Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
413/19.4T8LRA.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: CONTRATO PROMESSA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
CONVENÇÃO EM CONTRÁRIO
IMPERATIVIDADE
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA, COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 294.º, 805.º, N.º 1 E 830.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – Emerge do art. 830º, nº1 do C.Civil, a regra de que havendo “convenção em contrário” à execução específica, está, em princípio precludida a mesma.

II – Sendo certo que essa “convenção” pode ser expressa ou tácita, e que decorre do nº2 desse mesmo art. 830º do C.Civil uma presunção, a saber, «entende-se haver convenção em contrário, se existir sinal ou tiver sido fixada uma pena para o caso de não cumprimento da promessa.».

III – Sucede que o nº3 do art. 830º, nº3 do C.Civil estabelece um desvio à natureza supletiva da norma ao determinar que o direito à execução específica “não pode ser afastado” pelas partes nas promessas a que se refere o nº 3 do art. 410.º do mesmo C.Civil.

IV – Daqui decorre que a execução específica do contrato-promessa pressupõe a inexistência de sinal ou convenção expressa em contrário, salvo se o contrato-promessa tiver por objecto a celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fração autónoma dele, já construído, em construção ou a construir.

V – Sendo que por força da imperatividade do nº 3 do artigo 830º do C.Civil, a execução específica não pode ser afastada, nos casos nele previstos, não valendo, portanto, qualquer convenção em contrário, expressa ou tácita, nesses ditos casos, incluindo nesta a presunção constante do nº 2 do artigo 830º do C.Civil.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]                                                                                   *

1 – RELATÓRIO

AA, residente em ..., intentou a presente ação declarativa constitutiva contra BB, residente na mesma cidade, pedindo a emissão de sentença que, suprindo a declaração negocial da ré, declare a aquisição, pela autora, da fração autónoma onde reside.

Invoca, para o efeito – e muito resumidamente – que foi notificada para, querendo, exercer a preferência relativamente ao projeto de venda do apartamento onde reside, como arrendatária, na sequência do que celebrou, com a senhoria, contrato-promessa de compra e venda do imóvel em causa, pelo preço e nas demais condições em que lhe tinha sido comunicada a venda, para efeito de notificação como preferente, sendo que, injustificadamente, a promitente-vendedora declarou não mais pretender realizar o negócio.

                                                           *

Devidamente citada, a ré apresentou contestação, avançando – e também em muito breve síntese – que o contrato padece de nulidade por não ter as assinaturas reconhecidas, que foi celebrado com falta de vontade, que nunca houve negociação entre as promitentes/contraentes, que a execução específica não é viável pela existência de sinal, e impugna alguns dos factos instrumentais alegados pela autora, concluindo pela improcedência da ação.

                                                           *

Em resposta, a autora pugna pela improcedência das invocadas exceções, e pede a condenação da ré como litigante de má-fé, argumentando que dirigiu à autora um contrato que, posteriormente, se recusa a cumprir, tendo já vendido a terceiro todas as frações do prédio em causa exceto a aqui em apreço.

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Elaborou-se despacho saneador no qual se indicou o valor da causa, apreciaram-se os pressupostos processuais, e depois disso por sentença foi a acção julgada procedente, dispensando-se o julgamento.

Houve recurso da sentença, tendo este mesmo Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 03 de Novembro de 2020, revogado a decisão final, sem prejuízo de ser operado convite ao aperfeiçoamento a dirigir à A., e ordenando-se o prosseguimento da causa para esclarecimento de alguns pontos alegados.

Tendo voltado os autos à 1ª instância, foi operado o convite ao aperfeiçoamento com a apresentação pela A. de peça processual corrigida e cumprido o contraditório.

Marcada nova audiência prévia, nela se indicou o objecto do litígio, se seleccionaram os temas da prova e se admitiram os róis probatórios.

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Realizou-se a audiência final dentro do estrito formalismo, como resulta das respetivas Atas.

Na sentença, considerou-se que improcediam todas as causas de invalidade do contrato-promessa invocadas pela Ré e que não estava afastada a execução específica do mesmo, pelo que, ponderando que «(…) a R. não se limitou a remeter uma missiva com as condições do negócio para querendo a A. exercer preferência, a R. remeteu-lhe também um contrato promessa. E assim sendo, vinculou-se ao conteúdo desse contrato promessa e às inerentes consequências que adviriam desse incumprimento», daí decorria que a R. entrou em mora ao negar-se posteriormente a efetuar o contrato prometido, podendo o Tribunal substituir-se à declaração da R., termos em que, com total ganho de causa para o A., procedia a ação, o que se traduziu no seguinte concreto “dispositivo”:

« III – DECISÃO

Na total procedência da acção, decide-se:

a) que a presente sentença produz os efeitos da declaração negocial da R., BB, suprindo a sua manifestação de vontade de vender à A., AA, a fracção autónoma designada pela letra ..., correspondente ao ... esquerdo, do prédio inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias ..., ..., ... e ... sob o nº ...29, fracção ..., e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...28...., com registo de aquisição a favor da A. - do prédio mãe objecto de posterior constituição de propriedade horizontal - pela apresentação nº ...70 de 2013/12/19.

b) Não condeno a R. como litigante de má-fé.

c) Custas a cargo da R. (artigo 527º nº1 do CPC).

d) Após trânsito desta sentença, entregar-se-á à R. BB o valor constante do depósito autónomo no valor de € 53.500,00 (cinquenta e três mil e quinhentos euros) depositado pela A., através de transferência para o NIB/IBAN que a mesma indicar no processo.

e) Após trânsito comunicar-se-á a presente sentença à ... Conservatória do Registo Predial ... para os legais efeitos.

*

Consigna-se que foi liquidado o Imposto de Selo e que foi emitido documento pela ATA relativo a isenção de IMT.

Competirá à A., após trânsito, proceder à competente inscrição na matriz do imóvel que vem a adquirir através da presente decisão.

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Registe e Notifique ».

                                                           *

Inconformada com essa decisão, apresentou a Ré recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes “conclusões”:

«1. A douta sentença fez um errado julgamento da matéria de facto, pelo que a mesma é objeto de impugnação, por referência a alguns dos pontos de facto dados como provados na douta sentença, bem como dos factos da douta P.I. e da contestação sobre os quais a 1ª instância não se pronunciou.

2. o tribunal a quo deveria ter-se pronunciado e dado como provado o facto alegado no artigo 30º da contestação: “o “contrato” traduz apenas uma manifestação de vontade da autora de exercer o seu direito de preferência aquisição do prédio identificado no artigo primeiro da P.I, após interpelação que lhe foi feita pela Ré nesse sentido e não resulta de qualquer contratação/negociação com a Ré.

3. Que a 1ª Instância deveria ter-se pronunciado e dado como provado o facto afirmado na supra conclusão 2. Decorre, não só dos documentos juntos aos autos e cujo teor foi dado como reproduzido nos pontos de facto dados como provados na douta decisão recorrida – pontos factos 3, 5, 6, 7, 9, 10, 11 e 12 - mas também do depoimento da testemunha CC - depoimento gravado no Ficheiro áudio n.º 20220223145041 do minuto 00.00.00 ao minuto 00.22.56.4 - - minuto 00:01:07.6 ao minuto 00:01:30.9 -; - minuto 00.05.23.1 ao minuto 00:05:30.3; do m 00:07:11.5 00: ao minuto 07:25.5 e do minuto 08.16.8 ao minuto 00.08.22.4 e do minuto 00.22.07.4 ao minuto 00.22.51.7 -.

4. Estas concretas passagem da gravação fonográfica da testemunha em causa, demonstram que: o mesmo era, à data dos factos, um mediador imobiliário que fazia a gestão dos arrendamentos da recorrente há largos anos e, bem assim que a autora pretendia vender a fração em causa nos autos; que a autora teve uma proposta para aquisição do Sr. DD e que a testemunha a informou que tinha de notificar a sua inquilina (ré) para esta exercer a preferência; que transmitiu á autora que não poderia ser ele (testemunha) a fazê-lo e que a mesma foi procurar quem lhe fizesse tal notificação para preferência e, bem assim que, a Ré é uma pessoa que confia nas pessoas assinando de cruz quando se trata de documentação que careça de formalização e que seja tratada por profissionais por ela contratados, tendo saído do do seu escritório com intenção, unicamente, de notificar a Autora para o exercício do direito de preferência, enquanto inquilina -.

5. Ainda por referência a este novo facto que se entende deve ser dado como provado para além do depoimento da testemunha e, dos factos provados referentes á troca de correspondência entre as partes, têm especial relevância os factos provados 18 e 19. O primeiro porque demonstra que não houve quaisquer contactos pessoais entre as partes, previamente ao documento em causa, nem qualquer negociação. O segundo porque demonstra que o envio do contrato foi a forma como a Ré decidiu notificar a autora para o exercício do direito de preferência, com a qual esta concordou

6. Deve assim ser considerado como provada a factualidade ínsita no artigo 30º da contestação da recorrente. A saber: O “contrato” traduz apenas uma manifestação de vontade da autora de exercer o seu direito de preferência aquisição do prédio identificado no artigo primeiro da P.I., após interpelação que lhe foi feita pela Ré nesse sentido e não resulta de qualquer contratação/negociação com a Ré.

7. Deverá ser dado como não provado o facto 20 dos factos provados na douta decisão recorrida e alterado o teor do artigo 10º do ponto de facto dado como provado, para o seguinte teor: “A Ré nessa sequência enviou uma carta datada de 26 de março de 2018, com o seguinte teor: “Acuso a receção da vossa carta com registo de 23- Fevereiro-2018, que notei e agradeço, em resposta á mesma informo que, por motivos pessoais, ponderosos e supervenientes que obstam na presente data, á realização do negócio nos termos anteriormente referidos, não me é possível, agora, concretizar o mesmo. No caso de eventual futura venda da fração, da qual V. Exª é arrendatária, voltarei ao contacto.”

8. No que concerne á atribuição de natureza não provada do ponto de facto provado na douta sentença recorrida e aí identificado como ponto 20. provando-se o meio/fim pelo qual foi enviado o documento de denominado de contrato promessa, conclui-se que, não só a recorrente não prometeu vender á recorrida a fração em causa por tal documento. Acresce que, é a própria autora que reconhece que, quando recebeu a carta e o contrato por ela capeado “ficou a conhecer todas as clausulas do contrato de compra e venda apresentado pelo Sr. DD (entenda-se proponente na aquisição em causa) para poder exercer ativamente e com conhecimento de causa o seu direito de preferência”, o que demonstra que a mesma não tinha quaisquer expetativas num contrato prometido, porque inexistente. A tudo isto, acresce ainda que, cerca de 2 meses depois, do envio do documento/contrato a Ré transmitiu á autora que naquele momento/data não lhe era possível concretizar a venda.

9. Deverá, assim, ser dado como não provado o facto 20 dos factos provados na douta decisão recorrida

10. Deverá ser alterada a redação do ponto de facto 10 dado como provado na douta decisão recorrida, porque a parte deste facto provado relativa á menção feita quanto á concretização do “negócio que as partes estavam a ajustar”, terá de ser eliminada, porque conclusivo e não assente, nem no próprio teor da carta que o Tribunal deu como reproduzida, nem de qualquer outro facto provado, uma vez que, nem do mesmo, nem dos demais factos provados resulta que as partes estivessem a ajustar um qualquer negócio.

11. O teor do artigo 10º do ponto de facto dado como provado, deverá passar ater a seguinte redação: “A Ré nessa sequência enviou uma carta datada de 26 de março de 2018, com o seguinte teor: “Acuso a receção da vossa carta com registo de 23-Fevereiro- 2018, que notei e agradeço, em resposta á mesma informo que, por motivos pessoais, ponderosos e supervenientes que obstam na presente data, á realização do negócio nos termos anteriormente referidos, não me é possível, agora, concretizar o mesmo. No caso de eventual futura venda da fração, da qual V. Exª é arrendatária, voltarei ao contacto.”

12. Também deverão ser dados como provados os factos alegados na petição inicial da autora sobre os artigos 11º, 12º, 13º e 14º da P.I. que, apesar de admitidos por acordo entre as partes e decorrente de confissão irretratável da autora – vide artigo 93º da contestação da Ré -, no entanto, não foram levados aos factos provados da douta sentença recorrida, pelo que deverão, em sede de nova decisão sobre a matéria de facto ao abrigo do disposto nos artigos 574º nº 1 e 587º ambos do CPC -.

13. Tais factos deverão ser aditados á matéria dada como provada com os seguintes teores: “Quando a Autora recebeu a carta identificada no facto provado 7, ficou a conhecer todas as cláusulas do projeto de venda do prédio em causa ao Sr. DD, para que a Autora pudesse exercer em condições de igualdade e com conhecimento de causa o seu direito de preferência, que a autora fez mediante carta registada sob o nº RH 085469021PT com aviso de receção, enviada para a Ré no dia 23 de fevereiro de 2018 e dada como reproduzida no ponto de facto provado 6º (artigos 11º, 12º e 13º da P.I.); “Como resulta da carta reproduzida no ponto de facto provado 6, a autora exerceu o seu direito de preferência ao enviar o contrato promessa devidamente assinado por si , solicitando á Ré, resposta ás questões, para as quais o contrato de promessa que ambas as partes assinaram estavam omisso, nomeadamente:” 1) De que forma a Ré queria receber o valor do sinal; 2) Qual o Notário, dia e hora para a celebração da escritura do negócio prometido. 3) De que forma seria feito o pagamento do remanescente do preço no dia da escritura pública (artigo 14º da P.I.)

14. Tendo presente os factos provados e o vertido no douto acórdão da Relação no que concerne á necessidade de convidar a Autora a apresentar nova P.I. e respetivos fundamentos para tanto, a prova produzida em sede de audiência de julgamento e o resultado da mesma não poderem ser, com o devido respeito, não é aquele que se encontra plasmado na douta decisão recorrida, pelo terá de proceder o presente recurso e, em consequência, improceder a ação.

15. Com efeito os factos provados, apreciados á luz dos ensinamentos do douto acórdão da Relação que revogou o douto saneador- sentença, terão de ser apreciados em função da inexistência de quaisquer factos novos alegados pela autora na sua resposta ao convite que lhe foi endereçado pelo tribunal, que demonstrassem que houve uma qualquer negociação previa entre as partes, ou que demonstrassem que o documento em causa tinha a natureza de contrato promessa.

16. Nenhum dos factos dados como provados atesta que o envio do “contrato” em causa foi efetuado tendo em vista a celebração de qualquer negócio com a autora, nomeadamente a promessa de venda do imóvel ai melhor identificado, mas sim que o mesmo visava unicamente a notificação para preferência na aquisição por parte da autora, inquilina da fração, nomeadamente indicar-lhe as condições do projetado negócio com o DD, após esclarecimento que esta lhe solicitou por carta enviada pela autora em 23 de fevereiro de 2018.

17. A atestar o sobredito, atente-se nos factos provados e, especialmente no faco provado 18 dado como provado com base no depoimento da testemunha EE filho da autora, que o tribunal a quo considerou que “de modo claro e direto referiu não ter a sua mãe, e a R, estabelecido qualquer contacto, para lá da troca de correspondência entre ambas.”

18. Também o facto provado 19 que resulta do “novo facto” alegado pela Autora na douta P.I. afirmação que a recorrente considerou como verdadeira e confissão irretratável para não mais se retirada dos autos e que foi carreado para os factos dados como provados com o corpo da factualidade alegada pela autora nesse artigo 29, demonstra a justeza do afirmado na conclusão 16.

19. Tais factos provados, 18 e 19 aliado aos factos alegados aos novos factos provados 20º, 22º e 23º e bem assim, aos documentos juntos e dados como reproduzidos nos pontos de facto 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10º, 11º e 12º, demonstram que não foi celebrado qualquer negócio entre autora e ré, tendo o contrato sido enviado como esclarecimento das condições projetadas do negócio que a autora considerou como insuficientes nas cartas da ré de 13/12/2017 e 22/12/2017, tudo tendo em vista a notificação para preferência na aquisição por parte da autora - inquilina da fração em causa -.

20. Aliás, que a Recorrente, com o denominado “contrato promessa” pretendia apenas transmitir á autora, os contornos do negócio projetado com o terceiro DD, demonstra-o a assinatura e envio do mesmo do mesmo á autora, num momento em que aquela autora , não havia decidido, sequer, se exercia a preferência, ou não, como o atesta o teor da carta dada como reproduzida no ponto de facto provado 5,

21. Dos factos provados, resulta que nunca existiu qualquer negócio entre a recorrente e a recorrida, nunca tendo a recorrente manifestado a vontade de contratar com a recorrida, sendo certo que, ainda que, por mera hipótese académica, pudessem ser usados pelo Tribunal a quo, os factos alegados pela recorrida - todos eles tendentes ao exercício de direito de preferência - em factos integradores da existência de uma convenção de contrato promessa celebrada entre as partes, não se encontra provada, nem demonstrada nos mesmos, nem a vontade da recorrente de formalizar tal contrato, nem a vontade da recorrida de, de forma clara e inequívoca, celebrar um qualquer contrato promessa, pelo que, em conformidade, não poderia existir execução especifica da obrigação, porque inexistente.

22. Com efeito, o “contrato” em causa nos autos, foi enviado pela recorrente á recorrida, unicamente, a transmitir as condições do projetado negócio com terceiro, na esteira do pedido de esclarecimento por ela efetuado á recorrente, após notificação que esta lhe fez para, querendo, exercer a preferência na aquisição da fração em causa nos autos.

23. Com efeito, não existem quaisquer factos provados que permitam concluir, que foi negociada uma promessa de compra e venda com a recorrida, e/ou que permitisse concluir que as partes pretendiam celebrar um contrato promessa e/ou bem assim, que foram emitidas declarações de vontade negocial das partes coincidente com o clausulado do mesmo.

24. Acresce que, o comportamento da recorrente, posterior ao envio do contrato para a recorrida, também nunca foi de molde, a validar um qualquer contrato, ou qualquer negócio com a recorrida, como o atesta o facto, não só desta ter declarado no documento por si assinado que tinha recebido um sinal de 5.000,00€, que não recebeu, nem naquela data, nem posteriormente, mas também como o atesta o facto de ter informado a recorrida que, por motivos pessoais, ponderosos e supervenientes, não era possível concretizar a venda naquela data.

25. A douta decisão recorrida violou assim claramente o disposto nos artigos 342º, 440º e 1091º do CC, bem como o disposto nos artigos 574º, nº 1, 587ºdo CPC - entre outros que o tribunal doutamente suprirá -, não sendo compreensível, com o devido respeito, os fundamentos invocados para a procedência da ação, uma vez que, nenhum dos factos dados como provados, demonstravam que estávamos perante um contrato promessa, porque tendo ficado provado que não existiu qualquer negociação entre Autora e Ré relativamente ao contrato promessa,  (como aliás, o demonstra o envio do contrato assinado pela Ré numa altura em que a Autora não tinha ainda decidido se ia exercer a preferência), e estando provado que o envio do contrato foi o único meio usado pela Ré para transmitir à Autora as condições do negócio projetado com terceiro, a pedido desta, tendo o mesmo a única finalidade de lhe dar a conhecer as condições do negócio e decidir se exercia ou não a preferência, nunca o tribunal quo, poderia ter condenado a Ré no pedido.

26. Para o caso de se vir a demonstrar que, efetivamente se encontravam reunidos os pressupostos legais-materiais para a declaração, com efeitos declarativos-constitutivos, de que estamos na presença de um contrato promessa de compra e venda e que se encontram reunidos todos os pressupostos para a sua execução especifica - o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite -, entende a recorrente que a douta sentença não podia considerar como constituindo interpelação á recorrente para a outorga da escritura, a declaração da Recorrente ínsita na carta expedida pela autora/recorrida de que por razões pessoais não podia celebrar o contrato promessa, afirmação que tribunal quo considerou deixava qualquer duvida de que a Ré não pretendia cumprir o contrato.

27. Com efeito, o teor do ponto 10. dos factos provados, onde 1ª Instância ancora este seu entendimento, não correspondia á realidade do teor da carta aí identificada, como tinha matéria conclusiva que fazia supor que existiam negociações entre autora e ré (inexistentes), tendo, em consequência da divergência fáctica demonstrada pela recorrente, o teor deste ponto de facto sido alterado para: “10. A R. nessa Sequência enviou uma carta à A. datada de 26 de Março de 2018, cujo teor aqui se dá por integramente reproduzido.

28. Do teor de tal carta não resulta a recusa da Ré em celebrar a escritura, mas unicamente que, na data do seu envio a mesma não estava disponível para outorgar a escritura, pelo que, não pode concluir-se que existiu uma recusa por parte da Ré, categórica e inequívoca, tal como não pode concluir-se que existiu uma manifestação clara e inequívoca da autora de adquirir a fração.

29. Nem essa comunicação da Ré nem nenhuma das correspondências trocadas entre as partes dispensava a interpelação para cumprimento, porque, nenhuma delas vale como interpelação nos termos do art. 805 nº1 do C. Civil, uma vez que nenhuma delas, constitui interpelação admonitória para cumprimento.

30. Tendo a recorrida interesse no negócio com a recorrente, atento o indicado circunstancialismo, deveria ter transmitido de forma clara e inequívoca á recorrente que pretendia “contratar”, o que não fez - pelo que inexiste incumprimento por parte da recorrente do contrato em causa -. Para além disso a autora deveria interpelar a recorrente nos termos do artigo 805 nº1 do C. Civil - em conformidade com o previsto no artigo 777 nº1 do C. Civil - fixando-lhe à recorrente um prazo razoável para a outorga da escritura/contrato definitivo, o que também não fez, como resulta do ponto 17 dos factos provados da douta sentença recorrida.

31. Não tendo havido, manifestação objetiva de vontade e interesse de contratar por parte de recorrente e recorrida, não existe qualquer inadimplemento por parte da recorrente, assim como inexistindo uma qualquer interpelação que constituísse intimação clara á recorrente para cumprir, informando inequivocamente que o não cumprimento dentro do prazo teria a consequência de ter-se por não cumprida definitivamente a prestação, também não existe mora por parte desta, pelo que a ação terá de improceder.

32. Faz-se notar, reforçando, que tal interpelação seria imprescindível, ademais porque, a correspondência trocada entre as partes, e, nomeadamente as cartas enviadas pela recorrente à recorrida, não demonstram que a mesma se recusou a outorgar o contrato prometido, apenas que por “motivos pessoais, e ponderosos e supervenientes, que obstam na presente data e não me é possível por agora concretizar a mesma”.

33. Não ficou assim provada factualidade indispensável a extrair-se, de forma inequívoca, nem o interesse na contratação, nem a sua perda por parte da recorrente, o que inviabiliza a execução especifica do contrato por não estarmos perante “uma recusa absoluta e inequívoca, de cumprimento através de declaração séria categórica e definitiva, ou comportamento inequívoco evidenciando vontade de não cumprir que configure a hipótese de incumprimento definitivo que dispensa interpelação, notificação admonitória, ou prova pelo credor da insubsistência do seu interesse no cumprimento.

34. Acresce que, não existiu qualquer interpelação quer judicial quer extrajudicial (art. 805 nº1 do C. Civil) fixando á recorrida um prazo razoável para a marcação da escritura, não se pode falar também que a recorrente se tenha constituído em mora, nem que tenha existido um qualquer incumprimento definitivo, por parte da mesma o que impede o desencadeamento da execução específica nos termos do art. 830 nº1 do C. Civil.

35. Na verdade, não havendo uma situação de mora, nem uma situação de incumprimento definitivo do contrato em causa, não se verificam os requisitos para desencadear a execução específica do contrato promessa em apreço, devendo, por isso, improceder o pedido da recorrida.

36. Sem conceder, caso venha a demonstrar-se que, efetivamente se encontravam reunidos pressupostos legais/materiais para declaração com efeitos declarativos-constitutivos, de um contrato promessa de compra e venda entende a recorrente que o tribunal a quo também errou ao considerar que apesar das partes terem convencionado sinal, o facto de este não ter sido entregue, faz com que não estejamos perante uma situação de afastamento da execução especifica.

37. Resulta da cláusula terceira alínea a) do “contrato”, a previsão de sinal e a menção de que o mesmo já se encontra pago e, bem assim que o mesmo nunca foi pago pela recorrida e, como tal, também nunca foi recebido pela recorrente - cfr. ponto de facto 13 da douta sentença recorrida -, assim como resulta dos autos que não foi enviado pela recorrente á recorrida, esse “contrato” com a natureza de contrato promessa, mas sim, que tal documento visava dar apenas a preferência na aquisição á recorrida, enquanto inquilina da sua fração.

38. Assim, ainda que o tribunal a quo entendesse que estamos perante uma convenção de contrato promessa, não podia alhear-se do facto do mesmo ser apenas e tão somente a reprodução da promessa de compra e venda, que a recorrente tinha projetado com o terceiro, interessado na aquisição, como forma de transmitir as condições do negócio á recorrida.

39. Ao ignorar esta realidade – que encontrava prevista a existência dum valor á qual as partes atribuiriam o título de sinal – a 1ª Instância ignorou que, na negociação mantida com o terceiro - com quem estava projetada a prometida venda -, estava acordado o pagamento de sinal, nos termos e para os efeitos do artigo 442º do Código Civil, e não a execução especifica da obrigação. Isto é, aquelas partes pretendiam submeter o projetado negócio às regras do sinal e não às regras da execução específica previstas no artigo 830 do Código Civil. Em linha com o exposto, se o tribunal a quo entendia que existia convenção –contrato promessa – também teria de entender que existia convenção que afastava a sua execução especifica - sinal convencionado -.

40. Nem venha dizer-se que assim não é, porque é manifesto que, no “contrato”, se encontra mencionada a quantia de 5.000,00€, como tendo sido recebida pela recorrente e entregue pela recorrida a título de sinal, não existindo qualquer cláusula de execução específica da obrigação, ou qualquer clausula ou condição que afaste aquela convenção pretendida pelas partes.

41. A ser válido o contrato promessa enquanto convenção de contrato promessa - que não o é, reitera-se -, a única conclusão que se pode extrair é que as partes, pretendiam prestar sinal no negócio, atribuindo-lhe, simplesmente, as regras do sinal e não o sujeitar á execução específica da obrigação, porque se assim não fosse, não teriam clausulado a convenção de sinal e/ou teriam clausulado no mesmo a execução especifica da obrigação.

42. Aliás na sua douta fundamentação a própria 2ª instância, faz remissão para o artigo 442º nº 2 e nº 3 do Código Civil, o que demonstra que o próprio tribunal a quo aceita a conversão de sinal prevista no nº 2 e consequentemente as regras ai plasmadas, sendo que o nº 3 deste artigo, nada tem a ver com a questão em discussão nos autos.

43. Ainda que tal não seja suficiente para demonstrar que a recorrente e o terceiro interessado na aquisição pretendiam convencionar a entrega de sinal, é a própria recorrida que reconhece essa realidade, ao manifestar a sua vontade de ela própria, efetuar o pagamento do sinal, em respeito pelas projetadas condições do negócio – cfr. carta de 23.02.2018/ponto de facto provado 8 da douta sentença -.

44. Assim, inexistindo qualquer clausula de execução especifica da obrigação no contrato e, sendo manifesto que, só se pode concluir que era vontade da recorrente, que o contrato a outorgar com o terceiro, que não a recorrida, ficasse sujeito á prestação de sinal, é manifesta a existência de convenção contrária á execução especifica da obrigação, em caso de incumprimento, porque o que está em causa não é não pagamento do sinal, mas sim a previsão no contrato de que o mesmo existiria e, bem assim, que não estava previsto no mesmo o afastamento desta convenção pelo recurso á execução especifica da obrigação.

45. O contrato em causa sempre seria, assim, insuscetível de execução especifica uma vez que, não só não se encontram preenchidos os pressupostos fácticos referenciados no artigo 830º do C. Civil, mas também porque existe convenção de sinal, que afasta a possibilidade tal execução pelo que a ação terá de improceder.

Termos em que, e no mais que por V. Exªs, será doutamente suprido, deve a douta sentença ser revogada, declarando-se a ação totalmente improcedente, por não provada tudo com as inerentes consequências legais, nomeadamente a absolvição da ora recorrente, pois assim se fará a costumada

JUSTIÇA!»

                                                           *

A Autora/recorrida apresentou as suas contra-alegações, das quais extraiu as seguintes “conclusões”:

«1) Conforme resulta de fls., a Autora intentou uma ação contra a Ré onde alegou e pediu o que acima se transcreveu, para melhor compreensão deste Venerando Coletivo;

2) A Ré não concordou com tal decisão e interpôs recurso para este Venerando Tribunal;

3) A decisão recorrida não merece qualquer reparo ou alteração, e muito menos, nos termos propostos pela Recorrente;

4) A sentença recorrida não tem qualquer falha, não carrega qualquer erro ou necessita de ser alterada;

5) A Recorrente bem sabe que o objeto da ação tinha como principal foco o pedido de substituição pelo Tribunal, na realização de um negócio definitivo que a Recorrente prometeu fazer e que acabou por não fazer sem nenhum motivo que fundamentasse essa recusa;

6) A Recorrente foi a principal e única causadora de toda a problemática para a existência deste processo, senão vejamos:

a. Na qualidade de Senhoria, notifica a Autora da existência de uma proposta de aquisição da fração da qual é arrendatária;

b. A Autora responde à Autora que aquela comunicação não obedece aos requisitos legais mínimos para que possam operar os efeitos do direito de preferência e pede mais elementos;

c. A Recorrente, em vez de comunicar apenas os elementos necessários previstos no Código Civil para cumprir a notificação do direito de preferência, resolveu enviar à Autora uma carta, na qual vem junto um CONTRATO DE PROMESSA de compra e venda, totalmente preenchido por si, e devidamente assinado;

d. A Autora assinou o contrato de promessa, interpretando e aceitando os termos do negócio como estando a assinar um contrato de promessa com a Ré para a aquisição do referido imóvel;

e. Após receber o contrato assinado pela Autora, a Ré resolveu responder que por “motivos pessoais” não iria celebrar o negócio com a Autora;

f. A Autora ainda deu o benefício da dúvida à Ré e respondeu pedindo informações acerca dos “motivos pessoais” que impediam a celebração do contrato definitivo – porque, em boa verdade, podiam ter surgido motivos práticos que impedissem a celebração do negócio após a celebração do contrato de promessa;

g. A Ré respondeu apenas que não tinha que justificar quais eram os seus “motivos pessoais” e que mantinha a sua aposição;

h. A Autora é inquilina daquele imóvel há mais de 25 anos (ainda do tempo em que o senhorio era o pai da Ré) pelo que merecia mais consideração e respeito pela Ré;

i. A Ré vendeu todas as demais 3 frações e mais 5 frações (correspondentes às garagens) ao mesmo sujeito – vide escrituras juntas ao processo.

7) Verifica-se que a Ré bem sabia o que estava a fazer, apenas não esperava que a Autora juntasse o valor suficiente para a sua aquisição;

8) A Ré sabe que a Autora é pessoa de poucas posses – sobrevive com uma mísera pensão – mas tem pessoas amigas e familiares que a ajudam quando a mesma precisa;

9) Para a Autora é claro e cristalino que a Ré já havia vendido (ou prometido vender) todas as frações à mesma pessoa (basta ver as escrituras juntas ao processo), e não contava que a Autora tivesse vontade e capacidade para o adquirir;

10) A Ré não é ingénua nem inabilitada, ao ponto que não saiba distinguir um contrato promessa de um outro contrato qualquer;

11) A Ré bem sabia que ao enviar o contrato de promessa à Autora era isso que pretendia, e não outra coisa;

12) Por outro lado, mesmo que assim não fosse, o ónus de demonstrar que é uma pessoa frágil, inabilitada, com problemas de interpretação e de comunicação era a Ré;

13) Mas com os anos que a Autora tem de contrato de arrendamento com a Ré, sabe perfeitamente que a Ré é uma pessoa formada, com conhecimentos e perfeitamente conhecedora de tudo o que faz;

14) Fosse pelo direito de preferência, fosse pelo contrato de arrendamento, a vontade da Autora sempre foi adquirir o imóvel, e a vontade da Ré foi vendê-lo;

15) Como se viu de toda a atuação (pré-judicial e judicial) a Ré queria vender, mas não à Autora;

16) Se o LEGISLADOR atribuiu direitos a pessoas que se encontram em determinadas situações, é porque sabe que essas pessoas são os elos mais fracos das relações socioeconómicas;

17) Esta negociação entre as partes começou por ser uma notificação legal obrigatória (Direito de Preferência), e, por vontade exclusiva da Ré, passou a ser uma questão de Obrigações/Contratos (nomeadamente incumprimento da promessa que fez em vender);

18) Quem iniciou, quem geriu e quem teve interesse no andamento de toda a negociação foi a Ré, e, quando a Autora manifestou inequivocamente a sua vontade, a Ré resolveu “virar o bico” ao prego;

19) Se isto não é má-fé negocial, a Autora não sabe o que é então;

20) O Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” fez uma excelente análise dos factos e aplicou corretamente o Direito;

21) A sentença é sintética, mas exaustiva e profunda na análise que fez do pedido e causa de pedir em discussão;

22) Deve, por isso, manter-se a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”;

23) A Ré não negou que enviou os documentos juntos aos autos, nem sequer negou ou impugnou o conteúdo do contrato promessa outorgado entre as partes;

24) Dos documentos juntos e não impugnados pela Ré/Recorrente quanto ao seu teor e conteúdo, mas apenas quanto ao efeito probatório, dos mesmos resultam que a Ré Recorrente tinha interesse em vender o prédio em discussão nos presentes autos, tendo notificado a Autora, aqui Recorrida para o exercício do direito de preferência;

25) A Ré apenas alegou a nulidade do mesmo por falta de reconhecimento da assinatura das partes e não com base e fundamento de que a vontade constante do contrato promessa, não correspondia à vontade real – veja-se que nenhuma das partes o peticionou ou referiu na troca de correspondência;

26) O contrato promessa de compra e venda é válido, reflete a vontade da Ré, aqui Recorrente, não podendo a mesma vir invocar a nulidade da falta de reconhecimento das assinaturas, quando foi a mesma que enviou o contrato assinado à Autora, sem o respetivo reconhecimento e não solicitou à Autora que procedesse ao reconhecimento da sua assinatura;

27) Não foi a Autora que deu causa à referida nulidade, mas sim a Ré, pelo que não pode a mesma vir invocar tal nulidade;

28) Deve ser julgado improcedente, por não provado o recurso apresentado pela Autora, com todas as consequências legais daí resultantes;

29) O Meritíssimo Juiz não se fundou em presunções, mas em documentos que foram elaborados pela Ré, e assinados pela mesma, que refletiram a sua vontade, e não foram impugnados quanto ao seu conteúdo e teor;

30) Os documentos juntos aos autos comprovam e fazem prova de que o conteúdo e teor constantes do contrato promessa elaborado e enviado à Autora correspondem à vontade real da Ré, ou seja, a vontade declarada no contrato promessa pela Ré/Recorrente corresponde à sua vontade real;

31) Não pode agora vir a Ré dizer que não negociou ou celebrou com a Autora um contrato promessa de compra e venda, quando foi a própria ou a seu mando que o elaborou, que fez constar no mesmo a sua vontade quanto à promessa de compra e venda do referido imóvel, bem como o assinou e enviou à Autora;

32) Se a Ré não pretendesse outorgar o contrato promessa de compra e venda com a Autora, apenas teria junto o projeto de venda e as cláusulas com a parte que lhe tinha apresentado a proposta de aquisição do referido imóvel;

33) Não pode agora a Ré/Recorrente negar-se a cumprir o contrato que celebrou com a Autora, arguindo nulidades que sabe que não têm qualquer fundamento;

34) Bem andou o Meritíssimo Juiz ao decidir como decidiu;

35) Deve o presente recurso ser julgado improcedente, quanto à alegada nulidade por falta de fundamento da mesma;

36) Consta dos documentos juntos que a Ré/Recorrente não tem intenção de cumprir o contrato promessa de compra e venda outorgado com a Autora, pelo que o incumprimento definitivo ocorre quando o devedor declara, inequivocamente, que não cumprirá o contrato, devendo esta perda de interesse ser apreciada objetivamente, em face de cada caso concreto;

37) Não basta, por isso, que a Ré/recorrente afirme que já não tem interesse na prestação;

38) Exige-se, isso sim, que alegue e prove a factualidade indispensável a extrair-se, de forma inequívoca, essa perda de interesse a ponto de impedir a viabilidade de celebração do contrato definitivo;

39) No caso dos presentes autos, a Ré não invocou nenhum fundamento da perda de interesse;

40) Também por esse facto, não tem razão a Ré quando alega que não houve incumprimento, nem mora por parte da Recorrente;

41) Foi a própria que disse que já não tinha interesse em vender, por razões pessoais, que não quis justificar;

42) Não assiste razão à Ré quando invoca a falta de depósito do preço, visto que tal depósito terá de ser feito no prazo fixado pelo tribunal e o prazo fixado ainda não ocorreu, tendo em conta que a sentença ainda não transitou em julgado;

43) Do alegado pelas partes, bem como dos documentos juntos, não existe nenhuma dúvida de que entre a Ré e a Autora foi outorgado um contrato promessa de compra e venda, no qual a vontade declarada corresponde à vontade real das partes;

44) Não pode a Ré vir arguir a nulidade por falta de reconhecimento das assinaturas, tendo em conta que a Ré elaborou e assinou o contrato enviando-o à Autora, sem que tivesse procedido ao reconhecimento da sua assinatura, nem tão pouco a culpa da falta de reconhecimento é da Autora;

45) Não tendo a Autora arguido tal nulidade, não pode agora a Ré, em proveito próprio vir arguir tal nulidade, quando foi a própria que enviou o contrato assinado, sem ter procedido ao seu reconhecimento, nem solicitado à Autora para proceder ao reconhecimento da sua assinatura;

46) A Ré tudo fez para inviabilizar o cumprimento do contrato pela Autora, nomeadamente quanto à prestação do sinal, da marcação da escritura definitiva, bem como o pagamento do preço acordado;

47) Estão preenchidos todos os pressupostos para a execução específica, bem como para a sentença proferida e posta em causa pela Ré;

48) Por falta de fundamentos legais, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, com todas as consequências legais daí resultantes;

49) O recurso apresentado pela Recorrente não merece provimento, uma vez que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo interpretou corretamente o alegado pelas partes e os documentos juntos;

50) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo julgou e interpretou corretamente os factos dados como provados, considerando toda a prova documental junta nos autos, fundamentando e aplicando corretamente o direito àqueles factos;

51) A Sentença recorrida não viola as disposições legais que a Recorrente invoca nas suas alegações;

52) Face a todos os motivos supra explanados, deve a Sentença recorrida manter-se na íntegra, requerendo-se assim a prolação de Acórdão que determine a improcedência do recurso interposto;

53) O que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;

54) Quanto à prova testemunhal, e nomeadamente àquela que foi referida e transcrita pela Ré nas suas alegações, a mesma não tinha conhecimento direto dos factos, visto que só lidou com a Ré até ao termo da mediação imobiliária que fez por conta de um contrato com aquela.

55) Aquela testemunha não sabia de nada acerca das cartas, dos contratos e da demais documentação trocada entre as partes, nem da real vontade da Ré na troca de correspondência;

56) Pelo que o seu depoimento de nada serve para alterar o sentido da decisão recorrida;

57) Deve, por isso manter-se na íntegra, requerendo-se assim a prolação de Acórdão que determine a improcedência do recurso interposto.

58) O que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes.»

                                                           *

Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                           *

2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Ré/recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

- incorreta valoração da prova produzida, que levou ao incorreto julgamento da matéria de facto, a saber, que devia ser dado como “provado” o facto alegado no artigo “30º” da contestação [cf. «o “contrato” traduz apenas uma manifestação de vontade da autora de exercer o seu direito de preferência aquisição do prédio identificado no artigo primeiro da P.I, após interpelação que lhe foi feita pela Ré nesse sentido e não resulta de qualquer contratação/negociação com a Ré»], que devia ser dado como “não provado” o ponto de facto “20-” dos factos “provados”, que devia ser alterado o teor do ponto de facto “10-” dos factos “provados” [para o seguinte teor: «A Ré nessa sequência enviou uma carta datada de 26 de março de 2018, com o seguinte teor: “Acuso a receção da vossa carta com registo de 23- Fevereiro-2018, que notei e agradeço, em resposta á mesma informo que, por motivos pessoais, ponderosos e supervenientes que obstam na presente data, á realização do negócio nos termos anteriormente referidos, não me é possível, agora, concretizar o mesmo. No caso de eventual futura venda da fração, da qual V. Exª é arrendatária, voltarei ao contacto.»], que deviam ser dados como “provados” os factos alegados na petição inicial da autora nos artigos “11º”, “12º”, “13º” e “14º” da P.I., com os teores que enuncia [cf. «Quando a Autora recebeu a carta identificada no facto provado 7, ficou a conhecer todas as cláusulas do projeto de venda do prédio em causa ao Sr. DD, para que a Autora pudesse exercer em condições de igualdade e com conhecimento de causa o seu direito de preferência, que a autora fez mediante carta registada sob o nº RH 085469021PT com aviso de receção, enviada para a Ré no dia 23 de fevereiro de 2018 e dada como reproduzida no ponto de facto provado 6º.» (artigos 11º, 12º e 13º da P.I.); «Como resulta da carta reproduzida no ponto de facto provado 6, a autora exerceu o seu direito de preferência ao enviar o contrato promessa devidamente assinado por si , solicitando á Ré, resposta ás questões, para as quais o contrato de promessa que ambas as partes assinaram estavam omisso, nomeadamente:” 1) De que forma a Ré queria receber o valor do sinal; 2) Qual o Notário, dia e hora para a celebração da escritura do negócio prometido. 3) De que forma seria feito o pagamento do remanescente do preço no dia da escritura pública.» (artigo 14º da P.I.)].

- errada subsunção jurídica [designadamente porque «nunca existiu qualquer negócio entre a recorrente e a recorrida, nunca tendo a recorrente manifestado a vontade de contratar com a recorrida»; porque não houve vontade de nenhuma das partes de «celebrar um qualquer contrato promessa, pelo que, em conformidade, não poderia existir execução especifica da obrigação, porque inexistente»; porque não podia a sentença considerar como constituindo interpelação à recorrente para a outorga da escritura, a declaração da Recorrente ínsita na carta expedida pela autora/recorrida de que por razões pessoais não podia celebrar o contrato promessa; «Acresce que, não existiu qualquer interpelação quer judicial quer extrajudicial (art. 805 nº1 do C. Civil) fixando á recorrida um prazo razoável para a marcação da escritura, não se pode falar também que a recorrente se tenha constituído em mora, nem que tenha existido um qualquer incumprimento definitivo, por parte da mesma o que impede o desencadeamento da execução específica nos termos do art. 830 nº1 do C. Civil»; porque «existe convenção de sinal, que afasta a possibilidade tal execução, pelo que a ação terá de improceder»]?.

                                                           *

3 - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado fixado/provado pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.   

 Tendo presente esta circunstância, consignou-se o seguinte na 1ª instância[2]:

«Factos Provados

1- A R. é proprietária do seguinte imóvel:

i- fracção autónoma, designada pela letra ... correspondente ao ... esquerdo, destinada a habitação, com saída para um espaço próprio, com 5 m2, no logradouro das traseiras do prédio, constituído no regime da propriedade horizontal, sito em Quinta ..., Avenida ..., ..., ..., inscrito na matriz predial urbana sob o nº ...29 da União das Freguesias ..., ..., ... e ..., no Serviço de Finanças ..., e descrito sob o nº ...28... da mesma freguesia.

2- A Autora há mais de 25 anos que é inquilina e vive no prédio que é propriedade da R. e que está indicado no facto 1º.

3- A R. remeteu à A. uma carta registada sob o nº ... dos CTT, datada de 13 de Dezembro de 2017, cujo assunto foi: “Notificação para o Exercício do Direito de Preferência – venda de Fracção arrendada, designada pela letra ..., correspondente ao ... esquerdo do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Avenida ..., ..., em ...”, carta cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, sendo que, através dela, a Ré comunicou à Autora:

1) Que a Autora recebeu uma proposta de aquisição do prédio acima identificado por parte do Sr. DD, no valor de 53.500,00 € (cinquenta e três mil e quinhentos Euros;

2) Que a celebração do contrato de promessa seria no dia 27 de dezembro de 2017, com sinal no valor de 5.000,00 (cinco mil euros;

3) Que o remanescente seria no acto da realização da escritura de compra e venda a realizar no dia 28 de dezembro de 2017;

4) Que informava a Autora de que, nos termos do disposto no artigo 1091º, n.º 4, do Código Civil, conjugado com o artigo 416º do mesmo Código, dever exercer o seu direito de preferência, no prazo de 8 (oito) dias, nas condições supra referidas, sob pena de caducidade, mediante comunicação a si (Ré) dirigida.

4- A A. recebeu a carta acima referida no dia 15 de Dezembro de 2017.

5- Na sequência da referida carta, enviou a A. uma outra, registada sob o n.º RH115662269PT, com aviso de recepção, datada de 22 de Dezembro de 2017, carta cujo teor se transcreve, a saber:

«(…)

Exma. Sra. BB

Venho por este meio, na sequência da carta que recebi de V. Exa., datada de 13/12/2017, informar que existe interesse da minha parte em exercer o direito de preferência sobre a compra da fração que se encontra arrendada a mim, pelo valor global de 53.500,00 €.

Porém, a comunicação a que respondo agora não tem todas as informações que necessito para tomar uma decisão perentória e definitiva, pois não sei quais são as clausulas do contrato (quer do contrato-promessa, quer do contrato definitivo) que há intenção de ser celebrado, nomeadamente obrigações e deveres das partes contratantes, direitos específicos contratados, prazos, valores complementares, etc.

Na verdade, apenas me foi informado o valor final do negócio (53.500,00 €), sem qualquer informação complementar, nomeadamente o projeto da venda e as clausulas do respetivo contrato.

Aliás, como é obrigação de V. Exa. imposta pelo disposto no nº 1, do artigo 416º do Código Civil.

Assim, solicito a V., Exa. que me informe do projeto da venda, bem como das clausulas do contrato, a fim de melhor poder decidir sobre as condições objetivas e subjetivas do contrato, e daí poder concluir estar em condições de igualar a proposta (exercer o direito de preferência) ou não.

Caso assim não aconteça, serve também a presente missiva para dar conta que se a venda se realizar sem que me seja dada a informação solicitada, irei intentar a respetiva ação de preferência prevista nos artigos 1410º e seguintes do Código Civil.

Sem outro assunto de momento,

Atentamente»

6- Em resposta à A., a R. enviou nova carta, datada de 22 de Janeiro de 2018, registada sob o nº ..., com o seguinte assunto “Resposta à carta datada de 22/dezembro/2017 referente à Notificação para o Exercício do Direito de Preferência – venda de Fracção arrendada, designada pela letra ..., correspondente ao ... esquerdo do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Avenida ..., ..., em ...”, em cujo corpo se encontrava escrito o seguinte:

«(…)

Assim, venho por este meio dar resposta à carta de V. Exa. datada de 22-dezembro-2017 a saber:

1 – Juntar contrato-promessa de compra e venda, que reveste os termos do projecto de venda – anexo um.

2 – Informar que o contrato prometido se realizará nos termos do estipulado no contrato de promessa, em anexo 1, sem quaisquer outras obrigações e deveres das partes contraentes, direitos específicos contratados, prazos e valores complementares, para além das obrigações, respetivamente de receber o preço, dar quitação e entregar a coisa e consequentemente pagar e receber a fracção autónoma acima melhor identificada.»

7- Anexa a tal carta acompanhava-a um documento com o título “Contrato de Promessa de Compra e Venda”, cujo teor se transcreve, a saber:

«Entre:

Primeira:

BB, solteira, maior, natural da freguesia e concelho ..., residente na Praceta ... A, ... ..., titular do Bilhete de Identidade nº ..., emitido em .../.../2008, válido até 10-10-2018, pelos SIC de ..., NIF ..., adiante designada por promitente vendedora.

e

Segunda:

AA (estado civil) naturalidade (freguesia e concelho) Residente na Avenida ..., ... ..., portadora do BI/CC nº …, valido até …,…, Contribuinte fiscal nº …, adiante designada por promitente compradora,

É celebrado o presente contrato de promessa compra e venda que se rege pelas seguintes cláusulas:

1.ª

1 – A primeira outorgante é dona e legítima possuidora da Fracção autónoma designada pela letra ..., correspondente ao ... esquerdo para habitação, do prédio urbano sito na Avenida ..., ..., união de freguesias ..., ..., ... e ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...29, com o valor patrimonial de 61.819,00 €.

2 – Sobre o prédio encontra-se registada uma servidão de passagem a favor do prédio descrito sobre o nº 3606 da freguesia ....

3 – Ao prédio em que se insere a fracção corresponde o Alvará de autorização de utilização nº ...8 emitido em .../.../2018 pela Câmara Municipal ....

4 – Para a fracção foi emitido o competente certificado energético.

2.ª

Pelo presente contrato a primeira outorgante promete vender à segunda outorgante, livre de quaisquer ónus e encargos e esta promete comprar, a fracção acima indicada na cláusula anterior.

3.ª

O preço acordado pela prometida compra e venda é de 53.500,00 € (cinquenta e três mil e quinhentos Euros), a pagar da seguinte forma:

a) A quantia de 5.000,00 € (cinco mil Euros) que a promitente compradora entrega à promitente vendedora, a título de sinal e princípio de pagamento do preço, no acto da assinatura do presente contrato, de que este serve de recibo de quitação;

b) O remanescente no valor de 48.500,00 € (quarenta e oito mil e quinhentos Euros) que será entregue pela promitente compradora à promitente vendedora, na data da celebração da escritura de compra e venda.

4.ª

A escritura de compra e venda terá lugar no prazo de 1 mês a contar da data aposta no aviso de recepção respeitante à missiva que anexa o presente contrato, enviada nesta data à segunda outorgante.

Parágrafo único: Findo aquele prazo e no silêncio da Segunda Outorgante, a escritura pública realizar-se-á, sem mais informação, a favor do interessado indicado à segunda outorgante na missiva que lhe foi remetida com data de 13/Dezembro/2017. 

5.ª

A marcação da respetiva escritura, que se realizará em Cartório Notarial em ..., será efetuada pela promitente vendedora, que deverá avisar a promitente compradora do dia, hora e local da realização da mesma mediante carta registada, com antecedência de 8 (oito) dias.

6.ª

São por conta da promitente compradora todas as despesas desta compra, incluindo os

emolumentos notariais, registos prediais, Imposto sobre as transmissões Onerosas e Imposto de Selo, impostos e contribuições inerentes à qualidade da compradora e proprietária, seguro de incêndio, despesas de condomínio e outras, tudo a partir da data da escritura de compra e venda.

7.ª

Em tudo o mais não previsto neste contrato, regulam-se as partes pelas disposições legais em vigor.

8.ª

O presente contrato é feito em duplicado, ficando cada contraente com um deles.

..., 22 de janeiro de 2018».

8- O designado “contrato de promessa” em causa vinha assinado, pelo punho da R., no local destinado à “Primeira Outorgante”.

9- Nessa sequência, a A. assinando no local destinado à “Segunda Outorgante” o contrato indicado em 8, e reenviando-o à R., dirigiu-lhe também a carta registada sob o nº RH085469021PT, com aviso de recepção, enviada no dia 23 de Fevereiro de 2018, cujo teor se transcreve, a saber:

«(…)

Exma. Senhora,

Venho por este meio dar resposta à carta de V. Exa. datada de 22-janeiro-2018.

Junto envio Contrato de Promessa de Compra e Venda, em anexo, devidamente assinado, para o efeito.

Assim sendo, ficarei a aguardar resposta aos seguintes pontos:

1 – Informação em relação ao pagamento do sinal, nomeadamente se o mesmo é feito por cheque ou transferência bancária, e se sendo a segunda, para que conta bancária;

2 – Informação em relação a data da celebração do contrato definitivo;

3 – Informação em relação ao notário em que decorrerá, nomeadamente o dia, hora e local;

4 – Informação em relação ao pagamento do remanescente valor, nomeadamente se o mesmo é feito por cheque ou transferência bancária, e, se sendo a segunda, para que conta bancária;

Sem outro assunto,

(…)».

10- A R. nessa sequência enviou uma carta à A., datada de 26 de Março de 2018, do seguinte teor:

«(…)

ASSUNTO: Resposta Exercício do Direito de Preferência da venda da Fracção arrendada, designada pela letra ..., do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Avenida ..., ..., em ...”

Exma. Senhora

Acuso a recepção da V/ carta com data de registo de 23-Fevereiro-2018, que notei e agradeço.

Em resposta à mesma informo que por motivos pessoais, ponderosos e supervenientes, que obstam, na presente data, à realização do negócio nos termos anteriormente referidos, não me é possível por agora concretizar o mesmo.

No caso de eventual futura venda da fração da qual V. Exa. é arrendatária, voltarei ao contacto.

(...)».

11- Em seguida, a A. procurou saber junto da R. os concretos motivos que obstavam à não realização do negócio com a A., o que fez, mediante carta registada sob o n.º ..., com aviso de recepção, enviada em 19/04/2018, do seguinte teor:

«(…)

Exma. Senhora

Venho por este meio dar resposta à carta de V. Exª. datada de 26-Março-2018.

Face à expectativa criada com a celebração do contracto de promessa de compra e venda (que ainda vigora), queira informar quais os “motivos pessoais, ponderosos e supervenientes”.

Caso esses motivos não sejam efectivamente “pessoais, ponderosos e supervenientes”, ainda estou com intenção de celebrar o respectivo contracto de promessa de compra e venda.

Assim sendo, face aos motivos indicados por vós, agirei em conformidade (incluindo os meios judiciais).

Aguardarei resposta, com a maior brevidade.

(...)».

12- A R. dirigiu à A., em resposta, missiva datada de 9 de maio de 2018, do seguinte teor:

«(…)

ASSUNTO: Resposta à Carta recepcionada em 20 de Abril de 2018

Exma. Senhora

Na sequência do teor da carta de V. Ex.ª, datada de 19 Abril de 2018, venho por este meio, informar que os meus motivos pessoais, ponderosos e supervenientes, se encontram estritamente reservados à minha vida privada e familiar, sendo um direito inalienável que me assiste e nesse sentido protegido do acesso a terceiros.

O conteúdo do direito à reserva da intimidade da minha vida privada, compreende, entre outros, o estado de saúde, seja pessoal ou familiar.

Sem outro assunto de momento,

(…)».

13- A A. não entregou à R., a quantia de € 5.000,00 a título de sinal, na data da assinatura por parte da A. do mesmo contrato de promessa, nem posteriormente.

14- As assinaturas do documento intitulado “contrato promessa de compra e venda“ não se encontram reconhecidas presencialmente, e do mesmo contrato não consta certificação da licença de utilização do imóvel.

15- Do mesmo “contrato” não consta qualquer cláusula relativa à dispensa do reconhecimento de assinaturas, nem relativa à renúncia ao direito de suscitar a nulidade decorrente da sua falta.

16- A A. não enviou o contrato à R. com a sua assinatura reconhecida presencialmente nem solicitou à R. o cumprimento de tais formalidades.

17- A A. em momento algum interpelou a R. para marcação da escritura, nem marcou ela própria a mesma em dia determinado nem por qualquer forma foi fixado pela A. à R. um qualquer prazo para realização da prestação.

18- Para além da troca de correspondência entre A. e R. mais nenhum contacto houve entre as mesmas, pessoalmente, no que tange quer ao modo do exercício do direito de preferência quer em relação as condições para execução do contrato promessa.

19- O contrato promessa a que se vem aludindo, foi o modo como a R. decidiu, com a concordância da A., exercer o direito de preferência que lhe assistia e para o qual foi notificada pela R.

20- Com a remessa pela R. à A. do contrato aludido em 7 e 8, a R. prometeu alienar à A. a fracção indicada em 1, e a A. convenceu-se da realização do negócio prometido.

21- A A. depositou por depósito autónomo em 02 de Fevereiro de 2022, a quantia de € 53.500,00, acrescida de Imposto se Selo no valor de € 452,04, estando isenta de acordo com documento emitido pela ATA de Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis.

Factos não provados

Inexistem.»

                                                           *

3.2 – A Ré/recorrente sustenta ter ocorrido incorreta valoração da prova produzida, que levou ao incorreto julgamento da matéria de facto, a saber, que devia ser dado como “provado” o facto alegado no artigo “30º” da contestação [cf. «o “contrato” traduz apenas uma manifestação de vontade da autora de exercer o seu direito de preferência aquisição do prédio identificado no artigo primeiro da P.I, após interpelação que lhe foi feita pela Ré nesse sentido e não resulta de qualquer contratação/negociação com a Ré»], que devia ser dado como “não provado” o ponto de facto “20-” dos factos “provados”, que devia ser alterado o teor do ponto de facto “10-” dos factos “provados” [para o seguinte teor: «A Ré nessa sequência enviou uma carta datada de 26 de março de 2018, com o seguinte teor: “Acuso a receção da vossa carta com registo de 23- Fevereiro-2018, que notei e agradeço, em resposta á mesma informo que, por motivos pessoais, ponderosos e supervenientes que obstam na presente data, á realização do negócio nos termos anteriormente referidos, não me é possível, agora, concretizar o mesmo. No caso de eventual futura venda da fração, da qual V. Exª é arrendatária, voltarei ao contacto.»], que deviam ser dados como “provados” os factos alegados na petição inicial da autora nos artigos “11º”, “12º”, “13º” e “14º” da P.I., com os teores que enuncia [cf. «Quando a Autora recebeu a carta identificada no facto provado 7, ficou a conhecer todas as cláusulas do projeto de venda do prédio em causa ao Sr. DD, para que a Autora pudesse exercer em condições de igualdade e com conhecimento de causa o seu direito de preferência, que a autora fez mediante carta registada sob o nº RH 085469021PT com aviso de receção, enviada para a Ré no dia 23 de fevereiro de 2018 e dada como reproduzida no ponto de facto provado 6º.» (artigos 11º, 12º e 13º da P.I.); «Como resulta da carta reproduzida no ponto de facto provado 6, a autora exerceu o seu direito de preferência ao enviar o contrato promessa devidamente assinado por si , solicitando á Ré, resposta ás questões, para as quais o contrato de promessa que ambas as partes assinaram estavam omisso, nomeadamente:” 1) De que forma a Ré queria receber o valor do sinal; 2) Qual o Notário, dia e hora para a celebração da escritura do negócio prometido. 3) De que forma seria feito o pagamento do remanescente do preço no dia da escritura pública.» (artigo 14º da P.I.)]

Vejamos.

Quanto à pretensão de que fosse dado como “provado” o facto alegado no artigo “30º” da contestação, a saber, «o “contrato” traduz apenas uma manifestação de vontade da autora de exercer o seu direito de preferência aquisição do prédio identificado no artigo primeiro da P.I, após interpelação que lhe foi feita pela Ré nesse sentido e não resulta de qualquer contratação/negociação com a Ré», cremos que é a própria redação que se preconiza que faz adivinhar a resposta.

Na verdade, salvo o devido respeito, reclama-se o aditamento de um ponto de facto que seria claramente conclusivo, pelo que liminarmente afastada está a possibilidade de se dar acolhimento a uma tal pretensão.

                                                           ¨¨

Vejamos seguidamente da pretensão de que devia ser dado como “não provado” o ponto de facto “20-” dos factos “provados”.

Para tanto, rememoremos, antes de mais, o teor literal deste, a saber:

«20- Com a remessa pela R. à A. do contrato aludido em 7 e 8, a R. prometeu alienar à A. a fracção indicada em 1, e a A. convenceu-se da realização do negócio prometido.»

Sustenta a Ré/recorrente, para este efeito, que «Com efeito desde logo no que concerne á atribuição de natureza não provada do ponto de facto provado na douta sentença recorrida e aí identificado como ponto 20. provando-se o meio/fim pelo qual foi enviado o documento de denominado de contrato promessa, conclui-se que, não só a recorrente não prometeu vender á recorrida a fração em causa por tal documento - por não consubstanciar contrato promessa – (pelo que esta não poderia convencer-se que o negócio prometido se iria realizar, ademais porque a recorrente lho enviou, apenas na esteira do solicitado para esclarecimento das condições do negócio tal como alegou no artigo 11º da sua primeira P.I. 12º da segunda P.I. corrigida) sendo que, quando recebeu a carta e contrato por ela capeado que, a mesma “ficou a conhecer todas as clausulas do contrato de compra e venda apresentado pelo Sr. DD (entenda-se proponente na aquisição em causa) para poder exercer ativamente e com conhecimento de causa o seu direito de preferência” e, bem assim porque cerca de 2 meses depois, do envio do documento/contrato a Ré transmitiu á autora que naquele momento/data não lhe era possível concretizar a venda– factos provados 6, 7 e 10 -».

Já o Exmo. Juiz de 1ª instância consignou o seguinte na sua “motivação” no que a este particular dizia respeito:

«A prova do facto 20º resulta do seguinte:

i- declarações de EE, o qual confirmou que com a recepção do contrato promessa que acompanhava a comunicação para preferência a A. sua mãe se convenceu que iria ser realizado o contrato definitivo com a R, o que faz todo o sentido, já que se assim não fosse a R. não teria enviado um contrato promessa à A;

ii- declarações de CC que afirmou ter dito à R. que pretendendo vender aquela fracção a terceiro, teria que comunicar à arrendatária se a mesma queria preferir;

iii- conjugação daqueles dois depoimentos com a troca de correspondência a que se alude nos factos 3º a 9º, ou seja, ao remeter uma missiva para preferência acompanhada de contrato promessa com a identificação da A., a R. sabia e queria concretizar esse negócio, pois que se assim não fosse não lhe enviaria tal contrato, limitando-se a remeter a carta para preferência.

Repare-se que as posteriores comunicações da R., a referir já não pretender o negócio, depois de a A. lhe devolver assinado o contrato promessa, não afastam a sua vontade pretérita e que consolidaram na esfera jurídica da A. a expectativa de aquisição.

As razões para não ser feito o contrato definitivo, permanecem no íntimo da R. mas não afastam a sua vontade de contratar no momento em que emitiu a documentação tendente a confirmar essa sua vontade.

É assim dado por provado o facto 20º.» 

Que dizer?

Consabidamente, estabelece o nº 5 do art. 607º do n.C.P.Civil que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, exceto se a lei exigir, para a respectiva prova, alguma formalidade especial, o que não se verifica no caso concreto.

Por outro lado, a jurisprudência é uniforme no entendimento de que a utilização da gravação dos depoimentos em audiência de discussão e julgamento não modela de forma diversa o princípio da prova livre ínsito no direito adjectivo, nem dispensa as operações de carácter racional ou psicológico que geram a convicção do julgador.

O que bem se compreende, em virtude dos princípios da imediação, da oralidade e da concentração consagrados no nosso ordenamento jurídico, em matéria de prova, no que à decisão sobre a matéria de facto operada pelo Tribunal de 1ª instância diz respeito.

É também a jurisprudência unânime no entendimento de que a garantia do duplo grau de jurisdição não pode em caso algum subverter o princípio da livre apreciação da prova, de acordo com a prudente convicção do juiz acerca de cada facto.

Deste modo, o uso pelo Tribunal superior dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.

Dito de outra forma: só existindo um erro evidente na apreciação da matéria de facto é que devem ser modificadas as respostas dadas aos temas de prova.

O que manifestamente não se verifica no caso concreto.

Com efeito, importa não olvidar que a impugnação da Ré/recorrente quanto a este particular assenta numa argumentação a raiar o sofisma, senão mesmo ilógica e contrária às regras da experiência e do normal acontecer face aos dados concretos do caso.

Temos presente que tem existido divergência, quer na doutrina, quer na jurisprudência, relativamente a saber se a notificação para preferência envolve uma proposta contratual que, uma vez aceite, se torna vinculativa para o autor daquela comunicação, ou se envolve antes um simples convite a contratar.

A este propósito, foi explicitado o seguinte em douto aresto do nosso mais alto Tribunal[3]:

«(…)

Quanto à questão objeto do presente recurso, respeitante, como foi dito, à natureza e aos efeitos jurídicos produzidos pela comunicação para preferir, vem referenciada em acórdão deste tribunal, de 7.12.2010 (este e os adiante citados, caso a sua publicação não seja de modo diverso indicada, todos disponíveis em www.dgsi.pt, os mais antigos apenas através de sumário), a divergência, quer na doutrina, quer na jurisprudência, relativamente a saber se a notificação para preferência envolve uma proposta contratual que, uma vez aceite, se torna vinculativa para o autor daquela comunicação, ou se envolve antes um simples convite a contratar, tendo-se por largamente dominante a primeira posição (reforçando este entendimento, acórdão de 21.2.2006).

No sentido de que a notificação para preferência valerá, em regra, desde que contenha todos os elementos necessários à decisão do preferente, ou seja, desde que observe os requisitos estabelecidos no nº 1 do art. 418º do CC, como proposta contratual, a qual, uma vez aceite, se torna vinculativa, além do acórdão de 21.2.2006, entre outros, acórdãos de 19.10.2010, 9.7.98, 11.5.93, 31.3.93, 15.6.89 e de 2.3.99-Proc. 69/99, este constante dos Sumários de Acórdãos, publicados em www.stj.pt.

Em sentido divergente, citado pela Recorrente, o acórdão de 8.1.2009; adotando posição intermédia, entendendo que a notificação para preferência não encerra uma verdadeira proposta contratual no sentido técnico-jurídico, antes se aproximando mais do chamado convite a contratar, mas sendo-lhe aplicável o art. 227º do CC, acórdão de 19.4.2001-Proc. 419/01, sumário publicado em www.stj.pt.»

Sucede que no caso vertente, a Ré/recorrente, porventura perfilhando o entendimento que a notificação para preferência que havia endereçado num primeiro momento à Autora/recorrida [através da carta datada de 13 de Dezembro de 2017] ainda não constituía uma proposta contratual, endereçou uma segunda missiva à Ré/recorrente [datada de 22 de Janeiro de 2018] acompanhada de um contrato promessa, com a identificação da Autora como “promitente compradora”, e já por ela Ré assinada enquanto “promitente compradora”.

Ora se assim é, parece-nos incontornável a conclusão de que, se não estava firmado ipso facto um contrato-promessa com a primeira comunicação e resposta que intercedeu entre as partes, esse contrato-promessa, nomeadamente por via da aceitação protagonizada pela Autora ao devolver o contrato por si assinado à Ré, ficou efetivamente outorgado.

Sendo certo que o erro invocado pela Ré/recorrente a este propósito – de que não era possível concluir que «(…) o envio do “contrato” em causa foi efetuado tendo em vista a celebração de qualquer negócio com a autora, nomeadamente a promessa de venda do imóvel ai melhor identificado, mas sim que o mesmo visava unicamente a notificação para preferência na aquisição por parte da autora, inquilina da fração» – , cujo ónus de prova obviamente lhe competia (cf. art. 342º, nº2 do C.Civil), não ficou de todo evidenciado pela prova produzida, pelo menos de forma concludente e consistente!

Perfilhando este mesmo entendimento, sublinhou o Exmo. Juiz de 1º instância que ao enviar o contrato promessa, a Ré «(…) sabia e queria concretizar esse negócio, pois que se assim não fosse não lhe enviaria tal contrato, limitando-se a remeter a carta para preferência.»

É que no contexto apurado, resultou uma inequívoca “manifestação de vontade do declarante em contratar.[4]

Sendo que, na circunstância, havia já um projeto ajustado de venda com terceiro [DD, pelo valor de € 53.500,00, e com escritura agendada para o dia 28 de dezembro de 2017][5].

Atente-se que nesse mesmo sentido aponta até o teor literal do contrato-promessa em referência, quando no “Parágrafo único” da “Cláusula 4.ª” se encontrava grafado que «Findo aquele prazo e no silêncio da Segunda Outorgante, a escritura pública realizar-se-á, sem mais informação, a favor do interessado indicado à segunda outorgante na missiva que lhe foi remetida com data de 13/Dezembro/2017.»

Nesse sentido pode invocar-se a presunção judicial em sede da decisão sobre a matéria de facto, mais concretamente na operação de apreciação e valoração da prova numa situação como a do caso vertente.

Presunção judicial que constitui um mecanismo necessário para levar o Tribunal a afirmar a verificação de certo facto controvertido, suprindo as lacunas de conhecimento ou de informação que não possam ser preenchidas por outros meios de prova, ou servindo ainda para valorar os meios de prova produzidos.[6]

Acresce que o Exmo. Juiz invocou prova testemunhal produzida na audiência de discussão e julgamento que ajudou a formar a convicção positiva por si alcançada, sem que a Ré/recorrente tivesse sequer ensaiado a impugnação com referência à prova gravada, como seria necessário à luz do previsto no art. 640º, nos1, al.b) e 2, al.a) do n.C.P.Civil…    

Finalmente, quanto ao segmento constante do facto em análise de que «a A. convenceu-se da realização do negócio prometido», tal afigura-se-nos até insofismavelmente apurado pelo que foi oportunamente grafado pela autora na missiva enviada em 19/04/2018, mais concretamente quando nela referiu que «(…) Face à expectativa criada com a celebração do contracto de promessa de compra e venda (que ainda vigora), queira informar quais os “motivos pessoais, ponderosos e supervenientes”. (…)». [sublinhado nosso]

Termos em que improcede a impugnação da matéria de facto quanto a esse dito ponto de facto “20-” dos factos “provados”.

                                                           ¨¨

E que dizer da impugnação no sentido de que  devia ser alterado o teor do ponto de facto “10-” dos factos “provados” [para o seguinte teor: «A Ré nessa sequência enviou uma carta datada de 26 de março de 2018, com o seguinte teor: “Acuso a receção da vossa carta com registo de 23- Fevereiro-2018, que notei e agradeço, em resposta á mesma informo que, por motivos pessoais, ponderosos e supervenientes que obstam na presente data, á realização do negócio nos termos anteriormente referidos, não me é possível, agora, concretizar o mesmo. No caso de eventual futura venda da fração, da qual V. Exª é arrendatária, voltarei ao contacto.»]?

Uma análise mais atenta permite liminarmente concluir que o pretendido pela Ré/recorrente se traduzia em que este ponto de facto evidenciasse o teor literal integral do documento nele em causa, isto é, dispensando-se uma síntese ou resumo do seu conteúdo, particularmente quando interpretativa ou redutora do seu sentido.

A nossa resposta seria naturalmente no sentido de dar acolhimento a uma tal pretensão – na medida em que a reprodução do conteúdo deve ser fiel e objetiva! – mas isso encontra-se já prejudicado, sendo materialmente desnecessário, porquanto no alinhamento dos factos “provados” a que se procedeu supra, já se operou a transcrição integral de todos os documentos neles referenciados.

                                                           ¨¨

Resta, para finalizar, apreciar e decidir a pretensão de que deviam ser dados como “provados” os factos alegados na petição inicial da autora nos artigos “11º”, “12º”, “13º” e “14º” da P.I., com os teores que enuncia [cf. «Quando a Autora recebeu a carta identificada no facto provado 7, ficou a conhecer todas as cláusulas do projeto de venda do prédio em causa ao Sr. DD, para que a Autora pudesse exercer em condições de igualdade e com conhecimento de causa o seu direito de preferência, que a autora fez mediante carta registada sob o nº RH 085469021PT com aviso de receção, enviada para a Ré no dia 23 de fevereiro de 2018 e dada como reproduzida no ponto de facto provado 6º.» (artigos 11º, 12º e 13º da P.I.); «Como resulta da carta reproduzida no ponto de facto provado 6, a autora exerceu o seu direito de preferência ao enviar o contrato promessa devidamente assinado por si , solicitando á Ré, resposta ás questões, para as quais o contrato de promessa que ambas as partes assinaram estavam omisso, nomeadamente:” 1) De que forma a Ré queria receber o valor do sinal; 2) Qual o Notário, dia e hora para a celebração da escritura do negócio prometido. 3) De que forma seria feito o pagamento do remanescente do preço no dia da escritura pública.» (artigo 14º da P.I.)].

Será assim?

Salvo o devido respeito, só se compreende esta pretensão da Ré/recorrente como fruto de lapso ou menor compreensão da dogmática atinente às regras jurídico-processuais respeitantes ao que pode e deve ser dado como “provado”.

Na verdade, e operando um simples confronto com o teor literal que se pretendia ver consignado como “provado”, logo ressalta a impossibilidade de tal ser operado, por, à semelhança do já supra decidido, se tratar de factualidade que encerraria um manifesto juízo conclusivo de facto, para além de conter, no essencial, afirmações meramente argumentativas.

Termos em que, sem necessidade maiores considerações, improcede esta última parte da impugnação à decisão sobre a matéria de facto.

                                                           *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Errada subsunção jurídica [designadamente porque «nunca existiu qualquer negócio entre a recorrente e a recorrida, nunca tendo a recorrente manifestado a vontade de contratar com a recorrida»; porque não houve vontade de nenhuma das partes de «celebrar um qualquer contrato promessa, pelo que, em conformidade, não poderia existir execução especifica da obrigação, porque inexistente»; porque não podia a sentença considerar como constituindo interpelação à recorrente para a outorga da escritura, a declaração da Recorrente ínsita na carta expedida pela autora/recorrida de que por razões pessoais não podia celebrar o contrato promessa; «Acresce que, não existiu qualquer interpelação quer judicial quer extrajudicial (art. 805 nº1 do C. Civil) fixando á recorrida um prazo razoável para a marcação da escritura, não se pode falar também que a recorrente se tenha constituído em mora, nem que tenha existido um qualquer incumprimento definitivo, por parte da mesma o que impede o desencadeamento da execução específica nos termos do art. 830 nº1 do C. Civil»; porque «existe convenção de sinal, que afasta a possibilidade tal execução, pelo que a ação terá de improceder»]?

Será assim?

Salvo o devido respeito – e releve-se o juízo antecipatório! – improcedem inequivocamente todos os argumentos recursivos deduzidos pela Ré/recorrente neste plano.

Sendo que se vai fazer a correspondente apreciação com a linearidade e sintetismo que, salvo o devido respeito, a situação justifica.

Vejamos então.

No que à argumentação assente na alegação de que nunca existiu qualquer negócio entre a recorrente e a recorrida, e, designadamente, que não houve vontade de celebrar um qualquer contrato promessa diz respeito, a resposta é-nos dada pelo quadro fáctico apurado e que como tal subsistiu.

Na verdade, para além de resultar “provado” que houve comunicação entre as partes por via da qual a Ré remeteu à Autora um contrato-promessa relativo à fração ajuizada já assinado por ela Ré, o qual a Autora devolveu àquela depois de também por si devidamente assinado, ademais os factos “provados” sob “19-” e “20-” expressam a seguinte realidade material:

«19- O contrato promessa a que se vem aludindo, foi o modo como a R. decidiu, com a concordância da A., exercer o direito de preferência que lhe assistia e para o qual foi notificada pela R.»;

«20- Com a remessa pela R. à A. do contrato aludido em 7 e 8, a R. prometeu alienar à A. a fracção indicada em 1, e a A. convenceu-se da realização do negócio prometido.»

  Ora, face a este conspecto factual, importa concluir insofismavelmente no sentido de que ficou constituído entre as partes um contrato-promessa, estando ambas as partes obrigadas a contratar em termos idênticos aos que constavam desse mencionado contrato-promessa.

De referir que relativamente à esfera jurídica do preferente e nos efeitos jurídicos na mesma produzidos, a partir do momento em que o obrigado à preferência decide realizar o negócio, já nos foi doutamente ensinado o seguinte:

«(…) ao preferente assistem sucessivamente, antes que aquele negócio se efetive, os seguintes direitos: o direito (creditório) a que lhe sejam notificados os termos essenciais do projeto de alienação; o direito (potestativo) de, na sequência desta notificação, declarar que pretende preferir - declaração esta que, conjugada com a do notificante, dará origem a uma relação creditória equiparável, pelo seu conteúdo e efeitos, a um contrato-promessa bilateral, ou tornará mesmo perfeito o contrato definitivo, se em ambas as declarações (a do obrigado à preferência, que equivale a uma proposta de contrato, e a do preferente, que se traduz na aceitação dessa proposta) houver sido observada a forma exigida para a celebração deste contrato; finalmente, o direito (creditório) de exigir, após ter declarado a vontade de exercer a preferência, que o obrigado a esta realize com ele o negócio projectado, sempre que aquela declaração não baste para o consumar».[7] [com destaque da nossa autoria]

Sendo por isso que, em complemento dessa linha de entendimento, importa afirmar que nos casos em que é operada a notificação para preferência por notificação extrajudicial (tal como acontece no caso de notificação judicial para preferência), se torna irrevogável a proposta de venda, sendo que constituído um contrato-promessa entre o proponente e o aceitante, é o mesmo suscetível de execução específica.[8] 

A esta luz, naufraga inapelavelmente a alegação recursiva de que, na circunstância, «(…) não poderia existir execução especifica da obrigação, porque inexistente»…

Depois, argumenta a Ré/recorrente que no caso não existiu interpelação à própria para a outorga da escritura, donde, a mesma não se constituiu em mora, nem existiu um qualquer incumprimento definitivo da sua parte, estando por tudo isso impedido o desencadeamento da execução específica.

Também não lhe assiste qualquer razão, na medida em que, s.m.j., no caso, a resposta dada pela aqui Ré e ora recorrente, por carta de 26 de Março de 2018,  informando a aqui Autora e ora recorrida de que “por motivos pessoais, ponderosos e supervenientes não lhe era possível concretizar o negócio[9], configura clara e inequivocamente uma recusa perentória – feita por declaração expressa! – na celebração do contrato definitivo, constituindo uma situação de incumprimento definitivo[10], tanto mais que reforçada pela subsequente missiva de 9 de Maio de 2018[11].

Por último, a argumentação de que no caso existiu convenção de sinal, o que afasta a possibilidade de execução específica, só se compreende como deficiente conhecimento ou compreensão da dogmática relativa à garantia de execução específica.

            É certo que emerge do art. 830º, nº1 do C.Civil, a regra de que havendo “convenção em contrário” à execução específica, está, em princípio precludida a mesma.

Sendo certo que essa “convenção” pode ser expressa ou tácita, e que decorre do nº2 desse mesmo art. 830º do C.Civil uma presunção, a saber, «entende-se haver convenção em contrário, se existir sinal ou tiver sido fixada uma pena para o caso de não cumprimento da promessa.» [com destaque da nossa autoria]

Sucede que «O nº3 do art. 830º, nº3 do C.C. estabelece um desvio à natureza supletiva da norma ao determinar o seguinte:

- “o direito à execução específica não pode ser afastado pelas partes nas promessas a que se refere o n.º 3 do art. 410.º” (sublinhado nosso)

Da remissão efectuada resulta o seguinte quadro:

- a promessa deve ser relativa à celebração de contrato oneroso;

- tal contrato deve envolver a transmissão ou a constituição de um direito real;

- esse direito real deve incidir sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir.

Verificado tal circunstancialismo legal não há qualquer possibilidade de afastamento, por convenção, da execução específica da promessa.

A existência de uma eventual estipulação em sentido diverso é nula, dado que é contrária a uma norma imperativa (art. 294.º CC).»[12]     

Daqui decorre que por força da imperatividade do nº3 do normativo, a execução específica não pode ser afastada, nos casos nele previstos.

Não vale, portanto, qualquer convenção em contrário, expressa ou tácita, nesses ditos casos, incluindo nesta a presunção constante do nº 2 do artigo 830º do C.Civil!

Sendo precisamente o caso ajuizado – por estar em causa uma fração autónoma de edifício já construído – um dos casos em que imperativamente a execução específica não podia ser afastada.

Nestes termos improcedendo totalmente as alegações recursivas e o recurso.

(…)

                                                           *

6 - DISPOSITIVO

Assim, face a tudo o que se deixa dito, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida nos seus precisos termos.

Custas do recurso pela Ré/recorrente.

Coimbra, 10 de Janeiro de 2023

Luís Filipe Cravo

Fernando Monteiro

Carlos Moreira



[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carlos Moreira
[2] De referir que, ao invés do literalmente constante da sentença recorrida em que relativamente aos documentos constantes dos autos se optou pela afirmação «cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido», se vai proceder à transcrição integral desses documentos, por assim ser jurídico-processualmente devido, mormente pela sua relevância para a boa decisão da causa.
[3] Trata-se do acórdão do STJ de 27.11.2018, proferido no Proc. nº 14589/17.1T8PRT.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[4] Com referência a este critério, vide o acórdão do STJ de 07.12.2010, proferido no Proc. nº 1375/06.3TBTNV.C1.S1, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[5] Isto por referência a que «é preciso não confundir, como na prática sucede muitas vezes, a notificação para preferência com a proposta de contrato que o obrigado à preferência dirija ao preferente antes de ter qualquer projecto ajustado de venda com terceiro» (cf. Antunes Varela, RLJ, 105, a págs. 14).
[6] Vide A. ABRANTES GERALDES, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Volume, 4ª ed. revista e atualizada, 2010, Livª Almedina, a págs. 228-234.
[7] Assim por HENRIQUE MESQUITA, in “Obrigações Reais e Ónus Reais, 1990, Reimpressão, 2003, a págs. 225-228.
[8] Neste sentido, inter alia, o acórdão do STJ de 21.02.2006, proferida no proc. nº 05B3984, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[9] Cf. facto “provado” sob “10-”.
[10] Vide mais aprofundadamente sobre a questão FERNANDO DE GRAVATO MORAIS, in “Contrato-Promessa em Geral – Contrato-Promessa em Especial”, Livª Almedina, Coimbra, 2009, a págs. 176-180.  
[11] Cf. facto “provado” sob “12-”.
[12] Citámos o já referenciado FERNANDO DE GRAVATO MORAIS, in obra e lugar pré-citados, ora a págs. 116; no mesmo sentido, CALVÃO DA SILVA, in “Sinal e Contrato-Promessa”, Livª Almedina, 13ª ed., 2010, a págs. 168; na jurisprudência, vide o acórdão do STJ de 02.06.1997, proferido no proc. nº 96B549, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jstj, louvando-se este profusamente na opinião de idêntico sentido do já citado Calvão da Silva.