Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1212/18.6T8GRD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
JURISDIÇÃO COMUM
QUOTIZAÇÕES DA SEGURANÇA SOCIAL
TRABALHADOR
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - GUARDA - JL CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.1, 212 CRP, 64 CPC, 1, 4 ETAF, LEI Nº 4/2007 DE 16/1
Sumário: A acção por via da qual a entidade empregadora pretende obter a condenação do trabalhador a reembolsar-lhe o valor – que ela já liquidou à Segurança Social – correspondente às quotizações que eram da responsabilidade do trabalhador e que não foram oportunamente descontadas nas remunerações que lhe foram pagas não se insere no âmbito de competência da jurisdição administrativa e fiscal, sendo da competência dos tribunais judiciais.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A Unidade Local de Saúde da X (...) , E.P.E., com sede na Avenida (...) , veio instaurar a presente acção contra H (…), residente no (…), X (...) , pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de 5.784,21€ - acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação – a título de reembolso de quotizações pagas pela A. à Segurança Social referentes ao período que medeia entre Outubro de 2010 e Maio de 2014, valor de quotizações essas que corresponde à percentagem 11% considerando o vencimento respectivo e cujo pagamento é da responsabilidade do Réu.

Para fundamentar essa pretensão, alegou, em resumo: que o Réu exerceu a actividade de enfermeiro nos serviços da Autora desde 8 de Outubro de 2010 e através de uma prestação de serviços celebrada com a sociedade C (…) Lda.; que, posteriormente, celebrou com o Réu contrato de trabalho por tempo indeterminado, tendo este sido inscrito na Segurança Social em 01/06/2014; que, por sentença, datada de 10 de Julho de 2014, transitada em julgado e proferida no âmbito do processo nº 68/14.2TTGRD, que correu termos no Tribunal do Trabalho da Guarda, Secção Única, o Réu viu reconhecida a existência de contrato de trabalho com a aqui a A. desde 8 de Outubro de 2010; que, na sequência desse facto, e no âmbito de acção – e posterior execução – instaurada pelo Réu com vista ao pagamento de remuneração de férias vencidas e não pagas, subsídio de férias, subsídio de Natal e acréscimo remuneratório por trabalho prestado em dia de feriado, a Autora pagou-lhe, conforme determinado na sentença, o valor de 10.737,52€, deduzido de IRS e taxa de Segurança Social da responsabilidade do trabalhador; que, dado o reconhecimento contratual em causa, a A. teve de regularizar a inscrição do Réu no Regime da Segurança Social com efeitos a 8 de Outubro de 2010, tendo por base a retribuição mensal de 1.201,48 € e para proceder a tal regularização teve de proceder ao pagamento da percentagem que era da sua responsabilidade no identificado regime e a taxa que era da responsabilidade do Réu e que corresponde a 11% do valor auferido a título de vencimento; que esse valor – relativo às quotizações da Segurança Social da responsabilidade do Réu e referentes aos períodos que medeiam entre 8 de Outubro 2010, 2011, 2012, 2013 e Maio de 2014 – é de 5.784,21€ e que, não obstante ter sido interpelado para o efeito, o Réu não procedeu ao pagamento desse valor.

O Réu contestou, invocando, designadamente, a incompetência absoluta do Tribunal, sustentando que a presente acção versa sobre relação jurídica contributiva e apela à interpretação e aplicação de normas de natureza tributária e, nessa medida, tem por objecto matéria que é da competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos dos arts. 4º e 49°, nº 1, al. c) do ETAF.

A Autora respondeu, sustentando a improcedência da excepção e alegando que, contrariamente ao alegado pelo Réu, não está em causa matéria tributária fiscal, pois a A. não visa arrecadar qualquer meio destinado ao financiamento de qualquer entidade pública ou regular uma relação gerada no exercício da sua actividade de aquisição de meios financeiros.

Findos os articulados, foi realizada a audiência prévia no âmbito da qual foi proferida decisão que julgou improcedente a excepção de incompetência material.

Discordando dessa decisão, o Réu veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

I. Questão fiscal para efeitos de delimitação de competência entre os tribunais tributários e os tribunais administrativos é a que “exija a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal substantivo ou adjectivo, para resolução de questões sobre matéria respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública” (CPPT, anotado e comentado, 6.ª edição 2011, I volume, página 230, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa) – o sublinhado é nosso -.

II. As contribuições para a Segurança Social, “(…) enquanto verdadeiras quotizações sociais, não são impostos ou taxas, mas imposições parafiscais: embora apresentem grandes semelhanças com os impostos, partilhando das características destes (patrimonialidade, obrigatoriedade, afectação a entidades públicas), contêm, em vários domínios do seu regime jurídico, algumas especificidades que deles as distinguem - designadamente quanto às finalidades, forma de criação e modificação, e natureza dos organismos em favor dos quais são atribuídos - e que melhor se acomodam à tese da parafiscalidade” - Cfr. Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 2008.01.17, Processo n.º 016/07, in www.dgsi.pt.

III. O pedido formulado pela Autora insere-se, sem margem para dúvidas, no âmbito da relação jurídica contributiva e visa assegurar o cumprimento, pela entidade empregadora, da respectiva obrigação contributiva, que quer a Lei nº 4/2007 de 16/1 – Lei de Bases da Segurança Social – quer o Código do regime Contributivo do Sistema Previdencial de Segurança Social estabeleceram.

IV. Ora, o Tribunal dos Conflitos tem referido, há muito, que, no âmbito desta relação jurídica contributiva, a entidade empregadora não está constituída perante o trabalhador em qualquer dever jurídico - Cfr. Acórdãos do Tribunal dos Conflitos de 2004.10.27 (Processo n.º 2/2004), de 2006.10.04 (Processo n.º 3/2006) e de 2008.01.17 (Processo n.º 016/07), todos in www.dgsi.pt, entendendo que é da competência dos tribunais tributários conhecer da acção intentada pelo trabalhador contra a entidade patronal, pedindo a condenação a proceder aos pagamentos contributivos considerados em falta – Cfr. Acórdãos acima cit. -, situação que não é alterada pelo facto de ter sido a entidade patronal a interpor a acção.

V. Para julgar improcedente a excepção de incompetência do tribunal, socorreu-se dos ensinamentos do douto Acórdão da Relação do Porto de 06-06-2016, tirado no Proc. nº 424/13.3TTVFR.P1, ensinamentos que, salvo o devido respeito, não são transponíveis para a presente lide, os quais, aliás, apenas são aplicáveis ao Réu caso este decida interpor acção com vista a obter a condenação da Autora no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos causados por, designadamente, não o ter inscrito atempadamente na Segurança Social e pela emissão de um recibo onde, falsamente, fez constar o pagamento de remunerações que nunca liquidou - pois caso contrário teria efectuado os descontos das quotizações à Segurança Social referentes ao período entre Outubro de 2010 e Maio de 2014 -, com a consequente tributação, em sede de IRS, de rendimentos não auferidos pelo Réu e o subsequente pagamento de impostos.

VII. E tais ensinamentos não são transponíveis para a presente lide porquanto “[a] dívida de contribuições à Segurança Social não emerge de responsabilidade civil contratual, nem emerge de responsabilidade civil extracontratual. O mesmo vale por dizer: não emerge de negócio jurídico celebrado entre a entidade empregadora e a Segurança Social, nem emerge de facto ilícito extra-negocial no sentido do disposto no artigo 483º/CC. Tem sim por fonte a própria lei, que se inscreve no direito público, (…)” designadamente na Lei de Bases da Segurança Social e no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social. A dívida de contribuições à Segurança Social não se rege pela lei civil. O regime da dívida e da sua cobrança obedece a regras específicas constantes desse acervo de direito público (…)” - Cfr. Ac. da RE, de 25.03.2010, tirado no processo 628/07.8TAELV.E1 – o sublinhado e destacado é nosso -.

VIII. Assim, e atendendo ao alegado, verifica-se que na presente acção é peticionada a condenação do Réu no pagamento das próprias contribuições que não foram entregues nos termos da legislação sobre segurança social, ou seja, o que a Autora pretende é a condenação do Réu no pagamento de débitos que ela não descontou por falta de pagamento das remunerações base e cujo fundamento jurídico não é o disposto nos artigos 483.º e seguintes do Código Civil, mas sim a legislação sobre segurança social.

IX. Ora, as entidades empregadoras são responsáveis pelo pagamento das quotizações dos trabalhadores ao seu serviço, devendo para o efeito proceder, no momento do pagamento das remunerações, à retenção na fonte dos valores correspondentes. – Cfr. art. 59º, nº 1, da Lei nº 4/2007 de 16/01 e art. 42º , nºs 1 e 2, do Código Contributivo -, pelo que o pedido de pagamento das próprias contribuições – ao invés do referido na douta decisão impugnada – não emerge de responsabilidade civil extracontratual, não tendo, aliás, a Autora legitimidade nem competência para cobrar receitas parafiscais – como é o caso das contribuições para a Segurança Social.

X. Assim sendo, a presente acção, enquanto versa sobre a relação jurídica contributiva e apela à interpretação e aplicação de normas de natureza tributária, tem por objecto matéria que é da competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal - Cfr. arts. 4º e 49°, nº 1, al. c) do ETAF -.

XI. Violou o tribunal a quo o disposto nos arts. 64º do CPC e 80º, nº 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário.

TERMOS EM que deve julgar-se procedente o presente recurso, revogando-se, consequentemente, a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que julgue o tribunal a quo incompetente para conhecer da acção em causa, com a consequente absolvição da instância do Recorrido.

A Autora apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

1. A ação proposta pela A. trata-se de um litígio em que aquela pretende accionar a responsabilidade civil do Réu, tendo por base a não devolução de pagamentos efetuados à S.S. da responsabilidade daquele.

2. Não se verificando estar perante uma relação entre entidade empregadora e a Segurança Social, na qual se discuta o dever legal de pagar ou qualquer pedido de reconhecimento perante a administração fiscal, o Tribunal competente será o Judicial, pois é este que julga as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

3. O recurso deve, pois, ser julgado improcedente.


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II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber a competência para conhecer da presente acção pertence aos tribunais judiciais – e consequentemente, ao tribunal recorrido – ou aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.


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III.

Apreciemos então a questão suscitada no recurso.

Conforme resulta do artigo 211º da CRP e do artigo 40º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013 de 26/08), os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

Assim e sem deixar de ter presente que a competência – enquanto pressuposto processual que é – tem que ser aferida pelos termos em que o autor configura o litígio e a relação jurídica que lhe está subjacente, atendendo ao pedido formulado e à respectiva causa de pedir, o que importa saber é se o presente litígio – nos termos em que é configurado pela Autora – configura ou não um litígio que a lei inclua no âmbito de competência de outra ordem jurisdicional e, mais propriamente, da jurisdição administrativa e fiscal, já que é essa a questão que se coloca no presente recurso.

De acordo com o disposto no art. 212º, nº 3, da Constituição, “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.

Em conformidade com essa norma constitucional, dispõe o art. 1º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Lei 13/2002 de 19/02, na redacção vigente à data da propositura da acção) que “os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto”. E concretizando o âmbito da jurisdição que está genericamente definido no artigo 1º, o artigo 4º do aludido Estatuto enuncia, nos seus nºs 1 e 2, os litígios compreendidos no âmbito da jurisdição administrativa, indicando nos nºs 3 e 4, um conjunto de situações que são expressamente excluídas do âmbito dessa jurisdição.

Sendo certo que a situação dos autos não se insere directamente no âmbito de previsão das alíneas a) a n) do nº 1 do citado artigo 4º, o que importa saber é se a relação jurídica em causa nos autos pode ser qualificada como relação jurídica administrativa ou fiscal que, como tal, se insira no âmbito de previsão da alínea o) do citado artigo 4º, nº 1. Refira-se, aliás, que será sempre a existência de uma relação jurídica desse tipo que determina a competência dos tribunais administrativos, sendo que a leitura e interpretação do art. 4º do ETAF (ao nomear os litígios da competência dos tribunais administrativos e fiscais) deverá sempre ter atenção os limites balizadores da competência que emergem da citada norma constitucional.

Vejamos então.

Em conformidade com o disposto nos artigos 56º, nº 1, da Lei nº 4/2007, de 16/01 – que aprova as bases gerais do sistema de segurança social – os beneficiários e, no caso de exercício de actividade profissional subordinada, as respectivas entidades empregadoras, são obrigados a contribuir para os regimes de segurança social, dispondo o artigo 59º, nº 1, do mesmo diploma que as entidades empregadoras são responsáveis pelo pagamento das quotizações dos trabalhadores ao seu serviço, devendo para o efeito proceder, no momento do pagamento das remunerações, à retenção na fonte dos valores correspondentes.

Dispõe, por seu turno, o artigo 10º, nº 1, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social – aprovado pela Lei nº 110/2009 de 16/09 –, que:

A relação jurídica contributiva consubstancia-se no vínculo de natureza obrigacional que liga ao sistema previdencial:

a) Os trabalhadores e as respectivas entidades empregadoras;

b) Os trabalhadores independentes e quando aplicável as pessoas colectivas e as pessoas singulares com actividade empresarial que com eles contratam;

c) Os beneficiários do regime de seguro social voluntário”.

Segundo o disposto no artigo 11º do citado diploma a obrigação contributiva tem por objecto o pagamento regular de contribuições e de quotizações por parte das pessoas singulares e colectivas que se relacionam com o sistema previdencial de segurança social, correspondendo a uma prestação pecuniária que se destina à efectivação do direito à segurança social (cfr. artigo 12º do mesmo diploma).

No âmbito do regime geral dos trabalhadores por conta de outrem, determina o artigo 39º que as entidades empregadoras, para efeitos de segurança social, são consideradas entidades contribuintes e, segundo o disposto no artigo 42º, são estas entidades as responsáveis pelo pagamento das contribuições e das quotizações dos trabalhadores ao seu serviço, descontando nas remunerações dos trabalhadores ao seu serviço o valor das quotizações por estes devidas e remetendo esse valor, juntamente com o da sua própria contribuição, à instituição de segurança social competente.

Em face do disposto nas normas citadas, não há dúvida de que a relação jurídica que se estabelece entre os trabalhadores e respectivas entidades empregadoras, por um lado, e o sistema previdencial da segurança social, por outro, tendo como objecto o pagamento das contribuições e quotizações devidas, é uma relação jurídica contributiva (como expressamente se diz no artigo 10º do citado Código) e, no regime dos trabalhadores por conta de outrem, essa relação contributiva estabelece-se directamente entre o sistema previdencial da segurança social e a entidade empregadora, já que, nos termos da lei, a entidade contribuinte – que, como tal, é responsável pelo pagamento das contribuições e das quotizações dos trabalhadores ao seu serviço – é a entidade empregadora.

Damos como assente que os litígios emergentes dessa relação jurídica contributiva – relacionados com a regularização dessa relação e das prestações contributivas de natureza parafiscal – são da competência dos tribunais tributários, conforme tem sido entendido pelo Tribunal de Conflitos – cfr. Acórdão nº 01/05 (de 29/06/2005); Acórdão nº 03/06 (de 04/10/2006); Acórdão nº 09/06 (de 19/10/2006); Acórdão nº 014/07 (de 04/10/2007); Acórdão nº 016/07 (de 17/01/2008); Acórdão nº 015/08 (de 10/11/2009) e Acórdão nº 052/18 (de 30/05/2019)[1].

Sucede, no entanto, que, ao contrário do que sustenta o Apelante, o objecto da presente acção – delimitado pelo pedido e respectiva causa de pedir – não emerge dessa relação jurídica contributiva.

É verdade que, como diz o Apelante, os citados Acórdãos – além de outros que decidiram no mesmo sentido – entenderam que era da competência dos tribunais tributários conhecer da acção intentada pelo trabalhador contra a entidade patronal, pedindo a condenação desta a proceder aos pagamentos contributivos considerados em falta. Mas não é isso que está em causa nos presentes autos.

Na verdade e ao contrário do que sucedia nas situações a que se reportam aqueles acórdãos, a presente acção não foi instaurada pelo trabalhador contra a entidade patronal no sentido de obter a condenação desta a proceder à regularização das contribuições devidas à Segurança Social; a presente acção foi instaurada pela Autora (entidade empregadora) contra o Réu (seu trabalhador) no sentido de este ser condenado a pagar-lhe o valor das quotizações que eram da sua responsabilidade e que ela (Autora) já havia pago à Segurança Social. Ou seja, de acordo com os factos alegados – que constituem a causa de pedir – a Autora, enquanto entidade contribuinte, já cumpriu a obrigação contributiva a que, nos termos da lei, estava obrigada perante a Segurança Social e o que vem agora pedir é o reembolso dos valores que pagou e que deveriam ter sido descontados nas remunerações pagas ao Réu por corresponderem às quotizações da sua responsabilidade.

É certo, portanto, que não está aqui em causa a regularização da relação jurídica contributiva, sendo certo que a Autora já cumpriu a obrigação contributiva perante o sistema previdencial da segurança social. O que está aqui em causa é apenas o reembolso do valor que a Autora pagou e que era da responsabilidade do Réu – não porque esteve estivesse obrigado a pagá-lo à Segurança Social (porque, de facto, essa obrigação apenas recaía sobre a Autora) mas porque deveria ter sido descontado da remuneração que auferiu (desconto que a Autora não efectuou no momento do pagamento dessas remunerações pelas razões que são apontadas na petição inicial) – e essa matéria já não se insere no âmbito da relação jurídica contributiva que se estabelece com o sistema previdencial da segurança social, sendo certo que a pretensão aqui formulada não visa a produção de qualquer efeito nesta relação contributiva (ao contrário do que acontecia nas situações relatadas nos citados acórdãos onde a pretensão formulada se dirigia directamente ao efectivo cumprimento da obrigação decorrente desta relação).

Naturalmente que a apreciação e decisão da presente causa envolverá a necessidade de apreciar questões relacionadas com a relação jurídica contributiva, uma vez que será necessário apurar se as quotizações em questão (que a Autora pagou e agora reclama do Réu) são da responsabilidade do Réu, mas isso não basta para conferir competência aos tribunais tributários, já que, conforme referimos, o factor que determina a competência dos tribunais administrativos e tributários não é a circunstância de a decisão da causa envolver a necessidade de apreciar questões de natureza administrativa ou tributária, mas sim a circunstância de estar em causa um litígio emergente de uma relação jurídica administrativa ou fiscal, o que, no caso, não acontece.   

Na verdade, ainda que se fundamente na existência de uma determinada relação jurídica contributiva e no cumprimento das obrigações que dela resultavam para a Autora, enquanto entidade contributiva, o objecto do litígio não diz respeito a essa relação e a pretensão deduzida não visa afectar ou provocar alguma alteração ou vicissitude nessa relação e nas obrigações contributivas dela decorrentes. Veja-se que a decisão da presente causa – seja ela qual for – não terá qualquer interferência na relação jurídica contributiva que se estabeleceu com o sistema previdencial da segurança social (conforme referimos, a obrigação contributiva já foi regularizada e, portanto, a presente acção nem sequer tem como objectivo compelir a Autora à regularização dessa obrigação, ao contrário do que acontecia – reafirmamos – com as situações que estavam em causa nos acórdãos supra citados); a decisão que aqui importa proferir apenas interfere com os direitos e interesses da Autora e do Réu sem afectar os direitos e interesses do sistema previdencial da segurança social que não estão aqui em causa.

Concluímos, portanto, em face do exposto, que a presente acção não visa dirimir qualquer litígio emergente de relações jurídicas administrativas, fiscais ou contributivas e, como tal, não se insere no âmbito de competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, sendo da competência dos tribunais judiciais.

Assim sendo, improcede o recurso e confirma-se a decisão recorrida.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

A acção por via da qual a entidade empregadora pretende obter a condenação do trabalhador a reembolsar-lhe o valor – que ela já liquidou à Segurança Social –  correspondente às quotizações que eram da responsabilidade do trabalhador e que não foram oportunamente descontadas nas remunerações que lhe foram pagas não se insere no âmbito de competência da jurisdição administrativa e fiscal, sendo da competência dos tribunais judiciais.


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IV.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do Apelante.
Notifique.

Coimbra, 10/12/2019

Maria Catarina Gonçalves ( Relator )

Maria João Areias

Ferreira Lopes


[1] Todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.