a prova pericial a apurar a existência de determinados factos e, consequentemente, a habilitar o Juiz sobre a sua ocorrência e caracterização, a presença deste Magistrado assegura que o mesmo não deixará de solicitar aos peritos os esclarecimentos que julgue pertinentes, sendo que a própria lei lhe confere a faculdade oficiosa de formular quesitos, de determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos se o julgar necessário  – n.ºs 6 e 7 do citado art. 139º.

Esta relevante especificidade justifica que, ao invés do que sucede no diploma adjectivo geral – art. 587º [actual 485º] – não haja aqui lugar à notificação do laudo pericial às partes». Acresce que, quiçá por se tratar de processo de natureza urgente e de uma segunda perícia ao sinistrado (a 1ª é efetuada por perito singular na fase conciliatória do processo), decorre do disposto no art. 140º do Cod. Proc. Trabalho que, imediatamente após a realização das perícias (perícia por junta médica, exames e/ou pareceres complementares e requisição de pareceres técnicos) a que se alude no art. 139º, o juiz profere decisão sobre o mérito, fixando a natureza e o grau de incapacidade, circunstância que se não configura compatível com a notificação às partes do laudo de exame pericial por junta médica a fim de sobre ele se poderem pronunciar e deduzirem eventuais reclamações.”

Em sentido oposto decidiram os acórdãos da RP de 6.10.2014, proc. nº 48/13.5TTFAR.P1 segundo o qual “a falta de notificação do exame por junta médica após a realização da mesma e antes da sentença, a, porventura, constituírem desvio à tramitação processual imposta por lei e a influírem no mérito da causa, constituiriam nulidades processuais (art. 195º, nº 1, do CPC/2013). Tais nulidades, constituindo anomalia do processo, devem ser suscitadas e conhecidas no Tribunal onde ocorreram.” e de 26.9.2016, proc. nº 273/12.6TTVFR-B.P1, mencionado no AC. da Rel. de Lisboa, 20.4.2016, proc. nº 316/12.3TTFUN.L1-4, onde se lê que “o relatório da junta médica efectuada em processo emergente de acidente de trabalho tem que ser notificado aos interessados previamente à sentença[3], desde logo para que possam reclamar contra qualquer deficiência, obscuridade ou contradição que considerem que a mesma padeça (art.º 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT e 485.º, n.ºs 1 e 2 do CPC) (…) a omissão dessa notificação constitui nulidade de acto processual, a qual deve ser arguida perante o juiz no prazo de 10 dias subsequentes à notificação da sentença que imediatamente se lhe seguiu (art.º 195.º, n.º 1, 199.º, n.º 1 e 149.º, n.º 1 do CPC).

No nosso entendimento, esta é posição que melhor se coaduna como princípio do processo equitativo consagrado no nº 1 do artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e artº 20º nº 1 da CRP, o qual supõe que no decurso do processo as partes sejam devidamente notificadas para que possam tomar posição relativamente aos factos ou questões nele levantadas de maneira a assegurar o contraditório tal como determina o nº 3 artº 3º do CPC.

Assim sendo, a omissão da notificação do resultado da junta médica da especialidade configura-se como nulidade processual que, por ser secundária, teria de ser arguida no prazo de 10 dias nos termos dos artº 149º nº 1 e 199º nº 1 do CPC.

Contudo, há excepções.

A nulidade processual em questão pode ser conhecida por via de recurso (neste sentido, com abundante fundamentação que seguimos, v. Ac. da Relação de Lisboa de 4-6-2009, in www.dgsi, proc. 67/00.1DSTB-B.L1-2).

Tratando-se de uma nulidade não sanada e concomitante a uma decisão judicial que a sancionou implicitamente, se a nulidade está a coberto de uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer acto que a lei não admite ou a omissão de um acto que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e tramitar como qualquer outro do mesmo tipo (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 182).

Trata-se, em suma, da consagração do brocardo: “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”.

Também Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1985, pág. 393 refere que: “se, entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”.

Para J. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, II, 507/508, “a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou omissão do acto ou da formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respectivo despacho pela interposição do recurso competente”.

E um dos exemplos de nulidade que frequentemente a jurisprudência admite a sua impugnação através do recurso da respectiva decisão é, precisamente, a preterição do contraditório.

Deste modo, não pode esta Relação deixar de conhecer e reconhecer a verificação da arguida nulidade porquanto a omissão cometida pode influir na decisão da causa (artº 195º nº 1 do CPC).

Com efeito, como acima ficou dito, a parte sempre poderá reclamar contra qualquer deficiência, obscuridade ou contradição que considere padecer o laudo e, nesta medida, vir este a ser alterado com reflexo na decisão final que vier a ser proferida.

IV - Pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar procedente a apelação em função do que se julga por verificada a nulidade processual consistente na não notificação à recorrente do resultado da junta médica da especialidade de otorrinolaringologia (fls 262 e 263) com anulação de todo o processado posterior.

Custas a cargo do recorrido.

Coimbra, 06 de Março de 2020.


(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Jorge Manuel da Silva Loureiro)

(Paula Maria Ferreira Roberto)



[1] No que respeita à atribuição da IPATH diga-se que a matéria de facto não foi impugnada pelo que, definitivamente, se encontra assente estar o sinistrado afectado com este tipo de incapacidade [facto E)].
[2] Todos os acórdãos citados podem ser consultados em www.dgsi.pt

[3] Este entendimento – que o relatório do exame por junta médica deve ser notificado às partes previamente à prolação da sentença –alicerçou-se na decisão proferida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 28.05.2014 [AFFAIRE MARTINS SILVA c. PORTUGAL, Requête nº12959/10 [consultável in http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-1441462] que entendeu que a falta de notificação ao sinistrado, previamente à prolação da sentença, do exame por junta médica viola o disposto no art. 6º §1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.