Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
438/11.8TBTND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS
PRIVAÇÃO DO USO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 09/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TONDELA 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.494, 496, 562, 566, 1305 CC
Sumário: 1. Na reparação do dano consistente na privação do uso do veículo por parte do lesado, em consequência de um sinistro rodoviário, podem equacionar-se duas distintas situações:
- uma delas em que se apura a concreta existência de despesas feitas pelo lesado em consequência dessa privação, como será por exemplo o caso mais comum em que o lesado se socorre do aluguer de veículo de substituição, contratando esse aluguer junto de empresas do ramo;

- uma outra situação em que não se apuram gastos alguns mas apenas que o lesado utilizava o veículo nas suas deslocações habituais (para fins profissionais ou de lazer) e que não lhe foi facultada pelo lesante viatura de substituição, tendo o mesmo ficado, por isso, impedido de fazer essas deslocações ou tendo o mesmo continuado a fazê-las socorrendo-se para o efeito de veículos de terceiros familiares e amigos que, a título de favor, lhe cederam por empréstimo tais veículos.

2. Na primeira das apontadas situações, o lesado tem direito à reparação integral dos gastos/custos que teve por via da dita privação.

3. Já na segunda, a medida da indemnização terá que ser encontrada com recurso à equidade, pois que deve concluir-se pela existência de um dano que se traduziu na impossibilidade do lesado o utilizar nas suas deslocações diárias, profissionais e de lazer, havendo que encontrar em termos quantitativos um valor que se mostre adequado a indemnizar o lesado pela paralisação diária de um veículo que satisfaz as suas necessidades básicas diárias.

4. A apreciação dos danos de natureza não patrimonial tendo de assentar na respectiva gravidade, deve medir-se por um padrão objectivo ( conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias concretas ) e, para serem merecedores da tutela do direito, devem ser de tal modo graves que justifiquem a concessão da indemnização pecuniária ao lesado.

Decisão Texto Integral: Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra

          I- RELATÓRIO
         A- Os AA., P (…) e B (…), intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra Construções “C (…) Lda.”, pedindo a condenação desta a pagar-lhes:
         a) A quantia de 6.729,77€ (seis mil setecentos e vinte e nove euros e setenta e sete cêntimos), relativa às despesas de reparação do veículo;
         b) A quantia de 7.481,29€ (sete mil quatrocentos e oitenta e um euros e vinte e nove cêntimos), relativa ao período de tempo que esteve sem veículo automóvel;
         c) A quantia de 3.362,00€ (três mil trezentos e sessenta e dois euros), a  título de taxa de justiça paga e demais encargos com o processo;
         d) A quantia de 20.000,00€ (vinte mil euros), a título de danos não  patrimoniais sofridos.
         Para tanto alegaram, em síntese, que no dia 11 de Junho de 2009, pelas 12:00 horas, na EN 230, sentido S. João do Monte, Águeda, ocorreu um acidente de viação, em que foi interveniente o veículo do autor P (...), de matrícula (...) ZA, na altura tripulado pela autora B (…), o qual seguia no sentido de marcha S. João do Monte/Águeda; quando ao descrever uma curva para a direita no sentido S. João do Monte - Águeda, e devido à existência de uma grande quantidade de areia no pavimento, numa distância de 200m, proveniente de  uma pedreira que ali se encontra, propriedade da Ré, o veículo entrou em  despiste acabando por ir embater num muro de vedação, despiste esse que se ficou a dever  à referida grande quantidade de areia que se encontrava no asfalto sem que existisse no local no qualquer tipo de sinalização a alertar para a existência dessa areia no pavimento, para a existência da dita pedreira, ou, ainda,  para a entrada e saída de viaturas da mesma, acidente esse que ficou a dever-se unicamente a culpa da R. que, ao não proceder à limpeza da areia existente na estrada, violou, grosseira e culposamente, as mais elementares normas estradais e rodoviárias; em consequência do acidente resultaram danos materiais no veículo do autor, quer na parte frontal da viatura, quer na parte traseira da viatura, a qual foi sujeita várias a reparações que importaram na quantia de 6.729,77€; até estar reparado o referido veículo esteve paralisado durante 12 meses, sendo que o mesmo era utilizado pela Beatrice Marion, para se deslocar para o trabalho e para levar as filhas do Autor e da condutora à escola, pelo que, em consequência  da privação do mesmo, tiveram que pedir um carro emprestado a um amigo, até aquele estar reparado, sendo que, se tivesse que recorrer a uma rent a car pelo período de paralisação do veículo o A. teria que pagar a quantia de 7.481,29€ (sete mil quatrocentos e noventa e um euro e vinte e nove cêntimos; para tratar de assuntos relacionados com o processo, tiveram de se deslocar 3 vezes ao escritório do seu mandatário em Tondela tendo para tanto suportado custos que se avaliam em 250,00€; para instaurarem o competente processo judicial tiveram que pagar taxa de justiça no valor de 612,00€, sendo que as despesas que ainda terão com este processo estimam-se em valor nunca inferior a 2.500,00€; aquando do acidente a Autora/condutora seguia com as filhas de ambos os AA. na viatura, uma com 9 anos e outra com 2 anos, tendo a autora e as suas filhas ficado em estado de choque, tendo sido transportadas ao Hospital Cândido de Figueiredo em Tondela, por questões de precaução e para avaliar o real estado de saúde das mesmas e, não obstante não terem lesões físicas, a verdade é que ficaram traumatizadas com o sucedido e ainda hoje têm pesadelos do acidente, tendo ainda a autora entrado em estado depressivo muito grave e por isso recorrido a ajuda médica; a R. foi interpelada pelo mandatário dos autores para proceder ao pagamento dos prejuízos decorrentes do acidente em causa e nada disse, nem diligenciou no sentido de resolver amigavelmente o sinistro.

         B- Citada regularmente, contestou a Ré invocando a sua ilegitimidade, fundamentando tal excepção no facto de como proprietária de uma pedreira onde se extrai pedra e não areia, não ter tido conhecimento de qualquer acidente, nem tendo sido sancionada por qualquer autoridade; por impugnação, defendeu-se aduzindo que, a ser verdade que existia no local do acidente areia, o que não concede, sempre a autora mulher deveria ter o cuidado necessário para apenas imprimir ao veículo a velocidade que permita a qualquer momento desviar-se de um obstáculo, de outra viatura parada na via, de piores condições do piso, como a existência de areia, água, óleo, etc, pelo que o acidente sempre se ficou a dever única e exclusivamente a culpa da Autora mulher, que circulava com excesso de velocidade para as condições do piso no local, não sendo, por conseguinte, ela (Ré) responsável pela ocorrência do acidente e pelo prejuízos dele resultantes; caso assim se não entenda, alega que sempre os danos e prejuízos alegados pelos Autores se mostram completamente infundados, injustificados e ilegais.
         Conclui pedindo que seja considerada parte ilegítima e, em consequência, absolvida da instância, ou, caso assim se não entenda, seja a acção julgada improcedente por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido.

         C- Na réplica que apresentaram os autores pugnaram, em síntese, pela improcedência das excepções invocadas pela Ré.
        
         D- Foi elaborado o despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a  excepção dilatória de ilegitimidade da Ré, e foram fixados os factos assentes e a base instrutória, que não sofreram qualquer reclamação.

         E- Procedeu-se ao julgamento que decorreu com observância do legal formalismo, não tendo a decisão sobre a matéria de facto sofrido reclamações.

         F- Proferida sentença veio nela a decidir-se a parcial procedência da mesma, e, em consequência, a condenar a Ré Construções “C (…), Lda.”:
         I- A pagar ao Autor P (…) as seguintes importâncias:
         a) a quantia de € 6.729,77 (seis mil, setecentos e vinte e nove euros e setenta e sete cêntimos), alusiva às despesas de reparação do veículo;
         b) a quantia de € 7.481,29 (sete mil quatrocentos e oitenta e um euros e vinte e nove cêntimos), a título de indemnização pela privação de uso do veículo;
         c) a quantia de € 712,00 (setecentos e doze euros), a título de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
         II - a pagar à Autora B (…) a quantia de € 10.000 (dez mil euros), a título de ressarcimento por danos não patrimoniais sofridos.
         III - Absolver a Ré do demais peticionado.

         G- Inconformada com o assim decidido, veio a R. interpor recurso de tal sentença, cujas alegações rematou com as seguintes conclusões:
(…).

        
         H- Contra-alegaram os AA. pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do decidido na sentença.

- Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso ( Arts. 684º, nº 3, 685º-A e 660º, nº 2, do CPC ),    são as seguintes as questões a decidir:
         I- saber se foi incorrectamente julgada a matéria de facto.
         II- saber se, com a alteração da matéria de facto no sentido pretendido pela recorrente, deverá a acção improceder na totalidade;
         Se assim não for,
         III- saber se é devida indemnização pela privação do uso do veículo e, na afirmativa, se essa indemnização deve fixar-se em € 10,00 € diários;
         IV- saber é devida indemnização à A. mulher por danos de natureza não patrimonial e, na afirmativa, se essa indemnização deverá ser fixada em € 500,00.
        
III – FUNDAMENTAÇÃO
A) De Facto
         Na 1ª instância veio a ser considerada provada a factualidade constante da sentença recorrida parte da qual veio a ser posta em causa pela recorrente, impondo-se, pois, antes de mais, apreciar o erro de julgamento que a respeito de parte dela vem invocado no presente recurso.  
Por via do presente recurso a apelante impugna a decisão da matéria de facto, insurgindo-se a esse respeito contra o facto de a 1.ª instância ter considerado provada a matéria vertida nos quesitos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22, por entender que tal matéria, ao contrário do decidido, deveria ter sido considerada não provada em face dos elementos de índole testemunhal e documental que foram carreados para os autos, a cuja indicação procede e em relação aos quais faz a respectiva análise crítica. 
         No que tange à impugnação da decisão de facto proferida em 1.ª instância rege o Art. 712.º do C.P.C.
         Segundo F. Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 127, resulta de tal preceito que «...o direito português segue o modelo de revisão ou reponderação...», ainda que não em toda a sua pureza, pois, segundo o mesmo autor comporta as excepções que refere em tal obra.
         Já sobre os recursos de reponderação, ensina o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in Estudo Sobre o Novo Processo Civil, pág. 374, que os mesmos «...satisfazem-se com o controlo da decisão impugnada e em averiguar se, dentro dos condicionalismos da instância recorrida, essa decisão foi adequada, pelo que esses recursos controlam apenas - pode dizer-se - a “justiça relativa” dessa decisão».
         Tendo ocorrido no caso em análise a gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, nos termos do disposto no citado Art.º 712.º n.º 1 al. a) e n.º 2 do C.P.C, pode este tribunal da Relação alterar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto, desde que, em função dos elementos constantes dos autos ( incluindo, obviamente, a gravação ), seja razoável concluir que aquela enferma de erro.
         Do preâmbulo do Dec. Lei 329/95, de 15.12, que instituiu no nosso processo civil a possibilidade de documentação da prova, decorre que esta se destina à correcção de erros grosseiros ou manifestos verificados na decisão da matéria de facto, quanto aos pontos concretos da mesma, ou seja, “a criação de um verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais – e seguramente excepcionais – erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto”.
         Desse mesmo preâmbulo consta também que “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede da matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
         Do que se mostra expendido, é, pois, manifesto que actualmente se mostra legalmente consagrada a possibilidade deste tribunal de recurso alterar a decisão de facto proferida em 1ª instância, devendo para tal reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo ainda em consideração o teor das alegações das partes, para o que terá de ouvir os depoimentos chamados à colação pelas recorrentes. E assim, (re) ponderando livremente essas provas, podendo, ainda, por força do disposto no Art. 712º nº 2 do C.P.C., “oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”, formará a sua própria convicção relativamente a cada um dos factos em causa (não desconsiderando, principalmente, a ausência de imediação na produção dessa prova, e a consequente e natural limitação à formação desta convicção, o que em confronto com o decidido em 1ª instância terá como consequência a alteração ou a manutenção dessa decisão. E isso, por se ter concluído que a decisão de facto em causa, (re) apreciada “ segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica ” – vide, neste sentido, Ac. STJ de Proc. n.º 3811/05, da 1.ª secção, citado no Ac. do mesmo tribunal de 28.05.2009, in www.dgsi.pt., corresponde, ou não, ao decidido em 1.ª instância.
         Com efeito, não poderá olvidar-se que na reponderação da decisão da matéria de facto, apesar da gravação da audiência de julgamento, esta continua a ser enformada pelo regime da oralidade (ainda que de forma mitigada face à gravação) a que se mostram adstritos, entre outros, o princípios da concentração e da imediação, o que impede que o tribunal de recurso apreenda e possa dispor de todo o circunstancialismo que envolveu a produção e captação da prova, designadamente a testemunhal, quase sempre decisivo para a formação da convicção do juiz; pois que, como referem A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, pág. 657, a propósito do “Princípio da Imediação”, «...Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar. ...».
         Sem esquecer, ainda, que quanto ao resultado da apreciação da prova testemunhal, de acordo com o disposto no Art. 655º nº 1 do C.P.C., “O tribunal colectivo (ou o juiz singular) aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, mantendo o princípio da liberdade de julgamento. E, quanto à força probatória os depoimentos das testemunhas são apreciados livremente pelo tribunal, como resulta do disposto no Art. 396º do C.C.
         Cumpre, ainda, referir que constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, os previstos no Artº 685º-B, nºs 1 e 2 do C.P.C., de onde decorre que ao apelante não basta atacar a convicção que o julgador formou sobre cada uma ou a globalidade das provas para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, sendo ainda indispensável, e “sob pena de rejeição”, que cumpra os ónus de especificação aí impostos, isto é:
         a) – Tem de especificar quais os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
         b) – Tem de indicar quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa da recorrida sobre cada um dos concretos pontos impugnados da matéria de facto, tratando-se de prova gravada, deverá identificar precisa e separadamente, com referência ao que consta da acta, os depoimentos em que se funda, indicando ainda com exactidão as passagens dessa gravação em que se funda;
         c) – E deve desenvolver a análise crítica dessas provas, por forma a demonstrar que a decisão proferida sobre cada um desses concretos pontos de facto não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável.
         Vide a este propósito os Acs. do STJ de 10.05.2007 e de 30.10.2007, todos in www.dgsi.pt.
No caso em vertente, somos de entender que a apelante deu cumprimento aos referidos ónus.
A factualidade cuja decisão se mostra impugnada através do presente recurso prende-se com a vertida nos quesitos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22 da base instrutória, cujo conteúdo passaremos a indicar, bem assim como a resposta que a ela foi dada pelo tribunal recorrido.
(…)
Assim, alterada a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto nos termos que se deixam expostos,  nos termos do disposto nos artº 712 nº 1 e nº 2 e 713 nº 2 do C.P.C, são os seguintes os factos provados:
         1. A ré, Construções C (…), L.da, é uma sociedade comercial por quotas, com o NIPC (...), com sede na (...), tendo por objecto pavimentações, construção de obras públicas e particulares, compra e venda de materiais de construção, compra e venda de imóveis, construção de imóveis para revenda e compra e venda de produtos agrícolas –  conforme resulta do teor do documento de fls. 34 a 36 dos autos cujo teor aqui  se dá por integralmente reproduzido.
         2. Em 25/06/2009, foi pela Mecanauto de J (…),  emitido o orçamento cuja cópia consta de fls. 30 a 33 dos autos, cujo teor aqui  se dá por integralmente reproduzido.
         3. Em 3 de Maio de 2010, foi pelo Ilustre Mandatário dos autores  enviada carta registada à ré, nos termos constantes da cópia de fls. 61/62 cujo  teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
         4. Em 3 de Janeiro de 2011, a tabela de preços da ré, era a constante da cópia junta aos autos a fls. 63 cujo teor aqui se dá por integralmente  reproduzido.
         5. Os autores auto-liquidaram a titulo de taxa de justiça a quantia de € 612,00, conforme documento de fls. 22 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
         6. No dia 11 de Junho de 2009, cerca das 12 horas circulava na EN 230, ao Km 44,300, no sentido S. João do Monte – Águeda, o veiculo ligeiro de passageiros de matrícula (...)ZA, de marca Audi, modelo A4, propriedade do autor, e tripulado pela autora B (…).
         7. Quando, ao descrever uma curva para a esquerda, no sentido São  João do Monte – Águeda, o veículo entrou em despiste, descrevendo uma trajectória diagonal, tendo ido embater com a frente do veículo no muro de  vedação da pedreira, propriedade da ré, que se situa do lado oposto da via,  atento o sentido de marcha em que seguia o veículo 67- 51-ZA.
         8. Ao embater no muro de vedação o veiculo (...)ZA, descreveu um peão, embatendo também com a parte traseira do veículo no referido muro.
         9. O veículo entrou em despiste depois das respectivas rodas entrarem em contacto com os resíduos existentes no pavimento, provenientes da pedreira que ali se encontra, propriedade da ré.
         10. No local aludido nos pontos 6 e 7, à data do acidente, não existia qualquer tipo de sinalização a alertar para a existência de areia no pavimento ou para a existência de uma pedreira ou para a entrada e saída de viaturas da mesma.
         11. Nas circunstâncias aludidas no ponto 6, estava bom tempo e o piso encontrava-se cheio de resíduos, como seja areia, areão, pó ou partículas de pedra, gravilha e rachão, numa distância de 200 metros.
         12. A quantidade de areia aludida no ponto 11 era de tal ordem, e o perigo para a circulação de veículos também que os agentes da GNR que tomaram conta da ocorrência, solicitaram a vinda ao local dos Bombeiros Voluntários do Vale de Besteiros, secção de S. João do Monte, para procederem à limpeza da via.
         13. Após a ocorrência do acidente, a ré procede regularmente à limpeza dos resíduos existentes no pavimento da EN230, provenientes da entrada e saída de camiões e máquinas da referida pedreira.
         14. Em virtude do despiste e subsequente embate do veículo de matrícula (...)ZA este sofreu danos quer na parte frontal, quer na parte traseira, tendo sido necessário proceder à respectiva reparação pela forma que consta do orçamento constante de fls. 30 a 33 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, importando o custo da mesma no montante de € 6.729,77 (seis mil, setecentos e vinte e nove euros e setenta e sete cêntimos).
         15. O referido veículo esteve paralisado durante 12 meses.
         16. O veículo aludido em 1) era utilizado pelos AA. nas suas necessidades de deslocação quotidianas.
         17. Em virtude do acidente e durante o período de paralisação do veículo, os AA. necessitaram de utilizar um veículo emprestado por um familiar, sendo que se tivessem que suportar o custo de um veículo de substituição o mesmo ascenderia ao montante global de € 7.481,29 (durante o período de 12 meses).
         18. Em consequência do aludido de 1) a 6) os autores tiveram que se deslocar ao escritório do mandatário em Tondela em número de vezes não concretamente apurado, o que acarretou um custo de montante não concretamente apurado.
         19. Nas circunstâncias aludidas nos pontos 6 a 11 a autora seguia com as filhas, sendo que todas elas ficaram em estado de choque.
         20. Todas elas ficaram abaladas e pelo menos nos tempos que se seguiram ao acidente ficaram traumatizadas com o sucedido.
         21. A autora, principalmente nos tempos que se seguiram ao acidente, mostrou-se mais depressiva e desenvolveu algum receio pela condução, até porque, do lado direito para quem segue no mesmo sentido de marcha, depois de um pequeno muro com cerca de 1 metro de altura que ladeia a estrada, fica uma ravina com mais de 100 metros de altura.
         22. Os autores têm duas filhas: (…) e (…), nascidas em 17 de Janeiro de 2001 e 8 de Outubro de 2007, respectivamente.

         B) De Direito 
         Apreciada que se mostra a impugnação deduzida pela apelante à decisão do tribunal recorrido respeitante à matéria de facto, vejamos, então, se, como aquela pretende, a acção poderá improceder na totalidade, com base em que a culpa do acidente se ficou a dever única e exclusivamente à condutora do veículo que nele interveio, de matrícula (...)ZA.
         A tal propósito, cumpre, desde logo, referir que a matéria de facto levada em conta pelo tribunal recorrido que sustenta a decisão por este sufragada no tocante à responsabilização da R. pela eclosão do acidente em apreço se mantém inalterada.
         E, assim sendo, porque no que tange aos pressupostos da obrigação de indemnizar por banda da R. ora apelante a sentença recorrida fez uma correcta subsunção dos factos às normas jurídicas, à qual aderimos na integra e em relação ao que nada mais se impõe acrescentar, dúvidas não restam de que, conforme decidiu o tribunal a quo, a responsabilidade pela eclosão do acidente em apreço deve ser imputada unicamente à R. por inobservância do dever que sobre ela recaía de evitar o depósito de resíduos no pavimento da estrada ou pelo menos de sinalizar a existência dos mesmos, conduta essa da R. que foi causal do acidente, razão pela qual não poderá deixar de ser responsabilizada pelos danos que dele advieram para os AA.
         Debrucemo-nos, então, sobre as questões relacionadas com as indemnizações a fixar aos AA. suscitadas pela recorrente nas conclusões do recurso. 
Em matéria de indemnização civil por danos provocados vigora, como princípio geral, a regra da reposição ou reconstituição natural consagrada no Art. 562º do C.C., consubstanciada no dever de reconstituir a situação anterior à lesão, ou seja, o dever de reposição das coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o dano.
Por outro lado, para que o dano seja indemnizável exige-se que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pelo lesado, por forma a poder afirmar-se, à luz do direito, que o dano é resultante dessa violação.
A indemnização em dinheiro tem carácter excepcional ou subsidiário, tendo apenas lugar quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (Art. 566º C.C.). Em matéria de indemnização civil por danos provocados vigora, como princípio geral, a regra da reposição ou reconstituição natural consagrada no Art. 562º do C.C., consubstanciada no dever de reconstituir a situação anterior à lesão, ou seja, o dever de reposição das coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o dano.
Por outro lado, para que o dano seja indemnizável exige-se que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pelo lesado, por forma a poder afirmar-se, à luz do direito, que o dano é resultante dessa violação.
A indemnização em dinheiro tem carácter excepcional ou subsidiário, tendo apenas lugar quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (Art. 566º C.C.).
Na presente acção os AA. invocaram danos de natureza patrimonial e não patrimonial.
         Quanto aos danos de natureza patrimonial invocados pelos AA., decidiu-se na sentença a responsabilização da R. pelo pagamento ao A. P (…)da quantia de € 6.729,77 alusiva às despesas de reparação do veículo, a quantia de € 7.481,29 a título de indemnização pela privação de uso do veículo e a quantia de € 712,00 (setecentos e doze euros), a título de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Tendo em conta a factualidade provada, é inquestionável que se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar em relação ao custo da reparação do veículo ZA de que é proprietário o A. P (…) cujo montante se apurou ser de € 6.729,77, sendo certo que, ao contrário do pretendido pela apelante, não inviabiliza a obrigação de indemnizar que impende sobre a R. relativa ao custo dessa reparação a circunstância de a mesma se mostrar já ou ainda não paga ( o que em concreto nem sequer se apurou ) nem mesmo a circunstância dessa reparação se mostrar já ou ainda não efectuada,  pois que, a questão do não pagamento dessa reparação apenas poderá repercutir-se na esfera jurídica das entidades envolvidas nessa reparação (o proprietário desse veículo e a entidade que se obrigou a essa mesma reparação e que procedeu à mesma ).
Assim sendo, não merece qualquer censura a sentença recorrida na parte em que nela se decidiu ser a R. obrigada a indemnizar o A. P (…) na quantia de € 6.729,77 alusiva às despesas de reparação do veículo.
         Para além do assim nela decidido, também na sentença recorrida foi arbitrada ao A. P (…) a quantia de € 712,00 (setecentos e doze euros), a título de taxa de justiça e demais encargos com o processo, segmento da sentença este que a R. ora apelante apenas impugna, quer no corpo das alegação do presente recurso quer nas respectivas conclusões, na parte referente ao custo das deslocações dos autores ao escritório do seu mandatário em Tondela, quer quanto ao número dessas deslocações quer também quanto ao custo em que as mesmas importaram, deixando por impugnar a obrigação de indemnizar relativa à quantia de € 612,00 que os AA. auto-liquidaram a título de taxa de justiça em relação à qual ficou decidido que se verificavam os pressupostos da obrigação de indemnizar, razão pela qual, nesta parte ter-se-á de entender ter havido conformação por banda da R. ora apelante, estando vedado a este tribunal de recurso ponderar a assertividade  da decisão quanto a tal parcela indemnizatória.
         Tendo em conta que a factualidade relevante para apreciação de tal segmento do pedido sofreu alteração na parte respeitante ao número de deslocações feitas pelos autores ao escritório do seu mandatário em Tondela e ao custo de tais deslocações, impõe-se alterar a sentença recorrida, em consonância com essa alteração fáctica, por forma a considerar que a R. e ora apelante se constituiu na obrigação de indemnizar o A. P (…) na quantia de € 612,00 que os AA. auto-liquidaram a título de taxa de justiça e, ainda, no montante que vier a liquidar-se posteriormente referente quer quanto ao custo das deslocações feitas pelos autores ao escritório do seu mandatário em Tondela quer quanto ao número destas, nos termos do disposto no Art. 661º Nº2 do CPC.
         Ainda a título de danos patrimoniais foi decidido na sentença arbitrar ao A. P (...)a quantia indemnizatória de € 7.481,29 (sete mil quatrocentos e oitenta e um euros e vinte e nove cêntimos) a título de indemnização pela privação de uso do veículo.
         A factualidade provada com relevo para a apreciação de tal segmento do pedido após a alteração que relativamente a ela veio a ser decidida em consequência da impugnação deduzida no presente recurso, é a seguinte:
         - O referido veículo ( (...)ZA ) esteve paralisado durante 12 meses; era utilizado pelos AA. nas suas necessidades de deslocação quotidianas; em virtude do acidente e durante o período de paralisação do veículo, os AA. necessitaram de utilizar um veículo emprestado por um familiar, sendo que se tivessem que suportar o custo de um veículo de substituição o mesmo ascenderia ao montante global de € 7.481,29 (durante o período de 12 meses).
         Sobre a indemnização derivada da privação do uso de veículo em caso de acidente de viação desenham-se as teses de que se dá conta na sentença recorrida, divergentes entre si, que apontam, a maioritariamente seguida, no sentido de que a simples privação do uso, por si só, constitui um dano indemnizável, independentemente da utilização que se faça, ou não, do bem em causa durante o período da privação, enquanto que a minoritária vem entendendo que a indemnização pela privação do uso de certo bem, designadamente um veículo automóvel, depende da prova do dano concreto, ou seja, da concretização e demonstração dos prejuízos decorrentes directamente da não utilização do bem [a mera privação do uso de um veículo automóvel resultante da sua paralisação em resultado de estrago em acidente de viação, sem repercussão negativa no património do lesado em termos de dano específico emergente ou cessante, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil ]. 
         Tal como defendido na sentença recorrida, também nós perfilhamos do entendimento que maioritariamente vem sendo seguido no sentido de que a privação é geradora de dano ou prejuízo e que a privação do uso de uma coisa pode constituir um ilícito gerador da obrigação de indemnizar - uma vez que impede o seu dono do exercício dos direitos inerentes à propriedade, isto é, de usar, fruir e dispor do bem nos termos genericamente consentidos pelo art.º 1305º, do CC.
         Conforme se decidiu noAc. da Relação de Coimbra de 12.02.2008, disponível in www.dgsi.pt, « Estando um automóvel, em regra e por sua natureza, destinado a proporcionar ao seu proprietário e legítimo detentor utilidades (designadamente a possibilidade de se deslocar para onde quiser e quando quiser) que só podem ser fruídas pelo seu uso, impedido este, há um prejuízo que se traduz na impossibilidade de fruir essas utilidades, situação que pode ou não implicar lucros cessantes, e/ou danos emergentes com tradução monetária imediata, mas que, em regra, importa a frustração do gozo.
         Se a privação do uso do veículo durante um determinado período originou a perda de utilidades que o mesmo era susceptível de proporcionar e se essa perda não foi reparada mediante a forma natural de reconstituição, impõe-se que o responsável compense o lesado na medida equivalente.
         Cremos, porém que essa privação do uso embora condição necessária, pode não ser suficiente, para a existência de um dano correspondente a essa realidade de facto, porquanto “ podem ...configurar-se situações da vida real em que o titular da coisa não tenha interesse algum em usá-la, não pretenda dela retirar as utilidades que aquele bem normalmente lhe podia proporcionar (o que até constitui uma faculdade inerente ao direito de propriedade), ou pura e simplesmente não usa a coisa; (…) se o titular se não aproveita das vantagens que o uso normal da coisa lhe proporcionaria, também não poderá falar-se de prejuízo ou dano decorrente da privação do uso, visto que, na circunstância, não existe uso, e, não havendo dano, não há, evidentemente, obrigação de indemnizar; (…) competindo ao lesado provar o dano ou prejuízo que quer ver ressarcido, não chega alegar e provar a privação da coisa, pura e simplesmente, mostrando-se ainda necessário, que o A. alegue e demonstre que pretendia usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou algumas delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela actuação ilícita do lesante; (…) quando a privação do uso recaia sobre um veículo automóvel danificado num acidente de viação, bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usaria normalmente (o que na generalidade das situações concretas constituirá facto notório ou poderá resultar de presunções naturais a retirar da factualidade provada) para que possa exigir-se do lesante uma indemnização a esse título, sem necessidade de provar directa e concretamente prejuízos efectivos, como, por exemplo, que deixou de fazer esta ou aquela viagem de negócios ou de lazer, que teve de utilizar outros meios de transporte (táxi, transportes públicos, automóvel alugado, etc.) com o custo cor­respondente; (…) se puder ter-se por provado que o proprietário lesado utilizava na sua vida corrente e normal o veículo sinistrado, ficando privado desse uso ordinário em consequência dos danos sofridos pela viatura no acidente, provado está o prejuízo indemnizável durante o período de privação, ou, tratando-se de inutilização total, enquanto não for indemnizado da sua perda nos termos gerais. É neste contexto que dizemos que a privação do uso, constitui, por si, um prejuízo indemnizável”- veja-se de entre vários, perfilhando o entendimento maioritário, na jurisprudência os acórdãos do STJ de 29.11.2005, 09.12.2008, 12.01.2010, 09.3.2010, 16.3.2011, 03.5.2011, 28.9.2011, 15.11.2011 e de 10.01.2012, publicados, os dois primeiros, na CJ-STJ, XIII, 3, 151 e XVI, 3, 179, respectivamente, e os demais in www.dgsi.pt.; e, na doutrina, nomeadamente, Júlio Gomes, in Cadernos de Direito Privado, n.º 3, páginas 52 e seguintes e A. Abrantes Geraldes, in Temas da Responsabilidade Civil, Vol. I, “Indemnização do Dano da Privação do Uso”.
         Relativamente à mencionada corrente de entendimento minoritária, vide entre outros, os acórdãos do STJ de 04.10.2007, 30.10.2008 e 30.10.2008, publicados  in www.dgsi.pt.
         Na reparação do dano consistente na privação do uso do veículo por parte do lesado, em consequência de um sinistro rodoviário, podem equacionar-se duas distintas situações: uma delas em que se apura a concreta existência de despesas feitas pelo lesado em consequência dessa privação, como será por exemplo o caso mais comum em que o lesado se socorre do aluguer de veículo de substituição, contratando esse aluguer junto de empresas do ramo vulgarmente denominadas rent-a-car; e, uma outra situação em que não se apuram gastos alguns mas apenas que o lesado utilizava o veículo nas suas deslocações habituais (para fins profissionais ou de lazer) e que não lhe foi facultada pelo lesante viatura de substituição, tendo o mesmo ficado, por isso, impedido de fazer essas deslocações ou tendo o mesmo continuado a fazê-las socorrendo-se para o efeito de veículos de terceiros familiares e amigos que, a título de favor, lhe cederam por empréstimo tais veículos.
         Na primeira das apontadas situações, o lesado tem direito à reparação integral dos gastos/custos que teve por via da dita privação.
         Já na segunda, a medida da indemnização terá que ser encontrada com recurso à equidade, pois que deve concluir-se pela existência de um dano que se traduziu na impossibilidade do lesado utilizar o seu veículo nas suas deslocações diárias, profissionais e de lazer, havendo que encontrar em termos quantitativos um valor que se mostre adequado a indemnizar o lesado pela paralisação diária de um veículo que satisfaz as suas necessidades básicas diárias.
         Recorrendo aos critérios jurisprudenciais que têm vindo a ser seguidos em casos como o do autos em que a indemnização devida ao lesado pela paralisação diária de um veículo deverá ser ponderada à luz de critérios de equidade - de que constituem exemplos o Ac. do STJ de 09.03.2010, em que o valor considerado foi de €10,00 euros diários; o Ac. da Rel. do Porto de 07.09.2010 em que se considerou também o valor de €10,00 euros por dia de paralisação, o acórdão da Relação de Coimbra, de 02.03.2010 no qual foi fixada a quantia de € 8,00 por dia de privação, e, ainda, o Ac. da Rel. de Coimbra de 06-03-2012 no qual foi considerada também a quantia de €10,00 por dia, todos eles disponíveis em www.dgsi.pt – entendemos que peca, por excesso, a indemnização a esse respeito fixada na sentença ( € 7.481,29 ), por corresponder a uma quantia diária que rondará a de € 20,49/dia, muito superior aos parâmetros jurisprudenciais que vem sendo seguidos para situações similiares.
         Indemnização essa que, por isso, se entende dever ser reduzida para o montante diário de € 10,00, cifrando-se o montante de tal parcela indemnizatória tendo em conta o tempo de paralisação do veículo ZA, no montante de € 3.650,00 ( três mil, seiscentos e cinquenta euros ).
         Nem se diga, como pretende a apelante nas conclusões que formula  no presente recurso que tal indemnização não é devida por todo o tempo de paralisação do veículo, que veio a provar-se ter sido de 12 meses, por tal período de imobilização não ser da sua responsabilidade pelo facto de não ter sido convidada a reparar o dano durante todo esse período, razão pela qual, em seu entender, a ser devida tal indemnização, a mesma deverá apenas reportar-se ao período compreendido desde a data em que foi notificada para proceder à reparação dos danos sofridos pelos A. em consequência do acidente, até à efectiva reparação, ou seja, desde 3 de Maio de 2010 até 11 de Junho de 2010.
         A primeira observação que nos merece tal defesa da apelante prende-se com o facto de só em sede de recurso a mesma vir invocar o tempo de paralisação do veículo como factor de agravamento dos danos resultantes dessa paralisação, uma vez que em sede de contestação sobre essa paralisação – cujo período em concreto nem sequer impugnou – se limitou a dizer que os AA. “ não alegaram factos nem juntaram qualquer prova documental dos prejuízos sofridos com o tempo de imobilização da viatura “ e ainda que se “ prejuízos houvesse pelo tempo de paragem da viatura, que não existiram, apenas seria devido o valor correspondente aos dias necessários para a reparação do veículo sinistrado e não o tempo que os Autores entenderam por bem ter o veículo parado ou à espera de reparação “.
         Além disso, o que deflui da panóplia fáctica apurada relativa à referida data de 3 de Maio de 2010 é apenas que nessa data foi pelo Ilustre Mandatário dos autores  enviada carta registada à ré, nos termos constantes da cópia de fls. 61/62 cujo  teor aqui se dá por integralmente reproduzido, matéria essa que foi alegada pelos AA. e da qual nada se pode extrair a respeito de apenas nessa data de 3 de Maio de 2010 ter sido dado conhecimento à R. dos danos resultantes do acidente em discussão dos autos e de que os AA. lhe atribuíam a responsabilidade pelos mesmos.
         Assim sendo, facilmente se constata que a R. não alegou factualidade com pertinência para poder ser assacada culpa aos AA. pelo agravamento dos danos resultantes da paralisação do veículo, desde logo porque a fundamentação aduzida pela R. na contestação não tem essa virtualidade, tanto mais que incumbia à R. enquanto lesante diligenciar pela reparação dos danos causados com vista a evitar o agravamento destes, não estando os  AA. obrigados a diligenciar no sentido de evitar esse agravamento, o qual, bem poderia até continuar a perdurar se os AA. não tivessem diligenciado pela reparação do veículo por que a tal não estavam obrigados.
         Pelo que, por falta de alegação e prova pela R. - a quem competia  nos termos do disposto no Art. 342º Nº2 do C.C. - de factos susceptíveis de inculcar culpa dos AA. pelo atraso na reparação do veículo acidentado, não pode a R. esquivar-se ao ressarcimento do dano relativo à paralisação do veículo por todo o período, ainda que longo, durante o qual esta perdurou.
         Por último, importa apreciar se a indemnização fixada na sentença recorrida atinente aos danos não patrimoniais sofridos pela A. mulher – no montante de € 10.000,00 – se apresenta manifestamente exagerado e despropositada como defende a R. no presente recurso.
         Para além do mais que a propósito dos danos de natureza não patrimonial se discorreu na sentença recorrida sobre os parâmetros legais e doutrinais a ter conta na fixação de tais danos que merece, pela devida assertividade, o acolhimento deste tribunal, cumpre tecer algumas considerações.
         Não é fácil definir o dano não patrimonial.
        Para De Cupis, in  Il Danno, 1946, pág. 32, se se quer dar uma noção lógica e completa dos danos não patrimoniais, é preciso não a limitar ao campo dos sofrimentos físicos ou morais mas concebe-la como compreendendo todos os danos que não estão abrangidos no grupo dos danos patrimoniais; ou seja que o seu conceito mais não pode ser do que negativo.
        Dano não patrimonial é o que tem por objecto um interesse não patrimonial, isto é, um interesse não avaliável em dinheiro - neste sentido se refere o BMJ, n.º 83, pág. 69. 
No caso dos danos não patrimoniais em geral, é manifesta a impossibilidade de reparação natural do dano. Por outro lado, tem de se reconhecer uma certa incompatibilidade de correspondência económica entre o dano e a sua expressão monetária por se tratar de planos valorativos diferentes: por um lado o plano dos valores e, por outro, o plano material da expressão monetária. Tendo em conta essa dificuldade o legislador estabeleceu que no cálculo da indemnização por danos não patrimoniais se deve recorrer à equidade, tendo em conta os danos causados, o grau de culpa, a situação económica do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do facto (art.º 496.º, n.º 3 e 494.º).
         Nos danos não patrimoniais, "a grandeza do dano só é susceptível de determinação indiciária fundada em critérios de normalidade. É insusceptível de medida exacta, por o padrão ser constituído por algo qualitativo diverso como é o dinheiro, meio da sua compensação" – neste sentido Leite Campos, in A Indemnização do Dano Morte, p. 12.
         Com efeito, com bem defende Delfim Maya de Lucena, in Danos Não Patrimoniais, Coimbra, 1985, página 22, «No domínio dos danos não patrimoniais, atendendo a que a reconstituição natural não é possível, como o não é a tradução em números do volume de dores, angústias e desilusões, o legislador manda logo julgar de acordo com a equidade (cfr. art.° 496°, n° 3 do C.C. que remete para o art° 494° do mesmo diploma), devendo o juiz procurar um justo grau de "compensação"».
         Embora tendo de assentar a apreciação dos danos de natureza não patrimonial na respectiva gravidade a aferir do concreto circunstancialismo envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana, na medida em que esta sensibilidade não pode ser apanágio exclusivo do julgador que no caso concreto deve fixar o “quantum” indemnizatório, sob pena de situações com estreita afinidade poderem ser tratadas de modos muito díspares emergentes da diversidade individual de cada juiz e sob pena de se violar o artigo 8.º, n.º3 do C. Civil.
         Sendo certo que o julgador não está, nestes casos, subordinado aos critérios normativos fixados na lei, por uma razão de justiça relativa, deve também procurar casos semelhantes decididos na jurisprudência e ver quais os valores então atribuídos a título indemnizatório, comparando os valores entre si e com o valor pedido no caso dos autos.
         A jurisprudência tem vindo a evoluir no sentido de considerar que a indemnização por danos não patrimoniais, para poder constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar.
         Desde há muito vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça que «(...) no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente »; e que a quantia devida por estes danos não tem por fim «a reconstrução da situação anterior ao acidente, mas principalmente compensar o autor, na medida do possível das dores e incómodos que suportou e se mantém como resultado da situação para que o acidente o arrastou, e deve a mesma ser calculada pondo em confronto a situação patrimonial do lesado (real) e a que teria se não tivessem existido danos», jurisprudência que se mantém actual conforme as inúmeras decisões que se podem consultar a propósito no caderno de jurisprudência temática disponível no sítio do STJ já referido nestes autos – vide a tal propósito Acs. do STJ de 30.10.96, in BMJ 460, pág. 444, de 26.01.94 in CJSTJ, Tomo I, pág.65 e de 16.12.93, in CJSTJ, Tomo III, pág.181 e de 19-05-2009, disponível in www.dgsi.pt.
         Concretamente sobre a gravidade dos danos, ensina o Prof. Antunes Varela, in Obrigações, pag. 428, que e gravidade mede-se por um padrão objectivo ( conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias concretas ); por outro lado apreciar-se-ía em função da tutela do direito. O dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão da indemnização pecuniária ao lesado.
         No caso em vertente logrou provar-se na sequência da alteração que nessa parte veio a sofrer a matéria de facto decidida pelo tribunal recorrido e com relevo para a apreciação dos danos de natureza não patrimonial sofridos pela A. mulher a seguinte factualidade:
         - Nas circunstâncias aludidas nos pontos 6 a 11 a autora seguia com as filhas, sendo que todas elas ficaram em estado de choque [ ponto 19. da factualidade provada ].
         - Todas elas ficaram abaladas e pelo menos nos tempos que se seguiram ao acidente ficaram traumatizadas com o sucedido [ ponto 20. da factualidade provada ].
         - A autora, principalmente nos tempos que se seguiram ao acidente, mostrou-se mais depressiva e desenvolveu algum receio pela condução, até porque, do lado direito para quem segue no mesmo sentido de marcha, depois de um pequeno muro com cerca de 1 metro de altura que ladeia a estrada, fica uma ravina com mais de 100 metros de altura. [ ponto 21. da factualidade provada ].
         - Os autores têm duas filhas: (…) nascidas em 17 de Janeiro de 2001 e 8 de Outubro de 2007, respectivamente [ ponto 22. da factualidade provada ].
         Tal factualidade assume, em nosso entender, gravidade que merece a tutela do direito, pois que, não revela, ao contrário do pretendido pela recorrente, um mero susto sofrido pela A. mulher em consequência do despiste do veículo por ela conduzido, antes sim, um conjunto de abalos, traumas e receios que a arrastaram para um estado depressivo merecedores de tutela jurídica.
         Cremos, porém, pecar por exagerado o montante indemnizatório fixado na sentença no que tange a tais danos ( € 10.000,00 ) assim como também pecar por defeito o montante proposto pela apelante no presente recurso para  a hipótese de vir a entender-se que tais danos são indemnizáveis ( € 500,00 ), revelando-se, a nosso ver, equilibrado, perante o quadro factual supra descrito, fixar em € 3.000,00 ( três mil euros ) o montante devido à A. mulher a título de danos não patrimoniais.
         Conclui-se, pois, pela alteração da sentença em consonância com o decidido a propósito dos montantes indemnizatórios vindos de analisar, mantendo-se no mais a mesma.

IV- SUMÁRIO ( Art. 713º Nº7 C.P.C. )
         1. Na reparação do dano consistente na privação do uso do veículo por parte do lesado, em consequência de um sinistro rodoviário, podem equacionar-se duas distintas situações:
         - uma delas em que se apura a concreta existência de despesas feitas pelo lesado em consequência dessa privação, como será por exemplo o caso mais comum em que o lesado se socorre do aluguer de veículo de substituição, contratando esse aluguer junto de empresas do ramo;
         - uma outra situação em que não se apuram gastos alguns mas apenas que o lesado utilizava o veículo nas suas deslocações habituais (para fins profissionais ou de lazer) e que não lhe foi facultada pelo lesante viatura de substituição, tendo o mesmo ficado, por isso, impedido de fazer essas deslocações ou tendo o mesmo continuado a fazê-las socorrendo-se para o efeito de veículos de terceiros familiares e amigos que, a título de favor, lhe cederam por empréstimo tais veículos.
         2. Na primeira das apontadas situações, o lesado tem direito à reparação integral dos gastos/custos que teve por via da dita privação.
         3. Já na segunda, a medida da indemnização terá que ser encontrada com recurso à equidade, pois que deve concluir-se pela existência de um dano que se traduziu na impossibilidade do lesado o utilizar nas suas deslocações diárias, profissionais e de lazer, havendo que encontrar em termos quantitativos um valor que se mostre adequado a indemnizar o lesado pela paralisação diária de um veículo que satisfaz as suas necessidades básicas diárias.
         4. A apreciação dos danos de natureza não patrimonial tendo de assentar na respectiva gravidade, deve medir-se por um padrão objectivo ( conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias concretas ) e, para serem merecedores da tutela do direito, devem ser de tal modo graves que justifiquem a concessão da indemnização pecuniária ao lesado.

         V- DECISÃO     
         Pelo exposto, na parcial procedência da apelação, revoga-se a sentença recorrida, condenando-se a R.:
         I- A pagar ao Autor P (…) as seguintes importâncias:
         a) a quantia de € 6.729,77 (seis mil, setecentos e vinte e nove euros e setenta e sete cêntimos), alusiva às despesas de reparação do veículo;
         b) a quantia de € 3.650,00 ( três mil, seiscentos e cinquenta euros ), a título de indemnização pela privação de uso do veículo;
         c) a quantia de € 612,00 a título de taxa de justiça e, ainda, o montante que vier a liquidar-se posteriormente referente quer quanto ao custo das deslocações feitas pelos autores ao escritório do seu mandatário em Tondela quer quanto ao número destas;
         II - a pagar à Autora B (…) a quantia de € 3.000,00 ( três mil euros), a título de ressarcimento por danos não patrimoniais sofridos.
         III - Absolver a Ré do demais peticionado.

         Custas em ambas as instâncias por A. e R. na proporção do respectivo decaimento.

                                              
Coimbra, 2013.09.10

Maria José Guerra ( Relatora)
Carlos Moreira 
Carvalho Martins