Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5174/03.6TBAVR-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
PRAZO
PENHORA
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
Data do Acordão: 10/14/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE AVEIRO – 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 351º A 359º, 856º E 862º-A, DO CPC
Sumário: I – Os embargos de terceiro, após a reforma introduzida no C. P. Civil pelo DL 329-A/95, de 13/10, que eliminou do elenco dos processos especiais as acções possessórias, passaram a ser considerados um incidente da instância enxertado num processo pendente entre outras partes, visando a efectivação de um direito incompa­tível com a subsistência dos efeitos de um acto de agressão patrimonial, judicial­mente ordenado no interesse de alguma das partes da causa, e que terá atingido ilegitimamente o direito invocado pelo terceiro embargante.

II - O art.º 353º, n.º 2, do C. P. Civil, estabelece para a dedução dos embargos o prazo de 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, devendo o juiz indeferir liminarmente a petição de embargos se esse prazo não for observado – art.º 354º, do C. P. Civil.

III - A penhora de estabelecimento comercial é, desde há muito, aceite pela doutrina e jurisprudência, a qual, na falta de disposição específica, aplicava ante­riormente à reforma processual civil de 1995/1996 as regras relativas à penhora de direitos, fazendo uso da remissão constante do arte 863º, do C. P. Civil.

IV - O DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, introduziu no C. P. Civil o art.º 862º – A, o qual, inserido na subsecção relativa à penhora de direitos, consagrou um regime específico para a penhora de estabelecimento comercial.

V - Nos elementos essenciais do estabelecimento comercial inclui-se habitualmente a disponibilidade do local onde funciona o estabelecimento penho­rado, o qual, sendo arrendado a terceiro, exige a penhora do respectivo direito ao arrendamento, que, pela sua importância e controvérsia quanto ao modo de execução da sua penhora, mereceu especial referência no transcrito n.º 1, do art.º 862º – A, do C. P. Civil.

VI - Assim, a referência “à penhora do direito ao trespasse” carece de qual­quer sentido, mais não sendo que a penhora da titularidade do estabelecimento, ou melhor dizendo, a penhora do próprio estabelecimento.

VII - Na verdade, solucionando polémica anterior, o referido n.º 1, do art.º 862º - A, do C. P. Civil, na redacção do DL 38/2003, exigiu expressamente que a penhora do direito ao arrendamento do local onde funciona o estabelecimento, enquanto bem essencial deste, se efectuasse nos termos previstos para a penhora de créditos, pelo que a notificação do senhorio, nos termos do art.º 856º, é constitutiva da penhora da posição jurídica do arrendatário do local onde funciona o estabeleci­mento comercial.

VIII - Nos termos do art.º 856º, n.º 2, do C. P. Civil, cumpre ao senhorio declarar se essa posição contratual existe, qual o prazo do arrendamento, o montante da renda e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução.

IX - Não tendo efectuado qualquer declaração, prevê o n.º 3, do art.º 856º do C. P. Civil, que deve considerar-se que o notificado reconhece a existência da obrigação nos termos da indicação do crédito à penhora, estabelecendo-se assim um efeito cominatório pleno para o silêncio do notificado.

X - Perante o estabelecimento deste efeito cominatório, está vedado ao notifi­cado vir posteriormente deduzir embargos de terceiro, relativamente à penhora do crédito cuja existência reconheceu pela conduta silenciosa adoptada perante a notificação que lhe foi efectuada. A lei já lhe facultou um meio para deduzir a sua pretensão – art.º 856º, n.º 2, do C. P. Civil.

XI - Não tendo este feito qualquer declaração no prazo legal, nos termos do n.º 3, do art.º 856º do C. P. Civil, ficou reconhecida a existência do referido direito.

Decisão Texto Integral: Embargante: A...na qualidade de sociedade gestora em representação e por conta do fundo de investimento imobiliário F....
 
Exequentes: B...
                     C...

Executados: D...
                      E...

                                             *

Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

Por apenso à execução de sentença que os Exequentes intentaram contra os Executados veio em 26.9.07 a A..., S. A., na qualidade de sociedade gestora em representação e por conta do fundo de investimento imobiliário F..., deduzir embargos de terceiro, nos termos e com os fundamentos seguintes, em síntese:
Ø       É a actual proprietária do complexo comercial localizado na Zona Industrial de Taboeira, Esgueira, sendo que a loja cujo direito ao trespasse e arren­damento se encontra penhorado sob a verba n.º 3 do auto de penhora de 26.4.07, é uma das lojas integradas naquele F....
Ø       Aquela penhora ofende o seu direito porquanto de acordo com o con­trato celebrado com a lojista, o direito ao trespasse não se encontra integrado nos direitos do lojista.
Ø       Acresce que o contrato foi resolvido em Julho de 2007 por falta de pagamento de rendas.
Ø       A Embargante só teve conhecimento da penhora, mediante comunica­ção escrita enviada pela Executada, em 6 de Agosto de 2007.
Ø       A própria Executada informou na oposição à execução que o direito penhorado não lhe pertencia.
Concluiu, pedindo o recebimento dos embargos e consequente levanta­mento da penhora que incide sobre o estabelecimento comercial – incluindo direito ao trespasse –, identificado como verba 3 do auto de penhora de 26.4.07.

Foi proferido despacho que rejeitou liminarmente, por extemporaneidade os embargos.

                                             *

Inconformada com esta decisão recorreu a Embargante com os seguintes argumentos:
1.       Os presentes Embargos de Terceiro foram indeferidos liminarmente pelo Tribunal a quo, tendo o Tribunal a quo considerado que os mesmos foram apresentados extemporaneamente.
2.       Entendeu o Tribunal a quo que, tendo sido a proprietária do imóvel onde se situa o Estabelecimento Comercial penhorado nestes autos notificada ao abrigo do artigo 856.º do Código de Processo Civil em Abril de 2006, na sequência da penhora efectuada em 20 Dezembro de 2004, os embargos apresentados em 26 de Setembro de 2007 em muito excediam o prazo de 30 dias previsto no artigo 353.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, contados da data do conhecimento da ofensa do direito.
3.       Sucede que o Tribunal não levou em linha de conta que o direito ao trespasse que a Embargante põe em causa nos seus embargos e que daria origem à notificação prevista no artigo 856.º do Código de Processo Civil apenas foi penho­rado na segunda penhora ao estabelecimento comercial efectuada nestes autos, em 24 de Abril de 2007.
4.       E, quanto a essa penhora, a proprietária do imóvel não foi notifi­cada, em clara violação do disposto naquele artigo 856.º do Código de Processo Civil.
5.       A notificação que a proprietária do imóvel recebeu em Abril de 2006 a mencionar a penhora do direito ao trespasse e a necessidade da sua desti­natária se pronunciar ao abrigo do artigo 856.º do Código de Processo Civil, por si só, não é suficiente para penhorar o direito ao trespasse, sendo, além disso necessá­rio indicar o activo em causa no respectivo auto de penhora, em obediência ao artigo 849.º do Código de Processo Civil, o que não foi feito.
6.       A Agravante apenas veio a tomar conhecimento da segunda penhora (a que incidiu sobre o direito ao trespasse) pela carta enviada pela Exe­cutada no dia 6 de Agosto.
7.       Nessa medida, a apresentação a juízo dos Embargos em 26 de Setem­bro de 2007 respeita o prazo de 30 dias exigido pelo artigo 353.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
8.       Sucede que a penhora do estabelecimento comercial incluindo o direito ao trespasse, nunca poderia ter sido efectivada. Por duas razões: por um lado, porque o direito ao trespasse nunca foi transmitido à Executada nestes autos; e, por outro lado, porque na data em que a ora Agravante tomou conhecimento da penhora já o contrato de utilização de loja referente ao estabelecimento comercial em causa se encontrava resolvido.
9.       Com efeito, o contrato existente entre a Agravante e a ora Execu­tada é um contrato de utilização de espaço integrado em parque comercial e não um contrato de arrendamento. E, no âmbito deste contrato, estaria vedada à Executada a transmissão do estabelecimento - ou seja, o trespasse.
10.     A jurisprudência em Portugal tem aceite unanimemente que é lícito estipular que não exista o direito ao trespasse do lojista e que, nessa medida, não pode tal direito ser objecto de penhora.
11.     Por outro lado, e ainda que assim não se entendesse, atendendo a que o contrato de utilização de loja foi resolvido pela Embargante em 6 de Julho de 2007, tal penhora não seria, em qualquer caso, possível.
12. Nos termos dos artigos 753.º, n.º 1 e 510.º, n.º 1, alínea b) aplicável ex-vi do artigo 357.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, o Tribunal ad quem pode conhecer do mérito da causa se o Tribunal de primeira instância se abstiver de conhecer do pedido e nada obstar a que conheça do mérito da causa.
13.     No caso dos autos o Tribunal a quo não conheceu do pedido, aten­dendo a que considerou os Embargos de Terceiro extemporâneos; e, atendendo a que a matéria em discussão nos presentes embargos reconduz-se, pura e simples­mente, a matéria de direito - saber se a penhora do estabelecimento comercial que inclua o direito ao trespasse é admissível no caso dos autos - encontram-se se reunidas as condições para que o Tribunal ad quem possa decidir sobre o mérito da causa.
Conclui pela procedência do recurso.


Foi proferido despacho de sustentação.
Não foram apresentadas contra-alegações.

                                             *

1. Do objecto do recurso

Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das ale­gações do recorrente, cumpre apreciar a seguinte questão:
O incidente de embargos de terceiro deduzido pela recorrente deve ser considerado tempestivo?

                                             *

2. Dos factos

Com interesse para a decisão são de considerar os seguintes factos:
1 – Com data de 20.12.2004, na execução X...TBAVR-A, do 3º Juízo Cível de Aveiro, a solicitadora de execução lavrou auto de penhora do qual consta como penhorado o estabelecimento comercial “ G...”, tendo sido relacionados 24 conjuntos de bens móveis.
2 – Com data de 10.4.06 foi enviada, no referido processo, notificação, por carta registada com A/R, a H... ., que a recebeu, com o seguinte conteúdo:
Fica por este meio notificado de que, pela presente, fica penhorado o direito de trespasse e arrendamento do estabelecimento comercial da Executada supra identificada sito na Zona Industrial de Taboeira – Aveiro (F...) e do qual é senhorio, ficando o mesmo penhorado à ordem deste Tribunal e processo.
Mais fica notificado que, nos termos do art.º 856º do CPC, e no prazo de 10 dias, poderá fazer as declarações que entender quanto ao referido direito – se existe ou não – e quanto ao modo de o tornar efectivo, quais as garantias que o acompanham e outras circunstâncias que possam interessar à causa.
Na falta de qualquer declaração entender-se-á que o direito existe.
3 – Após destituição da primitiva solicitadora de execução, veio a ser nomeada nova solicitadora a qual, com data de 26.4.07 lavrou auto de penhora, no qual consta como penhorado o estabelecimento comercial, sito no F... em Taboeira, Azurva, cujos elementos corpóreos são os bens móveis penhorados a 20 de Dezembro de 2004 à ordem deste processo alvará e trespasse.
4 – Com data de 27.8.07 a Embargante requereu, na execução fotocópias de peças processuais, nas quais se inclui a notificação aludida em 2.
5 – A aquisição por compra, do direito de propriedade do complexo comercial constituído por 21 corpos identificados por A, A1, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, T1, T2, T3, T4, na Zona Industrial da Taboeira, foi inscrita na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, a favor de H..., por apresentação de 14.1.05. – certidão de fls. 12 a 17.
6 - A aquisição por compra, do direito de propriedade do complexo comercial constituído por 21 corpos identificados por A, A1, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, T1, T2, T3, T4, na Zona Industrial da Taboeira, foi inscrita na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, a favor de “F...”, gerido e representado pela sociedade A..., por apresentação de 20.7.06. – certidão de fls. 12 a 17.


                                             *
3. O Direito Aplicável

Os embargos de terceiro, após a reforma introduzida no C. P. Civil pelo DL 329-A/95 de 13.10 que eliminou do elenco dos processos especiais as acções possessórias, passaram a ser considerados um incidente da instância enxertado num processo pendente entre outras partes, visando a efectivação de um direito incompa­tível com a subsistência dos efeitos de um acto de agressão patrimonial, judicial­mente ordenado no interesse de alguma das partes da causa, e que terá atingido ilegitimamente o direito invocado pelo terceiro embargante [1].
Este incidente de intervenção de terceiros regulado pelos art.º 351º a 359º, do C. P. Civil, na sua tramitação desdobra-se em duas fases:
- fase introdutória, desde a sua dedução ao despacho de recebimento ou de rejeição dos embargos, e
- fase subsequente, de estrutura contraditória, a partir do despacho de recebimento.
A fase introdutória ocorre sem a exigência do contraditório, encontrando-se disciplinada no art.º 354º, do C. P. Civil, o qual dispõe:
Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o ime­diato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante.
Assim destina-se esta fase a apreciar a tempestividade da dedução dos embargos, a legitimidade do embargante e a viabilidade daqueles.
A fase contraditória – após o recebimento dos embargos –, tem a natureza de uma verdadeira acção declarativa enxertada, a tramitar segundo os termos do processo declarativo comum, ordinário ou sumário conforme o valor, como deter­mina o n.º 1 do art.º 357º, do C. P. Civil.
O art.º 353º, n.º 2, do C. P. Civil estabelece para a dedução dos embargos o prazo de 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, devendo o juiz indeferir liminarmente a petição de embargos se esse prazo não for observado – art.º 354º, do C. P. Civil.
No caso em análise, foram deduzidos embargos de terceiro em 26.9.07, tendo por objecto a penhora de um estabelecimento comercial denominado “G...” alegadamente efectuada em 26.4.07, invocando o embargante ser pro­prietário da loja  onde se encontra instalado esse estabelecimento, não tendo o lojista direito ao trespasse do mesmo, nos termos do contrato que lhe faculta a ocupação da loja. Para justificar a tempestividade dos embargos alega que apenas teve conheci­mento da penhora em 6.8.07.
A decisão recorrida considerou, contudo, intempestivos estes embargos, por considerar que o estabelecimento em causa já havia sido penhorado em 20.12.04, o que foi do conhecimento do então proprietário da loja em 18.4.06.
A penhora de estabelecimento comercial é desde há muito aceite pela doutrina e jurisprudência, a qual, na falta de disposição específica, aplicava ante­riormente à reforma processual civil de 1995/1996 as regras relativas à penhora de direitos, fazendo uso da remissão constante do arte 863º, do C. P. Civil.
O DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, introduziu no C. P. Civil o art.º 862º – A [2], o qual, inserido na subsecção relativa à penhora de direitos [3], consagrou um regime específico para a penhora de estabelecimento comercial.
Dispõe o n.º 1, do art.º 862º -A, do C. P. Civil, na redacção que lhe foi conferida pelo DL 38/2003:
A penhora do estabelecimento comercial faz-se por auto, no qual se rela­cionam os bens que essencialmente o integram, aplicando-se ainda o disposto para a penhora de créditos, se do estabelecimento fizerem parte bens dessa natureza, incluindo o direito ao arrendamento.
Tal como já preconizava Barbosa de Magalhães em tempos já muito recuados [4], adoptou-se a solução da penhora do estabelecimento se desdobrar na penhora discriminativa dos seus elementos essenciais, isto é, daqueles que necessa­riamente o caracterizam, constituindo o núcleo essencial à sua identificação e existência [5].
Como escreve Carlos Gil [6]:
A razão de ser da relacionação dos elementos que essencialmente inte­gram o estabelecimento parece ser a de permitir a identificação daquele conjunto mínimo que permite dizer que um certo estabelecimento está penhorado, o que não exclui que a penhora e subsequente transmissão forçada possam ir além desse âmbito mínimo ou necessário. O facto de apenas se relacionarem os bens que essencialmente integram o estabelecimento comercial, não levará a que se excluam da transmissão forçada os elementos que naturalmente o integram…Reconhece-se contudo que, por razões de segurança e certeza no tráfico jurídico, poderá ser conveniente a relacionação de bens que naturalmente integram o estabelecimento comercial, relacionação que terá um efeito preventivo de litígios quanto à determi­nação de tal âmbito…”.
Nestes elementos essenciais do estabelecimento comercial inclui-se habitualmente a disponibilidade do local onde funciona o estabelecimento penho­rado, o qual, sendo arrendado a terceiro, exige a penhora do respectivo direito ao arrendamento, que, pela sua importância e controvérsia quanto ao modo de execução da sua penhora, mereceu especial referência no transcrito n.º 1, do art.º 862º – A, do C. P. Civil [7].
Analisado o processo executivo onde foi efectuada a penhora embargada constata-se o seguinte:
- em 20.12.2004, em processo executivo para pagamento de quantia certa, a solicitadora de execução lavrou auto de penhora do qual consta como penhorado o estabelecimento comercial “ G...”, tendo sido relacionados 24 conjuntos de bens móveis.
- em 10.4.06 foi enviada, no referido processo, notificação, por carta registada com A/R, a H...., então proprietária da loja onde funcionava o estabelecimento “ G...”, que a recebeu, com o seguinte conteúdo:
Fica por este meio notificado de que, pela presente, fica penhorado o direito de trespasse e arrendamento do estabelecimento comercial da Executada supra identificada sito na Zona Industrial de Taboeira – Aveiro ( F...) e do qual é senhorio, ficando o mesmo penhorado à ordem deste Tribunal e processo.
Mais fica notificado que, nos termos do art.º 856º do CPC, e no prazo de 10 dias, poderá fazer as declarações que entender quanto ao referido direito – se existe ou não – e quanto ao modo de o tornar efectivo, quais as garantias que o acompanham e outras circunstâncias que possam interessar à causa.
Na falta de qualquer declaração entender-se-á que o direito existe.
- em 26.4.07, no mesmo processo, nova solicitadora de execução lavrou auto de penhora, no qual consta como penhorado o estabelecimento comercial, sito no F... em Taboeira, Azurva, cujos elementos corpóreos são os bens móveis penhorados a 20 de Dezembro de 2004 à ordem deste processo alvará e trespasse.
Desta factualidade processual verifica-se que, inicialmente (em 20.12.2004), pretendeu-se penhorar um estabelecimento comercial denominado “ G...”, tendo-se para o efeito relacionado apenas determinados bens móveis. Posteriormente, em 10-4-2006, relativamente ao mesmo estabelecimento, aditou-se a penhora do “direito ao arrendamento e trespasse” do loja onde o mesmo funcio­nava, tendo-se notificado, nos termos do art.º 856º, do C. P. Civil, a proprietária dessa loja, na qualidade de senhoria do respectivo contrato de arrendamento.
A utilização na notificação da expressão da “penhora do direito ao arren­damento e trespasse”, retoma uma velha terminologia utilizada tabelarmente na efectivação das penhoras antes da regulação específica da penhora do estabeleci­mento comercial introduzida em 1995, pelo aditamento ao C. P. Civil, do art.º 862º – A, e que, repetidamente, foi objecto de censura pelos tribunais superiores [8] pelo absurdo que constitui falar-se em “penhora do direito ao trespasse”. Sendo o tres­passe a transmissão definitiva, por acto entre vivos, da titularidade de um estabele­cimento comercial, o direito ao trespasse mais não é que uma das múltiplas faculda­des em que se desdobra o conteúdo do direito de propriedade sobre o estabeleci­mento comercial, não tendo autonomia, relativamente a este. Ora, penhorar um estabelecimento comercial é colocar à ordem do tribunal, para os fins perseguidos pelo processo executivo a propriedade do estabelecimento, incluindo necessaria­mente a faculdade de dele dispor, pelo que não tem qualquer sentido efectuar uma penhora autónoma dessa faculdade, como se de um direito subjectivo autónomo se tratasse. Seria como admitir a penhora do “direito” de vender um determinado imóvel, ou do “direito” de ceder determinado crédito.
Assim, a referência “à penhora do direito ao trespasse” carece de qual­quer sentido, mais não sendo que a penhora da titularidade do estabelecimento, ou melhor dizendo, a penhora do próprio estabelecimento [9], pelo que com a notificação efectuada em 10.4.2006, apenas se aditou a penhora do direito ao arrendamento [10] da loja onde funcionava o estabelecimento.
Na verdade, solucionando polémica anterior [11], o referido n.º 1, do art.º 862º - A, do C. P. Civil, na redacção do DL 38/2003, exigiu expressamente que a penhora do direito ao arrendamento do local onde funciona o estabelecimento, enquanto bem essencial deste, se efectuasse nos termos previstos para a penhora de créditos, pelo que a notificação do senhorio, nos termos do art.º 856º, é constitutiva da penhora da posição jurídica do arrendatário do local onde funciona o estabeleci­mento comercial
Efectuada a penhora nos termos prescritos no art.º 856º, do C.P.C., o então proprietário da loja onde funcionava o estabelecimento penhorado nada disse.
Nos termos do art.º 856º, n.º 2, do C. P. Civil, cumpria-lhe declarar se essa posição contratual existia, qual o prazo do arrendamento, o montante da renda e quaisquer outras circunstâncias que pudessem interessar à execução.
Não tendo efectuado qualquer declaração, prevê o n.º 3, do art.º 856º, do C. P. Civil, que deve considerar-se que o notificado reconhece a existência da obrigação nos termos da indicação do crédito à penhora, estabelecendo-se assim um efeito cominatório pleno para o silêncio do notificado. Como justifica Lebre de Freitas [12], a dureza da cominação, aplicada a um terceiro chamado a colaborar em pro­cesso alheio, explica-se pela necessidade de acertar a existência do bem penho­rado para os fins da execução
Perante o estabelecimento deste efeito cominatório, está vedado ao notifi­cado vir posteriormente deduzir embargos de terceiro, relativamente à penhora do crédito cuja existência reconheceu pela conduta silenciosa adoptada perante a notificação que lhe foi efectuada. A lei já lhe facultou um meio para deduzir a sua pretensão – art.º 856º, n.º 2, do C. P. Civil – que ele desperdiçou.
Finalmente, em 26.4.07, no mesmo processo, nova solicitadora de execu­ção lavrou um auto de penhora, no qual consta como penhorado o estabelecimento comercial, sito no F... em Taboeira, Azurva, cujos ele­mentos corpóreos são os bens móveis penhorados a 20 de Dezembro de 2004 à ordem deste processo alvará e trespasse.
Inexplicavelmente procurou penhorar-se o estabelecimento que já estava penhorado no mesmo processo, com referência inclusive à anterior penhora.
Sendo ineficaz uma segunda penhora de bens já penhorados no mesmo processo, sem que a primeira penhora tenha sido anulada ou levantada, e sendo inócua a referência ao trespasse como elemento do estabelecimento pelas razões já acima explicadas, o auto de penhora lavrado em 26.4.07 apenas tem eficácia relati­vamente à penhora do alvará do estabelecimento, por ser um elemento do mesmo que ainda não havia sido objecto de menção na penhora efectuada.
Assim, a eficácia do auto de penhora lavrado em 26.04.07, é apenas a de aditar à penhora do estabelecimento efectuada a menção de mais um elemento que o integra – o alvará de funcionamento.
Nos embargos de terceiro deduzidos pela recorrente indicou-se que se pretendia o levantamento da penhora que incide sobre o estabelecimento comercial, incluindo o direito ao trespasse.
Contudo, da fundamentação apresentada constata-se que apenas se embarga a penhora do direito ao arrendamento enquanto elemento essencial do referido estabelecimento, sustentando-se que o contrato que permite à executada o funcionamento do seu estabelecimento na loja pertencente à embargante não é um contrato de arrendamento, estando excluída a possibilidade do gozo do arrendado acompanhar o trespasse do estabelecimento.
Ora, como acima se constatou o auto de penhora lavrado em 26.4.07 ape­nas tem eficácia no aditamento à penhora do estabelecimento já efectuada em 20.12.04, do alvará deste, como seu elemento.
O direito arrendamento já foi penhorado, nos termos do art.º 856º, do C. P. Civil, por notificação ao então proprietário da loja onde se encontra instalado o estabelecimento penhorado, efectuada em 10.4.2006.
Não tendo este feito qualquer declaração no prazo legal, nos termos do n.º 3, do art.º 856º, do C. P. Civil, ficou reconhecida a existência do referido direito, o que vincula a recorrente, por ter sucedido na titularidade do direito de propriedade sobre a referida loja, nos termos do art.º 1057º, do C. Civil.
Por estes motivos não lhe assiste o direito de embargar de terceiro a penhora do referido estabelecimento, designadamente o direito ao arrendamento da loja onde ele funciona, pelo que o recurso interposto deve ser julgado improcedente, devendo manter-se a decisão recorrida.

                                             *

Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

                                             *

Custas do recurso pela recorrente.


[1] Preâmbulo do DL 329-A/95 de 13.10.
[2] Este preceito teve como antecedentes mais próximos o artigo 678º, do Anteprojecto do C.P.C. de 1988, e 657º, do Anteprojecto de 1993, em cujo autoria avultou a intervenção de Antunes Varela.

[3] Vide, criticando esta inserção sistemática, Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, em Código de Processo Civil anotado, vol. 3º, pág. 480, da ed. de 2003, da Coimbra Editora, Rui Pinto Duarte, em A penhora e a venda executiva do estabelecimento comercial, pág. 128, da Themis, n.º 9 (2004) Carlos Gil, em Da penhora do estabelecimento comercial, na R.M.P. , Ano 79, pág. 123, e Gravato Morais, em Alienação e oneração do estabelecimento comercial, pág. 165-166, da ed. de 2005, da Almedina, os quais defendem a inclusão desta matéria na secção que regula a penhora dos bens móveis. Sendo o estabelecimento comercial uma universalidade que pode integrar bens móveis, imóveis, imateriais, e direitos, em termos sistemáticos a regulamentação da sua penhora exigia antes uma secção própria, com remissão subsidiária para as restantes.

[4] In Do estabelecimento comercial, pág. 176-177, da ed. de 1951, das Edições Ática.

[5] Vide, sobre a definição do âmbito deste núcleo de elementos cuja penhora caracteriza a penhora de um estabelecimento comercial, Barbosa de Magalhães, na ob. e loc. cit., Antunes Varela, na R.L.J., Ano 115, pág. 252 e seg. Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, na ob. cit., pág. 480-481, Amâncio Ferreira, em Curso de processo de execução, pág. 214-215, da 4ª ed., da Almedina, Rui Pinto Duarte, na ob. cit. pág. 130 e seg., Remédio Marques, em A penhora e a reforma do processo civil. Em especial a penhora de depósitos bancários e de estabelecimento, pág. 95, da ed. de 2000, da LEX, Gravato Morais, na ob. cit., pág. 166-168, e Carlos Gil, na ob. cit., pág. 123 e seg.,

[6] Na ob. e loc. cit..
[7] Como refere Gravato Morais, na ob. cit., pág. 167, referindo-se a um estabelecimento a funcionar em local arrendado: mostrar-se-ia incongruente com o sentido da lei um auto de penhora do qual não constasse o direito ao arrendamento.
[8] Vide, a título de exemplo, os seguintes acórdãos:
S.T.J. de 3.2.981, relatado por Joaquim Figueiredo, B.M.J. n.º 304, pág. 348;
S.T.J. de 16.1.2001, relatado por Garcia Marques, acessível em www.dgsi.pt , proc. n.º 00A3455;
S.T.J. de 23.1.2003, relatado por Sousa Inês, acessível em www.dgsi.pt , proc. n.º 02B4228;
T.R.E. de 31.10.96, relatado por Mota Miranda, C.J., Ano XXI, Tomo IV, pág. 290;
T.R.C. de 3.5.94, relatado por Vírgilio de Oliveira, C. J., Ano XIX, Tomo III, pág. 7.
[9] Vide, neste sentido, Antunes Varela, na R.L.J., Ano 115, pág. 252-255, Lebre de Freitas, em A penhora do direito ao arrendamento e trespasse, em Estudos em homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. III, pág. 477, e os acórdãos citados na nota anterior.

[10] Com razão, alguns autores referem que verdadeiramente o que se penhora é a posição contratual do arrendatário, com o conjunto de direitos e deveres inerentes e não o direito ao arrendamento. Vide, neste sentido, Lebre de Freitas na ob. e loc. cit. na nota anterior, e Gravato Morais, na ob. cit., pág. 167, nota 402.

[11] Sobre esta polémica leia-se Gravato Morais, na ob. cit., pág. 168-169.
[12] Na ob. cit. na nota 9, pág. 488.