Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
123/04.7PATNV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CALVÁRIO ANTUNES
Descritores: CRIME DE DEVASSA DA VIDA PRIVADA
ELEMENTOS DO TIPO RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 01/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 40º,47º ,70º 71º E 192º.,Nº1 AL.D) DO CP, 483ºE 496º DO CC
Sumário: 1 A reapreciação da matéria de facto, se não impõe uma avaliação global, também se não poderá bastar com meras declarações gerais quanto à razoabilidade do decidido no acórdão recorrido, requerendo sempre, nos limites traçados pelo objecto do recurso, a reponderação especificada, em juízo autónomo, da força e da compatibilidade probatória entre os factos impugnados e as provas que serviram de suporte à convicção.
2.A delimitação precisa dos pontos de facto controvertidos constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso em matéria de facto e para a consequente possibilidade de intervenção do tribunal de recurso.
3.O recorrente ao impugnar a decisão da matéria de facto deve indicar os segmentos da decisão sobre a matéria de facto que pretende impugnar e, ao mesmo tempo, indicar em relação a cada um daqueles segmentos quais as provas que suportam a sua discordância em relação à sentença.
4.O recorrente tem o direito de obter do tribunal de recurso um exame crítico da matéria probatória face às provas que, na sua opinião, impunham decisão diversa.
5.Não satisfazendo minimamente, o recorrente, o ónus de especificação a que se refere o nº 3 do artº 412° do C.P.P., o recurso deve ser rejeitado, por manifestamente improcedente, quanto à matéria de facto, nos termos do art. 417º nº 3 al. c), 419º nº 4 al. a) e 420° nº 1 do C.P..
6.O arguido que como o propósito de revelar facto da vida privada da ofendida, facto que esta pretendia manter em segredo, divulga sem o seu consentimento que ela havia tido um filho antes do casamento, comete o crime de devassa da vida privada p.e p. pelo artigo 192º,nº1 , al.b)do CP
7.O montante da indemnização a atribuir deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
8.Tendo em atenção que a assistente em consequência da conduta do arguido ficou envergonhada, nervosa, publicamente ridicularizada, enxovalhada, humilhada e ultrajada perante todas as pessoas que tomaram conhecimento dos factos; que a mesma é pessoa honesta, integra, séria e trabalhadora, conhecida no seio da comunidade onde reside e atenta a situação económica do arguido é equilibrada a indemnização de 1.000,00 euros arbitrada a título de danos não patrimoniais
Decisão Texto Integral: I. Relatório:
1. No processo supra identificado, O Ministério Público acusou, em processo comum e mediante a intervenção do Tribunal Singular, o arguido
 
M.., divorciado, empregado fabril, nascido em ----.1971, natural …., concelho de Torres Novas, filho de F…e de A …residente em … …..Setúbal.
Imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de devassa da vida privada, previsto e punido pelo artigo 192.º, n.º 1, al. d), do Código Penal, pelos factos constantes do douto despacho de fls. 143 a 145, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido.
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A fls. 160 e seguintes a queixosa M. formulou pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado.
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Realizado o julgamento, foi decidido:
 Em matéria criminal
I – Condenar o arguido M. pela prática, como autor material, de um crime de devassa da vida privada, previsto e punido pelo art. 192.º, n.º 1, al. d) do Código Penal, na pena de 170 (cento e setenta) dias de multa à razão diária de € 5,00, o que perfaz a quantia de € 850,00 (oitocentos e cinquenta euros).
II - Condenar o arguido no pagamento das custas criminais, fixando-se em 2 UC’s a taxa de justiça devida, mínimo de procuradoria e demais encargos do processo, bem como no pagamento dos honorários a atribuir ao ilustre defensor nomeado, que se fixam em 14 UR., nos termos dos pontos n.º 3.1.1.2 e 9 da tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004 de 10 de Novembro.
Acresce a quantia a que se refere o artigo 13.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro.
Em matéria Cível:
I - Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível formulado pela demandante M. contra o arguido/demandado M. e, em consequência, condená-lo a pagar àquela a quantia de € 1.000,00 (mil euros), acrescidos de juros de mora à taxa de 4% desde a citação (19.05.2008) até efectivo e integral pagamento.
II - Condenar o arguido/demandado e a demandante no pagamento das custas do pedido cível, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 19/20 1/20 respectivamente.

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2. Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso (de fls. 257/266), formulando, nas respectivas motivações, as seguintes (transcritas) conclusões:

1. O douto tribunal "a quo" violou o disposto nos Artºs 40º, 47º, 71º e 72º do Código Penal vigente, e, ainda o disposto nos Artºs 483º e 496º do Código Civil.

2. O tribunal "a quo" ao aplicar a pena de 170 dias de multa pela prática do crime de devassa da vida privada, violou o disposto no Artº 40º do C.P., por ser excessiva.

3. O grau de ilicitude é mediano, atentas a situação que motivou o recorrente a confrontar a assistente e o seu rival com a declaração emitida pelo hospital de Tomar.

 4. O arguido está inserido familiar e profissionalmente.

5. Relativamente ao Art° 72 do C.P. entende o recorrente que o mesmo foi violado por o douto tribunal "a quo" não ter valorado com a devida atenção o disposto no n° 2, alíneas c) e d) do referido artigo.

6. De acordo com o disposto no n° 2 do Art° 192 do Código Penal, o crime não é punível, porque foi praticado apenas e somente com a exibição à própria assistente e ao seu companheiro, e com o fim de obter judicialmente, a guarda e cuidados do menor filho do então, ainda casal.

7. O douto tribunal "a quo" violou igualmente o disposto nos Art°s 483 e 496 do C. Civil ao condenar o aqui arguido/recorrente no P.IC., no valor de 1000€, acrescidos de juros.

8. A condenação do arguido no pagamento quase integral do pedido de indemnização civil às demandantes cíveis além de excessiva violou os Artºs 563 e 496-1) do C.Civil.

9. A douta Sentença deve ser revogada, pois só com a revogação da mesma, V. Exas. farão a tão COSTUMADA SÃ JUSTIÇA.


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5. Em resposta, veio a ilustre Magistrada do Ministério Público oferecer a resposta, de fls. 280/286, onde doutamente sustenta que o recurso deverá improceder e ser confirmada a decisão recorrida, apresentando as (transcritas) conclusões:
“I - A presente sentença não viola o disposto nos artºs. 40.°, 41.°, 71.° e 72.° do Código Penal.
II - O recorrente não observa na impugnação da decisão sobre a matéria de facto o dever de especificação que lhe assistia, nos termos do art. 412.°, nºs 1, 3, als. a) e b) e 4 do C.P.P.
III - A ausência das especificações legalmente exigidas na motivação, determina a insuficiência do recurso, a ditar o não conhecimento do mesmo.
IV - O Mmo. Juiz a quo analisou e valorou a prova produzida de acordo com as regras da experiência e a sua livre convicção, reputando-se a factualidade provada, mais do que admissível, substancialmente adequada ao caso.
V - A pena aplicada foi determinada por referência às finalidades da punição e à censurabilidade assacada ao arguido, dando-se cumprimento integral ao disposto nos arts. 40.°,47.°, 70.° e 71.° do Código Penal.
Nestes termos, deverá ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Este o entendimento que perfilhamos.
V. Exas. farão, como sempre, JUSTIÇA!”.

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 6. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto, no douto parecer que emitiu (fls. 295/298), pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

Notificado, nos termos e para os efeitos consignados no artº 417.º, n.º 2, do C. P. Penal, o arguido veio, a fls. 306/309, continuar a defender a procedência do recurso.

Foram colhidos os vistos legais.
Procedeu-se à conferência, com observância do formalismo legal, cumprindo, agora, apreciar e decidir.

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II. Fundamentação.

1. Delimitação dos poderes cognitivos do tribunal ad quem e objecto do recurso:
É hoje entendimento pacífico que as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
Por isso, temos, como

Questões a decidir:

Se deveriam ter sido dado como provados os factos que o foram e se, face aos mesmos se verifica ou não a existência do crime e se pena e a indemnização fixadas pelo tribunal recorrido, estarão ou não muito elevadas.  
 
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2. Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos (por transcrição):

II – Factos Provados

Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:

01. O arguido e M. conheceram-se em 1998 tendo, posteriormente, contraído casamento um com o outro.

02. Em … de 2003, o arguido e M. separaram-se, tendo sido instaurado processo de divórcio litigioso e acção de Regulação do Exercício do Poder Paternal relativo ao filho menor do casal, na qual era disputada, por ambos, a guarda do menor.

03. Com o propósito de expor factos da vida privada da ofendida M. e que esta pretendia manter em segredo, o arguido, em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre Outubro de 2003 e Abril de 2004, dirigiu-se a várias pessoas conhecidas da ofendida, contactando-as em cafés e outros locais públicos de …. transmitindo-lhes que a ofendida tinha sido mãe antes de contrair casamento com o arguido e que havia dado o filho para a adopção.

04. Para tanto, o arguido exibia às pessoas uma declaração emitida pelo Centro Hospitalar … atestando que a parturiante M. teve um bebé do sexo masculino no dia 22 de Setembro de …, no serviço de obstetrícia daquele hospital.

05. O arguido sabia que a revelação desse facto não era autorizado pela ofendida M. e que a sua divulgação se traduzia na revelação de um facto que sabia dizer respeito à vida privada da ofendida e que esta pretendia manter em segredo.

06. Não obstante, o arguido revelou tais factos a várias pessoas conhecidas da ofendida M., sem o consentimento desta.

07. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de expor factos da vida privada da ofendida M. e que esta pretendia manter em segredo, sabendo ser proibida a sua conduta.

08. Como resultado da conduta praticada pelo arguido a Demandante ficou envergonhada, publicamente ridicularizada, nervosa, humilhada e ultrajada perante todas as pessoas que tomaram conhecimento dos factos.

09. A Demandante é pessoa honesta, integra, séria e trabalhadora, conhecida no seio da comunidade onde reside.

10. Viu fruto da conduta do arguido o seu bom nome, enxovalhado e publicamente ridicularizado.

11. Em consequência de tais factos teve a Demandante necessidade de se deslocar por diversas vezes à Esquadra da PSP de … Delegação do Ministério Público do Tribunal Judicial da comarca de … e ao escritório do seu mandatário.

12. O arguido é empregado fabril, aufere um salário de € 430,00 por mês, encontra-se divorciado, paga € 150,00 de renda de casa e encontra-se a descontar € 25,00 por mês à Segurança Social para repor as quantias indevidamente recebidas.

13. O arguido não tem antecedentes criminais conhecidos.

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Não se provaram outros factos relevantes para a decisão da causa.

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III - Motivação

O Tribunal fundou a sua convicção, quanto aos factos dados como provados, com base no depoimento da queixosa M., a qual de forma séria e esclarecida, referiu que o arguido uma vez na posse de uma declaração do Hospital de …, na qual constava que a ofendida (muito tempo antes de ter sido casada com ele) teve uma criança, exibiu o mesmo à chefe do Hospital onde trabalhava, A., e a diversas pessoas que viviam em ….

Referiu que este era um segredo que pretendia continuar a manter, sendo tal facto, até àquela data, apenas do conhecimento da sua mãe e da pessoa a quem entregou a criança.

Aludiu que tal situação foi muito divulgada, tendo sido confrontada sobre a veracidade de tais factos pelo seu companheiro após lhe ter sido entregue pela mão do arguido uma cópia da declaração constante a fls. 11 dos autos. Sendo que por diversas vezes foi contactada telefonicamente por pessoas amigas que tinham sido abordadas pelo arguido a quem este lhes entregou cópia da declaração do hospital. Acrescenta que o arguido abordou e comentou o assunto com diversas pessoas, que contactava no hospital onde trabalhava e nos cafés.

Tal versão é corroborada pelo depoimento do companheiro que referiu ter sido abordado pelo arguido no Hospital de … onde exerce a sua actividade profissional de socorrista, o qual lhe entregou a declaração do “Centro Hospitalar …, S.A.” junta a fls. 11 dos autos, tomando então conhecimento de que a ofendida tinha dado à luz uma criança muito antes de ter sido casada com o arguido. Aludiu, ainda, que essa situação foi comentada por diversas pessoas, tendo inclusive os seus pais tido conhecimento daquela situação por outras pessoas fora do círculo familiar.

Acrescentou, ainda, que a queixosa ficou perturbada com a situação, tendo mesmo os seus pais, em virtude daquela situação, deixado de lhe falar. Confirmou, igualmente, que a queixosa efectuou deslocações ao tribunal no âmbito do presente processo.

Por sua vez, do depoimento da testemunha A. destaca-se que o arguido contou-lhe que a ofendida tinha tido um filho de outra pessoa antes de casar com ele, tendo na altura o aconselhado a não dar ouvidos a tudo o que lhe diziam. Posteriormente, foi novamente contactada pelo arguido que lhe exibiu um documento com o timbre do Hospital de …, onde constava que a queixosa tinha dado à luz uma criança do sexo masculino.

Disse, ainda, que embora não saiba precisar a data em que o arguido lhe contou aqueles factos, recorda-se que nessa altura o mesmo já não vivia junto com a queixosa e que estava nervoso por esta o ter trocado por outra pessoa.

Aludiu, também, que na altura a situação foi muito comentada pelas colegas de trabalho da ofendida e que tal notícia constituiu uma novidade para muita gente, inclusive para ela própria.

Também do depoimento da testemunha Maria … resulta que na altura em que o filho tinha encetado uma relação de namorado com a queixosa foi-lhe comunicado por terceiras pessoas, que ocasionalmente encontrou num local público que não sabe em concreto precisar situado em …. que a queixosa tinha tido um filho, ainda antes de estar casada com o arguido, o teria abandonado. Precisou, igualmente, que ficou aborrecida com o assunto, o qual nunca lhe havia sido comentado quer pela queixosa quer pelo seu filho.

De igual modo, as declarações do arguido vêm reforçar estes depoimentos, na medida em que alega ter-se deslocado ao Hospital de … para obter a referida declaração, tendo entregue o original à sua advogada para juntar ao processo de regulação do exercício do poder paternal do filho menor de ambos e ficado com uma cópia para si, sendo que uma dessas cópias foi entregue pelo arguido ao actual namorado da queixosa e exibida à chefe do serviço do Hospital de … onde a queixosa, à data, trabalhava.

Ademais tais factos foram comentados em …, chegando a mãe do namorado da queixosa a ter conhecimento desses factos por interposta pessoa, o que significa que o arguido terá com a sua conduta contribuído para divulgar a notícia que até aí era do conhecimento de um círculo muito restrito de pessoas.

Consideraram-se, igualmente, os documentos juntos aos autos, nomeadamente de fls. 11, 12 a 13, 14, 15 a 16, 17 a 24 e 125.

No que concerne à situação económica e familiar do arguido valoraram-se as respectivas declarações.

Quanto aos antecedentes criminais valorou-se o certificado de registo criminal junto a fls. 35 dos autos.

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Os factos não provados tiveram por base a falta de prova quanto aos mesmos.”

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3. APRECIANDO

3.1. Se deveriam ter sido dado como provados os factos que o foram e se, face aos mesmos a fixada pelo tribunal recorrido, pena estará ou não muito elevada.   

 
Veio o recorrente alegar, ainda que de forma tímida, nas suas motivações de recurso que se deveriam, eventualmente ter considerado provados outros factos que não apenas os que o tribunal a quo considerou.
Vejamos então.

Como se sabe, o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, mas ao exame de certos e determinados pontos que o recorrente considera incorrectamente julgados.

Portanto quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto o tribunal de recurso não tem que proceder a nova apreciação do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida provas, em suporte técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) – art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP.

A reapreciação da matéria de facto, se não impõe uma avaliação global, requerer sempre, nos limites traçados pelo objecto do recurso, a reponderação especificada, em juízo autónomo, da força e da compatibilidade probatória entre os factos impugnados e as provas que serviram de suporte à convicção.

A delimitação precisa dos pontos de facto controvertidos constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso em matéria de facto e para a consequente possibilidade de intervenção do tribunal de recurso.

Ora, percorrendo a motivação do recurso, quer na sua fundamentação (motivação no sentido estrito) quer nas conclusões, verificamos que o recorrente mais que uma intervenção direccionada na apreciação da matéria de facto pretende deste tribunal um novo julgamento.

Efectivamente alude ao conjunto de factos provados, refutando a sua veracidade e remete para os depoimentos por si escolhidos sem satisfazer minimamente os critérios formais de impugnação da prova.

Ora, no que concerne a tal impugnação, atendendo ao preceituado no artigo 412º, n.ºs 3 e 4 do CPP, a mesma pressupõe a indicação dos pontos de facto incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida.

E, quando a prova oralmente produzida em audiência tenha sido gravada, como foi o caso, as especificações fazem‑se por referência aos suportes técnicos. Na prática, significa o exposto que a recorrente deveria indicar os segmentos da decisão sobre a matéria de facto que pretende impugnar e, ao mesmo tempo, indicar em relação a cada um daqueles segmentos quais as provas que suportam a sua discordância em relação à sentença.

Isto é, o recorrente tem o direito de obter do tribunal de recurso um exame crítico da matéria probatória face às provas que, na sua opinião, impunham decisão diversa.

O recurso em matéria de facto (quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto) não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os pontos de facto, que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham decisão diversa da recorrida (provas, em suporte técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) – art. 412.º, n.º 3, al. b), do Código Processo Penal. A reapreciação da matéria de facto, se não impõe uma avaliação global, também se não poderá bastar com meras declarações gerais quanto à razoabilidade do decidido no acórdão recorrido, requerendo sempre, nos limites traçados pelo objecto do recurso, a reponderação especificada, em juízo autónomo, da força e da compatibilidade probatória entre os factos impugnados e as provas que serviram de suporte à convicção.

A delimitação precisa dos pontos de facto controvertidos constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso em matéria de facto e para a consequente possibilidade de intervenção do tribunal de recurso.

Portanto é nossa tarefa tomar em consideração os ponto de discórdia da recorrente e reapreciar os depoimentos invocados para daí concluir se houve ou não um mau juízo de valoração, sem embargo de nos socorrermos dos demais elementos de prova disponíveis.

Ora, no caso concreto a recorrente não cumpre minimamente tal ónus, tendo-se limitado a indicar a cassete onde se encontrava gravado o depoimentos das testemunhas, apresentando, em seguida, a sua apreciação sobre a prova produzida.
Não satisfazendo minimamente, o recorrente, o ónus de especificação a que se refere o nº 3 do artº 412° do C.P.P., o recurso terá de ser rejeitado, por manifestamente improcedente, quanto à matéria de facto, nos termos do art. 417º nº 3 al. c), 419º nº 4 al. a) e 420° nº 1 do C.P.P.
Neste sentido, aliás, já se pronunciaram, entre outros o Ac. T R Porto de 06/03/02 in www.dgsi.pt, onde se refere:
"Não tendo o recorrente cumprido o ónus de especificar os excertos da prova gravada, que em seu entender, impõe decisão diversa, por referência aos suportes técnicos, nem procedeu à respectiva transcrição, limitando-se nas conclusões da Sua motivação a tecer considerações sobre a forma como o tribunal apreciou os depoimentos de determinadas testemunhas, sem concretizar as eventuais incorrecções e os excertos e prova potenciadores de decisão diversa da recorrida, o recurso da matéria de facto apenas poderá incidir sobre o conhecimento dos vícios a que alude o artº 410º nº 2 do C.P.P. Impõe-se a imediata rejeição do recurso em matéria de facto se o recorrente não observar o preceituado no artº 412º n° 3 do C.P.P., não havendo lugar ao prévio convite para suprir tal deficiência ".
Assim sendo, consideramos a matéria de facto definitivamente fixada e apenas nos iremos debruçar sobre a outra questão suscitada pelo recorrente e que é a da medida da pena.

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3.2. Da existência ou não do crime de devassa da vida privada.

O arguido vinha acusado e por tal foi condenado, da prática, como autor material, de um crime de devassa da vida privada, previsto e punido no artigo 192.º, n.º 1, al. d), do Código Penal.
Veio, agora, o recorrente, na sua conclusão nº 6, alegando o disposto no n° 2 do Art° 192 do Código Penal, dizer que o crime não é punível, porque foi praticado apenas e somente com a exibição à própria assistente e ao seu companheiro, e com o fim de obter judicialmente, a guarda e cuidados do menor filho do então, ainda casal. Ou seja alega o recorrente que em momento algum pretendeu denegrir a imagem da assistente, mas sim apenas obter a guarda do seu filho menor.

Porém dos factos considerados provados, os quais não podem mais alterar-se consta que: “03. Com o propósito de expor factos da vida privada da ofendida M. e que esta pretendia manter em segredo, o arguido, em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre Outubro de 2003 e Abril de 2004, dirigiu-se a várias pessoas conhecidas da ofendida, contactando-as em cafés e outros locais públicos de … transmitindo-lhes que a ofendida tinha sido mãe antes de contrair casamento com o arguido e que havia dado o filho para a adopção.

04. Para tanto, o arguido exibia às pessoas uma declaração emitida pelo Centro Hospitalar do …, atestando que a parturiente M. teve um bebé do sexo masculino no dia 22 de Setembro de …, no serviço de obstetrícia daquele hospital.

05. O arguido sabia que a revelação desse facto não era autorizado pela ofendida M. e que a sua divulgação se traduzia na revelação de um facto que sabia dizer respeito à vida privada da ofendida e que esta pretendia manter em segredo.

06. Não obstante, o arguido revelou tais factos a várias pessoas conhecidas da ofendida M., sem o consentimento desta.

07. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de expor factos da vida privada da ofendida M. e que esta pretendia manter em segredo, sabendo ser proibida a sua conduta.”

Isto é resultou indiscutivelmente provado que o arguido, quis expor a vida privada da ofendia, que esta pretendia manter em segredo, pois que o arguido além de ter mostrado o documento emitido pelo Centro Hospitalar…., referia ainda que a ofendida tinha sido mãe antes de contrair casamento com o arguido, facto esse que bem sabia que a ofendida não desejava ver conhecido. Além disso o arguido publicitou tal junto de diversas pessoas e já após a sua separação da ofendida e sabia que a revelação desse facto não era autorizado pela ofendida M. e que a sua divulgação se traduzia na revelação de um facto que sabia dizer respeito à vida privada da ofendida e que esta pretendia manter em segredo.

 Dispõe o referido artigo 192.º, n.º 1, al. d), do Código Penal que “quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual: (…) d) Divulgar factos relativos à vida privada ou a doença grave de outra pessoa; é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias”.

Neste tipo legal de crime, tutela-se a privacidade e a intimidade da reserva da vida privada, em homenagem à denominada teoria dos três graus, que distingue as três esferas da vida, nomeadamente a pública, a privada e a íntima, o qual tem apoio constitucional no art. 26.º, n.º 2, da Constituição da Republica Portuguesa.

 A privacidade/intimidade é, por conseguinte, um bem jurídico pessoal, que se funda na liberdade de decidir quem e em que termos pode tomar conhecimento ou ter acesso a espaços, eventos ou vivências pertinentes à respectiva área de reserva (cfr. Costa Andrade, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 728).

E tal privacidade será violada, com comportamentos como o dos autos.

Na verdade o elemento objectivo do tipo, que é precisamente condicionado no seu conteúdo e alcance por esta privacidade – intimidade, mostra-se totalmente preenchido.

Por outro lado no que toca ao elemento subjectivo do tipo faz-se depender a punibilidade da intenção de "devassar a vida privada das pessoas, designadamente a vida familiar ou sexual". Trata-se, pois, de um dolo específico, o qual se verifica, quando o arguido “Com o propósito de expor factos da vida privada da ofendida M. e que esta pretendia manter em segredo”, se dirigiu a outras pessoas dizendo que a ofendida tinha tido uma criança antes do casamento, (com a intenção por parte do agente em devassar a vida privada da ofendida).

Nem se diga, como pretende aflorar o recorrente que o seu comportamento se terá ficado a dever a uma situação de ciúmes, por se ver abandonado pela ofendida, pois que essa situação nunca poderá ser causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.

Face a tal não poderemos dizer que o crime não ocorreu, pois que o mesmo foi praticado pelo arguido e foi-o com dolo directo.

Improcede, pois, nesta parte o recurso.


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3.3. Da medida da pena.
O recorrente, veio, nas suas conclusões nºs 1 a 5, que a pena aplicada ao arguido foi excessiva, não se tendo respeitado o disposto nos artºs 40, 47, 71 e 72 do Código Penal.
Vejamos então.
Como é consabido a escolha e determinação da pena não é do conhecimento oficioso, pelo que compete ao recorrente indicar as razões pelas quais entende que a pena deve ser reduzida.
Ora das motivações e das conclusões do recorrente, com facilidade se conclui que, afinal, nada de concreto, diz.
Não alega qual deveria ter sido a interpretação/valoração dos factos e da norma pertinente, que tem por violada (que não invoca, sequer), a este propósito, nem conclui, sequer, pela afirmação de qual a pena principal, que em sua opinião, deveria ser aplicada, (no que se refere à pena principal) o que impede que o Tribunal, desde logo aprecie esta sua pretensão, designadamente, que é o que releva, no confronto crítico com a decisão recorrida.
Não fez o recorrente qualquer esforço, para o demonstrar, para além da alegação, “do carácter excessivo”, da pena, o que não é o bastante, para demonstrar que foram violados os critérios de determinação da medida das penas, quer da principal, quer da acessória.
Quem recorre não se pode limitar a proclamar, muito menos, a sugerir ou aventar hipóteses de violações normativas, erros de julgamento, vícios da decisão; tem obrigatoriamente, até pelo princípio da lealdade, probidade e honestidade, a que está vinculado, de fazer a crítica das soluções para que propendeu a decisão de que recorre, aduzindo os motivos do seu inconformismo, a base jurídica em que se apoia e o caminho que deveria ter sido percorrido ou que haverá a percorrer.
Não basta alvitrar o carácter excessivo da condenação, sem sequer o aconchego da invocação de uma qualquer norma jurídica violada; necessário era afirmar e tentar demonstrar, a razão, o sentido, o fundamento de tal afirmação, por um lado e, por outro, as razões concretas do desacerto da decisão recorrida.
Em matéria de escolha da espécie e medida da pena, há que ponderar, nos termos do artigo 70º C Penal, que se ao crime foram, aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Foi isso o que o tribunal a quo fez e o recorrente a isso se não opõe, recorrendo apenas no que se refere ao quantum da pena.
Vejamos. 
Como se sabe, a todo o crime corresponde uma reacção penal, pela qual a comunidade expressa o seu juízo de desvalor sobre os factos e a conduta realizada pelo arguido, partindo-se para o efeito do respectivo tipo legal.

No caso dos autos, face a toda a factual idade dada como provada, o arguido foi considerado autor material, de um crime devassa da vida privada, previsto e punido no artigo 192.º, n.º 1, al. d), do Código Penal, tendo-lhe sido aplicada a pena de 170 (cento e setenta) dias de multa, á taxa diária de 5,00 €uros.
Ora, tendo em conta os critérios da sua determinação, a pena deve ser aferida em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento, quer resultem a favor ou contra o agente.
Assim e retomando os critérios para a determinação concreta da pena, temos, duas regras centrais: a primeira consiste em ter presente que a culpa é o fundamento para a concretização da pena; a segunda, é de que deverá ter-se em conta os efeitos da pena na vida futura do arguido na sociedade e a necessidade desta se defender do mesmo, mantendo a confiança da comunidade na tutela da correspondente norma jurídica que foi violada.
Perante isto, podemos dizer que nesta acção a pena serve primacialmente, por um lado, para a retribuição justa do ilícito e da culpa (função retributiva), contribuindo ainda, por outro lado e ao mesmo nível, para a reinserção social do arguido, procurando não prejudicar a sua situação social mais do que estritamente necessário (função preventiva especial positiva) – como aludia Kohlrausch “Na determinação da pena o tribunal deve considerar principalmente que meios são necessários para que o réu leve de novo uma vida ordenada e conforme a lei” (vide “Mitt IKV Neue Folge”, t. 3, p. 7, citado por H.-H. Jescheck, in “Tratado de Derecho Penal”, Vol. II, p. 1195).
Ou ainda, como refere Figueiredo Dias (Consequências Jurídicas do Crime, pág. 227 e seg) a propósito da questão da medida da pena, a finalidade da aplicação desta reside primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível na reinserção do agente na comunidade. A determinação da medida da pena é, assim, a conjugação da expectativa da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida que se consubstancia com a ideia de prevenção geral positiva e as exigências derivadas da inserção social e reintegração do agente na comunidade.
Tal conjugação terá como parâmetro a culpa que constitui um limite máximo que não pode ser ultrapassado.
Para a determinação da medida concreta da pena há que fazer apelo aos critérios definidos pelos artigos 71º, 40º e 47º, n.º 1 do Código Penal, nos termos dos quais, tal medida será encontrada dentro da moldura penal abstractamente aplicável, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente.
Atendendo à materialidade considerada provada, são os seguintes os factores que relevam para a medida da pena:
- Execução do facto
O arguido actuou com consciência da ilicitude do seu acto e plena liberdade de decisão e com intenção de devassar a vida privada da ofendida, tendo divulgado junto de diversas pessoas o facto de a ofendida ter tido um filho antes do casamento, facto esse que o arguido sabia que a ofendida pretendia não divulgar e fez isso com o intuito de devassar a vida privada daquela.
Sabia que tais comportamentos eram ilícitos.
Assim, contra o recorrente milita o grau de ilicitude da conduta do mesmo e o modo gravoso de execução dos factos, na preparação e execução dos mesmos, bem evidenciado no factualismo provado, bem como o tipo de personalidade manifestado nos factos e a culpa manifestada na execução dos mesmos, sendo o seu dolo directo (modalidade mais gravosa do dolo).
A seu favor, apenas as suas condições pessoais e inserção social e a ausência de antecedentes criminais.
 Ora, compulsando a materialidade considerada provada e tendo em conta os factores enunciados e o disposto no citado artigo 71º, entendemos ser de manter a medida da pena. É que, face ao elevado grau de ilicitude da conduta do arguido, à intensidade do dolo, às concretas exigências de prevenção geral e a personalidade revelada pelo arguido, fica inviabilizada por si só a possibilidade de acolhimento da pretensão por ele formulada.
Assim, perante estas concretas circunstâncias e face à moldura penal do tipo legal de crime acima mencionada, entendemos, que se mostra adequada para o arguido a pena de 170 (cento e setenta) dias de multa pela prática do crime de injúrias agravadas (na forma consumada).
Ou seja, atentos os critérios contidos nos artigos 40º, 70º e 71º C Penal, como suficientemente claro, se deixou exarado na decisão recorrida – ser, assim, óbvia a constatação que bem se decidiu, não merecendo qualquer censura, mostrando-se ajustadas, quer a espécie, quer a medida concreta da pena. 
  Consequentemente, não foi violada qualquer das disposições legais referidas, mormente artºs 40º, 47º, 71º e 72°, do C.Penal, nem o art.º 18 da CRP, pelo que, também nesta parte o recurso improcederá.
                                              
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3.4. Do montante da indemnização civil.

O recorrente, veio, nas suas conclusões nº 7 e 8, alegar que tribunal "a quo" violou igualmente o disposto nos Art°s 483, 496 e Artºs 563, todos do C. Civil ao condenar o aqui arguido no P.I.C., no valor de 1000€, quantia essa que entende excessiva.
Vejamos então.
Nos termos do art. 71.º do Código de Processo Penal e em conformidade com o princípio da adesão que aí se consagra, o pedido de indemnização civil, fundado na prática de um crime, deve ser deduzido no âmbito do processo penal em que se aprecia a responsabilidade criminal emergente da infracção cometida.
A razão de ser do sistema consagrado prende-se, como salienta Figueiredo Dias, com “necessidades de protecção do lesado e de auxílio à função repressiva do direito penal”. (in Direito Processual Penal, pág. 543).
O tribunal a quo, julgou procedente o pedido de indemnização civil, tendo condenado o demandado a pagar à demandante, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de 1000 € (mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Relativamente à eventual violação do artº 563º do Cód Civil, não se vislumbra onde tal poderia ter ocorrido, uma vez que o nexo de causalidade entre os factos praticados pelo arguido e os danos sofridos pela ofendida, são manifestos.
Vejamos porém, no que se refere ao quantum indemnizatório, tendo-se presente o disposto nos artºs 377 do CPP e 496, nº3 do Cód Civil e em atenção ás lesões sofridas pela demandante/ofendida.

Conforme dispõe o art. 483, n.º 1, do Cód. Civil, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

Nos termos do art. 70.º, n.º 1, do Cód. Civil, a lei protege todos os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.

Nos termos do art. 496.º, n.º 1, do Cód. Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

“A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada); por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado” - Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 2.ª Edição, pág. 486 e 489.

Não há fórmulas concretas ou tabelas para de uma forma matemática se determinar o “quantum” indemnizatório. Aliás a própria natureza dos danos não se quaduna com tais critérios, o que se conclui de uma simples leitura dos art. 496, n.º 3 e 494.º, do Cód. Civil.

No primeiro preceito acabado de citar, consagra-se que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias relevantes do caso concreto.

O facto de se tratar de um julgamento de equidade não impede juiz deva referir, com motivação adequada, o processo lógico através do qual chegou à liquidação equitativa do dano.

O montante da indemnização a atribuir deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.

O recorrente entende ser exagerado o montante indemnizatório fixado em primeira instância.

Vejamos.

Como foi referido no acórdão do Supremo Tribunal de 17/04/1997, proferido no Proc. n.º 59/96, da 2.ª Secção, “na fixação do montante dessa indemnização deve o Tribunal orientar-se por um critério de equidade, que não pode fazer corresponder a indemnização a um enriquecimento despropositado do lesado, nem a uma simples esmola, a um valor meramente simbólico”.( cfr. o Ac. do mesmo Tribunal de 16/12/93, publicado na Col. Jur., STJ, III, pág. 182.)

Nesta perspectiva, conforme se sabe, tem existido uma acentuada tendência para a elevação das indemnizações a arbitrar em casos como o dos autos, de maneira a ultrapassar uma certa timidez que se instalou na prática dos nossos Tribunais e a acompanhar a evolução positiva dos padrões económicos da nossa sociedade, geradora de maiores hábitos de consumo por parte das famílias, pretendendo-se que o lesado atinja prazeres e bem estar que de algum modo lhes façam esquecer ou mitigar o sofrimento causado pela lesão.

Assim, o montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.

Postas estas considerações, vejamos, então, o caso concreto.

Como já ficou referido, temos que a assistente, como resulta da matéria de facto provada, ficou envergonhada, publicamente ridicularizada, nervosa, humilhada e ultrajada perante todas as pessoas que tomaram conhecimento dos factos. A mesma é pessoa honesta, integra, séria e trabalhadora, conhecida no seio da comunidade onde reside, pelo que em consequência do comportamento do arguido, viu o seu bom-nome, enxovalhado e publicamente ridicularizado, pelo que sofrei danos não patrimoniais.

  As condutas do arguido foram conhecidas de várias pessoas.

O arguido sabia que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei.

O arguido é empregado fabril, aufere um salário de € 430,00 por mês, encontra-se divorciado, paga € 150,00 de renda de casa e encontra-se a descontar € 25,00 por mês à Segurança Social para repor as quantias indevidamente recebidas.

Ponderadas estas circunstâncias, à luz de juízos de equidade, entendemos que se mostra bem fixada, a título de danos não patrimoniais as quantias de €uros 1.000,00 (mil Euros) quantia essa que se mantém.

 Assim, também nesta parte o recurso será improcedente, mantendo-se, na íntegra, a sentença recorrida.

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III – Decisão.

Posto o que precede, acordam os Juízes que compõem esta 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso do arguido, mantendo-se, na íntegra, decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se em 6 UCs a taxa de justiça.

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 (Processado e revisto, pelo relator, o primeiro signatário

  Consigna-se que o verso de todas as folhas vai em branco)


Coimbra,

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Calvário Antunes

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Mouraz Lopes